quinta-feira, 21 de julho de 2011

O Conde de Monte Cristo - Capitulo 25


XXV

O DESCONHECIDO




N
asceu o dia. Dantés esperava-o havia muito tempo, acordado. Logo que brilhavam os primeiros raios de Sol, levantou-se e subiu, como na véspera, no rochedo mais alto da ilha, a fim de explorar os arredores. Como na véspera, tudo estava deserto.
Edmond desceu, levantou a pedra, encheu as algibeiras de pedrarias, recolocou o melhor que pode as tábuas e as ferragens do cofre, cobriu-o de terra, calcou-a e deitou-lhe areia por cima, a fim de tornar o lugar recentemente revolvido idêntico ao resto do solo. Saiu da gruta, recolocou a laje e amontoou em cima dela pedras de diversos tamanhos. Introduziu terra nos intervalos, plantou nesses intervalos mirtos e urzes, regou as plantações novas para que parecessem antigas, apagou os sinais dos seus passos, que rodeavam abundantemente o local e esperou com impaciência o regresso dos companheiros.
Com efeito, agora já se não tratava de passar o tempo a admirar o ouro e os diamantes, a permanecer em Monte Cristo como um dragão que guardasse inúteis tesouros. Agora era necessário regressar à vida entre os homens e tomar na sociedade a categoria, a influência e o poder que dá neste mundo a riqueza, a primeira e a maior das forças de que pode dispor a criatura humana.
Os contrabandistas regressaram no sexto dia. Dantés reconheceu de longe o porte e o andamento da Jeune-Amélie. Arrastou-se até ao porto como Filoctetes ferido e quando os companheiros ancoraram anunciou-lhes embora ainda queixando-se, melhoras sensíveis.
Depois escutou por seu turno o relato dos aventureiros. Tinham-se saído bem, era verdade, mas mal a carga fora descarregada tinham sido avisados de que um brigue de vigilância em Toulon acabava de sair do porto e vinha ao encontro deles. Tinham fugido a todo o pano, lamentando que Dantés, que sabia dar ao navio uma velocidade tão superior, não estivesse lá para dirigir. Com efeito, não tardaram a ver o navio caçador, mas com o auxílio da noite e dobrando o cabo da Córsega, conseguiram escapar-lhe.
Em suma, a viagem não fora má. E todos, e, sobretudo Jacopo, lamentava que Dantés não tivesse ido, a fim de ter a sua parte nos lucros que o negócio rendera, parte que ascendia a cinqüenta piastras.
Edmond manteve-se impenetrável; nem sequer sorriu quando enumeraram as vantagens que teria compartilhado se tivesse podido deixar a ilha. Mas como a Jeune-Amélie apenas viera a Monte Cristo para buscá-lo, reembarcou naquela mesma noite e acompanhou o patrão a Liorne.
Em Liorne procurou um judeu e vendeu por cinco mil francos cada um dos quatro dos seus mais pequenos diamantes. O judeu gostaria de saber como é que um marinheiro se encontrava de posse de semelhantes pedras, mas conteve a curiosidade, pois ganhava mil francos em cada uma.
No dia seguinte comprou um barco novinho em folha, que deu a Jacopo, bem como mais cem piastras para que pudesse contratar uma tripulação. E isto com a condição de Jacopo ir a Marselha procurar notícias de um velho chamado Louis Dantés, residente nas Alamedas de Meilhan, e de uma moça moradora na aldeia dos Catalães chamada Mercedes.
Jacopo julgou sonhar. Edmond contou-lhe então que se tornara marinheiro devido a uma cabeçada e porque a família lhe recusava o dinheiro necessário à sua manutenção. Mas que ao chegar a Liorne recebera a herança de um tio que o nomeara seu único herdeiro. A educação elevada de Dantés dava a essa história tal verosimilhança que Jacopo nem por um instante duvidou que o seu antigo companheiro lhe não dissesse a verdade.
Por outro lado, como o contrato de Edmond a bordo da Jeune-Amélie expirara, o jovem despediu-se do patrão, que começou por tentar retê-lo, mas que ao saber como Jacopo a história da herança perdeu imediatamente a esperança de vencer a resolução do seu antigo marinheiro.
No dia seguinte, Jacopo fez-se de vela para Marselha. Deveria reencontrar-se com Edmond em Monte Cristo.
No mesmo dia, Dantés partiu sem dizer para onde ia, depois de se despedir da tripulação da Jeune-Amélie com uma esplêndida gratificação e do patrão com a promessa de lhe dar qualquer dia notícias suas.
Dantés seguiu para Gênova.
No momento da sua chegada experimentava-se um iatezinho encomendado por um inglês que, tendo ouvido dizer que os Genoveses eram os melhores construtores do Mediterrâneo, quisera ter um iate construído em Gênova. O inglês ajustara o preço de quarenta mil francos; Dantés ofereceu sessenta mil, com a condição de o navio lhe ser entregue naquele mesmo dia.
O inglês fora dar uma volta pela Suíça enquanto esperava que o navio fosse construído e só deveria voltar dentro de três semanas ou um mês. O construtor pensou que teria tempo de pôr outro no estaleiro. Dantés levou o construtor a casa de um judeu, entrou com ele para os fundos da loja e o judeu contou sessenta mil francos ao construtor.
Este ofereceu a Dantés os seus serviços para lhe arranjar uma tripulação, mas Dantés agradeceu-lhe, dizendo-lhe que estava habituado a navegar sozinho e que a única coisa que desejava era que lhe fizessem no camarote, à cabeceira da cama, um armário secreto, com três compartimentos também secretos. Deu as medidas dos compartimentos e estes foram executados no dia seguinte.
Duas horas mais tarde, Dantés saia do porto de Gênova escoltado pelos olhares de uma multidão de curiosos que queriam ver o cavalheiro espanhol que tinha o hábito de navegar sozinho.
Dantés desvencilhou-se maravilhosamente. Com a ajuda do leme, e sem ter necessidade de o deixar, obrigou o navio a fazer todas as evoluções que quis. Dir-se-ia um ser inteligente pronto a obedecer ao mais pequeno gesto, a ponto de o próprio Dantés concordar que os genoveses mereciam a sua reputação de primeiros construtores navais do mundo.
Os curiosos seguiram o naviozinho com os olhos até o perderem de vista, e então discutiu-se qual seria o seu destino. Uns inclinaram-se para a Córsega, outros para a Ilha de Elba; estes dispuseram-se a apostar que ia para Espanha, aqueles teimaram que seguia para a África. Ninguém pensou em indicar a Ilha de Monte Cristo.
No entanto, era para Monte Cristo que ia Dantés. Chegou ao fim do segundo dia. O navio era excelente veleiro e percorrera a distancia em trinta e cinco horas. Dantés reconhecera perfeitamente a costa e, em vez de entrar no porto habitual, lançou ferro na enseadazinha.
A ilha estava deserta. Ninguém parecia ter ali desembarcado desde que Dantés partira. Foi procurar o seu tesouro; encontrava-se tudo no mesmo estado em que o deixara. No dia seguinte a sua imensa fortuna foi transportada para bordo do iate e fechada nos três compartimentos do armário secreto.
Dantés esperou mais oito dias. Entretanto, manobrou o iate à roda da ilha, estudando-o como um picador estuda um cavalo. Ao fim desse tempo conhecia-lhe todas as qualidades e todos os defeitos. Dantés prometeu a si mesmo aumentar uns e remediar outros.
Ao oitavo dia, Dantés viu um barquinho dirigir-se para a ilha com todas as velas desfraldadas e reconheceu a embarcação de Jacopo. Fez-lhe um sinal a que Jacopo correspondeu e duas horas mais tarde o barco estava junto do iate.
Havia uma triste resposta para cada uma das duas perguntas de Edmond.
O velho Dantés morrera.
Mercedes desaparecera.
Edmond escutou as duas notícias com ar calmo, mas desceu imediatamente a terra e proibiu que o acompanhassem.
Duas horas mais tarde voltou. Dois homens do barco de Jacopo passaram para o iate a fim de ajudarem na manobra e Dantés ordenou que se aproasse a Marselha. Previra a morte do pai; mas que fora feito de Mercedes?
Edmond não poderia dar instruções suficientes a um agente sem divulgar o seu segredo. De resto, havia mais informações que desejava obter e acerca das quais só confiava em si mesmo. O espelho dissera-lhe em Liorne que não corria o perigo de ser reconhecido. Aliás, tinha agora ao seu dispor todos os meios de se disfarçar. Assim, uma manhã, o iate, seguido do barquinho, entrou ousadamente no porto de Marselha e deteve-se precisamente defronte do lugar onde na noite de fatal memória o tinham embarcado para o Castelo d’If .
Não foi sem certo estremecimento que Dantés viu aproximar-se um guarda no escaler da Sanidade. Mas com a segurança perfeita que adquirira apresentou-lhe um passaporte inglês que comprara em Liorne e mediante esse salvo-conduto estrangeiro, muito mais respeitado na França do que o nosso, desceu a terra sem dificuldade.
A primeira coisa que Dantés viu ao pôr o pé na Cannebiére foi um dos marinheiros do Pharaon, o homem servira sob as suas ordens e vinha a propósito para tranqüilizar Dantés a respeito das mudanças que se tinham operado em si. Foi direito ao homem e fez-lhe várias perguntas às quais ele respondeu sem sequer deixar suspeitar, quer nas suas palavras, quer na sua fisionomia, que se lembrava de ter visto alguma vez aquele que lhe dirigia a palavra.
Dantés deu ao marinheiro uma moeda de ouro para lhe agradecer as informações. Um instante depois ouviu o bom homem correr atrás de si.
Dantés voltou-se.
— Desculpe, senhor — disse o marinheiro — Mas com certeza enganou-se. Deve ter querido dar-me uma moeda de quarenta soldos e deu-me um duplo Napoleão.
— De fato meu amigo, enganei-me — respondeu Dantés — Mas como a sua honestidade merece uma recompensa, aqui tem outro que lhe peço aceite para beber à minha saúde com os seus camaradas.
O marinheiro olhou para Dantés tão espantado que nem sequer se lembrou de agradecer e ficou a vê-lo afastar-se dizendo:
— É algum nabado vindo da índia.
Dantés continuou o seu caminho. Cada passo que dava oprimia-lhe o coração uma emoção nova. Todas as suas recordações de infância recordações indeléveis, eternamente presentes na memória, estavam ali erguiam-se a cada canto da praça, a cada esquina da rua, em cada cruzamento. Ao chegar ao fim da Rua de Noailles e ver a Alameda de Meilhan, sentiu os joelhos vergarem-se e quase caiu debaixo das rodas de uma carruagem. Por fim chegou à casa onde morara o pai. As aristolóquias e as capuchinhas tinham desaparecido da mansarda, onde outrora a mão do pobre homem as tratava com tanto cuidado.
Encostou-se a uma árvore e ficou algum tempo pensativo, a olhar os últimos andares da modesta casinha. Por fim dirigiu-se para a porta, transpôs o limiar, perguntou se havia alguma habitação vaga e, apesar de estar ocupada, insistiu tanto em visitar a do quinto andar que o porteiro subiu e pediu, da parte de um estrangeiro, às pessoas que lá moravam, licença para mostrar as duas divisões que constituíam o andar. As pessoas que ocupavam o pequeno apartamento eram um rapaz e uma moça casados havia apenas oito dias.
Ao ver os dois jovens, Dantés soltou um profundo suspiro.
Nada recordava já a Dantés o apartamento do pai. O papel não era o mesmo e todos os velhos móveis, esses amigos de infância de Edmond, presentes na sua memória em todos os pormenores, tinham desaparecido. Só as paredes eram as mesmas. Dantés virou-se para o lado da cama, que ocupava o mesmo lugar da do antigo inquilino. A seu pesar, os olhos de Edmond encheram-se de lágrimas. Devia ter sido ali que o velho morrera chamando pelo filho.
Os dois jovens olhavam com espanto aquele homem de rosto severo, pelas faces do qual corriam duas grossas lágrimas sem que ele se importasse Mas como toda a dor traz consigo a sua religião, os jovens não perguntaram nada ao desconhecido. Limitaram-se a recuar para o deixar chorar à vontade, e quando se retirou acompanharam-no e disseram-lhe que poderia voltar quando quisesse, pois a sua pobre casa lhe seria sempre hospitaleira.
Ao passar pelo andar de baixo, Edmond parou diante de outra porta e perguntou se continuava a morar ali o alfaiate Caderousse. Mas o porteiro respondeu-lhe que o homem a quem se referia tivera maus negócios e possuía agora uma estalagenzinha na estrada de Bellegarde a Beaucaire.
Dantés desceu, perguntou a morada do proprietário da casa das Alamedas de Meilhan, dirigiu-se para lá, fez-se anunciar sob o nome de Lorde Wilmore (o nome e o título inscritos no passaporte) e comprou-lhe o prédio por vinte e cinco mil francos. Eram, pelo menos, mais dez mil francos do que valia. Mas se lhe tivessem pedido meio milhão, Dantés teria dado.
No mesmo dia, os inquilinos do quinto andar foram avisados pelo tabelião que lavrara a escritura de que o novo proprietário lhos dava a escolher um apartamento em todo o prédio, sem aumentar de forma alguma a renda, com a condição de lhe cederem os dois quartos que ocupavam. Este acontecimento estranho ocupou durante mais de oito dias todos os freqüentadores habituais das Alamedas de Meilhan e originou mil e uma conjecturas, nenhuma das quais exata.
Mas o que, sobretudo confundiu todos os cérebros e perturbou todos os espíritos foi ver-se à tardinha o mesmo homem que se vira entrar na casa das Alamedas de Meilhan a passear na aldeola dos Catalães e entrar numa pobre casa de pescadores, onde ficou mais de uma hora a pedir notícias de diversas pessoas que tinham morrido ou desaparecido havia mais de quinze ou dezesseis anos.
No dia seguinte, as pessoas em casa de quem entrara para fazer todas essas perguntas receberam como presente um barco catalão novinho em folha acompanhado de duas chinchas e de uma xávega. Essa pobre gente bem gostaria de agradecer ao generoso perguntador, mas ao deixá-los tinham-no visto, depois de dar algumas ordens a um marinheiro, montar a cavalo e sair de Marselha pela porta de Aix.






continua...



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