sexta-feira, 30 de setembro de 2011

O Conde de Monte Cristo - Capítulo 87




LXXXVII

A PROVOCAÇÃO




— Então — continuou Beauchamp — Aproveitei o silêncio e a obscuridade da sala para sair sem ser visto. O contínuo que me introduzira esperava-me à porta. Conduziu-me através dos corredores até uma portinha que dava para a Rua de Vaugirard e saí com a ahlia simultaneamente amargurada e deslumbrada perdoe-me a expressão, Albert. Amargurada por sua causa, meu amigo, deslumbrada pela nobreza daquela moça, que colocara acima de tudo a vingança paterna. Sim, juro-lhe, Albert, seja qual for a origem daquela revelação, estou convencido de que, embora possa ser obra de um inimigo, esse inimigo foi apenas um agente da Providência.
Albert segurava a cabeça entre as mãos. Levantou o rosto rubro de vergonha e banhado em lágrimas, agarrou num braço de Beauchamp e disse-lhe:
— Amigo, a minha vida terminou. Resta-me, não dizer como você, que a Providência me vibrou o golpe, mas sim descobrir qual o homem que me persegue com a sua inimizade. Depois, quando o encontrar, matarei esse homem, ou esse homem me matará. Conto com a sua amizade para me ajudar. Beauchamp, se o desprezo ainda a não matou no seu coração.
— O desprezo, meu amigo? Porque havia de ser atingido por essa infelicidade? Não! Graças a Deus já não estamos no tempo em que um preconceito injusto tornava os filhos responsáveis pelos atos dos pais. Reveja toda a sua vida, Albert; data de ontem, é certo, mas alguma vez a aurora de um belo dia foi mais pura do que o seu oriente. Não, Albert, acredite. Você é jovem, é rico, deixe a França. Tudo se esquece depressa nesta grande Babilônia, na existência agitada e nos gostos inconstantes. Voltará dentro de três ou quatro anos, depois de casar com alguma princesa russa, e ninguém já se lembrará do que se passou ontem, e com mais forte razão do que se passou há dezesseis anos.
— Obrigado, meu caro Beauchamp, obrigado pela excelente intenção que lhe dita essas palavras, mas não pode ser assim. Disse-lhe qual era o meu desejo, e agora, se for preciso, trocarei a palavra desejo pela palavra vontade. Como deve compreender, interessado como sou no caso, não posso ver as coisas do mesmo modo que você. O que a si parece provir de uma fonte celeste, parece-me a mim brotar de uma fonte menos pura. A Providência parece-me, confesso-lhe, muito estranha a tudo isto, e ainda bem, porque assim, em vez do invisível e do impalpável mensageiro das recompensas e dos castigos celestes, encontrarei um ser palpável e visível no qual me vingarei. Oh, sim, juro-lho, por tudo o que sofro há um mês! Agora repito-lhe, Beauchamp, tenho de reentrar na vida humana e material, e se é ainda meu amigo como diz, ajude-me a encontrar a mão que desferiu o golpe.
— Seja! — respondeu Beauchamp — Se quer absolutamente que desça à terra, descerei; se quer ir em busca de um inimigo, irei consigo. E o encontrarei, porque a minha honra tem quase tanto interesse como a sua em que o encontremos.
— Nesse caso, Beauchamp, comecemos agora mesmo, sem demora, as nossas investigações. Cada minuto de espera é uma eternidade para mim. O denunciante ainda não foi punido e pode, portanto esperar não o ser. Mas, pela minha honra, se o espera, engana-se!
— Escute o que vou lhe dizer, Morcerf.
— Ah, Beauchamp, vejo que sabe alguma coisa!... Isso é o mesmo que restituir-me a vida.
— Não garanto que seja verdade, Albert, mas é pelo menos uma luz na noite. Seguindo essa luz, talvez ela nos conduza ao objetivo.
— Diga! Bem vê que ardo de impaciência.
— Pois bem, vou-lhe contar o que lhe não quis dizer no regresso de Janina.
— Fale.
— Eis o que se passou, Albert: muito naturalmente, procurei o primeiro banqueiro da cidade para obter informações. Mal me referi ao caso, ainda antes do nome do seu pai ser pronunciado, disse-me ele:
“— Ah, muito bem, adivinho o que o traz aqui!...
“— Como assim? Porquê?
“— Porque apenas há quinze dias fui interrogado sobre o mesmo assunto.
“— Por quem?
“— Por um banqueiro de Paris, meu correspondente.
“— Chamado?”
“— Sr. Danglars.
— Ele! — exclamou Albert — Com efeito, é ele que há muito tempo persegue o meu pobre pai com o seu ódio invejoso; ele, o homem pretensamente popular, que não pode perdoar ao Conde de Morcerf ser Par de França. E veja, aquele rompimento de casamento sem motivo declarado... sim, é isso!
— Informe-se, Albert, mas não perca a cabeça antecipadamente. Informe-se, repito-lhe, e se for verdade...
— Oh, sim, se for verdade... me pagará tudo o que tenho sofrido! — exclamou o jovem.
— Cautela, Morcerf, lembre-se de que é um homem velho.
— Olharei à sua idade tanto como ele olhou à honra da minha família. Se queria mal ao meu pai, porque não o atacou cara a cara? Oh, não, ele tem medo de se encontrar diante de um homem!
— Albert, não o condeno, estou apenas a aconselhá-lo: ande com prudência.
— Oh, não tenha medo! De resto, me acompanhará, Beauchamp. As coisas solenes devem ser tratadas diante de testemunhas. Antes do fim deste dia, se o Sr. Danglars for culpado, o Sr. Danglars deixará de viver ou eu estarei morto. Por Deus, Beauchamp, quero fazer um lindo funeral à minha honra!
— Sendo assim, quando se tomam semelhantes resoluções, Albert, é necessário pô-las imediatamente em prática. Quer ir a casa do Sr. Danglars?
— A caminho!
Mandaram chamar um cabriole de praça. Quando entraram no palácio do banqueiro, viram o faeton e o criado do Sr. Andréa Cavalcanti à porta.
— Calha bem — declarou Albert com voz sombria — Se o Sr. Danglars não quiser se bater comigo, matarei o genro. Decerto um Cavalcanti não recusará bater-se...
Anunciaram o jovem ao banqueiro, o qual, ao ouvir o nome de Albert e sabendo o que se passara na véspera, recusou recebê-lo. Mas era demasiado tarde, pois o jovem seguira o lacaio e, ao ouvir a ordem dada, forçou a entrada, seguido de Beauchamp, até ao gabinete do banqueiro.
— Que é isto?! — protestou este — Já não sou senhor de receber em minha casa quem quero e de não receber quem não quero? Parece-me que o esquece, estranhamente...
— Não, senhor — redargüiu Albert com frieza — Mas há circunstâncias, e o senhor encontra-se numa delas, em que devemos, a não ser que sejamos covardes, e não tenho dúvida em oferecer-lhe esse refúgio, estar em casa pelo menos para certas pessoas.
— Mas que me quer o senhor?
— Quero — respondeu Morcerf, aproximando-se sem parecer reparar em Cavalcanti, que estava encostado à chaminé — Quero propor-lhe um encontro num canto discreto, onde ninguém nos incomodará durante dez minutos... não lhe peço mais. Onde, enfim, depois do encontro, desses dois homens um deles ficar caído no chão...
Danglars empalideceu e Cavalcanti fez um movimento. Então, Albert virou-se para o rapaz e disse:
— Oh, meu Deus, também pode ir, se quiser, Sr. Conde! Tem o direito de estar lá, visto ser quase da família, e eu concedo encontros destes a tantas pessoas quantas os quiserem aceitar.
Cavalcanti olhou com ar estupefato para Danglars, o qual, fazendo um esforço, se levantou e foi colocar entre os dois jovens. O ataque de Albert a Andréa acabava de o colocar em outro terreno e por isso esperava que a visita de Albert tivesse causa diferente da que supusera de início.
— Então, senhor — disse a Albert — Se vem aqui provocar este senhor porque o preferi a si, previno-o de que apresentarei queixa ao procurador régio.
— Engana-se, senhor — perguntou Morcerf com um sorriso sombrio — Não me refiro de modo nenhum a esse casamento e só me dirijo ao Sr. Cavalcanti porque me pareceu que teve por momentos a intenção de intervir na nossa discussão. Mas no fundo, o senhor tem razão: de fato, hoje procuro questionar todas as pessoas. Esteja, porém tranqüilo, Sr. Danglars, porque a prioridade lhe pertence.
— Senhor — respondeu Danglars, pálido de cólera e medo — Previno-o de que quando tenho a pouca sorte de encontrar no meu caminho um cão raivoso, mato-o, e de que, longe de me considerar culpado, penso ter prestado um serviço à sociedade. Ora, se o senhor está raivoso e disposto a morder-me, previno-o de que o matarei sem piedade. Irra, tenho porventura culpa de o seu pai estar desonrado?!
— Tem, miserável! — gritou Morcerf — A culpa é sua!
Danglars deu um passo atrás.
— A culpa é minha?... — murmurou — O senhor esta louco! Que sei eu dessa história grega? Alguma vez viajei por esses países? Fui eu que aconselhei o seu pai a vender os castelos de Janina, a trair...
— Silêncio! — disse Albert em voz abalada — Não, não foi o senhor quem diretamente promoveu o escândalo e ocasionou a desgraça, mas foi o senhor quem hipocritamente o provocou.
— Eu?!
— Sim, o senhor! De onde veio a revelação?
— Parece-me que o jornal já o disse: de Janina, com a breca!
— E quem escreveu para Janina?
— Para Janina?...
— Sim. Quem escreveu pedindo informações acerca do meu pai?
— Parece-me que qualquer pessoa pode escrever para Janina...
— Mas só uma escreveu.
— Só uma?
— Sim! E essa pessoa foi o senhor.
— Escrevi, de fato. Parece-me que quando casamos uma filha com um rapaz temos o direito de nos informar acerca da família desse rapaz. É não só um direito, mas também um dever.
— O senhor escreveu sabendo perfeitamente a resposta que receberia — replicou Albert.
— Eu? Juro-lhe — protestou Danglars, com uma convicção e uma segurança que provinham talvez menos do seu medo do que do interesse que no fundo sentia pelo pobre rapaz — Juro-lhe que nunca me teria passado pela cabeça escrever para Janina. Porventura conhecia a catástrofe de Ali-Paxá?
— Então alguém o incitou a escrever?
— Claro.
— Incitaram-no?
— Sim.
— Quem?... Acabe... diga...
— Meu Deus, nada mais simples! Falava do passado do seu pai e dizia que a origem da sua fortuna sempre fora obscura. Perguntaram-me então onde enriquecera o seu pai. Respondi: “Na Grécia”. Então o meu interlocutor disse-me “Pois bem, escreva para Janina”.
— E quem lhe deu esse conselho?
— Ora, ora, o Conde de Monte Cristo, seu amigo!
— O Conde de Monte Cristo disse-lhe que escrevesse para Janina?
— Disse e eu escrevi. Quer ver a minha correspondência? Posso mostrar-lhe.
Albert e Beauchamp entreolharam-se.
— Senhor — disse então Beauchamp, que até ali estivera calado — Parece-me que acusa o Conde, que está ausente de Paris e que se não pode justificar neste momento...
— Eu não acuso ninguém, senhor — perguntou Danglars — Conto como as coisas se passaram e repetirei diante do Sr. Conde de Monte Cristo o que acabo de dizer diante dos senhores.
— E o Conde sabe que resposta recebeu?
— Mostrei-lhe.
— Sabia que o nome de batismo do meu pai era Fernand e que o seu nome de família era Mondego?
— Sabia, eu tinha lhe dito havia muito tempo. Quanto ao mais, não fiz nesse caso senão o que qualquer outro faria, e até talvez muito menos. Quando, no dia seguinte ao receber a resposta, impelido pelo Sr. Conde de Monte Cristo, o seu pai veio pedir a minha filha oficialmente, recusei, como se faz quando se quer acabar com as coisas de vez, recusei redondamente, é verdade, mas sem explicações, sem escândalo. Com efeito, para que faria eu um escândalo? Em que medida a honra ou a desonra do Sr. de Morcerf me interessava? Não seria por isso que a taxa de juro subiria ou desceria...
Albert sentiu o rubor subir-lhe à testa. Não havia dúvida: Danglars defendia-se com baixeza, mas também com a segurança de um homem que diz, se não toda a verdade, pelo menos parte da verdade, não por consciência, é certo, mas sim por terror. Aliás, que procurava Morcerf? Não era a mais ou menos culpabilidade de Danglars ou de Monte Cristo, era um homem que respondesse por uma ofensa ligeira ou grave, era um homem que se batesse, e era evidente que Danglars não se bateria.
E depois, todas as coisas esquecidas ou despercebidas se tornavam agora visíveis a seus olhos ou presentes na sua memória.
Monte Cristo sabia tudo, pois fora ele que comprara a filha de Ali-Paxá. Ora, sabendo tudo, aconselhara Danglars a escrever para Janina. Conhecida a resposta, acedera ao desejo manifestado por Albert para ser apresentado a Haydée. Uma vez diante dela, deixara a conversa derivar para a morte de Ali, sem se opor à narrativa de Haydée, mas tendo sem dúvida dado à jovem, em algumas palavras romaicas que pronunciara, instruções que não tinham permitido a Morcerf reconhecer o pai. De resto, não pedira ele a Morcerf que não proferisse o nome do pai diante de Haydée? Por fim, levara Albert para a Normandia no momento em que sabia que o grande escândalo ia rebentar. Não havia dúvida a tal respeito: tudo aquilo fora calculado e sem dúvida nenhuma Monte Cristo era conivente dos inimigos do Conde de Morcerf.
Albert levou Beauchamp para um canto e comunicou-lhe todas estas deduções.
— Tem razão — concordou o jornalista — O Sr. Danglars só tem a ver com o sucedido no tocante à parte brutal e material; é a Monte Cristo que deve pedir uma explicação.
Albert virou-se.
— Senhor — disse a Danglars — Espero que compreenda por que motivo me não despeço definitivamente; resta-me saber se as suas acusações são justas coisa de que vou me assegurar sem demora junto do Sr. Conde de Monte Cristo.
E, depois de cumprimentar o banqueiro, saiu com Beauchamp, sem parecer dar pela presença de Cavalcanti. Danglars acompanhou-os à porta e aí renovou a Albert a afirmação de que nenhum motivo de ódio pessoal o animava contra o Sr. Conde de Morcerf.




continua... 






________________________________________________________
Lei de ComimAs pessoas aceitarão sua idéia muito mais facilmente se você disser a elas que quem a criou foi Albert Einstein.
Lei de Murphy

O companheirismo é essencial à sobrevivência. Ele dá ao inimigo outra pessoa em quem atirar.

O Senhor dos Anéis - As Duas Torres - Capítulo 7




— Capítulo VII —
O Abismo De Helm




O SOL JÁ SE DIRIGIA PARA O OESTE quando partiram de Edoras, e sua luz incidia nos olhos de todos, transformando os campos de Rohan numa névoa dourada. Havia um caminho batido a noroeste, ao longo dos pés das Montanhas Brancas, por ali seguiram, subindo e descendo uma região verde, atravessando pequenos riachos velozes por muitos vaus. Na distância, à direita, assomavam as Montanhas Sombrias, que ficavam cada vez mais altas e escuras com o passar das milhas. O sol descia devagar diante deles.
Atrás, a noite caía.
A tropa continuou cavalgando. Temendo chegar tarde demais, iam a toda velocidade, raramente fazendo uma pausa. Velozes e resistentes eram os cavalos de Rohan, mas havia muitas léguas a percorrer. Eram quarenta léguas ou mais, em linha reta, de Edoras até os Vaus do Isen, onde esperavam encontrar os homens do rei que impediam o avanço dos exércitos de Saruman.
A noite se fechou ao redor deles.
Finalmente pararam para montar acampamento. Tinham cavalgado cerca de cinco horas e avançado bastante pela planície Oeste, mesmo assim, mais da metade da viagem ainda se estendia à frente. Numa grande roda, sob o céu estrelado e a lua crescente, estavam acampados agora. Não acenderam fogueiras, pois estavam inseguros da situação, mas colocaram um círculo de guardas montados ao redor deles, e batedores foram mais à frente, passando como sombras pelas dobras da terra. A noite lenta passou sem qualquer surpresa ou alarma. Com o chegar do dia soaram as cornetas, e dentro de uma hora o exército já estava de novo na estrada.
Ainda não havia nuvens cobrindo o céu, mas o ar estava pesado, estava quente para aquela estação do ano. O sol se levantava envolto em névoas e atrás dele, seguindo-o devagar em sua escalada no céu, via-se uma escuridão crescente, como uma grande tempestade que chegava do Leste. E em direção ao noroeste parecia haver outra escuridão se formando aos pés das Montanhas Sombrias, uma sombra que se arrastava devagar, descendo do Vale do Mago.
Gandalf recuou até onde cavalgava Legolas, ao lado de Éomer.
— Você tem o olhar agudo de seu belo povo, Legolas — disse ele — E eles distinguem um pardal de um tendilhão a uma légua de distância. Diga-me, está vendo alguma coisa lá na frente, na direção de Isengard?
— Há muitas milhas daqui até lá — disse Legolas olhando à frente e protegendo os olhos com sua mão esguia — Vejo uma escuridão. Há formas se movendo nela, grandes formas lá adiante, na margem do rio, mas o que são não sei dizer. Não são as nuvens ou a névoa que atrapalham minha visão: há um véu de sombra, que algum poder derrama por sobre a terra, e que está descendo lentamente o rio. É como se o crepúsculo, sob árvores infinitas, estivesse descendo das montanhas.
— E atrás de nós vem uma verdadeira tempestade de Mordor — disse Gandalf — Será uma noite negra.
O segundo dia de cavalgada foi passando, e o ar foi ficando mais pesado.
Durante a tarde, as nuvens escuras começaram a alcançá-los: um dossel sombrio tendo nas bordas grandes vagalhões, salpicados de uma luz ofuscante. O sol se pôs, vermelho como sangue numa névoa de fumaça. As lanças dos Cavaleiros tinham pontas de fogo quando os últimos raios de luz acenderam as encostas íngremes dos picos de Thrihyme: agora estavam muito próximos do braço mais ao norte das Montanhas Brancas, três chifres farpados olhando para o pôr-do-sol. No último brilho vermelho, os homens da vanguarda viram uma mancha negra, um cavaleiro vindo ao encontro deles. Pararam, aguardando sua chegada.
Chegou: um homem exausto com um elmo trincado e um escudo partido. Desceu devagar do cavalo e ficou parado um instante, enquanto tomava fôlego.
Finalmente falou.
— Éomer está aqui? — perguntou ele — Finalmente vocês chegam, mas tarde demais, e com muito pouca força. As coisas vão mal desde que Théodred caiu. Recuamos ontem pelo Isen com grandes perdas. Muitos pereceram na travessia. Depois, à noite, novas forças vieram pelo rio atacando nosso acampamento. Toda Isengard deve estar vazia, Saruman armou os bárbaros das colinas e os pastores da Terra Parda, além do rio: estes também ele atiçou contra nós. Fomos dominados. A parede de escudos foi quebrada. Erkenbrand do Folde Ocidental se retirou com os homens que pôde reunir para sua fortaleza no Abismo de Helm. O restante deles está disperso. Onde está Éomer? Digam-lhe que não há esperança à frente. Ele deve retornar a Edoras antes que os lobos de Isengard cheguem aqui.
Théoden permanecera quieto, escondido da visão do homem, atrás de seus guardas; fez então seu cavalo avançar.
— Venha, fique ao meu lado, Ceorl! — disse ele — Estou aqui. O último exército dos Eorlingas está a postos. Não retornaremos sem lutar.
O rosto do homem se iluminou de alegria e surpresa. Aproximou-se. Depois ficou de joelhos, oferecendo ao rei sua espada chanfrada.
— Às suas ordens, senhor! — gritou ele — E me perdoe! Pensei...
— Pensou que eu tinha ficado em Meduseld, curvado como uma árvore velha sob a neve do inverno. Era assim quando veio para a guerra. Mas um vento Oeste chacoalhou os ramos — disse Théoden — Dê a este homem um cavalo descansado! Vamos em auxílio de Erkenbrand.
Enquanto Théoden falava, Gandalf avançou alguns passos e ficou ali sozinho, olhando para o Norte em direção a Isengard e para o sol que se punha no Oeste. Agora voltava.
— Avance, Théoden! — disse ele — Vá para o Abismo de Helm! Não vá para os Vaus do Isen, e não permaneça na planície! Devo deixá-los por um tempo. Scadufax deve agora me conduzir numa missão urgente — voltando-se para Aragorn e Éomer, e para os homens da casa do rei, ele gritou — Cuidem bem do Senhor da Terra dos Cavaleiros até que eu retorne. Aguardem-me no Portão de Helm! Até já!
Disse uma palavra para Scadufax, e como uma flecha disparada por um arco o grande cavalo saltou à frente. Quando olharam, ele já havia desaparecido: um clarão de prata no pôr-do-sol, um vento sobre a grama, uma sombra que passou e sumiu de vista.
Snawmana resfolegou e pateou, ansioso por segui-lo, mas só um pássaro feito flecha poderia tê-lo alcançado.
— Que significa isso? — perguntou a Háma um homem da guarda.
— Que Gandalf Capa-Cinzenta precisa se apressar — respondeu Háma — Ele sempre parte e chega sem ser esperado.
— Língua de Cobra, se estivesse aqui, não teria dificuldade em explicar — disse o outro.
— Isso é bem verdade — disse Háma — Mas, quanto a mim, vou esperar até que veja Gandalf de novo.
— Talvez você espere muito tempo — disse o outro.
A tropa desviou-se da estrada que conduzia aos Vaus do Isen e rumou para o Sul. A noite caiu, e eles ainda continuavam a cavalgada. As colinas se aproximavam, mas os altos picos de Thrihyme já se apagavam contra o céu que escurecia.
Ainda a algumas milhas dali, no lado oposto do Vale do Folde Ocidental, ficava uma garganta verde, uma grande reentrância no meio das montanhas, que se transformava num precipício entre elas. Os homens daquela região deram-lhe o nome de Abismo de Helm, em homenagem a um herói de antigas guerras que se refugiara ali. Partindo do Norte, a garganta afundava, cada vez mais íngreme e estreita dentro das sombras do Thrihyme, até o ponto onde os penhascos ocupados por corvos assomavam como torres poderosas dos dois lados, bloqueando a luz.
No Portão de Helm, diante da entrada do Abismo, havia um esporão de pedra que o penhasco ao norte projetava para fora. Ali, na sua extremidade, erguiam-se altas muralhas de pedra antiga, e dentro delas via-se uma torre alta.
Os homens diziam que nos tempos longínquos da glória de Gondor, os reis dos mares tinham construído ali sua fortaleza com mãos de gigantes. Chamava-se Forte da Trombeta, pois se tal instrumento fosse tocado na torre o som ecoava no Abismo atrás dela, como se exércitos há muito esquecidos estivessem marchando para a guerra, vindo das cavernas sob as colinas. Os homens de antigamente também tinham construído uma muralha, que ia desde o Forte da Trombeta até o penhasco ao Sul, barrando a passagem para a garganta. Abaixo dela, através de uma larga galeria, passava o Riacho do Abismo. Aos pés do Rochedo da Trombeta ele fazia uma curva, e corria então numa vala que passava no meio de uma ampla fenda, descendo suavemente do Portão de Helm para o Dique de Helm. De lá caía na Garganta do Abismo, desembocando no Vale do Folde Ocidental. Ali, no Forte da Trombeta, no Portão de Helm, morava Erkenbrand, senhor do Folde Ocidental, nas fronteiras das Terras dos Cavaleiros.
Quando os dias foram ficando mais escuros com a ameaça da guerra, sendo sábio, ele tinha consertado a muralha e aumentado a segurança da fortaleza.
Os Cavaleiros estavam ainda no baixo vale, diante da entrada da Garganta, quando se ouviram os gritos e clangores de seus batedores que iam à frente. Da escuridão vieram flechas zunindo. Rapidamente um batedor retornou e reportou que homens montados em lobos estavam circulando no vale, e que uma tropa de orcs e de homens bárbaros estava correndo para o Sul vindo dos Vaus do Isen, e parecia estar se dirigindo para o Abismo de Helm.
— Vimos muitos homens de nosso povo que caíram mortos quando fugiam para lá — disse o batedor — E encontramos grupos dispersos, indo de um lado para o outro, sem terem quem os comandasse. O que aconteceu a Erkenbrand ninguém parece saber. É provável que seja alcançado antes que consiga chegar ao Portão de Helm, se é que ainda não pereceu.
— Alguém viu Gandalf? — perguntou Théoden.
— Sim, senhor. Muitos viram um velho vestido de branco montando um cavalo, aparecendo aqui e acolá sobre as colinas, como o vento sobre a grama. Alguns o tomaram por Saruman. Pelo que dizem, ele se foi antes do anoitecer em direção a Isengard. Alguns também dizem que Língua de Cobra foi visto antes, indo para o Norte com um grupo de orcs.
— Será ruim para Língua de Cobra, se Gandalf cruzar com ele — disse Théoden — Apesar disso, sinto falta de meus dois conselheiros, o velho e o novo. Mas nesta situação não temos escolha melhor do que ir em frente, como Gandalf disse, até o Portão de Helm, estando Erkenbrand lá ou não. Sabe-se o tamanho da tropa que vem do Norte?
— É muito grande — disse o batedor — Quem está fugindo vê inimigos em dobro, mas eu falei com homens de muita coragem, e não duvido que a força principal do inimigo seja muitas vezes maior do que toda a que temos aqui.
— Então sejamos rápidos — disse Éomer — Vamos passar pelos inimigos que já estão entre nós e a fortaleza. Há cavernas no Abismo de Helm onde centenas de homens podem se esconder, e caminhos secretos levam de lá até as colinas.
— Não confie nos caminhos secretos — disse o Rei — Saruman andou espionando esta região durante um longo tempo. Mas naquele lugar nossa defesa pode resistir por muito tempo. Vamos!
Aragorn e Legolas iam agora na frente com Éomer. Continuaram cavalgando no escuro, cada vez mais devagar conforme a noite avançava e o caminho subia para o Sul, cada vez mais entrando nas dobras escuras aos pés da montanha.
Encontraram poucos inimigos. Em alguns pontos cruzaram com grupos errantes de orcs, mas eles fugiam antes que os Cavaleiros pudessem pegá-los ou matá-los.
— Não vai demorar muito, eu receio — disse Éomer — Até que o líder de nossos inimigos tome conhecimento da chegada do exército do rei, seja ele Saruman ou qualquer capitão que ele tenha mandado.
O rumor da guerra crescia atrás deles. Agora podiam ouvir, chegando através da escuridão, o som de uma cantoria rude. Tinham avançado muito pela Garganta do Abismo quando olharam para trás. Então viram tochas, pontos inumeráveis de luz de fogo sobre os campos negros atrás deles, espalhados como flores vermelhas, ou subindo em longas fileiras faiscantes. Em alguns pontos uma chama maior se erguia.
— É uma tropa grande, e avança rápido em nossa direção — disse Aragorn.
— Estão trazendo fogo — disse Théoden — E conforme passam vão queimando palha, cabana e árvore. Este era um vale rico e tinha muitas propriedades. Sinto por meu povo!
— Gostaria que o dia já tivesse nascido e que pudéssemos cavalgar sobre eles como uma tempestade! — disse Aragorn — Fico triste em ter de fugir desse jeito.
— Não precisamos fugir muito mais — disse Éomer — Não muito além daqui fica o Dique de Helm, uma trincheira com baluarte antiga cortada através da garganta, quatrocentos metros abaixo do Portão de Helm. Ali Podemos nos virar e combater.
— Não, somos muito poucos para defender o Dique — disse Théoden — Tem uma milha ou mais de comprimento, e sua abertura é grande.
— Na abertura ficará nossa retaguarda, se formos pressionados — disse Éomer.
Não havia lua nem estrelas quando os Cavaleiros atingiram a abertura do Dique, por onde a correnteza que vinha de cima passava, e onde a estrada ao lado descia do Forte da Trombeta. O baluarte de repente assomou diante deles, uma sombra alta além de um poço escuro. Conforme foram subindo, uma sentinela os interpelou.
— O Senhor da Terra dos Cavaleiros se dirige para o Portão de Helm — respondeu Éomer — Eu, Éomer, filho de Éomund, estou falando.
— Isso é uma boa notícia que supera qualquer expectativa — disse a sentinela — Apressem-se! O inimigo está em seus calcanhares.
A tropa passou através da abertura e parou na ladeira inclinada que ficava acima. Agora descobriram, para sua alegria, que Erkenbrand deixara muitos homens defendendo o Portão de Helm, e muitos outros tinham depois ali se refugiado.
— Talvez tenhamos mil homens prontos para lutar a pé — disse Gamling, um velho, o líder dos que vigiavam o Dique — Mas a maioria deles já viu invernos demais, como eu, ou muito poucos, como este filho de meu filho. Que notícias têm de Erkenbrand? Chegou até nós ontem a notícia de que ele vinha para cá, batendo em retirada com tudo o que sobrou dos melhores Cavaleiros do Folde Ocidental. Mas ainda não chegou.
— Receio que não chegue mais — disse Éomer — Nossos batedores não conseguiram notícias dele, e o inimigo domina todo o vale atrás de nós.
— Gostaria que ele tivesse escapado — disse Théoden. — Era um homem poderoso. Nele reviveu o valor de Helm, o Mão-de-Martelo. Mas não podemos esperá-lo aqui. Devemos reunir agora todas as nossas forças detrás das muralhas. Vocês têm boas provisões? Temos poucas, porque partimos para uma batalha aberta, e não preparados para um cerco.
— Atrás de nós, nas cavernas do Abismo, estão três partes do povo do Folde Ocidental, velhos e jovens, crianças e mulheres — disse Gamling — Mas um grande estoque de comida, e vários animais e rações para eles também foram guardados lá.
— Isso é bom — disse Éomer — Eles estão queimando e saqueando tudo o que resta no vale.
— Se vierem barganhar nossa comida no Portão de Helm, vão pagar um preço alto — disse Gamling.
O rei e seus Cavaleiros passaram à frente. Diante do passadiço que atravessava o rio eles desmontaram. Numa longa fila, conduziram seus cavalos rampa acima e passaram para dentro dos portões do Forte da Trombeta. Ali outra vez foram recebidos com alegria e esperança renovada, pois agora havia homens em número suficiente para proteger tanto o forte quanto a muralha.
Rapidamente, Éomer deixou seus homens a postos. O rei e os homens de sua casa estavam no Forte da Trombeta, e também havia vários homens do Folde Ocidental. Mas na Muralha do Abismo e na torre, e atrás dela, Éomer reuniu a maioria de sua força, pois ali a defesa parecia mais duvidosa, se o ataque fosse determinado e violento.
Os cavalos foram conduzidos mais para cima do Abismo, ficando aos cuidados de alguns homens que foi possível separar para essa função.
A Muralha do Abismo tinha seis metros de altura, e era tão larga que quatro homens podiam andar lado a lado em cima dela, protegidos por um parapeito sobre o qual apenas um homem alto poderia olhar.
Em alguns pontos havia fendas na pedra, através das quais os combatentes podiam atirar. Podia-se chegar a esse parapeito por uma escada que descia de uma porta no pátio externo do Forte da Trombeta, três lances de degraus também conduziam para a parte superior da muralha, saindo do Abismo lá embaixo, mas a parte da frente era lisa, e as grandes pedras foram assentadas com tal habilidade que não se via nenhuma saliência nas suas junções, e no topo elas tinham a forma de um penhasco esculpido pelo mar.
Gimli ficou de pé apoiando-se no parapeito do muro. Legolas estava sentado em cima do parapeito, manuseando o arco e espiando na escuridão.
— Isso está mais ao meu gosto — disse o anão, pisando firme nas pedras — Meu coração se alegra quando nos aproximamos das montanhas. Há boas pedras aqui. Esta terra tem ossos resistentes. Senti-os em meus pés quando viemos do dique. Se me dessem um ano e cem anões de meu povo, eu faria disto aqui um lugar contra o qual os exércitos se arrebentariam como água.
— Não duvido disso — disse Legolas — Mas você é um anão, e anões são pessoas estranhas. Não gosto deste lugar, e gostarei menos ainda à luz do dia. Mas você me consola, Gimli, e estou feliz em tê-lo ao meu lado, com suas pernas fortes e seu machado resistente. Gostaria que houvesse mais pessoas de seu povo entre nós. Mas mais ainda eu daria por uma centena de bons arqueiros da Floresta das Trevas. Vamos precisar deles. Os rohirrim têm homens que são bons arqueiros à sua maneira, mas há muito poucos aqui, muito poucos.
— Está escuro para o uso dos arcos — disse Gimli — Na verdade, está na hora de dormir. Dormir! Sinto necessidade disso, como nunca pensei que um anão sentiria. Cavalgar é um trabalho cansativo. Mesmo assim meu machado está inquieto em minhas mãos. Dê-me uma fileira de pescoços de orcs e um espaço para me movimentar, que todo o cansaço abandonará meu corpo.
O tempo passou devagar. Lá embaixo no vale, fogueiras isoladas ainda ardiam. As tropas de Isengard avançavam em silêncio agora. Podia-se ver suas tochas subindo a garganta em muitas fileiras.
De repente, do Dique, gritos e berros, e os ferozes gritos de guerra começaram. Tochas flamantes apareceram sobre a borda e se amontoaram na fenda. Depois se espalharam e desapareceram. Homens vieram galopando pelo campo e subiram a rampa que conduzia ao Forte da Trombeta. A retaguarda dos homens do Folde Ocidental fora acuada para dentro.
— O inimigo está próximo! — disseram eles — Soltamos todas as flechas que tínhamos e enchemos o Dique de orcs. Mas isso não vai detê-los por muito tempo. Eles já estão escalando a margem em vários pontos, numerosos como formigas em marcha. Mas lhes ensinamos a não carregarem tochas.
Agora já passava da meia-noite.
O céu estava completamente negro, e o marasmo do ar pesado anunciava uma tempestade. De repente as nuvens foram chamuscadas por um clarão ofuscante. Muitos relâmpagos golpeavam as colinas do Leste. Por um instante, os vigias das muralhas viram todo o espaço entre o ponto onde estavam e o Dique iluminado por uma luz branca: lá fervilhavam e rastejavam figuras negras, algumas largas e troncudas, outras altas e sinistras, com altos elmos e escudos negros. Mais centenas e centenas se despejavam sobre o Dique e através da brecha. A onda escura atingia as paredes de penhasco a penhasco.
Trovões retumbavam no vale. A chuva veio açoitando tudo. Inúmeras flechas chegavam zunindo sobre as ameias, e caíam tinindo e resvalando na pedra. Algumas atingiam o alvo. O ataque ao Abismo de Helm tinha começado, mas nenhum som ou desafio vinha lá de dentro: nenhuma flecha veio em resposta.
As tropas atacantes pararam, frustradas pela ameaça silenciosa de rocha e muralha.
Frequentemente os relâmpagos rasgavam a escuridão. Quando isso acontecia, os orcs gritavam, agitando lanças e espadas, e atirando uma nuvem de flechas contra qualquer um que aparecesse nas ameias, e os homens da Terra dos Cavaleiros, assustados, viram lá fora um grande campo coberto por um trigal escuro, açoitado por uma tempestade de guerra, e cada espiga faiscava com uma luz mordaz.
Ouviram-se trombetas impudentes. O inimigo avançava como um a onda, uns contra a Muralha do Abismo, outros na direção do passadiço e da rampa que conduzia aos portões do Forte da Trombeta. Ali estavam reunidos os orcs maiores, e os bárbaros das colinas da Terra Parda. Hesitaram por um momento e depois continuaram avançando. O relâmpago produziu um clarão, e estampado em cada elmo e escudo pôde-se ver a mão sinistra de Isengard. Alcançaram o topo do rochedo, dirigiram-se para os portões.
Então finalmente veio uma resposta: uma tempestade de flechas os recebeu, junto com uma avalanche de pedras. Eles vacilaram, pararam e fugiram, e depois atacaram de novo, pararam e atacaram outra vez, e a cada vez, como a invasão do mar, eles paravam num ponto mais alto. De novo soaram cornetas, e um monte de homens urrando saltou à frente. Mantinham seus grandes escudos acima das cabeças como um telhado, enquanto no meio deles carregavam dois grandes troncos de árvore. Atrás apinhavam-se orcs-arqueiros, mandando uma saraivada de flechas na direção dos arqueiros que estavam sobre a muralha. Ganharam os portões. Os troncos, balançados por fortes braços, golpeavam o madeirame do portão com um estrondo destruidor. Se algum homem caía, atingido por uma pedra que fora atirada de cima, dois outros surgiam para tomar-lhe o lugar. Golpe após golpe os grandes aríetes balançavam e batiam.
Éomer e Aragorn estavam juntos sobre a Muralha do Abismo. Ouviam o rugido de vozes e as pancadas surdas dos aríetes, então, num clarão repentino, enxergaram o perigo que ameaçava os portões.
— Venha! — disse Aragorn — É chegada a hora em que devemos brandir juntos nossas espadas.
Velozes como o vento, eles correram ao longo da muralha, subindo os degraus, passando para o pátio exterior sobre o Rochedo. Conforme corriam, foram reunindo vários espadachins robustos. Havia uma pequena porta que se abria num canto da parede Oeste do forte, onde o penhasco se esticava na direção dela. Daquele lado um caminho estreito ia em direção ao grande portão, entre a muralha e a borda íngreme do Rochedo.
Juntos, Éomer e Aragorn saltaram através da porta, com seus homens vindo logo atrás. As duas espadas saíram reluzindo das bainhas como se fossem uma só.
— Gúthwiné! — gritou Éomer. — Gúthwiné pela Terra dos Cavaleiros!
— Andúril! — gritou Aragorn. — Andúril pelos Dúnedain!
Avançando pela lateral, eles se arremessaram sobre os bárbaros. Andúril subia e descia, reluzindo com um fogo branco. Um clamor subiu da muralha e da torre.
— AndúrilAndúril vai à guerra. A Espada Que Foi Quebrada brilha de novo!
Assombrados, os homens deixaram cair os troncos e voltaram-se para lutar, mas a parede de seus escudos foi partida como se por um relâmpago, e eles foram varridos, derrubados ou jogados contra o Rochedo, indo cair no rio pedregoso lá em baixo. Os orcs-arqueiros atiraram alucinados e depois fugiram.
Por um momento, Éomer e Aragorn pararam diante dos portões. Os trovões retumbavam agora na distância. Os relâmpagos ainda faiscavam, adiante, entre as montanhas do Sul. Um vento cortante soprava do norte outra vez. As nuvens se partiam e passavam, e as estrelas apareceram, sobre as colinas das encostas da Garganta, a lua se dirigia para o Oeste, bruxuleando amarela entre os destroços da tempestade.
— Quase chegamos tarde demais — disse Aragorn, olhando os portões. Suas grandes dobradiças e barras de ferro estavam deslocadas e tortas, muitas de suas vigas de madeira estavam quebradas.
— Apesar disso não podemos ficar aqui fora das muralhas para defendê-las — disse Éomer — Olhe! — Ele apontou para o passadiço.
Uma grande massa de orcs e homens estava se reunindo outra vez do outro lado do rio. Flechas zuniam e ricocheteavam nas pedras em volta deles.
— Venha! Precisamos voltar e ver o que podemos fazer para empilhar pedras e vigas contra os portões do lado de dentro. Vamos!
Voltaram-se e correram.
Nesse momento, cerca de doze orcs que estavam deitados imóveis por entre os mortos ergueram-se e vieram silenciosa e rapidamente atrás deles. Dois se jogaram ao chão nos calcanhares de Éomer, derrubaram-no e num segundo já estavam sobre ele.
Mas uma pequena figura escura que ninguém tinha notado saltou das sombras e soltou um grito rouco:Baruk Khazâd! Khazâd ai mênu! Um machado varreu o ar, dois orcs caíram decapitados.
O resto deles fugiu.
Éomer se levantou num esforço, no mesmo momento em que Aragorn corria em seu auxílio. A pequena passagem foi fechada outra vez, a porta de ferro foi bloqueada com pedras empilhadas do lado de dentro. Quando todos estavam a salvo lá dentro, Éomer se voltou:
— Agradeço a você, Gimli, filho de Gloin! — disse ele. — Não sabia que você estava ao nosso lado nesse ataque. Mas geralmente o hóspede que não foi convidado acaba sendo a melhor companhia. Como chegou até lá?
— Segui vocês para espantar o sono — disse Gimli — Mas olhei os homens das colinas e os achei muito grandes para mim, então me sentei ao lado de uma pedra para ver seu jogo de espadas.
— Não será fácil retribuir o que me fez — disse Éomer.
— Pode haver muitas oportunidades antes do fim da noite — disse rindo o anão — Mas fico contente. Até agora não derrubei nada além de árvores, desde que deixei Moria. Dois! — disse Gimli, acariciando seu machado.
Tinha voltado para seu lugar na muralha.
— Dois? — disse Legolas — Consegui marca melhor, embora agora precise tatear o chão à procura de flechas perdidas, todas as minhas se foram. Apesar disso, minha conta é vinte no mínimo. Mas não é mais que algumas folhas em meio a uma floresta.
As nuvens agora se dispersavam rapidamente, e a lua que afundava brilhava muito.
Mas a luz trouxe poucas esperanças para os Cavaleiros de Rohan. O inimigo diante deles parecia ter aumentado em número, e outros ainda vinham do vale através da abertura. O ataque sobre o rochedo produziu apenas uma breve trégua. A investida contra os portões redobrara. Contra a Muralha do Abismo, as tropas de Isengard rugiam como um mar.
Orcs e homens das colinas pareciam um enxame ao redor de sua base, de ponta a ponta. Cordas com ganchos foram jogadas por sobre o parapeito tão rápido que os homens não conseguiam cortá-las ou jogá-las todas de volta. Subiram centenas de longas escadas.
Muitas caiam destruídas, mas eram substituídas por muitas outras, e os orcs subiam por elas como os macacos das escuras florestas do Sul. Diante da base da muralha, os mortos e feridos se empilhavam como os destroços de uma tempestade, cada vez mais altos ficaram os horrendos montes, e ainda assim o inimigo avançava.
Os homens de Rohan ficaram cansados. Usaram todas as suas flechas, e atiraram cada lança, as espadas estavam chanfradas, e os escudos trincados. Três vezes Aragorn e Éomer os animaram, e três vezes Andúrilreluziu num ataque desesperado que afastou o inimigo da muralha.
Então um clamor subiu do Abismo lá embaixo.
Orcs tinham se arrastado como ratos através da galeria pela qual o rio desembocava. Tinham se juntado ali na sombra dos penhascos, esperando que o ataque de seus companheiros estivesse em plena força e que quase todos os homens da defesa tivessem corrido para o topo da muralha. Então saltaram. Alguns já tinham entrado pela mandíbula do Abismo e se misturavam aos cavalos, lutando com os guardas.
Da muralha saltou Gimli, com um grito feroz que ecoou nos penhascos. Khazád! Khazád! Logo teve muito trabalho.
— Ai-oi! — gritou ele — Os orcs estão do outro lado da muralha. Ai-oi! Venha, Legolas. Há orcs suficientes para nós dois. Khazád ai ménu!
Gamling, o Velho, olhou de cima do Forte da Trombeta, ouvindo a voz possante do anão acima de todo o tumulto.
— Os orcs estão no Abismo! — disse ele — Helm! Helm! Avante Helmingas! — gritou ele ao saltar pela escada do Rochedo com muitos homens atrás.
O ataque foi feroz e repentino, e os orcs fugiram deles. Logo foram cercados na parte estreita da garganta, e todos foram mortos ou levados aos gritos até a brecha do Abismo para cair diante dos protetores das cavernas ocultas.
— Vinte e um! — gritou Gimli. Deu um golpe com as duas mãos e derrubou o último orc diante de seus pés. — Agora minha conta ultrapassa a de Mestre Legolas outra vez.
— Precisamos bloquear essa toca de ratos — disse Gamling — Os anões têm fama de saber trabalhar com pedras. Ajude-nos, mestre!
— Nós não trabalhamos em pedras com machados de batalha, nem com nossas unhas — disse Gimli — Mas vou ajudá-los como puder.
Juntaram a maior quantidade possível de pequenas rochas e pedras quebradas que havia por perto, e sob a orientação de Gimli os homens do Folde Ocidental bloquearam a extremidade interior da galeria, até que sobrasse apenas uma saída estreita. Então o Riacho do Abismo, mais caudaloso por causa da chuva, revolto se agitava em sua passagem sufocada, espraiando-se lentamente em poças frias, de penhasco a penhasco.
— Lá em cima deve estar mais seco — disse Gimli — Venha, Gamling. Vamos ver como estão as coisas na muralha!
Subiu e encontrou Legolas junto com Aragorn e Éomer. O elfo estava amolando sua longa faca. Houve alguns instantes de trégua, já que a tentativa de invasão pela galeria havia sido frustrada.
— Vinte e um! — disse Gimli.
— Bom! — disse Legolas — Mas minha conta agora já está em duas dúzias. Aqui em cima o trabalho foi feito a faca.
Éomer e Aragorn, cansados, apoiavam-se nas espadas.
Mais adiante, à esquerda, o estrondo e o clamor da batalha no Rochedo aumentaram de novo. Mas o Forte da Trombeta estava seguro como uma ilha no mar. Os portões estavam arruinados, mas pela barricada de troncos e pedras nenhum inimigo havia passado ainda.
Aragorn olhou para as estrelas pálidas e para a lua, agora atrás das colinas a Oeste que fechavam o vale.
— Esta noite está sendo longa como muitos anos — disse ele — Quanto tempo falta para o dia chegar?
— A aurora não tarda — disse Gimli, que agora tinha subido e estava ao lado dele — Mas receio que não nos ajude em nada.
— Apesar disso, a aurora é sempre a esperança dos homens — disse Aragorn.
— Mas essas criaturas de Isengard, esses semi-orcs e homens-orcs que o trabalho maligno de Saruman criou, não vão tremer diante do sol — disse Gamling — Muito menos os bárbaros das colinas. Não está ouvindo as vozes deles?
— Eu estou ouvindo — disse Éomer — Mas não representam mais que gritos de pássaros e urros de animais aos meus ouvidos.
— Mas há muitos que gritam na língua da Terra Parda — disse Gamling — Conheço essa língua. É um dialeto antigo dos homens, que já foi falado em vários vales a Oeste da Terra dos Cavaleiros. Escutem! Eles nos odeiam, e estão felizes, pois parecem ter certeza de nosso fim. “O rei, o rei!”, gritam eles. “Vamos capturar o rei deles. Morte aos Forgoil! Morte aos Cabeças de Palha! Morte aos ladrões do Norte!” São esses nomes que usam para nós. Nem em quinhentos anos esqueceram a mágoa que sentiram quando os senhores de Gondor deram a Terra dos Cavaleiros a Eorl, o Jovem, e fizeram com ele uma aliança. Saruman instigou esse antigo ódio. São um povo feroz quando provocado. Não vão ceder agora diante do crepúsculo ou da aurora, até que consigam capturar Théoden, ou até que eles mesmos sejam mortos.
— Mesmo assim, o dia me traz esperanças — disse Aragorn — Não se fala que nenhum inimigo jamais tomou o Forte da Trombeta, se homens o estivessem defendendo?
— Assim cantam os menestréis — disse Éomer.
— Então vamos defendê-lo, e ter esperança! — disse Aragorn.
No momento em que falavam, ouviu-se o clangor de trombetas.
Então houve um estrondo e um clarão de fogo e fumaça. As águas do Riacho do Abismo jorraram, assobiando e espumando: não estavam mais bloqueadas, um buraco fora escancarado na muralha.
Uma tropa de figuras negras começou a invadir o lugar.

[FIG. 06] A BATALHA DO FORTE DA TROMBETA



— Diabrura de Saruman! — gritou Aragorn — Eles entraram na galeria outra vez, enquanto conversávamos, e acenderam o fogo de Orthanc embaixo de nossos pés. Elendil! Elendil! — gritou ele, ao descer através da brecha, mas no momento em que fazia isso, uma centena de escadas foram levantadas contra as ameias.
Sobre a muralha e sob a muralha, o último ataque veio varrendo tudo como uma onda negra numa colina de areia. A defesa foi varrida.
Alguns dos Cavaleiros foram empurrados cada vez mais fundo no Abismo, caindo e lutando enquanto recuavam, passo a passo, na direção das cavernas. Outros cortavam caminho na direção da cidadela. Uma larga escada subia do Abismo até o Rochedo e o portão dos fundos do Forte da Trombeta. Perto da parte inferior estava Aragorn. Em sua mão ainda reluzia Andúril, e o terror da espada manteve o inimigo afastado por um tempo enquanto, um a um, todos os que conseguiram alcançar a escada subiram na direção do portão. Atrás, no degrau mais alto, Legolas estava ajoelhado. O arco estava pronto, mas só lhe restava uma única flecha, e agora ele olhava atento, pronto para atirar no primeiro orc que ousasse se aproximar da escada.
— Todos os que conseguiram entrar estão agora a salvo lá dentro, Aragorn — chamou ele. — Volte!
Aragorn virou-se e subiu correndo a escada, mas enquanto corria tropeçou de cansaço. Imediatamente, seus inimigos se atiraram em perseguição. Os orcs vinham berrando, com os longos braços estendidos para pegá-lo. O que estava mais à frente caiu com a última flecha de Legolas em sua garganta, mas o resto saltou sobre ele. Então uma grande pedra, jogada do alto da muralha externa, caiu sobre a escada, e os arremessou de volta para dentro do Abismo.
Aragorn atingiu a porta, e rapidamente ela bateu atrás dele.
— As coisas vão mal, meus amigos — disse ele, limpando o suor de sua fronte com o braço.
— Muito mal — disse Legolas — Mas ainda não totalmente sem esperança, enquanto tivermos você ao nosso lado. Onde está Gimli?
— Não sei — disse Aragorn — Avistei-o pela última vez lutando no chão atrás da muralha, mas o inimigo nos separou...
— Ai de nós! Essa é uma má notícia — disse Legolas.
— Ele é forte e corajoso — disse Aragorn — Vamos esperar que consiga escapar para as cavernas. Ali ficaria a salvo por um tempo. Mais a salvo do que nós. Um refúgio assim estaria ao gosto de um anão.
— Essa deve ser minha esperança — disse Legolas — Mas gostaria que ele tivesse vindo para este lado. Queria dizer ao Mestre Gimli que minha conta agora já está em trinta e nove.
— Se ele conseguir voltar para as cavernas, a conta dele ultrapassará a sua de novo — disse Aragorn rindo — Nunca vi um machado trabalhar tanto.
— Preciso ir procurar umas flechas — disse Legolas — Queria que esta noite terminasse logo, e ter mais luz para atirar melhor.
Aragorn entrou na cidadela. Ali, para seu desânimo, ficou sabendo que Éomer não alcançara o Forte da Trombeta.
— Não, ele não veio para o Rochedo — disse um dos homens do Folde Ocidental — A última vez que o vi, ele estava reunindo homens à sua volta e lutando na entrada do Abismo. Gamling estava com ele, e o anão, mas não consegui chegar até eles.
Aragorn cruzou em grandes passadas o pátio interno, e subiu a um cômodo alto na torre. Ali estava o rei, sombrio, junto a uma janela estreita, olhando sobre o vale.
— Quais são as novas, Aragorn? — perguntou ele.
— A Muralha do Abismo foi tomada, senhor, e toda a defesa recuou, mas muitos escaparam para cá.
— Éomer está aqui?
— Não, senhor. Mas muitos de seus homens se retiraram para o Abismo, e alguns dizem que Éomer está entre eles. Nos desfiladeiros eles poderão manter o inimigo afastado e entrar nas cavernas. Que esperança terão lá, eu não sei.
— Mais esperanças que nós. Boas provisões, pelo que dizem. E o ar lá é salubre, devido a fissuras no alto da rocha. Ninguém pode forçar uma invasão contra homens determinados. Eles podem resistir por muito tempo.
— Mas os orcs trouxeram um feitiço de Orthanc — disse Aragorn — Têm um fogo explosivo, e com ele derrubaram a Muralha. Se não conseguirem entrar nas cavernas, podem prender os que estão lá dentro. Mas agora devemos voltar todos os nossos pensamentos para nossa própria defesa.
— Sinto-me mal nesta prisão — disse Théoden — Se conseguisse cravar uma lança, cavalgando à frente de meus homens em campo aberto, talvez sentisse de novo a alegria da batalha, e terminaria meus dias assim. Mas aqui sou de pouca utilidade.
— Aqui, pelo menos, está protegido na mais segura fortaleza da Terra dos Cavaleiros — disse Aragorn — Temos mais possibilidades de defendê-lo no Forte da Trombeta do que em Edoras, ou mesmo nas montanhas, no Templo da Colina.
— Dizem que o Forte da Trombeta jamais caiu diante de um ataque — disse Théoden — Mas agora meu coração se enche de dúvidas. O mundo muda, e tudo o que certa vez se mostrou forte agora se mostra incerto. Como pode uma torre resistir a tal número de homens e a um ódio tão acirrado? Se soubesse que a força de Isengard tinha ficado tão grande, talvez eu não tivesse saído contra ela de forma tão temerária, não obstante todas as artes de Gandalf. Os conselhos dele não parecem tão bons agora como pareciam sob a luz da manhã.
— Não julgue o conselho de Gandalf, senhor, até que tudo esteja acabado — disse Aragorn.
— O fim não está muito distante — disse o rei — Mas não terminarei aqui como um velho texugo preso numa armadilha. Snawmana e Hasufel e os cavalos de minha guarda estão no pátio interno. Quando o dia chegar, ordenarei que os homens toquem a Trombeta de Helm, e cavalgarei à frente. Você me acompanhará, filho de Arathorn? Talvez possamos abrir uma estrada, ou ter um fim que seja digno de uma canção, se sobrar alguém para cantar nossa história.
— Vou acompanhá-lo — disse Aragorn.
Saindo de lá, voltou às muralhas, fazendo todo o circuito em volta delas, encorajando os homens e ajudando em todos os pontos em que o ataque estava acirrado.
Legolas foi com ele. Rajadas de fogo saltavam lá de baixo, fazendo tremer as pedras. Ganchos com garras foram lançados, e escadas levantadas. Repetidas vezes os orcs atingiam o topo da muralha externa, e sempre os defensores os derrubavam.
Finalmente Aragorn parou sobre os grandes portões, sem dar atenção às flechas do inimigo. Quando olhou à frente, viu o céu ao Leste clareando. Então levantou a mão vazia, com a palma para fora, em sinal de que queria negociar.
Os orcs berraram zombando dele.
— Desça! Desça! — gritaram eles — Se quer falar conosco, desça! Traga seu rei! Somos os Uruk-hai guerreiros. Vamos tirá-lo de sua toca, se não vier. Traga seu rei covarde!
— O rei vai ou fica de acordo com seu próprio desejo — disse Aragorn.
— Então, o que está fazendo aqui? — responderam eles — Por que está olhando para fora? Quer ver a grandeza de nosso exército? Somos os Uruk-hai guerreiros.
— Estou olhando para fora para ver a aurora — disse Aragorn.
— Que tem a aurora? — zombaram eles — Somos os Uruk-hai: não interrompemos a batalha de dia ou de noite, no tempo bom ou na tempestade. Viemos para matar, sob o sol ou sob a lua. Que tem a aurora?
— Ninguém sabe o que o novo dia trará — disse Aragorn — Sumam daqui, antes que seja pior para vocês.
— Desça, ou derrubaremos você da muralha — gritaram eles — Isso não é uma negociação. Você não tem nada a dizer.
— Ainda tenho isto a dizer — respondeu Aragorn. — Nenhum inimigo jamais tomou o Forte da Trombeta. Partam, ou nenhum de vocês será poupado. Ninguém ficará vivo para voltar com notícias para o Norte. Não sabem o perigo que estão correndo.
Um poder e uma realeza tão grandes revelaram-se em Aragorn, ali parado, sozinho sobre os portões em ruína, diante de uma tropa de inimigos, que muitos bárbaros pararam, e olharam por sobre os ombros para trás, na direção do vale, outros olharam para o céu cheios de dúvidas.
Mas os orcs riram em altas vozes e uma saraivada de flechas e dardos zuniu sobre a muralha, no momento em que Aragorn descia num salto.
Houve um bramido e uma rajada de fogo. O arco do portão sobre o qual ele estava havia um momento ruiu e se desmanchou em poeira e fumaça. A barricada se espalhou como se pelo efeito de um trovão.
Aragorn correu para a torre do rei.
Mas no momento em que o portão caiu, e os orcs que estavam ao redor gritaram prontos para atacar, um murmúrio se levantou atrás deles, como um vento na distância, crescendo num clamor de muitas vozes gritando notícias estranhas na aurora. Os orcs que estavam no Rochedo, ouvindo os rumores de desalento, vacilaram e olharam para trás.
Então, repentino e terrível, da torre acima deles ecoou o som da grande trombeta de Helm.
E todos os que escutaram aquele som tremeram. Muitos orcs se jogaram ao chão cobrindo os ouvidos com as garras. Os ecos retornavam do Abismo, clangor após clangor, como se em cada penhasco e colina estivesse um poderoso arauto. Mas das muralhas os homens olhavam para cima maravilhados, pois os ecos não diminuíam. Os clangores continuavam circulando entre as colinas, mais próximos agora e mais fortes respondiam uns aos outros, soando ferozes e livres.
— Helm! Helm! — os Cavaleiros gritavam — Helm despertou e retorna à guerra. Helm pelo Rei Théoden!
E com esse grito surgiu o rei. Seu cavalo branco como a neve, dourado seu escudo, longa sua lança. À sua direita estava Aragorn, herdeiro de Elendil, atrás cavalgavam os senhores da Casa de Eorl, o Jovem. A luz irrompeu no céu. A noite partira.
— Avante Eorlingas! — com um grito e muito barulho eles avançaram.
Desceram os portões num bramido, atravessaram o passadiço e passaram por entre as tropas de Isengard como o vento se infiltra na relva. Atrás deles, do Abismo, vieram os gritos firmes de homens saindo das cavernas, avançando na direção do inimigo. Apareceram todos os homens que restavam sobre o Rochedo.
E continuamente o som de trombetas ecoava nas colinas.
Continuaram cavalgando, o rei e seus companheiros. Capitães e campeões caíam ou corriam diante deles. Nem homens nem orcs puderam resistir. Deram as costas para as espadas e lanças dos Cavaleiros, e os rostos para o vale. Gritavam e gemiam, pois um medo e um grande assombro os tinham dominado com o nascer do dia.
Assim o Rei Théoden partiu do Portão de Helm e fez sua trilha na direção do grande Dique. Ali o grupo parou. A luz tornou-se intensa ao redor deles. Raios de sol flamejavam sobre as colinas do Leste, e tremeluziam nas lanças. Mas eles estavam em silêncio sobre os cavalos, descendo os olhos na direção da Garganta do Abismo.
A terra mudara. Onde antes havia o vale verde, com suas encostas cobertas de grama envolvendo as colinas cada vez mais altas, agora assomava uma floresta. Grandes árvores, nuas e silenciosas, se erguiam, fileira após fileira, com galhos entrelaçados e cabeças brancas, as raízes retorcidas enterradas na alta relva verde. A escuridão estava debaixo delas.
Entre o Dique e as bordas daquela floresta sem nome só havia uns quatrocentos metros de campo descoberto. Ali agora se amontoavam as altivas tropas de Saruman, com medo do rei e com medo das árvores.
Foram descendo do Portão de Helm até que toda a região acima do Dique se esvaziasse deles, mas abaixo dele se apinhavam como um enxame de moscas. Em vão se arrastavam e subiam as paredes da Garganta, procurando escapar. A Leste, o vale era muito íngreme e pedregoso, à esquerda, do Oeste sua ruína final se aproximava.
Ali, de repente, sobre uma cordilheira apareceu um cavaleiro, vestido de branco, brilhando ao sol. Sobre as colinas baixas as trombetas soavam. Atrás dele, descendo depressa as longas encostas, vinham mil homens a pé, brandindo suas espadas. Entre eles avançava um homem alto e forte. Seu escudo era vermelho. Quando chegou à borda do vale, colocou nos lábios uma grande trombeta negra e emitiu um clangor retumbante.
— Erkenbrand! — os Cavaleiros gritavam — Erkenbrand!
— Vejam o Cavaleiro Branco — gritou Aragorn — Gandalf está de volta!
— Mithrandir, Mithrandir! — gritou Legolas — Isso é realmente coisa de mago! Venha! Eu queria contemplar essa floresta, antes de o feitiço mudar!
As tropas de Isengard rugiam, indo de um lado para o outro, desviando de um medo para enfrentar outro. Outra vez a trombeta soou da torre.
Descendo através da brecha no Dique avançou o grupo do rei. Das colinas saltou Erkenbrand, senhor do Folde Ocidental. Scadufax também descia, como um cervo que corre com pés firmes pelas montanhas.
O Cavaleiro Branco avançava contra eles, e o terror de sua chegada alucinava o inimigo.
Os bárbaros se jogaram ao chão diante dele.
Os orcs cambaleavam e gritavam, jogando fora espadas e lanças. Como uma nuvem preta acossada por um vento forte eles fugiram. Passaram gemendo sob a sombra das árvores que os esperava, e daquela sombra nenhum deles saiu de novo.



 
continua...





________________________________________________________
Lei de ComimAs pessoas aceitarão sua idéia muito mais facilmente se você disser a elas que quem a criou foi Albert Einstein.
Lei de Murphy

O companheirismo é essencial à sobrevivência. Ele dá ao inimigo outra pessoa em quem atirar.