sábado, 27 de agosto de 2011

O Conde de Monte Cristo - Capítulo 60



LX

O TELÉGRAFO




O
 Sr. e a Sra. de Villefort souberam, ao regressar aos seus aposentos, que o Sr. Conde de Monte Cristo, que viera visitá-los, fora introduzido na sala, onde os esperava. A Sra. de Villefort, demasiado emocionada para entrar assim de súbito, passou pelo seu quarto, enquanto o Procurador Régio, mais senhor de si, se dirigiu diretamente para a sala. Mas por mais senhor que fosse das suas sensações, por mais que soubesse compor o rosto, o Sr. de Villefort não conseguiu com igual facilidade afastar a nuvem que lhe toldava a fronte, de forma que o Conde, cujo sorriso brilhava radioso, lhe não notasse o ar sombrio e pensativo.
— Oh, meu Deus, que tem, Sr. de Villefort?! — perguntou Monte Cristo após os primeiros cumprimentos — Terei chegado no momento em que redigia alguma acusação um tanto capital?
Villefort tentou sorrir.
— Não, Sr. Conde, aqui a única vitima sou eu — respondeu — Sou eu que perco o meu processo e foi o acaso, a teimosia e a loucura que formularam a acusação.
— Que quer dizer? — perguntou Monte Cristo com um interesse perfeitamente simulado — Aconteceu-lhe realmente algum contratempo grave?
— Oh, Sr. Conde, nem vale a pena falar do caso! — respondeu Villefort com uma calma cheia de amargura — Quase nada, uma simples perda de dinheiro.
— Com efeito — concordou Monte Cristo — Uma perda de dinheiro é pouca coisa comparada com uma fortuna como a que o senhor possui e com um espírito filosófico e elevado como o seu!
— Por isso — perguntou Villefort — Não é tanto a questão de dinheiro que me preocupa, embora ao final das contas novecentos mil francos valham bem um pesar, ou pelo menos um gesto de despeito. Fere-me, sobretudo o capricho do destino, do acaso ou da fatalidade, não sei como chamar ao poder que dirige o golpe que me fere, que destrói as minhas esperanças de fortuna e talvez o futuro da minha filha por intermédio de um velho regressado à infância.
— Meu Deus, o que aí vai! — exclamou o Conde — Novecentos mil francos, não foi o que o senhor disse? Na verdade, a importância merece ser lamentada, mesmo por um filósofo, como o senhor mesmo confessou. E quem lhe dá esse desgosto?
— O meu pai, de quem já lhe falei.
— O Sr. Noirtier? Deveras? Mas o senhor tinha-me dito, se me não engano, que ele estava completamente paralítico e que todas as suas faculdades se encontravam aniquiladas...
— Sim, as faculdades físicas, porque não pode se mexer nem falar, mas apesar disso pensa, quer e age como vê. Deixei-o há cinco minutos e neste momento está ocupado a ditar um testamento a dois tabeliões.
— Mas então já fala?
— Não, mas faz-se compreender.
— Como assim?
— Com a ajuda do olhar. Os seus olhos continuaram a viver e, como vê, matam.
— Meu amigo — disse a Sra. de Villefort, que acabava de entrar por seu turno — Não estará exagerando a situação?
— Minha senhora... — cumprimentou o Conde, inclinando-se.
A Sra. de Villefort retribuiu o cumprimento com o seu mais gracioso sorriso.
— Pois muito me conta, Sr. de Villefort. Que desgraça incompreensível!... — exclamou Monte Cristo.
— Incompreensível, diz bem! — concordou o procurador régio, encolhendo os ombros — Um capricho de velho!
— E não há maneira de levá-lo a desistir dessa decisão?
— Claro que há — respondeu a Sra. de Villefort — E depende até do meu marido que esse testamento, em vez de ser feito em detrimento de Valentine, seja pelo contrário feito a seu favor.
O Conde, vendo que os dois esposos começavam a falar por meias palavras, tomou um ar distraído e olhou com a mais profunda atenção e a aprovação mais completa o jovem Edouard, que deitava tinta de escrever no bebedouro dos pássaros.
— Minha querida — disse Villefort, respondendo à mulher — Bem sabe que gosto pouco de armar em patriarca em minha casa e que nunca acreditei que o destino do universo dependesse de um aceno da minha cabeça. No entanto, desejo que as minhas decisões sejam respeitadas na minha família e que a loucura de um velho e o capricho de uma criança não deitem por terra um projeto traçado no meu espírito há muitos anos. O Barão d’Epinay era meu amigo, como sabe, e uma aliança com o filho é convenientíssima.
— Acha que Valentine está combinada com ele?... — perguntou a Sra. de Villefort — Com efeito... ela sempre se opôs ao casamento e não me admiraria que tudo o que acabamos de ver e ouvir fosse a execução de um plano concertado entre ambos.
— Ninguém renuncia assim, acredite, a uma fortuna de novecentos mil francos — respondeu Villefort.
— Ela renunciaria ao mundo, senhor. Ainda há um ano queria entrar para um convento.
— Não importa — prosseguiu Villefort — Insisto em que esse casamento tem de se realizar!
— Apesar da vontade do seu pai? — perguntou a Sra. de Villefort, ferindo outra corda — É muito grave!...
Monte Cristo simulava nada ouvir, embora não perdesse uma palavra do que se dizia.
— Senhora — prosseguiu Villefort — Posso dizer que sempre respeitei o meu pai, porque ao sentimento natural da geração se juntava a consciência da sua superioridade moral; porque, enfim, um pai é sagrado a dois títulos, sagrado como nosso criador e sagrado como nosso senhor; mas hoje tenho de renunciar a reconhecer uma inteligência no velho que, baseado numa simples recordação de rancor para com o pai, persegue assim o filho. Seria, portanto ridículo da minha parte pautar a minha conduta pelos seus caprichos. Continuarei a ter o maior respeito pelo Sr. Noirtier, suportarei sem me queixar o castigo pecuniário que me impõe; mas permanecerei firme na minha vontade e o mundo apreciará de que lado está a razão. Assim, casarei a minha filha com o Barão Franz d’Epinay, porque tal casamento é na minha opinião, bom e respeitável e porque, em última análise, quero casar a minha filha com quem me aprouver.
— Pois quê — interveio o Conde, cuja aprovação o procurador régio solicitara constantemente com o olhar — Pois quê, o Sr. Noirtier deserda, diz o senhor, Mademoiselle Valentine por ela casar com o Sr. Barão Franz d’Epinay?!
— Exatamente, senhor, é essa a razão — respondeu Villefort, encolhendo os ombros.
— A razão visível, pelo menos — acrescentou a Sra. de Villefort.
— A razão real, minha senhora. Acredite no que lhe digo, conheço o meu pai.
— Concebe-se semelhante coisa? — perguntou ela — Em quê, diga-me, o Sr. d’Epinay pode desagradar mais do que qualquer outro ao Sr. Noirtier?
— De fato — disse o Conde — Conheci o Sr. Franz d’Epinay, o filho do general de Quesnel, não é verdade, aquele que foi feito barão d’Epinay pelo rei Carlos X...
— Exatamente — confirmou Villefort.
— Pois achei-o um jovem encantador!
— Por isso, a oposição do Sr. Noirtier não passa de um pretexto, estou certa — declarou a Sra. de Villefort — Os velhos são tiranos nas suas afeições e o Sr. Noirtier não quer que a neta se case.
— E não conhecem a causa desse rancor? — perguntou Monte Cristo.
— Meu Deus, quem a saberá?
— Alguma antipatia política, talvez...
— Efetivamente, o meu pai e o pai do Sr. d’Epinay viveram naqueles tempos tempestuosos de que só assisti aos últimos dias — respondeu Villefort.
— O seu pai não era bonapartista? — inquiriu Monte Cristo — Creio lembrar-me de o senhor me ter dito qualquer coisa a tal respeito...
— Meu pai foi principalmente jacobino — respondeu Villefort levado pela emoção para além dos limites da prudência — E a toga de senador que Napoleão lhe lançou sobre os ombros apenas mascarou o antigo republicano, mas sem o modificar. Quando o meu pai conspirava, não era pelo imperador, era contra os Bourbon. Porque o meu pai tinha isto de terrível: nunca combatia pelas utopias irrealizáveis, mas sim pelas coisas possíveis, e aplicava ao êxito dessas coisas possíveis as terríveis teorias da Montanha, que não recuavam diante de nenhum meio.
— Bom, deve ser isso — sugeriu Monte Cristo — O Sr. Noirtier e o Sr. d’Epinay devem ter-se digladiado no campo da política. O Sr. General d’Epinay, embora tivesse servido no tempo de Napoleão, não guardaria no fundo do coração sentimentos monárquicos? Não foi o mesmo que assassinaram numa noite, à saída de um clube napoleônico, onde o tinham atraído na esperança de encontrar nele um adepto?
Villefort fitou o Conde quase com terror:
— Engano-me? — perguntou Monte Cristo.
— Não, senhor — respondeu a Sra. de Villefort — Pelo contrário, foi mesmo assim que as coisas se passaram. E foi também devido ao que acaba de dizer que, para acabar com velhos ódios, o Sr. de Villefort teve a idéia de levar a amarem-se dois filhos cujos pais se tinham odiado.
— Uma idéia sublime! — exclamou Monte Cristo — Uma idéia cheia de caridade e que o mundo devia aplaudir. Com efeito, seria bonito ver Mademoiselle Noirtier de Villefort chamar-se Sra. Franz d’Epinay.
Villefort estremeceu e fitou Monte Cristo como se quisesse ler-lhe no fundo do coração a intenção que lhe ditara as palavras que acabava de preferir. Mas o Conde conservou o benévolo sorriso estereotipado que tinha nos lábios e ainda desta vez, apesar da acuidade do seu olhar, o procurador régio não viu para lá da epiderme.
— Por isso — prosseguiu Villefort — Embora seja uma grande perda para Valentine ficar sem a fortuna do avô, não creio que o casamento fique sem eleito. O Sr. d’Epinay não recuará diante desse contratempo pecuniário, estou certo; verá que valho mais do que esse dinheiro, uma vez que o sacrifico ao desejo de lhe manter a minha palavra. Além disso, calculará que Valentine é rica por herança da mãe, administrada pelo Sr. e pela Sra. de Saint-Méran, seus avós maternos, que a amam ternamente.
— E que merecem bem que os amem e os tratem como Valentine tem tratado o Sr. Noirtier — disse a Sra. de Villefort — De resto, devem vir a Paris no máximo dentro de um mês e, depois de tal afronta, Valentine será dispensada de se enterrar, como tem feito até aqui, junto do Sr. Noirtier.
O Conde escutava com complacência a voz dissonante daqueles amores próprios feridos e daqueles interesses prejudicados.
— Parece-me, no entanto — disse Monte Cristo, após um instante de silêncio — E peço-lhes antecipadamente perdão do que vou dizer, parece-me que o Sr. Noirtier deserda Mademoiselle de Villefort por a considerar culpada de querer casar com um rapaz cujo pai detestou, não tem a mesma razão de queixa da parte do querido Edouard...
— Pois não é verdade, senhor? — apressou-se a concordar a Sra. de Villefort, com uma entonação impossível de descrever — Não é verdade que é injusto? O pobre Edouard também é neto do Sr. Noirtier, tanto como Valentine, e, no entanto, se Valentine não casasse com o Sr. Franz, o Sr. Noirtier deixava-lhe tudo o que possui. Além disso, Edouard é o continuador do nome da família o que não impede que, mesmo supondo que Valentine seja efetivamente deserdada pelo avô, ela seja ainda três vezes mais rica do que ele.
Depois deste golpe, o Conde escutou e não disse mais nada.
— Pronto — interveio Villefort — Pronto, Sr. Conde, ponhamos de parte, peço-lhe, estas misérias de família. Sim, é verdade, a minha fortuna vai aumentar os rendimentos dos pobres, que são hoje os verdadeiros ricos. Sim, meu pai me frustrará uma esperança legitima e sem qualquer razão. Mas procederei como um homem de bem, como um homem de coração. O Sr. d’Epinay, a quem prometera o rendimento desse dinheiro, o receberá, nem que tenha de me impor as mais cruéis privações.
— Entretanto — prosseguiu a Sra. de Villefort, voltando à única idéia que lhe murmurava constantemente no fundo do coração — Talvez fosse melhor comunicar este contratempo ao Sr. d’Epinay, para o caso de ele próprio se querer desobrigar da sua palavra...
— Mas isso seria uma grande desgraça! — exclamou Villefort.
— Uma grande desgraça? — repetiu Monte Cristo.
— Sem dúvida — prosseguiu Villefort, acalmando-se — Um casamento anulado, mesmo por motivos de dinheiro, lança o descrédito sobre uma moça. Além disso, voltariam a ganhar consistência antigos boatos que desejo extinguir. Mas não, isso não acontecerá. Se o Sr. d’Epinay for um homem honesto, se considerará ainda mais comprometido pela deserdação de Valentine do que anteriormente. De contrário, procederia apenas como se tivesse em vista um simples objetivo de cupidez. Não, é impossível.
— Penso como o Sr. de Villefort — declarou Monte Cristo, olhando para a Sra. de Villefort — E se me pudesse considerar suficientemente seu amigo para me permitir dar-lhe um conselho, o convidaria, uma vez que o Sr. d’Epinay vai regressar, pelo menos segundo me disseram, a atar tão solidamente esses laços que nunca mais se pudessem desatar. Por último, me empenharia em conseguir que tudo terminasse da forma mais honrosa possível para o Sr. de Villefort.
Este último levantou-se, dominado por visível satisfação, enquanto a mulher empalidecia ligeiramente.
— Era exatamente isso que exigiria e esperaria de um conselheiro como o senhor — disse, estendendo a mão a Monte Cristo — Portanto, que todos aqui considerem o que se passou hoje como se não tivesse acontecido. Não há qualquer alteração nos nossos projetos.
— Senhor — disse o Conde — O mundo, por mais injusto que seja, saberá, garanto-lhe, ter na devida conta a sua resolução. Os seus amigos se sentirão orgulhosos e o Sr. d’Epinay, se tiver de aceitar Mademoiselle de Villefort sem dote, o que decerto não acontecerá, ficará encantado por entrar numa família onde as pessoas sabem elevar-se à altura de tais sacrifícios para cumprir a sua palavra e o seu dever.
Ao mesmo tempo que dizia isto, o Conde levantava-se e preparava-se para se retirar.
— Já nos deixa Sr. Conde? — perguntou a Sra. de Villefort.
— Sou obrigado a isso minha senhora. Vim apenas recordar-lhes a sua promessa para Sábado.
— Receava que a esquecêssemos?
— A senhora é demasiado bondosa, mas o Sr. de Villefort tem tão graves e por vezes tão urgentes ocupações...
— O meu marido deu a sua palavra, senhor — disse a Sra. de Villefort — Ora, se, como acaba de ver, a mantém quando tem tudo a perder, com mais forte razão a cumprirá quando tem tudo a ganhar.
— A reunião é na sua casa da Champs-Élysées? — perguntou Villefort.
— Não — respondeu Monte Cristo — E é isso que torna a sua aceitação ainda mais meritória. É no campo.
— No campo?
— Sim.
— Mas onde? Suponho que perto de Paris...
— Às portas, a uma meia-hora da barreira, em Auteuil.
— Em Auteuil! — exclamou Villefort — Ah, é verdade, a minha mulher já me tinha dito que o senhor tencionava residir em Auteuil e que fora para sua casa que a tinham transportado! E em que lugar de Auteuil?
— Na Rua de la Fontaine.
— Na Rua de la Fontaine! — repetiu Villefort, com voz estrangulada — E em que número?
— No 28.
— Nesse caso... foi ao senhor que venderam a casa do Sr. de Saint-Méran?
— Do Sr. de Saint-Méran? — perguntou Monte Cristo — Aquela casa pertencia ao Sr. de Saint-Méran?
— Pertencia — respondeu a Sra. de Villefort — E quer saber uma coisa, Sr. Conde?
— Qual?
— Acha essa casa bonita, não é verdade?
— Encantadora.
— Pois o meu marido nunca quis morar lá.
— Oh! — exclamou Monte Cristo — Na verdade, senhor, trata-se de uma prevenção que não compreendo.
— Não gosto de Auteuil — respondeu o procurador régio, fazendo um esforço sobre si mesmo.
— Espero, no entanto não ter a pouca sorte de me ver privado do prazer de recebê-lo por causa dessa antipatia... — disse Monte Cristo com inquietação.
— Não, Sr. Conde. Tenho esperança... creia que farei tudo o que puder — balbuciou Villefort.
— Não admito desculpas — respondeu Monte Cristo — Espero-o no Sábado às seis horas e se não for julgarei... sei lá... julgarei que pesa sobre aquela casa desabitada há mais de vinte anos alguma lúgubre tradição, alguma lenda sangrenta.
— Irei, Sr. Conde, irei — prometeu vivamente Villefort.
— Obrigado — disse Monte Cristo — Agora, permitam-me que me retire.
— De fato, já nos tinha dito que era obrigado a deixar-nos, Sr. Conde — declarou a Sra. de Villefort — E até é se me não engano, ia a dizer-nos o motivo por que se retirava quando se interrompeu para passar a outra idéia.
— Na verdade, minha senhora — respondeu Monte Cristo — Não sei se me atrevo a dizer-lhe onde vou.
— Ora, diga sempre!
— Vou, como autêntico papalvo que sou, visitar uma coisa que muitas vezes me tem feito sonhar horas inteiras.
— Qual?
— Um telégrafo. Pronto, lá me descaí com a língua!
— Um telégrafo! — repetiu a Sra. de Villefort.
— Sim, meu Deus, um telégrafo. Às vezes vejo na extremidade de um caminho, num outeiro, debaixo de um belo sol, erguerem-se uns braços negros e dobráveis, semelhantes às patas de um enorme coleôptero, e nunca os vejo sem emoção, juro-lhe, pois julgava que esses sinais estranhos que cruzam o ar com precisão e levam a trezentas léguas de distancia a vontade desconhecida de um homem sentado diante de uma mesa a outro homem sentado na extremidade da linha diante de outra mesa, se desenhavam no cinzento das nuvens ou no azul do céu apenas pela força de vontade de um chefe todo-poderoso. Acreditava então nos gênios, nos silfos, nos gnomos, nos poderes ocultos, enfim, e ria. Ora, nunca me dera na veneta ver de perto esses grandes insetos de ventre branco e patas negras e magras, porque receava encontrar-lhes debaixo das asas de pedra um geniozinho humano emproado, pretensioso, repleto de ciência, de cabala ou feiticeira. Até que uma bela manhã soube que o motor de cada telégrafo era o pobre diabo de um funcionário que ganhava mil e duzentos francos por ano para olhar durante todo o dia, não o céu, como um astrônomo, não a água, como um pescador, não a paisagem, como um cérebro oco, mas sim o inseto de ventre branco e patas negras seu correspondente, colocado a cerca de quatro ou cinco léguas de distância. Então, senti-me dominado por um desejo curioso de ver de perto essa crisálida viva e de assistir ao espetáculo que do fundo do seu casulo dá à outra crisálida, puxando uma após outra algumas pontas de corda.
— E vai lá?
— Vou.
— A que telégrafo? Ao do Ministério do Interior ou ao do Observatório?
— Oh, não! Encontraria lá pessoas que quereriam obrigar-me a compreender coisas que prefiro ignorar, e que me explicariam, malgrado meu, um mistério que não conhecem. Apre! Acho melhor conservar as ilusões que ainda tenho a respeito dos insetos; me basta ter já perdido as que tinha acerca dos homens. Não irei, portanto nem ao telégrafo do Ministério do Interior, nem ao telégrafo do Observatório. Prefiro o telégrafo em pleno campo, com o puro homenzinho petrificado na sua torre.
— Nunca vi um grande senhor tão singular — observou Villefort.
— Que linha me aconselha a estudar?
— A mais ocupada a esta hora.
— Nesse caso, a da Espanha, não?
— Exatamente. Quer uma carta do ministro para que lhe expliquem...
— Não, não! — recusou Monte Cristo — Se lhe digo que, pelo contrário, não quero compreender nada daquilo. No momento em que compreendesse qualquer coisa, adeus telégrafo, não haveria nem mais um sinal do Sr. Duchâtel ou do Sr. de Montalivet transmitido ao prefeito de Baiona a coberto de duas palavras gregas: tele e graphein. Quero conservar em toda a sua pureza e em toda a minha veneração o animal das patas negras e a palavra assustadora.
— Sendo assim, vá, pois dentro de duas horas anoitecer e já não verá nada.
— Demônio, assusta-me. Qual é o mais próximo? Na estrada de Baiona?
— Sim vá pela estrada de Baiona.
— É o de Châtillon?
— Sim.
— E depois do de Châtillon?
— O da torre de Montlhéry, creio.
— Obrigado e até à vista! No Sábado lhe contarei as minhas impressões.
À porta, o Conde encontrou-se com os dois tabeliões que acabavam de deserdar Valentine e se retiravam encantados por terem presidido a um ato que não podia deixar de lhes proporcionar grande honra.




 continua...




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Primeira Lei de Murphy: "Se alguma coisa tem a mais remota chance de dar errado, certamente dará".
Comentário de Churchill sobre o homem: "O homem pode ocasionalmente tropeçar na verdade, mas na maioria das vezes ele se levanta e continua indo na mesma direção".

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