sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O PODEROSO CHEFÃO - CAPÍTULO 6



CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA: 14 ANOS

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CAPÍTULO
6




P
ETER CLEMENZA DORMIU MAL naquela noite. Pela manhã levantou-se cedo e preparou o seu próprio breakfast, consistindo de um copo de grappa, uma fatia grossa de salame de Gênova com um pedaço de pão italiano fresco, que ainda lhe era entregue a domicílio como nos bons tempos. Depois bebeu, em uma grande caneca de porcelana lisa, uma boa dose de café quente misturado com anisete. Mas enquanto andava pela casa em seu velho roupão de banho e chinelos vermelhos de feltro, refletia a respeito do trabalho do dia que tinha pela frente. Na noite anterior, Sonny Corleone tornou muito claro que Paulie Gatto devia ser liquidado imediatamente. Devia ser hoje.
Clemenza estava preocupado. Não porque Gatto tinha sido seu protegido e se tornara traidor. Isso não refletia no julgamento do caporegime. Afinal de contas, os antecedentes de Paulie eram ótimos. Ele descendia de uma família siciliana, tinha crescido na mesma localidade que os filhos de Corleone, havia na verdade até freqüentado a escola junto com um dos seus meninos. Tinha sido testado e achado satisfatório. E depois de “aprovado” ele foi contemplado com um bom meio de vida por parte da Família, a percentagem de um bookmaker da zona Leste e a inclusão de seu nome na folha de pagamento de um sindicato. Clemenza não ignorava que Paulie Gatto aumentava a sua renda com pequenos golpes por sua própria conta, rigorosamente contra o regulamento da Família, mas mesmo isso era uma prova do valor do homem. A infração desses regulamentos era considerada uma prova de indocilidade, tal como a demonstrada por um bom cavalo de corridas procurando livrar-se das rédeas.
E Paulie jamais causara aborrecimentos com seus golpes. Eles eram sempre planejados e executados com meticulosidade e com o mínimo de confusão e complicação, sem que qualquer pessoa tivesse sido jamais ferida ou assassinada: o pagamento do centro de roupas de Manhattan de três mil dólares, o pagamento de uma pequena fábrica de porcelana nas favelas do Brooklyn. Tudo estava dentro do padrão. Quem poderia prever que Paulie Gatto se tornaria traidor?
O que preocupava Peter Clemenza naquela manhã era um problema administrativo. A execução de Gatto era um trabalho líquido e certo. O problema era o seguinte: quem devia o caporegime promover do escalão inferior para substituir Gatto na Família? Era uma promoção importante, essa para a de guarda-costas que não podia ser feita irrefletidamente. O escolhido deveria ser duro e esperto. Deveria ser de confiança, a fim de não dar o serviço à polícia, quando se visse em dificuldade, um homem bem acostumado à lei da omerta dos sicilianos, a lei do silêncio. E, então, com que meio de vida seria ele contemplado pelos seus novos deveres? Clemenza tinha falado várias vezes a Don Corleone sobre melhores recompensas para o importante guarda-costas que era o primeiro na linha de frente quando surgia uma complicação, mas Don Corleone se esquivava do assunto. Se Paulie estivesse ganhando mais dinheiro, talvez pudesse ter resistido ao suborno do astuto turco Sollozzo.
Clemenza finalmente reduziu a lista de candidatos a três homens. O primeiro era um capanga que trabalhava com os ladrões negros de banco do Harlem, um brutamontes amulatado de grande força física, com enorme encanto pessoal que podia dar-se bem com as pessoas e contudo, quando necessário, fazê-las ficar com medo dele. Porém Clemenza riscou-o da lista depois de considerar-lhe o nome durante meia hora. Esse homem mantinha boas relações com os pretos, o que sugeria uma falha no seu caráter. Também seria difícil substituí-lo no lugar que ele ocupava agora.
O segundo nome que Clemenza considerou e quase se decidiu por ele foi um sujeito bastante trabalhador que servia fielmente e bem na organização. Esse homem era o cobrador das contas dos delinqüentes dos agiotas licenciados pela Família em Manhattan. Ele tinha começado como agente de bookmaker. Mas ainda não estava devidamente preparado para tão importante promoção.
Finalmente Clemenza se fixou em Rocco Lampone, o qual havia feito um aprendizado curto, mas impressionante, junto à Família. Durante a guerra ele tinha sido ferido na África, dando baixa em 1943. Devido à falta de gente moça, Clemenza o havia contratado, embora Lampone estivesse parcialmente incapacitado pelos seus ferimentos e mancasse de modo acentuado ao caminhar. Clemenza usara-o como contato do mercado negro no centro de roupas e com os funcionários públicos que controlavam os cartões de racionamanto. Daí, Lampone foi promovido a quebra-galho de toda a operação. O que Clemenza gostava nele era o seu bom raciocínio. Lampone sabia que não havia vantagem em ser duro com algo que custaria apenas uma pesada multa ou seis meses de cadeia, preços insignificantes a serem pagos pelos enormes lucros obtidos. Tinha ainda o bom senso de saber que isso não era campo para grandes ameaças, mas pequenas, e mantinha toda a operação em ponto baixo, o que era exatamente o necessário.
Clemenza sentiu o alívio de um administrador consciente que havia resolvido um problema pessoal espinhoso. Sim, Rocco Lampone é quem iria ajudar. Pois Clemenza planejava executar pessoalmente o trabalho, não somente para ajudar um homem novo e inexperiente a “receber o batismo de fogo”, como para ter um ajuste de contas pessoal com Paulie Gatto. Paulie tinha sido seu protegido, ele o fizera passar por cima de muita gente mais leal e mais merecedora, tinha ajudado Paulie a “receber o batismo de fogo” e o auxiliara em sua carreira de todos os modos. Paulie não traíra somente a Família, traíra seu padrone, Peter Clemenza. Por essa falta de respeito tinha de ser castigado.
Tudo o mais estava arranjado. Paulie Gatto fora instruído para apanhá-lo às três horas da tarde, e para apanhá-lo em seu próprio carro, nada de grave. Clemenza pegou o telefone e discou o número de Rocco Lampone. Não se identificou, disse simplesmente:
— Venha até a minha casa, tenho uma missão para você.
Ficou satisfeito ao notar que, apesar de ainda ser muito cedo, a voz de Lampone não se surpreendeu nem estava tonta de sono, e ele simplesmente respondeu:
— Está bem.
Bom homem, pensou Clemenza, acrescentando:
— Não há pressa, tome o seu breakfast e almoce antes de vir ver-me. Mas não venha depois das duas da tarde.
Ouviu-se outro lacônico “está bem” do outro lado da linha e Clemenza desligou. Já avisara o seu pessoal para substituir a turma do caporegime Tessio na alameda de Corleone e assim foi feito. Ele tinha subordinados competentes e jamais intervinha numa operação de rotina dessa natureza.
Decidiu lavar o seu Cadillac. Ele adorava o carro. Proporcionava-lhe um rodar tão tranqüilo, e o seu acolchoado era tão cômodo que às vezes se sentava nele durante uma hora, quando o tempo estava bom, porque era mais agradável do que sentar-se numa poltrona dentro de casa. E sempre gostava de pensar enquanto lavava o carro. Lembrava-se do pai, na Itália, que fazia a mesma coisa com os burros.
Clemenza trabalhava dentro da garagem aquecida, pois detestava o frio. Repassou rapidamente os planos. Era preciso ter cuidado com Paulie, o homem era como um rato, sentia o cheiro do perigo. E agora, de fato, apesar de ser tão duro, devia estar cagando nas calças porque o velho sobrevivera. Ele estaria tão desconfiado quanto um burro, sentindo comichão na bunda. Mas Clemenza já se acostumara a essas circunstâncias, tão habituais em seu trabalho. Primeiro, precisava ter uma boa desculpa para que Rocco os acompanhasse. Segundo, teria de inventar uma missão plausível para os três realizarem.
Evidentemente, a rigor, isso não era necessário. Paulie Gatto podia ser assassinado sem qualquer dessas formalidades. Ele estava acuado, não podia fugir. Mas Clemenza sentia intensamente que era importante manter os hábitos do bom trabalho e jamais ceder um milímetro de vantagem. Nunca é fácil prever o que pode acontecer, e essas coisas são, afinal de contas, questões vida e morte.
Enquanto lavava seu Cadillac azul, Peter Clemenza ponderava e ensaiava o que iria dizer, as expressões do seu rosto. Seria breve com Paulie, como se estivesse desgostoso com ele. Com um homem tão sensível e desconfiado como Gatto, isso o tiraria fora da jogada ou pelo menos o deixaria em dúvida. Amabilidade indevida o faria cauteloso. Mas, certamente, essa brevidade não seria de muito mau humor. Tinha de ser antes uma espécie de irritação distraída. E por que Lampone estava ali? Paulie acharia isso muito inquietante, especialmente porque Lampone deveria estar no assento traseiro. Paulie não gostaria de ficar abstraído no volante com Lampone atrás de sua cabeça. Clemenza esfregou e poliu o metal do seu Cadillac furiosamente. Ia ser difícil. Muito difícil. Por um momento, cogitou se deveria convocar outro homem, mas decidiu contra tal idéia. Aqui ele seguiu o raciocínio básico. Nos anos vindouros, poderia surgir uma situação em que seria vantajoso para um dos seus parceiros depor contra ele. Se fosse apenas um cúmplice, seria a palavra de uma pessoa contra outra. Mas a palavra de um segundo cúmplice podia fazer pender a balança. Não, eles cumpririam a missão à risca.
O que aborrecia Clemenza era que a execução tinha de ser “pública”. Isto é, o corpo deveria ser encontrado. Ele preferia fazê-lo desaparecer. Os cemitérios habituais eram perto do oceano ou os pântanos de Nova Jersey em terras de propriedade de amigos da Família ou de outros métodos mais complicados. Mas tinha de ser público para que os traidores em potencial ficassem apavorados e o inimigo avisado de que a Família Corleone não tinha absolutamente se tornado idiota ou fraca. Sollozzo se tornaria cauteloso em virtude dessa rápida descoberta de seu espião. A Família Corleone recuperaria parte do prestígio perdido. Pareceria ter sido tolice o atentado contra o velho.
Clemenza deu um suspiro. O Cadillac brilhava como um enorme ovo de aço azul, e ele não estava ainda perto de resolver o seu problema. De repente, a solução ocorreu-lhe, lógica e a calhar. isso explicaria o fato de Rocco Lampone, ele próprio e Paulie se acharem juntos e justificaria uma missão de grande segredo e importância.
Clemenza diria a Paulie que a tarefa deles naquele dia seria achar um apartamento para o caso de a Família resolver “dormir em colchões”.
Toda vez que a guerra entre as Famílias se tornava extremamente intensa, os adversários instalavam quartéis-generais em apartamentos secretos onde os “soldados” dormiam em colchões espalhados pelos quartos. Isso não era somente para manter as suas famílias fora de perigo, as mulheres e as crianças pequenas, já que qualquer ataque aos não-combatentes era inconcebível. Todas as partes eram muito vulneráveis a represálias semelhantes. Entretanto, era sempre mais vantajoso viver em algum lugar secreto onde os movimentos diários de uma parte não pudessem ser registrados pelos adversários ou pela polícia que poderia arbitrariamente resolver interferir.
E assim, geralmente mandava-se um caporegime de confiança alugar um apartamento secreto e enchê-lo de colchões. Esse apartamento seria usado como um lugar de partida para a cidade quando se preparasse uma ofensiva. Era natural que Clemenza fosse enviado para realizar tal missão. Era natural, para ele, levar Gatto e Lampone em sua companhia, a fim de providenciar todos os detalhes, inclusive o encargo de mobiliar o apartamento.
Também, Clemenza pensou sarcasticamente, Paulie Gatto tinha demonstrado ser ganancioso, e a primeira idéia que lhe ocorreria à cabeça era quanto poderia conseguir de Sollozzo por essa valiosa informação.
Rocco Lampone chegou cedo, e Clemenza explicou o que devia ser feito e qual seria o papel de cada um. O rosto de Lampone iluminou-se com surpreendente gratidão, enquanto agradecia respeitosamente a Clemenza pela promoção que lhe permitia servir a Família. Clemenza tinha a certeza de que agira bem. Bateu no ombro de Lampone e disse:
— Você vai conseguir algo melhor para viver, a partir de hoje. Falaremos nisso mais tarde. Você compreende que a Família agora está ocupada com assuntos mais delicados, coisas mais importantes para fazer.
Lampone fez um gesto que dizia que ele seria paciente, sabendo que a sua recompensa era certa.
Clemenza foi até o cofre do seu cubículo e abriu-o. Tirou dali um revólver e deu-o a Lampone.
— Use este. Eles nunca descobrirão a quem pertence. Deixe-o no carro com Paulie. Quando o trabalho estiver terminado, quero que você leve a sua mulher e filhos para umas férias na Flórida. Use o seu próprio dinheiro agora e eu o reembolsarei depois. Descanse, apanhe bastante sol. Hospede-se no hotel da Família em Miami para que eu saiba onde poderei encontrá-lo quando precisar.
A mulher de Clemenza bateu na porta do cubículo para dizer-lhes que Paulie Gatto havia chegado. Ele estava estacionado na porta da garagem. Clemenza encaminhou-se para a garagem e Lampone o seguiu. Quando Clemenza entrou no assento dianteiro com Gatto, apenas murmurou um cumprimento, com um aspecto encolerizado no rosto. Olhou para o relógio de pulso como que esperando verificar que Gatto estivesse atrasado.
O guarda-costas olhava-o atentamente, procurando uma pista. Tomou um pequeno susto quando Lampone entrou no assento traseiro bem atrás dele e disse:
— Rocco, sente do outro lado. Um sujeito grande como você atrapalha o meu espelho retrovisor.
Lampone mudou de lugar obedientemente de modo que passou a sentar atrás de Clemenza, como se tal pedido fosse a coisa mais natural do mundo.
Clemenza falou asperamente:
— Maldito Sonny, começou a se apavorar. Já está pensando em “dormir em colchões”. Temos de achar um apartamento na zona Oeste. Paulie, você e Rocco têm de levar gente para lá e supri-lo até ser dada a ordem para resto dos soldados usá-lo. Você conhece um bom lugar?
Como já esperava, os olhos de Gatto se tomaram gananciosamente interessados. Paulie engoliu a isca e, em virtude de estar pensando em quanto valeria a informação para Sollozzo, esqueceu de pensar sobre se se achava em perigo. Igualmente, Lampone desempenhava o seu papel com perfeição, olhando para fora da janela de maneira desinteressada, tranqüila. Clemenza congratulou-se com sua escolha.
Gatto deu de ombros.
— Eu devia ter pensado nisso — comentou.
Clemenza resmungou:
— Vá dirigindo enquanto pensa, quero chegar a Nova York hoje.
Paulie era um bom motorista e o tráfego para a cidade estava fraco nessa hora da tarde, assim a escuridão do início de inverno apenas começara a cair quando eles chegaram. Não houve conversa durante a viagem. Clemenza mandou Paulie levar o carro até o bairro Washington Heights. Examinou alguns edifícios de apartamentos e disse-lhe para estacionar perto da Arthur Avenue e esperar. Também deixou Rocco Lampone no carro. Entrou no Vera Mario Restaurant e fez uma refeição ligeira de vitela e salada, acenando seu cumprimento para alguns conhecidos. Depois de passada uma hora, andou os vários quarteirões até onde o carro estava estacionado e entrou nele. Gatto e Lampone ainda estavam esperando.
— Merda — exclamou Clemenza — Eles querem a gente de volta em Long Beach. Têm outro serviço para nós agora. Sonny disse que a gente pode deixar este para mais tarde. Rocco, você mora na cidade, quer descer em algum lugar?
Rocco respondeu calmamente:
— Deixei meu carro lá na sua casa e minha velha precisa dele de manhã cedo.
— Está certo — retrucou Clemenza — Então você vai ter de voltar com a gente.
Novamente na viagem de volta para Long Beach nada se conversou, Na reta da estrada que vai dar na cidade, Clemenza disse de repente:
— Paulie, encoste o carro aí, preciso dar uma mijada.
Por trabalharem juntos há tanto tempo, Gatto sabia que o gordo caporegime tinha uma bexiga fraca. Havia feito várias vezes esse pedido. Gatto desviou o carro para fora da estrada conduzindo-o para a terra mole que levava até o pântano. Clemenza saltou do carro e deu alguns passos em direção ao mato. Ele realmente urinou. Depois, quando abriu a porta para entrar novamente no carro, deu uma rápida olhada para a frente e para trás da rodovia. Não havia luzes, a estrada estava completamente escura.
— Mete os peitos — disse Clemenza.
Um segundo depois, no interior do carro ecoava o disparo de um revólver. Paulie Gatto pareceu saltar para a frente, seu corpo atirando-se sobre o volante e depois caindo bruscamente sobre o assento. Clemenza recuou rapidamente para evitar que fosse atingido por fragmentos de osso de crânio e sangue.
Rocco Lampone saiu arrastando-se do banco traseiro. Ainda segurava o revólver, e o jogou no pântano. Ele e Clemenza caminharam apressadamente para um carro estacionado nas proximidades e entraram nele. Lampone procurou embaixo do assento e encontrou a chave que havia sido deixada para eles. Deu partida no veículo e levou Clemenza para casa. Depois, em vez de voltar pelo mesmo caminho, tomou a estrada de Jones Beach através da cidade de Merrick e seguiu pela Meadowbrook Parkway até chegar à Northern State Parkway. Atravessou a autopista de Long lsland e depois continuou até a Whitestone Bridge e através do Bronx até a sua casa em Manhattan.





Continua...






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Frase Curiosa"Há apenas duas maneiras de obter sucesso neste mundo: pelas próprias habilidades ou pela incompetência alheia." Jean de La Bruyère

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