CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA: 14 ANOS
Obs.: Este é um capítulo decisivo para a primeira parte do livro.
CAPÍTULO
11
O
|
CAPITÃO MARK MCCLUSKEY estava sentado em
seu gabinete, manuseando três envelopes cheios de talões de apostas. Franzia as
sobrancelhas e desejava poder decifrar as anotações constantes dos talões. Era
muito importante que conseguisse isso. Os envelopes eram os talões de apostas
que a sua caravana policial havia apreendido numa batida a um dos bookmakers na noite anterior. Agora o bookmaker teria de comprar os talões na
mão dele para que os apostadores não pudessem alegar que tinham ganho e levá-lo
à ruína.
Era importante que o
Capitão McCluskey decifrasse os talões porque não queria ser tapeado quando os
vendesse ao bookmaker. Se houvesse
cinqüenta mil dólares em jogo, talvez pudesse vendê-los por cinco mil. Mas se
houvesse um bocado de apostas altas e os talões representassem cem mil dólares
ou talvez mesmo duzentos mil, então o preço seria bem mais elevado. McCluskey
brincou algum tempo com o “envelope” e depois resolveu deixar que o bookmaker suasse um pouco e fizesse a
primeira oferta. Isso podia dar alguma idéia sobre o valor real da coisa.
McCluskey olhou para o
relógio da parede de seu gabinete. Era hora de apanhar aquele seboso turco,
Sollozzo, e levá-lo até onde ele iria encontrar-se com a Família Corleone.
McCluskey foi até o seu armário e começou a trocar o seu uniforme por uma roupa
à paisana. Quando terminou, telefonou para a mulher dizendo que não iria jantar
em casa aquela noite, porque estaria de serviço na rua. Não confiava na mulher
para coisa alguma. Ela pensava que eles viviam daquele modo graças ao salário
da polícia. McCluskey rosnou de alegria. A mãe dele pensava a mesma coisa, mas
ele aprendera cedo. O pai lhe ensinara a viver.
O pai tinha sido
sargento da policia, e toda semana pai e filho percorriam a jurisdição do velho,
enquanto este ia apresentando o filho de seis anos de idade aos donos de lojas
e armazéns dizendo:
— Este é o meu
garotinho.
Os donos de lojas e
armazéns apertavam-lhe a mão e o cumprimentavam de modo significativo, fazendo
tilintar as suas caixas registradoras a fim de abri-las para dar ao garotinho
um presente de cinco ou dez dólares. No fim do dia, o pequeno Mark McCluskey
tinha todos os bolsos de sua roupa abarrotados de notas e sentia-se muito
orgulhoso porque os amigos do pai gostavam dele o bastante para dar-lhe um
presente toda vez que o viam. Naturalmente, o pai punha o dinheiro no banco
para ele, para a sua educação escolar, e o pequeno Mark ficava no máximo com
uma moeda de cinqüenta centavos para ele mesmo gastar.
Depois, quando Mark
voltava para casa, seus tios, também policiais, perguntavam-lhe o que ele
queria ser quando crescesse, e ele balbuciava infantilmente: “Polícia.” Eles
davam gostosas gargalhadas. E mais tarde naturalmente, embora o pai quisesse
que ele fosse para a faculdade primeiro, Mark, depois de concluir o curso
secundário, preparou-se para ingressar diretamente na força policial.
Ele fora um bom
policial, um valente policial. Os desordeiros que aterrorizavam as esquinas das
ruas fugiam quando ele se aproximava e finalmente desapareceram por completo de
sua zona. Mark era um policial duro e cortês. Nunca levava o filho para visitar
os donos de lojas e armazéns a fim de arrecadar presentes em dinheiro, para não
tomar conhecimento de violações de colocação de lixo e violações de
estacionamento; ele apanhava o dinheiro diretamente com a própria mão,
diretamente porque achava que o tinha ganho. Nunca penetrava num cinema ou
entrava por engano em restaurante, quando estava fazendo a ronda a pé, como os
outros policiais faziam, especialmente nas noites de inverno. Sempre cumpria os
seus deveres. Dava às lojas e armazéns uma proteção eficiente, fazendo um bom
trabalho. Quando bêbados vindos do Bowery se infiltravam em sua zona para pedir
dinheiro, ele os escorraçava de modo tão violento que eles nunca mais voltavam.
Os comerciantes de sua zona eram-lhe muito gratos. E gostavam de demonstrar sua
gratidão.
Ele também obedecia ao
sistema. Os bookmakers de sua zona
sabiam que McCluskey jamais criaria qualquer dificuldade para conseguir uns trocados
a mais, pois ele se sentia satisfeito com a parte que lhe destinavam. Seu nome
estava na lista juntamente com os outros e ele nunca procurava conseguir
dinheiro extra. Era um policial decente que só recebia “gaita” limpa por fora e
sua ascensão no departamento de polícia foi firme, se não espetacular.
Durante esse tempo,
ele sustentava uma família composta de quatro filhos, dos quais nenhum se
tornou policial. Todos foram para a Universidade Fordham, e desde que por essa
época Mark McCluskey foi promovido de sargento a tenente e finalmente a
capitão, nada lhes faltava. Foi durante esse período que McCluskey ganhou a
reputação de ser um grande “tomador de dinheiro”. Os bookmakers de sua zona pagavam uma proteção mais cara do que os de
qualquer outra parte da cidade, mas talvez isso fosse devido à despesa
decorrente de manter quatro rapazes na faculdade.
O próprio McCluskey
achava que não havia nada de errado em receber uma “gaita” limpa por fora. Por
que diabo os rapazes deviam ir para uma escola estadual ou uma faculdade barata
do Sul, apenas porque o departamento de polícia não pagava aos funcionários
dinheiro bastante com que pudessem viver e sustentar a família decentemente?
Ele protegia toda essa gente com o risco da própria vida, e em sua ficha constavam
citações por troca de tiros com assaltantes, guarda-costas violentos e
exploradores de prostitutas. Derrotou todos eles. Manteve o seu setor limpo e
garantido para a gente comum, e certamente ele merecia mais do que aquela
nojenta nota de cem dólares por semana. Mas não se sentia revoltado com esse
salário baixo, compreendia que todo mundo tinha obrigação de cuidar de si
mesmo.
Bruno Tattaglia era um
velho amigo seu. Bruno freqüentara a Universidade Fordham juntamente com um de
seus filhos, depois abrira seu cabaré, e toda vez que a família de McCluskey
resolvia passar uma noite esporádica na cidade podia desfrutar o cabaré com
bebida e comida — tudo por conta da casa. Na véspera do Ano Novo, os McCluskey
recebiam convite impresso para comparecer como convidados da gerência e sempre
sentavam numa das melhores mesas. Bruno sempre fazia questão de apresentá-los
às celebridades que se exibiam no cabaré, algumas delas famosos cantores e
artistas de Hollywood. Às vezes ele pedia um pequeno favor, como por exemplo
limpar a ficha de um empregado para obter licença a fim de trabalhar em cabaré,
geralmente uma garota bonita com um dossiê da polícia como punguista ou
vigarista. McCluskey tinha prazer em atender a tais pedidos.
McCluskey adotava o
princípio de jamais demonstrar que compreendia o que as outras pessoas
desejavam dele. Quando Sollozzo o procurou com a proposta de deixar o velho
Corleone “descoberto” no hospital, McCluskey não perguntou o motivo. Quis saber
apenas quanto levaria em dinheiro. Quando Sollozzo disse que eram dez mil
dólares, McCluskey sabia por quê. Não hesitou. Corleone era um dos maiores
homens da Máfia do país, com mais ligações políticas do que AL Capone jamais
tivera. Quem o liquidasse faria um grande favor ao país. McCluskey recebeu o
dinheiro adiantado e fez o serviço. Quando recebeu o telefonema de Sollozzo
informando-o de que havia ainda dois dos homens de Corleone em frente ao
hospital, partiu furioso. Tinha trancafiado todos os capangas de Tessio e
retirado toda a guarda de detetives da porta do quarto de Corleone. E agora,
sendo um homem de princípios, teria de devolver os dez mil dólares, dinheiro
que ele já havia destinado para garantir a educação dos seus netos. Foi com
essa fúria que ele tinha ido ao hospital e atacado Michael Corleone.
Porém tudo marchara
para o melhor que se podia esperar. Ele se encontrara com Sollozzo no cabaré de
Tattaglia e os dois fizeram um trato ainda melhor. Outra vez McCluskey não fez
perguntas, pois sabia todas as respostas. Apenas garantia a sua “bolada”. Nunca
lhe ocorreu que ele próprio poderia estar em perigo. Que alguém considerasse,
mesmo por um momento, a possibilidade de matar um capitão da polícia de Nova
York, parecia uma coisa fantástica. O bandido mais duro da Máfia tinha de
agüentar quieto se o policial mais baixo resolvesse esbofeteá-lo. Não havia
absolutamente qualquer vantagem em matar policiais.
Por que então de
repente um bocado de bandidos seria assassinado por resistir à prisão ou por
tentar fugir do local do crime, e quem diabo iria fazer alguma coisa com
respeito a isso?
McCluskey deu um
suspiro e se aprontou para deixar o distrito. Problemas, sempre problemas. A
irmã de sua mulher tinha morrido, na Irlanda, após muitos anos de luta contra o
câncer, e a doença tinha-lhe custado uma boa nota. Agora o enterro lhe custaria
mais um pouco. Os seus próprios tios e tias no velho continente precisavam de
uma pequena ajuda de vez em quando para manter suas plantações de batatas, e
ele mandava dinheiro para esse fim. Não se queixava disso. E quando ele e a
mulher visitaram a Irlanda foram tratados como rei e rainha. Talvez fossem
novamente nesse verão, agora que a guerra havia terminado e com todo aquele
dinheiro extra entrando. McCluskey disse ao seu ajudante onde estaria se
precisassem dele. Não achou necessário tomar qualquer precaução. Podia sempre
alegar que Sollozzo era um alcagüete que se encontrava com ele. Saindo do
distrito policial, andou alguns quarteirões e depois pegou um táxi até a casa
onde iria encontrar-se com Sollozzo.
Era Tom Hagen que
tinha de tomar as providências para Michael deixar o país, seu passaporte
falso, seu cartão de marítimo, seu beliche num cargueiro italiano que atracaria
num porto da Sicília. Emissários haviam sido enviados naquele mesmo dia por
avião para a Sicília, a fim de preparar um esconderijo com o chefe da Máfia na
região das montanhas.
Sonny arranjou um
carro e um motorista de absoluta confiança para ficar à espera de Michael
quando ele saísse do restaurante em que seria realizada a reunião com Sollozzo.
O motorista seria o próprio Tessio, que se ofereceu voluntariamente para o
serviço. Seria um carro amassado, mas com um bom motor. Teria uma chapa “fria”
e seria impossível identificar-se o seu proprietário. Tinha sido poupado para
um serviço especial que exigisse o que houvesse de melhor.
Michael passou o dia
com Clemenza, praticando com a pequena arma que lhe seria confiada. Era uma
arma de calibre 22, carregada com balas de ponta mole que abriam minúsculos
orifícios ao entrar e deixavam buracos escancarados quando saíam do corpo
humano. Verificou que ela apresentava precisão até a cinco passos de distância
do alvo. Depois disso, as balas podiam ir para qualquer lugar. O gatilho estava
duro, mas Clemenza trabalhou nele com algumas ferramentas, de forma que podia
ser puxado facilmente. Decidiram deixá-lo barulhento. Não queriam que um
espectador inocente interpretasse mal a situação e interviesse movido por um
gesto impensado. O disparo da arma manteria todos afastados de Michael.
Clemenza continuou a
instruí-lo durante a sessão de treinamento
— Deixe cair a arma
logo que você acabar de usá-la. Simplesmente deixe a sua mão cair para o lado e
a arma escapulirá. Ninguém notará. Todo mundo pensará que você ainda está
armado. Olharão fixamente para o seu rosto. Saia do lugar muito rapidamente,
mas não corra. Não encare as pessoas diretamente, nem tampouco desvie os olhos
delas. Lembre-se, terão medo de você, acredite-me, terão medo de você. Ninguém
intervirá. Assim que você chegar lá fora, Tessio estará no carro esperando por
você. Entre no carro e deixe o resto por conta dele. Não se preocupe com
acidentes. Você ficará surpreso ao ver como as coisas correrão bem. Agora ponha
esse chapéu e vejamos como fica.
Enfiou-lhe um chapéu
de feltro na cabeça. Michael, que nunca usara chapéu, fez uma careta. Clemenza
tranqüilizou-o.
— Isso dificulta a
identificação quando procurarem esclarecimento. Lembre-se, Mike, não se
preocupe com impressões digitais. A coronha e o gatilho estão recobertos com
uma fita especial. Não toque em nenhuma outra parte da arma, lembre-se disso.
— Sonny já descobriu
para onde Sollozzo vai me levar? — perguntou Michael.
Clemenza deu de
ombros.
— Ainda não. Sollozzo
está sendo muito cauteloso. Mas não se preocupe com o fato de que ele possa fazer-lhe
algum mal. O intermediário fica em nosso poder até você voltar são e salvo. Se
alguma coisa acontecer a você, o intermediário pagará.
— Por que diabo ele se
expõe a tamanho risco? — indagou Michael.
— Ele vai receber uma
enorme recompensa — respondeu Clemenza — Urna pequena fortuna. Além disso, é um
homem importante das Famílias. Ele sabe que Sollozzo não pode deixar que lhe
aconteça algo. A sua vida não vale a vida do intermediário para Sollozzo. Muito
simples. Você voltará perfeitamente são e salvo. Nós é que sofreremos o diabo
depois.
— Será que a situação
ficará assim tão ruim? — perguntou Michael.
— Muito ruim —
respondeu Clemenza — Significa uma guerra total com a Família Tattaglia contra
a Família Corleone. Quase todas as outras formarão ao lado dos Tattaglia. O
Departamento Sanitário vai encontrar um bocado de cadáveres nesse inverno — ele
deu de ombros — Essas coisas têm de acontecer uma vez em cada dez anos ou coisa
parecida. Elimina o sangue ruim. Além disso, se deixarmos que eles dominem nas
coisas pequenas, dentro em pouco vão querer tomar conta de tudo. Temos de
pará-los no começo. Tal como deviam ter parado Hitler em Munique, nunca deviam
tê-lo deixado fazer aquilo, pois assim estavam criando uma enorme confusão.
Michael ouvira o pai
dizer a mesma coisa antes, só que isso foi em 1939, antes de a guerra ter
realmente começado. Se as Famílias
dirigissem o Departamento de Estado, jamais teria havido a II Guerra Mundial,
pensou ele com um sorriso forçado.
Voltaram de carro para
a alameda e para a casa de Don Corleone, onde Sonny ainda mantinha o seu
quartel-general. Michael não sabia por quanto tempo Sonny poderia permanecer
encurralado no território seguro da alameda. Finalmente, ele teria de arriscar
a sair. Encontraram Sonny tirando um cochilo no divã. Na mesa do café estavam
os restos de seu almoço tardio: sobras de bife, migalhas de pão e uma garrafa
de uísque pela metade
O escritório do pai,
geralmente limpo, começava a tomar o aspecto de um quarto desarrumado. Michael
sacudiu o irmão para acordá-lo e perguntou:
— Por que não deixa de
viver como vagabundo e manda limpar esta sala?
Sonny bocejou:
— Quem diabo é você, o
inspetor do quartel? Mike, ainda não recebemos informações sobre o lugar para o
qual eles pretendem levar você, esses patifes do Sollozzo e do McCluskey. Se
não descobrirmos isso, como diabo vamos fazer chegar a arma a você?
— Não posso levá-la
comigo? — perguntou Michael — Talvez não me revistem, e se me revistarem talvez
não encontrem se formos bastante espertos. E mesmo que a encontrem... isso não
será nada de mais. Apenas a tirarão de mim e não me farão nenhum mal.
Sonny balançou a
cabeça.
— Não — falou — Temos
de fazer disso um golpe seguro no patife do Sollozzo. Lembre-se, atire primeiro
nele se você puder. McCluskey é mais lerdo e mais estúpido. Você terá bastante
tempo para acertar nele. Clemenza lhe falou para você deixar cair a arma?
— Um milhão de vezes —
respondeu Michael.
Sonny levantou-se do
sofá e espreguiçou-se.
— Como vai a sua cara,
garoto?
— Muito mal — respondeu
Michael.
O lado esquerdo do seu
rosto doía horrivelmente. Ele apanhou a garrafa de uísque que estava em cima da
mesa e bebeu diretamente dela. A dor abrandou.
— Calma, Mike, agora
não é hora de tomar-se lerdo com bebida — advertiu Sonny.
— Por Deus, Sonny,
pare de bancar o irmão mais velho — retrucou Michael — Estive lutando contra
sujeitos mais duros do que Sollozzo e em piores condições. Onde diabo estão os
seus morteiros? Por acaso ele tem cobertura aérea? Artilharia pesada? Minas
terrestres? Ele é apenas um bom filho da puta com um figurão da polícia como
companheiro. Desde que alguém tome a decisão de matá-los, não há problema. Isso
é a parte difícil, tomar a decisão. Nunca saberão o que os atingiu.
Tom Hagen entrou na
sala. Cumprimentou-os com um aceno de cabeça e foi diretamente ao telefone
falsamente mencionado no catálogo. Chamou algumas vezes e depois balançou a
cabeça para Sonny.
— Nem um sussurro —
disse ele — Sollozzo está mantendo o segredo tanto quanto possível.
O telefone tocou.
Sonny atendeu-o e levantou a mão como que para fazer sinal de silêncio, embora
ninguém estivesse falando. Ele tomou algumas notas num bloco, depois disse:
— Está bem, ele estará
lá — e desligou o telefone.
Sonny estava rindo.
— Este filho da puta
do Sollozzo, ele é de fato uma coisa. Eis o trato. Hoje, às oito da noite, ele
e o Capitão McCluskey apanham Mike em frente do bar de Jack Dempsey, na
Broadway, e vão a algum lugar para conversar. Mike e Sollozzo falam em italiano
de modo que o polícial irlandês não saiba sobre que diabo estão falando. Ele
até me diz que não se preocupe, sabe que McCluskey não conhece uma palavra de
italiano, a não ser o seu soldi, e já
investigou sobre você, Mike, e sabe que você entende o dialeto siciliano.
— Sou bem intratável,
mas não falaremos muito — disse Michael secamente.
— Não deixaremos Mike
ir enquanto não tivermos o intermediário. Está combinado? — lembrou Tom Hagen.
Clemenza acenou com a
cabeça afirmativamente.
— O intermediário está
em minha casa jogando cartas com três dos meus homens. Eles esperam um
telefonema meu para deixá-lo ir embora.
Sonny voltou a
afundar-se na poltrona de couro.
— Agora, como é que
vamos descobrir o lugar do encontro? Tom, temos informantes junto à Família
Tattaglia, como é que eles não nos comunicaram ainda?
Hagen deu de ombros;
— Sollozzo é realmente
um bocado esperto. Está conservando isso no maior segredo possível, tanto que
não vai usar nenhum homem como cobertura. Ele pensa que o capitão será bastante
e que a segurança é mais importante do que armas. Ele tem razão também. Teremos
de seguir a pista de Mike e esperar que tudo corra da melhor maneira.
Sonny balançou a
cabeça.
— Não, qualquer pessoa
pode perder uma pista quando os outros realmente querem que tal ocorra. Isso é
a primeira coisa que eles investigarão.
Já eram cinco horas da
tarde. Sonny, preocupado, continuou:
— Talvez fosse melhor
que Mike fizesse explodir todos os que estivessem no carro quando este viesse
apanhá-lo.
Hagen balançou a
cabeça.
— E se Sollozzo não
estiver no carro? Revelamos assim a nossa intenção para nada. Com os diabos,
temos de descobrir para onde Sollozzo vai levá-lo.
— Talvez a gente deva
começar procurando imaginar por que ele está fazendo um segredo tão grande —
atalhou Clemenza.
— Porque é vantagem —
disse Michael impacientemente — Por que deve ele deixar a gente saber alguma
coisa se pode evitá-lo? Além disso, ele sente o cheiro de perigo. Deve estar
alerta como o diabo mesmo com aquele capitão da polícia a seu lado.
Hagen estalou os
dedos.
— Esse detetive, esse
tal de Phillips. Por que você não telefona para ele, Sonny? Talvez ele possa
descobrir onde diabo se pode encontrar o capitão. Vale a pena tentar. McCluskey
pouco se importará que quem quer que seja saiba aonde ele foi.
Sonny pegou o telefone
e discou um número. Falou baixinho e, em seguida, desligou.
— Ele vai chamar
depois — disse ele.
Esperaram durante
quase outros trinta minutos e finalmente o telefone tocou. Era Phillips. Sonny
tomou nota de alguma coisa no seu bloco e em seguida desligou. O seu rosto estava
apreensivo.
— Acho que conseguimos
descobrir — disse — O Capitão McCluskey tem sempre de comunicar onde pode ser
encontrado. Das oito às dez da noite, ele estará no Luna Azure, lá no Bronx.
Alguém sabe onde é?
— Eu sei — respondeu
Tessio com segurança — É ótimo para nós. Um pequeno lugar familiar com
reservados grandes onde as pessoas podem falar em particular. Boa comida. Todo
mundo lá cuida apenas de si. Ótimo — em seguida, inclinou-se sobre a
escrivaninha de Sonny e dispôs pontas de cigarros como figuras de mapa,
explicando — Aqui é a entrada, Mike, quando você terminar, saia e dobre à
esquerda, depois vire a esquina. Eu o localizarei e o porei sob os meus faróis
e o apanharei com o carro em movimento. Se você tiver alguma dificuldade, grite
e eu tentarei entrar e fazer você sair. Clemenza, você tem de trabalhar
depressa. Mande alguém lá para esconder a arma. Eles têm uma privada antiga com
um espaço entre a caixa de descarga e a parede. Faça seu homem colocar a arma
ali atrás. Mike, depois que o revistarem no carro e verificarem que você está
desarmado, não se preocuparão muito com você. No restaurante, espere um pouco
antes de pedir desculpas por ter de ir à privada. Não, melhor ainda, peça
licença para ir. Primeiro finja que está com vontade de urinar, é muito
natural. Eles não podem pensar nada. Mas quando voltar, não perca tempo. Não se
sente à mesa novamente, comece a atirar. E não dê chance. Na cabeça, dois tiros
em cada um, e caia fora tão depressa quanto lhe permitirem as pernas.
Sonny ouviu tudo
atentamente.
— Quero um sujeito
muito bom, muito seguro, para pôr essa arma lá — disse ele a Clemenza — Não
quero meu irmão saindo dessa privada com a sua confissão na mão.
— A arma estará lá —
afirmou Clemenza com ênfase.
— Está bem — disse
Sonny — Todo mundo em movimento.
Tessio e Clemenza
partiram. Tom Hagen perguntou:
— Sonny, devo levar
Mike de carro a Nova York?
— Não — respondeu
Sonny — Quero você aqui. Quando Mike terminar, então o nosso trabalho começará
e precisarei de você aqui. Você pôs esses caras da imprensa de sobreaviso?
Hagen acenou com a
cabeça.
— Começarei a
fornecer-lhes informações assim que a coisa estourar.
Sonny levantou-se e
veio postar-se diante de Michael. Apertou-lhe a mão.
— Está bem, garoto,
pode ir — disse ele — Explicarei à mamãe por que você não se despediu dela
antes de partir. E mandarei um recado para a sua pequena quando achar
conveniente. Está bem?
— Está bem — respondeu
Mike — Quanto tempo você pensa que terei de esperar para voltar?
— Pelo menos um ano —
retrucou ele.
— Don Corleone talvez
possa conseguir que você volte mais depressa, Mike — atalhou Tom Hagen — Mas
não conte com isso. O elemento tempo gira em torno de um bocado de fatores.
Como nos sairemos com as histórias fornecidas aos jornalistas. Até onde o Departamento
da Polícia vai querer “abafar” a coisa. Como reagirão as outras Famílias. Vai
haver um bocado de agitação e confusão. Isso é a única coisa da qual podemos
ter certeza.
Michael apertou a mão
de Hagen.
— Faça o que puder —
pediu ele — Não quero passar outra temporada de três anos fora de casa.
— Não é muito tarde
para recuar, Mike — atalhou Hagen delicadamente — Podemos arranjar outra
pessoa, podemos reexaminar nossas alternativas. Talvez não seja necessário
liquidar Sollozzo.
Michael deu uma
gargalhada.
— Podemos trocar
idéias a respeito de qualquer coisa — observou — Mas pensamos nisso
precisamente pela primeira vez. Estive gozando a vida durante todo o tempo,
chegou a hora de pagar o meu tributo.
— Não deixe que essa
cara quebrada lhe influencie — declarou Hagen — McCluskey é um sujeito estúpido
e isso foi negócio, não um caso pessoal.
Pela segunda vez, ele
viu o rosto de Michael Corleone transformar-se numa máscara congelada que se
assemelhava misteriosamente ao rosto do. pai.
— Tom, não deixe
ninguém divertir-se à sua custa. Tudo é pessoal, todo pedacinho de negócio.
Todo pequeno aborrecimento que todo homem tem de engolir todos os dias de sua
vida é pessoal. Chamam a isso de negócio. Muito bem. Mas é absolutamente
pessoal. Você sabe com quem aprendi isso? Com Don Corleone. Meu velho. O
Padrinho. Se um raio atingisse um amigo seu, o velho tomaria isso como um caso
pessoal. Ele considerou o meu ingresso no Corpo de Fuzileiros Navais como um
caso pessoal. Isso é que o faz grande. O Grande Don. Ele toma tudo como caso
pessoal. Como Deus. Ele conhece até as penas que caem da cauda de um pardal ou
qualquer outra coisa que ocorra. Certo? E você sabe alguma coisa? Acidentes não
acontecem a pessoas que tomam os acidentes como um insulto pessoal. Assim,
cheguei tarde, muito bem, mas estou vindo ainda a tempo. É bem certo, estou
tomando esta cara quebrada como um caso pessoal; é bem certo, tomo a tentativa
de Sollozzo de matar meu pai como um caso pessoal.
Deu uma gargalhada e
prosseguiu:
— Diga ao velho que
aprendi isso com ele e que estou contente por ter tido a oportunidade de pagar
o que ele fez por mim. Ele foi um bom pai.
Fez uma pausa e em
seguida disse pensativamente para Hagen:
— Você sabe, não me
lembro de ele ter batido em mim. Ou em Sonny. Ou em Freddie. E com a minha irmã
Connie naturalmente ele nem mesmo gritou. E diga-me uma coisa, Tom, quantos
homens você acha que Don Corleone matou ou mandou matar?
— Vou dizer uma coisa
que você não aprendeu com ele: falar da maneira que você está fazendo agora —
retrucou Hagen — Há coisas que precisam ser feitas, que as fazemos e nunca
falamos nelas. Não tentamos justificá-las. Não podem ser justificadas. Apenas
as fazemos. Depois as esquecemos.
Michael Corleone
franziu as sobrancelhas e perguntou calmamente:
— Como consigliori,
você pensa que é perigoso para Don Corleone e nossa Família deixar Sollozzo com
vida?
— Sim — respondeu
Hagen
— Muito bem —
finalizou Michael — Então eu o matarei.
Michael Corleone
postou-se em frente do restaurante de Jack Dempsey, na Broadway, à espera de
que o apanhassem. Olhou para o seu relógio. Faltavam cinco minutos para as oito
horas. Sollozzo ia ser pontual. Michael tinha-se assegurado de que havia
chegado bem antes da hora marcada. Estava esperando há uns quinze minutos.
Durante a viagem de
Long Beach para a cidade, Michael procurara esquecer o que dissera a Hagen.
Pois, se ele acreditasse no que dissera, então a sua vida estaria colocada num
curso irrevogável. Contudo, poderia ser diferente depois daquela noite? Ele seria assassinado depois daquela noite,
se não parasse toda aquela besteira, Michael pensou melancolicamente. Tinha
de manter toda a atenção no trabalho que ia executar. Sollozzo não era idiota,
McCluskey era um sujeito duro. Sentiu a dor na sua mandíbula presa com fio metálico
e ficou satisfeito, pois ela o faria ficar alerta.
A Broadway não estava
tão movimentada naquela noite fria de inverno, embora já estivesse quase na
hora do início das sessões de teatro. Michael recuou quando um carro preto
comprido parou no meio-fio e o motorista, inclinando-se, abriu a porta da
frente e disse:
— Entre, Mike.
Michael não conhecia o
motorista, um rapaz de cabelo preto glostorado e camisa esporte. No assento
traseiro estavam o Capitão McCluskey e Sollozzo.
Sollozzo estendeu a
mão por cima das costas do assento, e Michael apertou-a. A mão estava firme,
quente e enxuta. Sollozzo falou:
— Estou contente por
você ter vindo, Mike. Espero que possamos acertar tudo. Isso tudo é horrível,
não é absolutamente como eu queria que as coisas acontecessem. Nunca deveria
ter acontecido isso.
— Espero que possamos
acertar as coisas esta noite — adiantou Michael calmamente — Não quero que
aborreçam mais o meu pai.
— Não mais o
aborrecerão — retrucou Sollozzo sinceramente — Juro pelos meus filhos que não mais
o aborrecerão. Seja compreensivo quando falarmos. Espero que você não seja
“esquentado” como o seu irmão Sonny. Ê impossível tratar de negócios com ele.
— Ele é um bom menino,
é um menino direito — ajuntou o Capitão McCluskey. Inclinou-se para dar uma
palmadinha cordial no ombro de Michael e prosseguiu — Lamento o que aconteceu
na outra noite, Mike. Estou ficando muito velho para o meu trabalho, muito
rabugento. Acho que vou ter de me aposentar muito cedo. Não posso suportar
contrariedade, o dia todo eu tenho contrariedades. Você sabe como é.
Depois, com um suspiro
melancólico, passou uma revista completa em Michael, a fim de verificar se ele
estava armado.
Michael percebeu um
leve sorriso nos lábios do motorista. O carro seguia para o oeste sem qualquer
tentativa aparente de despistar quem quer que o tivesse seguido. Prosseguiu na
direção da estrada de West Side, aumentando e diminuindo a velocidade. Qualquer
carro que o estivesse seguindo teria de fazer o mesmo. Então, para consternação
de Michael, ele tomou o caminho de saída para a Ponte George Washington,
estavam indo para Nova Jersey. Quem quer que tivesse fornecido a Sonny a
informação sobre o lugar em que se realizaria a reunião tinha dado uma
informação errada.
O carro foi abrindo
caminho pelas vias de acesso da ponte e daí a pouco estava atravessando-a,
deixando a cidade resplandecente para trás. Michael mantinha o rosto
impassível. Iriam eles atirá-lo nos pântanos ou era apenas uma modificação de
última hora do lugar da reunião feita pelo astuto Sollozzo? Mas, quando estavam
quase inteiramente do outro lado, o motorista deu uma virada violenta na
direção. O pesado automóvel deu um salto no ar quando atingiu a linha divisória
e caiu com força nas vias de retorno a Nova York. Tanto McCluskey quanto
Sollozzo olhavam para trás para ver se alguém tentava fazer a mesma coisa. O
veículo agora voltava para Nova York e logo eles estavam fora da ponte e se
dirigindo ao Bronx, no leste da cidade. Atravessaram ruas laterais sem qualquer
carro atrás deles. Já eram então quase nove horas. Tinham-se assegurado de que
ninguém estava seguindo a pista deles. Sollozzo acendeu um cigarro depois de
oferecer o maço a McCluskey e Michael, tendo ambos recusado. Sollozzo disse
para o motorista:
— Belo trabalho. Não
esquecerei isso.
Dez minutos mais
tarde, o carro parou em frente de um restaurante numa pequena zona de
italianos. Não havia ninguém nas ruas e devido ao adiantado da hora apenas
poucas pessoas ainda estavam jantando. Michael teve receio de que o motorista
entrasse com eles no restaurante, mas ele permaneceu lá fora com o carro. O
intermediário não mencionara o motorista, ninguém o mencionara. Tecnicamente,
Sollozzo infringira o acordo trazendo-o consigo. Mas Michael resolveu não falar
no assunto, sabendo que pensariam que ele estava com medo de falar nisso, para
não estragar as possibilidades de êxito das negociações.
Os três sentaram-se
numa única mesa redonda existente, tendo Sollozzo recusado a sentar-se num
reservado. Havia apenas duas outras pessoas no restaurante. Michael pensou que
talvez fossem homens de Sollozzo. Mas não importava. Antes que eles pudessem
intervir, estaria tudo terminado.
McCluskey perguntou
com verdadeiro interesse:
— Será que a comida
italiana é boa aqui?
Sollozzo
tranqüilizou-o:
— Experimente a
vitela, é a melhor de Nova York.
O garçom solitário
trouxe uma garrafa de vinho para a mesa e abriu-a.
Encheu três copos.
Surpreendentemente McCluskey não bebeu.
— Devo ser o único
irlandês que não bebe — afirmou ele — Tenho visto muita gente boa se meter em
complicação por causa da bebida.
Sollozzo disse
brandamente para o capitão:
— Vou falar italiano
com Mike, não porque eu não confie em você, mas porque não posso explicar-me
muito bem em inglês e quero convencer Mike de que estou bem intencionado, que é
vantagem para todos nós que cheguemos a um acordo esta noite. Não se ofenda com
isso, não é que eu não confie em você.
O Capitão McCluskey
respondeu rindo ironicamente para os dois:
— Certamente, vocês
dois podem conversar à vontade. Vou-me concentrar na vitela com espaguete.
Sollozzo começou a
falar para Michael rapidamente em siciliano:
— Você deve
compreender que o que aconteceu entre mim e seu pai foi uma questão
estritamente de negócio. Tenho um
grande respeito por Don Corleone e gostaria de ter a oportunidade de trabalhar
para ele. Mas você deve compreender que seu pai é um homem antiquado. Atrapalha
a marcha do progresso. O negócio em que estou agora é que vai dar dinheiro, é a
onda do futuro, há milhões de dólares para todo mundo ganhar. Mas o seu pai
atrapalha a marcha do negócio por causa de certos escrúpulos fictícios.
Procedendo assim, quer impor sua vontade a homens como eu. Sim, sim, eu sei,
ele diz para mim: “Mete os peitos, é seu negócio”, mas nós dois sabemos que
isso é artificial. Temos que pisar no calo um do outro. O que ele realmente
quer é dizer-me que não posso trabalhar com o meu negócio. Sou um homem que
respeita a si mesmo e não pode esperar que outro homem me imponha sua vontade;
assim, o que tinha de acontecer realmente aconteceu. Deixe-me dizer que eu
tinha o apoio, o apoio tácito de todas as Famílias de Nova York. E os membros
da Família Tattaglia tornaram-se meus sócios. Se a briga continuar, então a
Família Corleone vai ficar sozinha contra todo mundo. Talvez se seu pai
estivesse bem, isso pudesse ser feito. Mas o filho mais velho não é homem igual
ao Padrinho, sem qualquer intenção de desrespeito. E o consigliori irlandês, Hagen, não é um homem igual ao que era Genco
Abbandando, que Deus o guarde. Assim, proponho uma paz, uma trégua. Vamos
cessar todas as hostilidades até que seu pai fique bom novamente e possa tomar
parte nas negociações. A Família Tattaglia concorda, graças à minhas persuasões
e minhas indenizações, em se abster de exigir justiça por seu filho Bruno. Teremos
paz. Enquanto isso, preciso ganhar a vida e farei alguma transação no meu
negócio. Não peço a colaboração de vocês, mas peço a vocês, a toda a Família
Corleone, para não se meter. Estas são as minhas propostas. Suponho que você
tem autoridade para entrar num acordo, para fazer um trato.
Michael respondeu
também em siciliano:
— Diga-me mais alguma
coisa sobre como você pretende começar o negócio, exatamente que papel deve a
minha Família desempenhar nele e que lucro podemos tirar desse negócio.
— Você quer toda a
proposta detalhadamente, então? — perguntou Sollozzo.
Michael replicou com
gravidade:
— O mais importante de
tudo é que devo ter garantias completas de que não serão feitos novos atentados
contra a vida de meu pai.
Sollozzo levantou a
mão expressivamente retrucando:
— Que garantia posso
dar a você? Sou o perseguido, o caçado. Perdi a minha oportunidade. Você faz um
juízo muito alto de mim, meu amigo. Não sou tão esperto assim.
Michael tinha agora a
certeza de que a entrevista era apenas para ganhar alguns dias. Que Sollozzo
faria outra tentativa para matar Don Corleone. Bonito era que o turco o havia
subestimado como um menino inofensivo. Michael sentiu aquele delicioso e
esquisito frio percorrer-lhe o corpo. Fez o seu rosto denotar a aflição. Sollozzo
perguntou prontamente:
— Que é que há?
Michael respondeu com
um ar embaraçado:
— O vinho desceu-me
diretamente para a bexiga. Estou segurando há algum tempo. É bom que eu vá
agora ao banheiro.
Sollozzo examinava-lhe
o rosto atentamente com seus olhos pretos. Estendeu a mão e grosseiramente
começou a apalpar a virilha de Michael, passando a mão por baixo e em torno
dela, procurando uma arma. Michael mostrou-se ofendido. McCluskey disse
rispidamente:
— Eu o revistei. Tenho
revistado milhares de caras dessa idade. Ele está desarmado.
Sollozzo não gostou
disso. Por qualquer motivo, não gostou disso. Olhou para o homem sentado na
mesa em frente à deles e levantou as sobrancelhas na direção da porta do
banheiro. O homem respondeu com um ligeiro aceno de cabeça de que havia
revistado o banheiro, de que não havia ninguém lá dentro. Finalmente, Sollozzo
disse com relutância:
— Não demore muito —
ele tinha antenas maravilhosas, estava nervoso.
Michael levantou-se e
dirigiu-se para o banheiro. O mictório tinha uma barra de sabão cor-de-rosa
segura por uma rede de arame. Ele entrou num reservado. Tinha realmente de
fazê-lo, seus intestinos estavam soltos. Descarregou muito rapidamente, depois
procurou atrás da caixa de descarga esmaltada até que sua mão tocou na pequena
arma, com a coronha e o gatilho recoberto com fita. Desamarrou a arma,
lembrando-se do que Clemenza dissera para não se preocupar em deixar as
impressões digitais na fita. Meteu a arma na cintura e abotoou o paletó por
cima dela. Lavou as mãos e molhou o cabelo. Apagou as suas impressões digitais
da torneira com o lenço. Depois saiu da privada.
Sollozzo estava sentado diretamente de frente para
a porta da privada, com seus olhos pretos brilhando de vivacidade. Michael
sorriu.
— Agora posso falar —
disse ele com um suspiro de alívio.
O Capitão McCluskey
jantava a vitela com o espaguete que tinha chegado. O homem da parede distante,
que estava nervosamente atento, agora também se tornou visivelmente tranqüilo.
Michael sentou-se
novamente. Lembrou-se de que Clemenza aconselhara a não fazer aquilo, que
saísse da privada e atirasse. Mas ou devido a algum instinto de advertência ou
por simples medo ele não fez assim. Percebera que se tivesse feito um movimento
rápido teria sido morto. Agora se achava mais seguro e devia estar apavorado,
pois se sentia contente por não estar mais em pé. Notava as pernas fracas e
trêmulas.
Sollozzo estava
inclinado na direção dele. Michael com a barriga escondida pela mesa,
desabotoou o paletó, e ficou ouvindo atentamente, embora não conseguisse
entender uma palavra do que o outro dizia. Aquilo era um palavreado oco para
ele. Sua mente se achava povoada de sangue martelante, que nenhuma palavra
registrava. Por baixo da mesa, sua mão direita moveu-se na direção da arma
metida na sua cintura e ele a soltou. Nesse momento, o garçom veio saber o que
eles queriam para comer, e Sollozzo virou a cabeça para atendê-lo. Michael
empurrou a mesa para longe dele com a mão esquerda, enquanto a mão direita
impelia a arma quase contra a cabeça de Sollozzo. Sua coordenação era tão
perfeita que ele já começara a desviar-se ante o movimento de Michael. Mas
este, sendo mais jovem, com os reflexos mais apurados, puxou o gatilho. A bala
atingiu Sollozzo em cheio entre o olho e o ouvido, e quando saiu pelo outro
lado atirou uma enorme mancha de sangue e fragmentos de crânio no paletó do
petrificado garçom. Instintivamente Mike sabia que uma bala era bastante.
Sollozzo virara a cabeça naquele último momento e Michael vira a luz da vida
extinguir-se nos olhos do homem tão claramente como o apagar de uma vela.
Um segundo apenas se
passara quando Michael girou para apontar a arma na direção de McCluskey. O
capitão da polícia olhou para Sollozzo com surpresa fleumática, como se isso
nada tivesse a ver com ele. Parecia não ter conhecimento do seu próprio perigo.
O seu garfo coberto de vitela estava suspenso em sua mão e seus olhos estavam
justamente virando-se para Michael. E a expressão do seu rosto, de seus olhos,
denunciava uma afronta tão presunçosa, como se agora ele esperasse que Michael
se entregasse ou fugisse, que Michael sorriu para ele quando puxou o gatilho.
Este tiro pegou mal, não foi mortal. Atingiu McCluskey em sua grossa garganta
de touro e ele começou a engasgar-se espalhafatosamente como se tivesse
engolido um grande pedaço de vitela. Então o ar como que se encheu de uma fina
névoa de sangue vaporizado que ele tossindo expelia dos pulmões arrebentados. Muito friamente, muito calculadamente,
Michael disparou o tiro seguinte no alto do crânio coberto de cabelo branco do
capitão.
O ar parecia estar
cheio de névoa cor-de-rosa. Michael virou-se para o homem sentado perto da
parede. Ele não fizera sequer um movimento. Parecia paralisado. Agora
cautelosamente mostrava estar com as mãos em cima da mesa e olhava para longe.
O garçom voltava cambaleante para a cozinha, com uma expressão de horror
estampada no rosto, olhando fixamente para Michael como se não acreditasse no
que vira. Sollozzo estava ainda na cadeira, com um lado do corpo apoiado na
mesa. McCluskey, com o corpo pesado puxando para baixo, tinha caído da cadeira
no chão. Michael deixou a arma escapulir de sua mão de forma que ela bateu no
seu corpo e não fez barulho. Viu que nem o homem de perto da parede nem o
garçom perceberam que ele deixara cair a arma. Deu alguns passos em direção da
porta e abriu-a. O carro de Sollozzo estava ainda estacionado no meio-fio, mas
não havia sinal do motorista. Michael virou para a esquerda e dobrou a esquina.
Faróis se acenderam e um sedan amassado parou perto dele, abrindo
rapidamente a porta. Ele saltou para dentro e o carro arrancou para a frente.
Viu que era Tessio que estava na direção, com suas feições garbosas duras como
mármore.
— Você fez o serviço
em Sollozzo? — perguntou Tessio.
Naquele momento, Michael
ficou impressionado com a linguagem que Tessio usara. Isso era sempre usado em
sentido sexual, fazer o serviço numa mulher significava seduzi-la. Era curioso
que Tessio a usasse agora.
— Em todos dois —
respondeu Michael.
— Tem certeza? —
perguntou Tessio.
— Vi os miolos deles —
acentuou Michael.
Havia uma roupa no
carro para que Michael trocasse pela que trazia no corpo. Vinte minutos depois,
ele estava num cargueiro italiano destinado à Sicília. Duas horas mais tarde, o
cargueiro zarpou e de seu beliche Michael pôde ver as luzes de Nova York
ardendo como o fogo do inferno. Ele teve uma enorme sensação de alivio. Estava
fora da jogada agora. Já sentira isso uma vez, lembrava-se de ter sido tirado
da praia de uma ilha que os fuzileiros navais haviam invadido. A batalha
prosseguia ainda, mas ele recebera um ferimento leve e estava sendo
transportado para um navio-hospital. Sentira então o mesmo alívio esmagador que
sentia agora. O inferno todo desabaria, mas ele não estaria ali.
Um dia depois do
assassinato de Sollozzo e do Capitão McCluskey, os capitães e tenentes da
polícia de todo o distrito de Nova York mandaram avisar: não haveria mais jogo,
prostituição, nem tratos de espécie alguma, enquanto não fosse apanhado o
assassino do Capitão McCluskey. Batidas policiais sucessivas começaram em toda
a cidade. Todas as atividades comerciais ou ilegais tiveram de parar.
Mais tarde, nesse
mesmo dia, um emissário das Famílias perguntava à Família Corleone se estava
preparada para entregar o assassino. Respondeu ela que nada tinha com o crime.
Naquela noite uma bomba explodia na alameda da Família Corleone em Long Beach,
atirada de um carro que parou diante da corrente e depois arrancou. Nessa mesma
noite, também, dois capangas da Família Corleone foram assassinados quando
jantavam tranqüilamente num pequeno restaurante italiano em Greenwich Village.
A Guerra das Cinco
Famílias de 1946 começara.
Continua
Frase Curiosa: "Há apenas duas maneiras de obter sucesso neste mundo: pelas próprias habilidades ou pela incompetência alheia." Jean de La Bruyère
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe seu comentário para elogiar ou criticar o T.World. Somente com seu apoio e ajuda, o T.World pode se tornar ainda melhor.