CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA: 14 ANOS
LIVRO
II
CAPÍTULO
12
J
|
OHNNY
FONTANE DESPEDIU-SE despreocupadamente do criado dizendo:
— Até amanha de manhã,
Billy.
O mordomo preto baixou
a cabeça respeitosamente e retirou-se do enorme salão, misto de living e sala de jantar, com vista para
o Oceano Pacífico. Era uma espécie de cumprimento amistoso de despedida, não o
cumprimento servil de um criado, e dado somente porque Johnny Fontane tinha
companhia para o jantar.
A companhia de Johnny
era uma garota chamada Sharon Moore, de Greenwich Viliage, Nova York, que viera
a Hollywood tentar um pequeno papel num filme que estava sendo produzido por um
antigo namorado que obtivera êxito na capital do cinema. Ela visitara o estúdio
no momento em que Johnny estava trabalhando no filme de Woltz. Johnny achou-a
jovem, simpática, encantadora e espirituosa, e a convidara a ir ao seu
apartamento para jantar com ele naquela noite. Os convites para jantar de
Johnny já eram famosos, sendo considerados um privilégio, e ela evidentemente
aceitou.
Sharon Moore obviamente
esperava que ele viesse com uma conversa muito forte devido à sua reputação,
mas Johnny detestava o método grosseiramente “carnal” de Hollywood. Jamais
dormia com uma pequena a não ser que houvesse nela algo de que ele realmente
gostasse. Exceto, evidentemente, às vezes, quando ele estava muito bêbedo e ao
acordar se via na cama com uma garota que ele nem mesmo se lembrava de ter
encontrado ou de ter visto antes. E agora que estava com 35 anos de idade,
divorciado uma vez e separado da segunda mulher, talvez com mil troféus
notórios de conquistas amorosas, ele simplesmente não se achava tão ansioso.
Mas havia algo em Sharon Moore que lhe despertou alguma paixão e assim ele a
convidou para jantar.
Johnny jamais comia
muito, mas sabia que as moças bonitas passavam fome a fim de comprar roupas
bonitas, e geralmente comiam bastante quando eram convidadas, de forma que
havia comida em abundância na mesa. Havia também muita bebida; champanha num
balde, uísque, conhaque e licores no aparador. Johnny serviu as bebidas e os
pratos de comida já preparados. Quando acabaram de comer, ele a levou para a
enorme sala de estar com a sua parede de vidro, pela qual se tinha uma
magnífica vista sobre o mar. Pôs uma pilha de discos de Ella Fitzgerald no hi-fi e instalou-se no divã com Sharon.
Bateu um papo com a moça, procurando descobrir o que ela fora quando criança,
se tinha sido masculinizada ou louca por meninos, se tinha sido feia ou bonita,
triste ou alegre. Ele sempre achava esses detalhes emocionantes, isso sempre
lhe evocava o carinho que ele precisava para deitar com uma mulher. Eles
aconchegaram-se no sofá, cordial e confortavelmente. Johnny beijou-lhe os
lábios, um beijo cordialmente frio, e como ela continuasse a se comportar desse
jeito ele deixou que a coisa ficasse assim. Através da enorme janela
panorâmica, ele podia ver o lençol azul-escuro do Pacífico deitado
horizontalmente sob o luar.
— Por que não botou um
de seus discos para tocar? — perguntou Sharon.
Sua voz era irritante.
Johnny sorriu para ela. Achava graça por ela querer irritá-lo.
— Não sou desse tipo
de Hollywood — respondeu ele.
— Toque algum para mim
— pediu ela — Ou então cante. Você sabe, como no cinema. Vou me babar e me
derreter toda por você tal como aquelas garotas fazem na tela.
Johnny deu uma boa
gargalhada. Quando era mais moço, fazia justamente essas coisas e o resultado
era sempre teatral, as garotas procurando mostrar-se sensuais e derretendo-se,
fazendo os olhos transbordar de desejo para uma câmara cinematográfica
imaginária. Ele jamais pensaria em cantar para uma pequena agora; simplesmente,
porque há meses não cantava, não tinha confiança em sua voz. Além disso, os
amadores não imaginam como os profissionais dependem de ajuda técnica para
parecerem tão bons como são. Ele podia tocar os seus discos, mas sentia a mesma
timidez em ouvir sua voz apaixonada de rapaz que um homem idoso, careca, cada
vez mais gordo se sente em mostrar seus retratos quando era moço e estava na
flor da idade.
— Minha voz está fora
de forma — desculpou-se — E, honestamente estou enjoado de ouvir a mim mesmo.
Ambos tomaram um gole
da bebida.
— Disseram-me que você
está formidável nesse filme — disse ela — É verdade que você trabalhou nele de
graça?
— Apenas um pagamento
simbólico — replicou Johnny.
Ele se levantou para
encher novamente de conhaque o copo dela, deu-lhe um cigarro com o monograma de
ouro e fez funcionar o isqueiro a fim de acendê-lo. A garota tirou uma
baforada, tomou um gole de bebida, e ele sentou-se ao seu lado. O copo dele
tinha muito mais conhaque do que o dela, Johnny precisava da bebida para
esquentar-se, para animar-se, para embriagar-se. A situação dele era o inverso
do que normalmente ocorre. Tinha de embriagar-se em lugar da garota. Geralmente
as garotas desejavam muito o que ele não desejava. Os dois últimos anos haviam
sido um inferno para o seu ego, e ele usava esse meio simples para recuperá-lo,
dormindo uma noite com uma garota apetitosa, levando-a para jantar algumas
vezes, ofertando-lhe um presente caro e depois dando-lhe o fora da maneira mais
delicada possível para não melindrá-la. E depois elas poderiam sempre dizer que
tiveram um “caso” com o grande Johnny Fontane. Não era amor verdadeiro, mas não
se podia deixar de falar nele se a garota era bonita e realmente simpática. Johnny
detestava aquelas mulheres antipáticas, prostituídas, que queriam fazer amor
com ele e depois corriam para dizer que tinham trepado com o grande Johnny
Fontane, acrescentando sempre que tinham gozado mais. O que o espantava mais do
que qualquer outra coisa em sua carreira eram os maridos condescendentes que
quase lhe diziam no rosto que perdoavam às esposas, pois que era permitido até
mesmo à mulher casada mais virtuosa ser infiel com um grande cantor e artista
de cinema como Johnny Fontane. Isso realmente o desconcertava.
Johnny gostava de Ella
Fitzgerald em discos. Gostava desse tipo de canto limpo, desse tipo de
linguagem limpa. Era a única coisa na vida que ele realmente entendia, e sabia
que entendia melhor do que qualquer outra pessoa no mundo. Agora, deitado de
costas no divã, com o conhaque aquecendo-lhe a garganta, ele sentia um desejo
de cantar, não música, mas de pronunciar as palavras com os discos, embora isso
fosse uma coisa impossível de se fazer na frente de uma outra pessoa. Pôs a sua
mão livre no colo de Sharon, tomando a bebida que segurava com a outra mão. Sem
qualquer malícia, mas com a sensualidade de uma criança buscando carinho, a sua
mão que estava no colo da garota levantou-lhe o vestido de seda, deixando à
mostra a coxa branca como leite acima da meia de pura malha de ouro e, como
sempre, apesar de todas as mulheres, de todos os anos, de toda a familiaridade,
Johnny sentiu o calor fluido pegajoso correr pelo seu corpo à vista disso. O
milagre ainda acontecia, e que faria ele quando isso lhe falhasse como a sua
voz estava falhando?
Ele estava pronto
agora. Pôs o copo de bebida na comprida mesa de coquetel embutida e virou o
corpo para ela. Johnny era muito seguro, muito decidido e contudo delicado. Não
havia nada malicioso nem de exageradamente lascivo em seus carinhos. Ele
beijou-lhe os lábios enquanto suas mãos subiam para os seios de Sharon. A sua
mão não caiu em suas coxas quentes, cuja pele ele sentia ser tão macia. O beijo
que ela deu nele era quente, mas não apaixonado, e ele preferia que fosse assim
naquele momento. Detestava garotas que se inflamavam de repente, procurando o
gozo rápido, através de movimentos mecânicos.
Depois ele fez uma
coisa que sempre fazia, e que até então nunca deixara de excitá-lo.
Delicadamente, e tão leve quanto era possível, introduziu a ponta de seu dedo
médio entre as coxas de Sharon. Algumas garotas nem mesmo sentiam esse
movimento inicial para a cópula. Outras ficavam atordoadas, sem terem certeza
de que era um contato físico porque ao mesmo tempo ele sempre as beijava
ardentemente na boca. Outras ainda pareciam sugar-lhe o dedo ou fazê-lo entrar
mais com um impulso pélvico. E naturalmente, antes de ele se tomar famoso,
algumas garotas esbofetearam-lhe o rosto por causa disso. Era uma técnica especial
sua e, geralmente, lhe trazia bons resultados.
A reação de Sharon foi
esquisita. Ela aceitou tudo, o contato do dedo, o beijo, depois afastou seus
lábios dos dele, afastou o corpo deslizando levemente para trás ao longo do
sofá, e pegou o seu copo de bebida. Era uma recusa fria, mas decisiva.
Acontecia às vezes. Raramente; mas acontecia. Johnny pegou o seu copo de bebida
e acendeu um cigarro.
Sharon começou a falar
de maneira meiga, muito suave:
— Não é que eu não
goste de você, Johnny, você é muito mais agradável do que eu pensava. E não é
porque eu não seja esse tipo de garota. Ë que eu preciso ser excitada para
fazer isso com um homem, você entende o que quero dizer?
Johnny Fontane sorriu
para ela. Ele ainda gostava dela.
— E eu não a excitei?
Ela mostrou-se um
tanto embaraçada.
— Bem, você sabe,
quando você já era um grande ator e cantor, eu ainda era uma menina pequena. Em
relação a você, eu era a geração seguinte; Honestamente, não é que eu queira
fazer-me de “gostosa”. Se você fosse James Dean ou alguém mais ou menos da
minha idade, eu tiraria as calças num segundo.
Johnny já não gostava
tanto dela agora. Ela era meiga, espirituosa, inteligente. Não ficara ansiosa
para trepar com ele ou procurara excitá-lo porque as suas relações de amizade o
ajudariam na vida artística. Era realmente uma garota direita. Mas havia outra
coisa ainda que ele devia reconhecer. Isso acontecera algumas vezes antes.
Muitas garotas tinham comparecido a encontros com ele com o espírito prevenido
para não ir para a cama, pouco importando quanto gostassem dele, apenas para
contar às amigas — e, mais, a si mesmas — que recusaram a oportunidade de
trepar com o grande Johnny Fontane. Era uma coisa que ele compreendia, agora
que estava mais velho, e com a qual não se aborrecia.
E agora que se
desinteressara por ela, sentiu-se mais tranqüilizado. Bebeu um gole de conhaque
e começou a contemplar o Oceano Pacífico. Ela falou então:
— Espero que você não
esteja magoado, Johnny. Acho que sou antiquada, acho que em Hollywood se espera
que uma garota tire as calças com a mesma facilidade com que dá boa noite ao
namorado. Estou aqui há pouco tempo.
Johnny sorriu para ela
e deu-lhe um tapinha na face. Ele desceu a mão para puxar a sua saia
discretamente a fim de esconder-lhe os joelhos redondos e sedosos.
— Não estou magoado,
não — respondeu ele — É bom encontrar uma garota antiquada.
Porém não lhe disse o
que sentia: o alívio de não ter de provar que era um grande amante, de não ter
de corresponder exatamente à sua imagem divina apresentada na tela. Não ter de
ouvir a garota procurando reagir como se ele realmente tivesse correspondido a
essa imagem, fazendo o máximo de um simples ato de rotina, o que realmente isso
era.
Beberam mais um pouco,
trocaram mais alguns beijos frios, e então ela resolveu ir embora. Johnny
perguntou delicadamente:
— Posso convidar você
para jantar outra noite?
Ela agiu com franqueza
e honestidade à medida que a coisa se aproximava do fim.
— Sei que você não
quer perder seu tempo e depois ficar decepcionado — respondeu ela — Obrigada
pela noite maravilhosa. Algum dia contarei a meus filhos que ceei com o grande
Johnny Fontane inteiramente só em seu apartamento.
Ele sorriu para ela.
— E que você não cedeu
— retrucou ele.
Ambos sorriram.
— Eles nunca
acreditarão nisso — disse ela.
E então Johnny, sendo
um pouco falso por sua vez, perguntou:
— Eu lhe darei isso
por escrito, você quer?
Ela balançou a cabeça.
Ele continuou então:
— Quando alguém
duvidar de você, toque o telefone para mim, eu esclarecerei a questão. Direi
como persegui você por todo o apartamento, mas que você defendeu a sua honra.
Está bem?
Johnny finalmente foi
um tanto cruel e sentiu-se magoado por ver a ofensa estampada no rosto da
jovem. Sharon compreendeu que ele estava dizendo que não tinha tentado com muito
afinco. Ele tirou-lhe a doçura da vitória. Agora ela poderia pensar que fora a
sua própria falta de encanto ou atração que a tornara vitoriosa naquela noite.
E, sendo a garota que era, quando ela contasse a história de como resistira ao
grande Johnny Fontane, teria sempre que acrescentar com um risinho torto:
— De fato, ele não
tentou com muito afinco.
Agora, sentindo pena
dela, ele disse:
— Se você alguma vez
sentir-se realmente deprimida, toque o telefone para mim. Está bem? Não sou
obrigado a dormir com toda garota que conheço.
— Telefonarei —
respondeu ela retirando-se do apartamento.
Johnny ficou então
sozinho com uma longa noite para passar. Podia usar o que Jack Woltz chamava o
“matadouro”, o estábulo das estrelinhas submissas, mas ele queria a companhia
de um ser humano. Pensou na sua primeira mulher, Virginia. Agora que o seu
trabalho no filme havia terminado, ele teria mais tempo para as crianças. Ele
queria tornar-se parte da vida delas novamente. E ele se preocupava a respeito
de Virginia também. Ela não estava preparada para resistir aos “gaviões” de
Hollywood que haveriam de persegui-la apenas para poder vangloriar-se de ter
trepado com a primeira mulher de Johnny Fontane. Até onde sabia, ninguém podia
ainda dizer isso. Embora todo mundo pudesse
fazê-lo com respeito à sua segunda mulher, pensou ele ironicamente. Pegou
então o telefone.
Reconheceu logo a voz
de Virginia e isso não o surpreendeu. Ele a ouvira pela primeira vez aos dez
anos de idade e eles tinham crescido juntos.
— Alô, Ginny, você
está ocupada esta noite? — perguntou ele — Posso ir vê-la por alguns instantes?
— Está bem — respondeu
ela — As meninas já estão dormindo, não quero acordá-las.
— Ok. Quero apenas
falar com você.
Virginia hesitou um
pouco, depois, procurando controlar-se para não mostrar qualquer preocupação,
perguntou:
— É alguma coisa
séria, algo importante?
—Não — respondeu
Johnny — Terminei o filme hoje e pensei que talvez pudesse vê-la, falar com
você. Talvez pudesse dar uma olhada nas meninas, se você tivesse a certeza de
que não acordariam.
— Está bem — retrucou
ela — Sinto-me contente por você ter conseguido o papel que desejava.
— Obrigado — respondeu
ele — Estarei aí dentro de meia hora.
Quando chegou diante
do que tinha sido seu lar em Beverly Hills, Johnny Fontane permaneceu sentado
no carro, por um momento, contemplando a casa. Lembrou-se do que lhe dissera o
seu Padrinho, que ele podia fazer de sua vida o que quisesse. Era uma grande
oportunidade se ele soubesse o que queria. Mas que queria ele?
A sua primeira mulher
o esperava na porta. Era bonita, um tipo pequeno e moreno, uma boa moça
italiana, a vizinha que nunca perderia tempo com outro homem e que tinha sido
importante para ele. Será que ele ainda a queria, perguntou a si mesmo, e a
resposta foi “não”. Por um motivo, Johnny não poderia mais amá-la, o afeto que
um tinha pelo outro se tornara muito velho. E havia algumas coisas, que nada
tinha a ver com sexo, de que ela jamais poderia perdoá-lo. Mas eles não eram
mais inimigos.
Virginia fez café e serviu-o com biscoitos caseiros
na sala de estar.
— Estire-se no sofá —
falou ela — Você parece cansado.
Johnny tirou o paletó
e os sapatos e desapertou a gravata, enquanto ela se sentava na cadeira diante
dele com um risinho grave no rosto.
— É engraçado — comentou
ela.
— O que é engraçado? —
perguntou ele, bebendo o café e derramando um pouco na camisa.
— O grande Johnny
Fontane sentir-se incapaz de arranjar uma mulher — disse ela.
— O grande Johnny
Fontane tem muita sorte quando ainda consegue levantar o bruto — retrucou ele.
Não era comum que ele
fosse tão grosseiro. Ginny perguntou:
— Há realmente alguma
coisa séria?
Johnny riu
sarcasticamente para ela.
— Tive um encontro com
uma garota no meu apartamento e ela me repudiou. E, você sabe, senti um alívio.
Para sua surpresa, ele
viu um ar de raiva perpassar o rosto de Virginia.
— Não se preocupe com
essas vagabundinhas — disse ela — Ela deve ter pensado que esse era o meio de
fazer você se interessar por ela.
E Johnny compreendeu
com satisfação que Virginia estava de fato zangada com a garota que o havia
rejeitado.
— E, com os diabos —
disse ele — Estou cansado dessa porcaria. Tenho de criar juízo um dia. E agora
que não posso mais cantar penso que terei dificuldades com as mulheres. Nunca
tive com a minha aparência, você sabe.
— Você sempre teve
melhor aparência pessoalmente do que em fotografia — disse ela lealmente.
Johnny balançou a
cabeça.
— Estou engordando e
ficando careca. Diabo, se esse filme não me tornar famoso novamente, é melhor
aprender a assar pizzas. Ou talvez vamos pôr você no cinema, você está com
ótima aparência.
Virginia parecia ter
trinta e cinco anos de idade. Uns bons trinta e cinco anos, mas trinta e cinco
anos. E como ela havia centenas em Hollywood. As moças novas e bonitas invadiam
a cidade como formigas, permanecendo por um ou dois anos. Algumas delas tão
bonitas que podiam fazer o coração de um homem quase parar de bater até que
abrissem a boca, até que as esperanças de êxito obscurecessem a beleza de seus
olhos. As mulheres comuns jamais poderiam competir com elas no que diz respeito
ao físico. E podia-se falar tudo o que se quisesse sobre encanto, inteligência,
elegância, porte; a beleza natural dessas garotas suplantava tudo o mais.
Talvez se não houvesse tantas delas, haveria oportunidade para uma mulher
comum, de aspecto atraente. E como Johnny Fontane podia possuir todas elas, ou
quase todas, Virginia sabia que ele estava dizendo aquilo apenas para
lisonjeá-la. Ele sempre fora distinto nesse ponto. Sempre fora cortês para com
as mulheres, mesmo no auge da fama, mostrando-se atencioso, segurando o
isqueiro para seus cigarros, abrindo porta para elas. Fazia isso com todas as
garotas, mesmo com aquelas com quem passava apenas uma noite, ou com aquelas de
quem não sabia nem o nome.
Virginia sorriu para
ele de modo amistoso.
— Você já me fez
trabalhar no cinema, Johnny, lembra-se? Por doze anos. Você não precisa passar
a conversa em mim.
Ele deu um suspiro e
estirou-se no sofá.
— Não estou brincando,
Ginny, você está com uma boa aparência. Eu queria estar com uma aparência tão
boa quanto você.
Virginia não
respondeu. Viu que ele estava deprimido.
— Você acha que o
filme ficou bom? Ele fará algum bem a você? — indagou ela.
Johnny acenou com a
cabeça.
— Sim. Ele poderia
fazer-me voltar a ser o que era. Se eu conseguir prêmio da Academia e agir com
a cabeça, poderei tornar-me um grande artista novamente, mesmo sem cantar.
Talvez então poderei dar mais grana a você e às meninas.
— Temos mais do que o
suficiente — respondeu Ginny.
— Quero ver mais as
meninas também — tornou Johnny — Quero mudar um pouco de vida. Por que não
posso vir toda sexta-feira à noite jantar aqui? Juro que jamais faltarei uma
sexta-feira, esteja longe ou ocupado como estiver. E então, quando puder,
passarei os fins de semana com as meninas ou talvez elas possam passar uma
parte das férias comigo.
Virginia procurou
confortá-lo.
— Está tudo bem comigo
— acentuou ela — Nunca me casei porque queria que você continuasse a ser pai
delas.
Disse isso sem
qualquer espécie de emoção, mas Johnny Fontane, olhando fixamente para o teto,
sabia que ela o dissera como uma compensação pelas coisas cruéis que ela
pronunciara para ele quando o casamento se desfez quando a carreira dele
começou a entrar em declínio.
— A propósito,
adivinhe quem telefonou para mim? — perguntou ela.
Johnny não procuraria
adivinhar, jamais gostara disso.
— Quem? — perguntou
ele.
— Você podia pelo
menos tentar adivinhar um nome escabroso — disse Ginny. Johnny nada respondeu —
Seu Padrinho — acrescentou ela.
Johnny ficou realmente
surpreso.
— Ele nunca fala com
ninguém pelo telefone. Que foi que ele disse a você?
— Ele me disse para
ajudar você — respondeu Virginia — Falou que você podia ser tão grande como
sempre foi, que você estava voltando a ser o que era, mas que precisava de
gente para acreditar em você. Perguntei a ele por que deveria eu ajudar você. E
ele respondeu que é porque você é o pai de minhas filhas. Ele é um velho tão
amável e contam histórias tão horríveis sobre ele.
Virginia detestava
telefones e fizera retirar todas as extensões com exceção das que havia no seu
quarto de dormir e na cozinha. Ouviram então o telefone da cozinha tocar. Ela
foi atendê-lo. Depois voltou para a sala de estar com um ar de surpresa no
rosto.
— É para você, Johnny
— afirmou ela — É Tom Hagen. Ele diz que é importante.
Johnny entrou na
cozinha e pegou o telefone.
— Alô, Tom.
Tom Hagen falou
friamente:
— Johnny, o Padrinho
quer que eu vá ver você para acertar algumas coisas que poderão ajudá-lo agora
que o filme terminou. Ele quer que eu pegue o avião de amanhã. Você poderá
encontrar-me em Los Angeles? Tenho de tomar o avião de volta a Nova York na
mesma noite, de forma que você não precisa pensar que vai passar a noite
inteira à minha disposição.
— Está bem, Tom —
respondeu Johnny — E não se preocupe sobre o fato de eu perder uma noite.
Pernoite aqui e descanse um pouco. Darei uma festa e você poderá conhecer
algumas personalidades do cinema.
Johnny sempre fazia
essa oferta, não queria que as pessoas de seu antigo ambiente pensassem que ele
tinha vergonha delas.
— Obrigado — retrucou
Hagen — Mas realmente tenho de pegar o avião de amanhã cedinho para voltar.
Você vai esperar o avião que sai às 11:30 de Nova York, está bem?
— Está bem — respondeu
Johnny.
— Fique em seu carro —
disse Hagen — Mande uma pessoa de sua confiança encontrar-me, quando eu saltar
do avião, e levar-me até você.
— Certo — disse
Johnny.
Voltou para a sala de
estar, e Virginia olhou para ele interrogativamente.
— Meu Padrinho tem
planos para mim, para me ajudar — informou Johnny — Ele conseguiu-me o papel no
filme, não sei como. Mas eu queria que ele ficasse fora do resto.
Em seguida, voltou
para o sofá. Sentia-se muito cansado. Virginia perguntou:
— Por que você não
dorme no quarto de hóspedes esta noite, em lugar de ir para casa? Você pode
tomar o breakfast com as meninas e não precisará ir para casa tão tarde da
noite. Detesto pensar em você tão sozinho naquela casa. Você não sente solidão?
— Não fico muito tempo
em casa — respondeu Johnny.
Ela deu uma gargalhada
e disse:
— Então, você não
mudou muito — fez uma pausa e acrescentou — Posso arrumar o outro quarto?
— Por quê? Não posso
dormir no seu?
Ela ficou vermelha.
— Não — respondeu.
Virginia sorriu para
ele e ele sorriu para ela. Ainda eram amigos.
Quando Johnny acordou
na manhã seguinte já era tarde, percebeu isso pelo sol que penetrava através
das venezianas abaixadas. Nunca entrava assim, a não ser que já fosse de tarde.
Ele gritou:
— Alô, Ginny, ainda
tenho direito ao breakfast?
E ele ouviu a voz da
mulher responder de longe:
— Espere um segundo.
E, de fato, ele
esperou apenas um segundo. Virginia devia ter tudo pronto, quente no forno, a
bandeja já esperando, porque, quando Johnny acendeu o seu primeiro cigarro, a
porta do quarto se abriu e suas duas filhinhas entraram empurrando o carrinho
do breakfast.
Elas estavam tão
bonitas que o comoveram. Suas faces se mostravam brilhantes e claras, os olhos
arregalados de curiosidade, demonstrando o desejo intenso de correr para ele.
Usavam o cabelo preso à moda antiga em longas tranças e traziam vestidos
antiquados e sapatos de verniz branco. Ficaram paradas junto ao carrinho
observando o pai que apagava o cigarro e esperaram que ele as chamasse e as
recebesse de braços abertos. Então correram para ele. Johnny comprimiu o seu
rosto entre as duas faces saudáveis e cheirosas das duas meninas e roçou a sua
barba de forma que elas gritaram. Virginia apareceu na porta do quarto e
empurrou o carrinho para junto do ex-marido para que ele pudesse comer na cama.
Sentou-se ao lado dele na beira da cama, pondo café na xícara, e passando
manteiga na torrada. As duas meninas sentaram-se no sofá do quarto
observando-o. Já estavam com bastante idade agora para brincar de atirar
travesseiros ou de ser lançadas para o alto. Elas já estavam alisando o cabelo
desalinhado. Oh, meu Deus, pensou ele, daqui a pouco estarão bem
crescidas, e os rapazes de Hollywood estarão dando em cima delas.
Johnny dividia a
torrada e o bacon com elas à proporção que comia, dando-lhes goles de café. Era
um hábito ainda do tempo em que cantava com a banda e raramente comia com as
filhas, de modo que elas gostavam de partilhar a comida dele quando ele tomava
as suas refeições em horas esquisitas como o breakfast à tarde ou a ceia pela manhã. A modificação no horário da
comida era um prazer para as meninas: comer bife com batatas fritas às sete
horas da manhã, bacon com ovos à tarde.
Somente Virginia e
alguns amigos íntimos sabiam o quanto ele adorava as filhas. Esse fora o pior
ponto do divórcio. A única coisa pela qual ele havia lutado era a sua posição
de pai em relação às crianças. De um modo muito astuto, fez Virgínia
compreender que não gostaria que ela casasse novamente, não porque tivesse
ciúmes dela, mas porque temia pela sua posição de pai. Ele estabelecera que o
dinheiro fosse pago a ela de modo tal que seria enormemente vantajoso
financeiramente não casar de novo. Ficava subentendido que ela poderia ter
amantes desde que eles não se metessem em sua vida doméstica. Mas nesse ponto
ele tinha absoluta confiança nela. Virgínia sempre fora excessivamente tímida e
antiquada em questão de sexo. Os gigolôs de Hollywood não conseguiam lavrar
nenhum tento quando começavam a cortejá-la visando alguma vantagem econômica ou
os favores do seu famoso marido.
Johnny não receava que
ela esperasse uma reconciliação porque ele quisera dormir com ela na noite
anterior. Nenhum dos dois pretendia renovar o extinto casamento. Ela
compreendia a fome de beleza do ex-marido, seu impulso irresistível para
mulheres novas muito mais bonitas do que ela. Era sabido que ele sempre dormia
com suas companheiras de estrelato pelo menos uma vez. O seu encanto juvenil
era irresistível para elas, tal como a beleza era para ele.
— Você tem de começar
a se vestir daqui a pouco — disse ela — O avião de Tom está para chegar.
Ela pôs as filhas para
fora do quarto.
— Sim — respondeu
Johnny — A propósito, Ginny, você sabe que
estou tratando de me divorciar? Vou ser um homem livre novamente.
Ela o observou
vestir-se. Ele sempre tinha roupa limpa na casa de Virginia desde que fizeram
um novo acordo depois do casamento da filha de Don Corleone.
— O Natal está apenas
a duas semanas — disse ela — Posso contar com você aqui?
Era a primeira vez que
ele pensava em feriados. Quando a sua voz estava em forma, os feriados eram
dias lucrativos para cantar, mas mesmo então o Natal era sagrado. Se ele
faltasse a esse, seria o segundo. No ano anterior estivera cortejando a sua
segunda mulher na Espanha, procurando convencê-la a se casar com ele.
— Sim — respondeu ele —
Na véspera e no dia de Natal.
Não mencionou a
véspera do Ano-Novo. Essa seria uma das noites excepcionais de que ele
precisava de vez em quando para tomar um pileque com os amigos, e não queria
uma mulher consigo então. Não sentia qualquer remorso por isso.
Virginia o ajudou a
vestir o paletó e o escovou. Ele era sempre extremamente exigente no vestir.
Começou logo a reclamar porque a camisa que pusera não estava lavada a seu
gosto, as abotoaduras, um par que ele não usara durante algum tempo, estavam um
pouco espalhafatosas para o seu modo atual de vestir. Ela sorriu tranqüilamente
e disse:
— Tom não notará a
diferença.
As três mulheres da
família acompanharam-no até a porta e depois até o local em que o seu carro
estava estacionado. As duas meninas seguravam as mãos dele, uma de cada lado.
Virginia ia um pouco atrás. Quando chegaram junto do carro, Johnny virou-se e
atirou cada uma das meninas separadamente para o alto, beijando-a quando a
aparava na descida. Depois beijou a mulher e entrou no carro. Ele não gostava
de despedidas prolongadas.
As providências
necessárias tinham sido tomadas pelo seu relações-públicas e ajudante. Diante
de casa, encontrou à sua espera um carro alugado com motorista. Nele estavam o
seu relações-públicas e outro elemento de seu séquito. Johnny estacionou o seu
carro e entrou no outro, e eles partiram para o aeroporto. Esperou dentro do
veículo enquanto o relações-públicas saía para aguardar o avião de Tom Hagen.
Quando Tom entrou no carro, eles trocaram um aperto de mão e seguiram com
destino à casa de Johnny.
Finalmente ele e Tom
ficaram a sós na sala de estar. Havia certa frieza entre os dois. Johnny nunca
perdoara Hagen por ter servido de obstáculo para que ele entrasse em contato
com Don Corleone quando este estava zangado com o ator, naqueles maus tempos
antes do casamento de Connie. Hagen jamais se desculpava de suas ações. Não
podia fazê-lo. Era parte de sua função servir de pára-raios para os
ressentimentos que as pessoas não tinham a coragem de sentir com respeito ao próprio
Don Corleone, embora ele os merecesse.
— Seu Padrinho
mandou-me aqui para dar-lhe uma ajuda em certas coisas — anunciou Hagen —
Desejaria que tudo ficasse resolvido antes do Natal.
Johnny Fontane deu de
ombros.
— O filme está
terminado. O diretor foi um cara direito e me tratou bem. Minhas cenas são
muito importantes para serem cortadas apenas para que Woltz se vingue de mim.
Ele não pode estragar um filme de dez milhões de dólares. Assim, tudo depende
agora de como a gente boa julgar a minha interpretação.
— Ganhar o Oscar da
Academia — perguntou Hagen cautelosamente — É realmente tão importante para a
carreira de um ator, ou é apenas essa besteira de publicidade que na verdade
não significa nada de um modo ou de outro? — fez uma pausa e acrescentou prontamente
— Exceto naturalmente a glória, todo mundo gosta de glória.
Johnny Fontane
arreganhou os dentes para ele e respondeu:
— Exceto meu Padrinho.
E você. Não, Tom, não é apenas um monte de besteiras. Um prêmio da Academia
pode garantir um artista por dez anos. Ele pode escolher os papéis. O público
vai vê-lo. Não é tudo, mas para um artista é a coisa mais importante da
profissão. Estou contando ganhá-lo. Não porque eu seja um artista tão grande,
mas porque sou conhecido principalmente como cantor e o papel é estupendo. E me
saí muito bem nele, fora de brincadeira.
Tom Hagen deu de
ombros e disse:
— Seu Padrinho me
falou que da maneira que as coisas estão agora você não tem qualquer
possibilidade de ganhar o prêmio.
Johnny ficou zangado.
— Que diabo está você
dizendo? O filme ainda nem foi cortado, muito menos exibido. E Don Corleone nem
está no negócio do cinema. Por que diabo você voou quase cinco mil quilômetros
para me dizer essa bobagem?
Ele ficou tão abalado
que quase chorou.
— Johnny, nada sei a
respeito de toda essa droga de filme — replicou Hagen gravemente — Lembre-se,
sou apenas um mensageiro de Don Corleone. Mas discutimos todo o seu caso muitas
vezes. Ele se preocupa com você, a respeito de seu futuro. Sente que você
precisa da ajuda dele e ele quer resolver o seu problema de uma vez para
sempre. Esse é o motivo por que estou aqui, para pôr a coisa em ação. Mas você
precisa começar a crescer, Johnny. Precisa deixar de pensar em você como cantor
ou como artista de cinema. Tem de começar a pensar em você como organizador,
como um sujeito forte.
Johnny Fontane deu uma
gargalhada e encheu o seu copo.
— Se eu não ganhar
esse Oscar, serei tão forte como qualquer uma das minhas filhas. Perdi a voz;
se eu a recuperasse poderia conseguir muita coisa. Com os diabos! Como é que
meu Padrinho sabe que não ganharei o prêmio? Está bem, eu acredito que ele
saiba. Ele nunca erra.
Hagen acendeu uma
cigarrilha.
— Fomos informados de
que Jack Woltz não vai gastar dinheiro do estúdio para apoiar a sua
candidatura. De fato, ele não mandou avisar a todos os votantes que não quer
que você vença. Mas recusando dar dinheiro para publicidade e coisas
semelhantes, ele conseguirá o seu intento. Está também trabalhando para que
outro sujeito obtenha tantos votos da oposição quantos ele puder angariar. Está
utilizando toda a sorte de suborno: empregos, dinheiro, mulheres, tudo. E está
procurando fazer isso sem prejudicar o filme ou prejudicando o mínimo possível.
Johnny Fontane deu de
ombros. Encheu de uísque o seu copo e bebeu-o.
— Então eu estou
morto.
Hagen observava-o
fazendo um gesto de desagrado com a boca.
— Beber não lhe
adianta nada — ponderou.
— Foda-se! — respondeu
Johnny.
O rosto de Hagen de
repente tomou-se serenamente impassível. Então ele disse:
— Muito bem, vou pôr
isso na conta do seu descontrole.
Johnny Fontane largou
o corpo de bebida e foi postar-se em frente a Hagen.
— Lamento ter dito
aquilo — falou ele — Por Deus, eu lamento. Estou desabafando em cima de você
porque quero matar esse canalha do Jack Woltz, mas tenho medo de complicar o
meu Padrinho. Assim eu me zanguei com você.
Havia lágrimas nos
seus olhos. Ele atirou o copo de uísque vazio de encontro à parede, mas com tão
pouca força que o pesado copo nem mesmo lascou e rolou no chão, voltando em sua
direção, de modo que ele olhou para baixo com fúria frustrada. Depois deu uma
gargalhada.
— Jesus Cristo! —
exclamou. Caminhou até o outro lado da sala e sentou-se em frente a Hagen —
Você sabe, tive tudo ao meu dispor durante muito tempo. Depois me divorciei de
Ginny e tudo começou a desandar. Perdi minha voz. Meus discos pararam de
vender. Não consegui mais trabalho em nenhum filme. E aí meu Padrinho ficou
zangado comigo e não queria falar-me pelo telefone nem me ver quando eu ia a
Nova York. Você era sempre o sujeito que me embargava o caminho, e eu punha a
culpa em você, embora soubesse que não faria isso sem ordem de Don Corleone.
Assim, insultei-o. Mas você foi sempre muito direito. E para mostrar-lhe que as
minhas desculpas são válidas, vou tomar o seu conselho. Não beberei mais,
enquanto não recuperar a minha voz. Está bem?
As desculpas eram
sinceras. Hagen esqueceu a sua raiva. Devia haver algo de aproveitável nesse
menino de trinta e cinco anos de idade ou Don Corleone não gostaria tanto dele.
— Esqueça o assunto,
Johnny — disse Hagen.
Ele estava embaraçado
com a profundidade do sentimento de Johnny e também com a suspeita de que devia
ter sido inspirado pelo medo de que ele podia fazer Don Corleone virar-se
contra o ator. E naturalmente Don Corleone jamais podia virar-se contra uma
pessoa por instigação de alguém, qualquer que fosse o motivo. A sua afeição só
podia ser mudada por ele mesmo.
— As coisas não estão
assim tão ruins — disse Hagen — Don Corleone diz que pode anular tudo o que
Woltz fizer contra você. Que você quase com certeza ganhará o prêmio. Mas ele
sente que isso não resolverá o seu problema. Quer saber se tem cabeça e coragem
para se tornar um produtor por sua própria conta, para fazer os seus próprios
filmes de cabo a rabo.
— Como diabo vai ele
conseguir o prêmio para mim? — perguntou Johnny incredulamente.
Hagen respondeu
bruscamente:
— Como é que você acha
tão fácil acreditar que Woltz pode consegui-lo ardilosamente e seu Padrinho
não? Agora, como é necessário que eu consiga a sua crença na outra parte do
nosso negócio, devo confessar-lhe uma coisa. Mas guarde isto para você. O seu
Padrinho é um homem muito mais poderoso do que Jack Woltz. E é muito mais
poderoso em terrenos muito mais difíceis. Como pode ele dar um jeito no prêmio?
Ele controla, ou controla o pessoal que controla todos os sindicatos
trabalhistas da indústria, todo o pessoal ou quase todo o pessoal que vota.
Naturalmente você tem de ser bom, tem de estar disputando o prêmio por seus
próprios méritos. E o seu Padrinho tem mais cabeça do que Jack Woltz. Ele não
vai a essas pessoas e põe o revólver na cabeça delas dizendo: “Vote em Johnny
Fontane ou você está desempregado”. Não usa a violência onde a violência não
funciona ou deixa fortes ressentimentos. Ele fará essas pessoas votarem em você
porque elas querem. Elas, porém, não quererão, a não ser que tenham algum
interesse. Agora, confie na minha palavra de que ele pode conseguir o prêmio
para você. E que se ele não agir, você não o conseguirá.
— Está bem — respondeu
Johnny — Acredito em você. E tenho coragem e cabeça para ser produtor, mas não
tenho o dinheiro. Nenhum banco me financiará. Um filme custa milhões.
— Quando você
conseguir o prêmio — retrucou Hagen secamente — Comece a traçar planos para
produzir três filmes por sua própria conta. Contrate o melhor pessoal
existente, os melhores técnicos, os melhores artistas, quem quer que você
precise. Planeje de três a cinco filmes.
— Você está maluco —
respondeu Johnny — Esses filmes todos poderiam significar vinte milhões de dólares.
— Quando precisar do
dinheiro — retrucou Hagen — Entre em contato comigo. Darei o nome do banco aqui
na Califórnia ao qual você deve pedir financiamento. Não se preocupe, eles
estão sempre financiando filmes. Apenas peça a eles dinheiro de maneira normal,
com as justificativas habituais, como um negócio comum. Eles aprovarão. Mas
primeiro você tem de me ver e me dizer as quantias necessárias e os planos.
Está bem?
Johnny manteve-se
calado por algum tempo. Depois perguntou tranqüilamente:
— Mais alguma coisa?
Hagen sorriu.
— Você quer dizer, vai
ter de fazer algum favor em troca de um empréstimo de vinte milhões de dólares?
Certamente vai — esperou que Johnny dissesse alguma coisa e depois concluiu —
Nada que você não pudesse fazer, de qualquer modo, se Don Corleone pedisse a
você que fizesse.
— O próprio Don
Corleone tem de me pedir se for algo muito sério — frisou Johnny — Você entende
o que quero dizer? Não atenderei a pedido seu ou de Sonny.
Hagen ficou surpreso
com esse bom senso. Finalmente, Fontane tinha algum miolo. Tinha senso para
saber que Don Corleone gostava muito dele e era muito esperto para não pedir a
ele que fizesse algo arriscado, enquanto Sonny o faria.
— Deixe-me
assegurar-lhe uma coisa — acentuou Hagen — Seu Padrinho deu a mim e a Sonny
instruções rigorosas para não envolvê-lo, de qualquer modo, em algo que possa
resultar em publicidade desfavorável para você em virtude de alguma falha
nossa. E ele próprio jamais fará isso. Posso garantir que qualquer favor que
ele lhe pedir, você lhe oferecerá, antes mesmo que ele solicite. Está bem?
Johnny sorriu.
— Está bem —
respondeu.
— Don Corleone também
tem confiança em você — acrescentou Hagen — Acha que você tem cabeça e, assim,
pensa que o banco fará dinheiro com o investimento, o que significa que ele
ganhará dinheiro com isso. Assim é realmente um negócio, não esqueça isso. Não
vá gastar esse dinheiro com mulheres. Você pode ser seu afilhado predileto, mas
vinte milhões de dólares é um bocado de grana. Ele vai ter de se arriscar muito
para conseguir esse dinheiro para você.
— Diga a ele que não
se preocupe — respondeu Johnny — Se um cara como Jack Woltz pode ser um grande
gênio do cinema, qualquer pessoa pode.
— Isso é o que pensa o
Padrinho — retrucou Hagen — Você pode providenciar um carro para me levar de
volta ao aeroporto? Já disse tudo o que tinha a dizer. Quando você começar a
assinar contratos para tudo, arranje os seus próprios advogados, não quero
estar metido nisso. Mas gostaria de ver tudo antes de você assinar, se você
concordar com tal coisa. Além disso, você nunca terá qualquer dificuldade
trabalhista. Isso reduzirá os custos de seus filmes até certo ponto. Assim,
quando os contadores introduzirem alguma quantia por conta disso, não faça caso
dela.
— Terei de conseguir a
sua aprovação para qualquer outra coisa, roteiros, artistas, coisas assim? —
indagou Johnny cauteloso.
Hagen balançou a
cabeça.
— Não. Pode acontecer
que Don Corleone se oponha a algo mas falará diretamente com você, se isso
ocorrer. Mas não posso imaginar o que seja. Os filmes não o afetam em nada, de
qualquer forma, assim ele não tem interesse. E ele não acredita em intromissão,
isso posso garantir a você por experiência própria.
— Bem — disse Johnny —
Eu mesmo o levarei de carro ao aeroporto. E agradeça ao Padrinho por mim. Eu
poderia telefonar para ele a fim agradecer, mas ele nunca atende o telefone. A
propósito, por que isso?
Hagen deu de ombros.
— Don Corleone
raramente fala pelo telefone. Não quer a sua voz gravada, mesmo dizendo algo
completamente inocente. Receia que possam alterar as suas palavras de forma que
pareça que está dizendo outra coisa inteiramente diferente. Penso que é este o
motivo. De qualquer modo, sua única preocupação é que venha algum dia a ser
enquadrado pelas autoridades. Assim, ele não quer dar margem.
Entraram no carro de
Johnny e partiram para o aeroporto. Hagen estava pensando que Johnny era um
sujeito melhor do que imaginara. Ele já aprendera alguma coisa, e o fato de
levá-lo pessoalmente de carro ao aeroporto provava isso. Cortesia pessoal, algo
em que o próprio Don Corleone sempre acreditava. E as desculpas que ele
apresentara tinham sido sinceras. Ele conhecia Johnny há muito tempo e sabia
que as desculpas não tinham sido originadas do medo. Johnny sempre tivera
“tutano”. Esse o motivo por que ele sempre encontrara dificuldades, com os seus
superiores no cinema e com as mulheres. Ele também era uma das poucas pessoas
que não tinham medo de Don Corleone. Ele e Michael eram talvez os dois únicos
homens de quem Hagen sabia que se podia dizer isso. Assim as suas desculpas
foram sinceras, ele as aceitaria como tal. Hagen e Johnny teriam de ver-se
bastante um ao outro nos próximos anos. E Johnny teria de passar pelo teste
seguinte, o que provaria quão esperto ele era. Teria de fazer algo para Don
Corleone que este jamais pediria que ele fizesse ou insistisse para fazer como
parte do acordo. Hagen tinha dúvida sobre se Johnny Fontane era bastante
esperto para compreender essa parte da transação.
Depois que Johnny
deixou Hagen no aeroporto (Hagen insistiu para que Johnny não o acompanhasse
até o avião), voltou para a casa de Virginia. Ela ficou surpresa ao vê-lo de
volta. Mas ele queria ficar na casa dela a fim de ter tempo para pensar nas
coisas e poder traçar seus planos. Johnny sabia que o que Hagen lhe dissera era
extremamente importante, que toda a sua vida estava sendo modificada. Tinha
sido outrora um grande artista, mas agora com a idade de trinta e cinco anos
ele estava liquidado. Não se enganava a respeito daquilo. Mesmo que ganhasse o
prêmio como melhor ator, que diabo poderia significar para ele na melhor das
hipóteses? Nada, se não recuperasse a voz. Seria um artista de segunda classe,
sem qualquer poder real, sem qualquer substância. Mesmo aquela garota que o
havia rejeitado fora delicada e habilidosa e agira com certa esperteza, mas
teria sido tão fria se ele realmente estivesse no auge? Agora com Don Corleone
fornecendo-lhe a grana ele poderia ser grande como qualquer pessoa em
Hollywood. Poderia ser rei. Johnny sorriu. Ele poderia ser até um Don.
Seria interessante
morar com Ginny novamente por algumas semanas, talvez por mais tempo. Levaria
as meninas a passear todo o dia, talvez tivesse mais alguns amigos. Pararia de
beber e de fumar, realmente cuidaria de si mesmo. Talvez sua voz se tornasse
forte novamente. Se isso acontecesse, e com o dinheiro de Don Corleone, ele
seria invencível. Estaria realmente tão perto de ser um rei ou imperador antigo
como era possível na América. E não dependeria mais de ter voz ou de até quando
o público gostava dele como artista. Seria um império baseado no dinheiro e o
tipo mais especial, mais cobiçado de poder.
Virginia preparou o
quarto de hóspedes para ele. Ficou estabelecido que Johnny não usaria o quarto
dela, que não viveriam como marido e mulher. Não poderiam ter essa relação
nunca mais. E embora o mundo exterior dos colunistas mexeriqueiros e fãs do
cinema pusessem a culpa do fracasso do seu casamento exclusivamente nele, de
maneira curiosa, entre os dois, ambos sabiam que fora ela a maior causadora do
divórcio.
Quando Johnny Fontane
se tornou o mais popular cantor e artista de comédias musicais do cinema, nunca
lhe ocorreu abandonar a mulher e as filhas. Ele era demasiadamente italiano,
demasiadamente antiquado. Naturalmente tinha sido infiel. Isso era impossível
evitar em sua profissão, dadas as tentações a que era continuamente exposto. E
apesar de ser um sujeito magro de aparência delicada, tinha a paixão
inesgotável de muitos tipos latinos franzinos. E as mulheres o deleitavam com suas
surpresas. Johnny gostava de sair com uma garota de aparência virginal, meiga e
recatada e descobrir-lhe os seios para vê-los tão inesperadamente cheios e
exuberantes, libidinosamente provocantes em contraste com o rosto de camafeu.
Ele gostava de constatar acanhamento e timidez nas garotas de aspecto sensual
que tinham movimentos simulados como jogadores de basquetebol, seduzindo como
se já tivessem deitado com uma centena de homens, e então quando ele ficava a
sós com elas tinha de lutar durante horas para levá-las até a cama a fim de
fazer o serviço e finalmente verificar que eram virgens.
E todos aqueles caras
de Hollywood zombavam de sua preferência por virgens. Diziam que isso era um
velho gosto carcamano, indiscutível, que quase sempre levava um tempo enorme
para fazer uma virgem dar-lhe uma chupada com todas as conseqüências e que
depois, geralmente, acabava sendo uma péssima trepada. Porém Johnny sabia que
tudo dependia de levar habilidosamente a garota inexperiente. Tinha-se de
gozá-la pelo processo normal e, depois, o que poderia ser melhor do que uma
garota que estava tendo as suas primeiras sensações sexuais e gostando delas?
Era tão bom deflorá-las! Era tão bom fazê-las passar as pernas em torno da
gente! As coxas delas tinham cores diferentes, as nádegas também, a pele delas
tinha cores diferentes e sombras de branco, castanho e queimado, e quando ele
dormiu com aquela garota preta em Detroit, uma garota direita, não uma
prostituta, que era filha de um cantor de jazz no mesmo cabaré em que ele trabalhava,
ela tinha sido uma das coisas mais agradáveis que ele já tivera. Seus lábios
realmente tinham gosto de mel de abelha quente misturado com pimenta, sua pele
escura era suculenta, cremosa, e ela era tão meiga como Deus jamais fizera
outra mulher igual, e era virgem.
Muitos homens estão
sempre falando em chupar isso e aquilo e em outras perversões sexuais, mas ele
realmente não apreciava muito tais coisas. Já não gostava tanto de uma garota
depois que eles faziam uma dessas anormalidades; isso não o satisfazia
plenamente. Ele e a sua segunda mulher finalmente passaram a se desentender
porque ela preferia tanto as perversões sexuais a ponto de não querer mais
outra coisa, e ele tinha de brigar para trepar normalmente. Ela começou a
ironizá-lo e a chamá-lo de quadrado, e espalhou-se a notícia de que ele gozava
como uma criança. Talvez fosse por isso que a garota da noite anterior o
rejeitara. Bem, para o diabo com tudo, ela não seria uma boa trepada, de
qualquer forma. Podiam-se conhecer logo as garotas que realmente gostavam de
trepar, as quais eram geralmente as melhores. Especialmente as que não faziam
isso há muito tempo. O que ele realmente detestava eram as que haviam começado
a trepar aos doze anos de idade e já estavam muito gastas quando chegavam aos
vinte anos e fingiam-se de inocentes, e algumas delas eram as mais bonitas de
todas e podiam enganar qualquer homem.
Virgínia levou café e
bolo para o quarto de Johnny e pôs na mesa comprida ali existente. Johnny
contou a ela simplesmente que Hagen o estava ajudando a conseguir crédito para
produzir filmes e ela ficou entusiasmada com isso. Ele seria importante
novamente. Porém ela não tinha idéia de quão poderoso Don Corleone realmente
era, de forma que não entendeu a importância da vinda de Hagen de Nova York.
Ele explicou a ela que Hagen o estava orientando no que dizia respeito aos
detalhes jurídicos.
Quando terminaram o
café, Johnny disse a ela que iria trabalhar aquela noite, dar alguns
telefonemas e traçar planos para o futuro.
— Metade de tudo isso
será no nome das meninas — confessou-lhe ele.
Virginia respondeu com
um sorriso de agradecimento e deu-lhe um beijo, desejando-lhe boa noite, antes
de retirar-se do quarto dele.
Havia um prato de
vidro cheio de cigarros com seu monograma preferido, e um umedecedor com
charutos cubanos pretos, finos corno lápis, na sua escrivaninha. Johnny
recostou-se na cadeira e começou a discar o telefone. Sua cabeça estava
realmente zumbindo ao máximo. Ele chamou o autor do livro, a novela de grande
sucesso, no qual o seu novo filme se baseava. O autor era um sujeito da idade
dele que havia subido com dificuldade e tinha agora um nome famoso no mundo
literário. Fora para Hollywood esperando ser tratado como figura importante e,
como a maioria dos escritores, era considerado um joão-ninguém. Johnny vira a
humilhação que ele sofrera uma noite no Brown Derby. O escritor tinha combinado
com uma bem conhecida artistazinha de seios grandes um encontro na cidade e
possivelmente uma trepada depois. Mas enquanto estavam jantando, a artistazinha
deixou o famoso escritor a ver navios porque um cômico de cinema mal vestido
chamou-a com o dedo. Isso deu ao escritor a idéia exata sobre quem era
realmente importante na hierarquia de Hollywood. Não importava que o seu livro
o tivesse feito famoso no mundo inteiro. Uma artistazinha o trocaria pelo mais
sujo, mais mal vestido e mais falso figurão do cinema.
Johnny estava falando
com o escritor, que se encontrava em sua casa, em Nova York, a fim de
agradecer-lhe pelo grande papel que ele havia criado para ele, Johnny. Essa
lisonja comoveu extremamente o cara. Depois, casualmente, perguntou-lhe como ia
a novela que ele estava escrevendo e sobre o que era. Acendeu um charuto,
enquanto o escritor lhe falava sobre um capítulo especialmente interessante e
finalmente exclamou:
— Ótimo, eu gostaria
de lê-la quando você terminasse. Que tal mandar-me um exemplar? Talvez eu possa
conseguir um bom negócio para ela, melhor do que o que você conseguiu com
Woltz.
A avidez denunciada
pela voz do escritor convenceu Johnny de que ele havia pensado acertadamente.
Woltz esfolara o sujeito, pagara-lhe uma ninharia pelo livro. Johnny
comunicou-lhe que deveria estar em Nova York logo depois das festas e perguntou
se ele gostaria de jantar com ele e alguns amigos.
— Conheço umas garotas
muito boas — concluiu Johnny em tom de brincadeira.
O escritor deu uma
gargalhada e respondeu concordando
Em seguida, Johnny
discou para o diretor e o cinegrafista do filme que acabara de fazer, a fim de
agradecer-lhes por tê-lo ajudado no trabalho. Disse-lhes confidencialmente que
sabia que Woltz estava contra ele e agradecia sinceramente a ajuda deles e que
se houvesse algo que pudesse fazer por eles deviam apenas telefonar-lhe.
Então deu o telefonema que era o mais difícil de
todos, aquele dirigido a Jack Woltz. Agradeceu-lhe pelo papel que lhe dera no
filme e disse-lhe como se sentiria
feliz em trabalhar para ele em qualquer tempo. Fez isso somente para pregar uma peça a Woltz. Ele sempre fora
muito correto, muito direito. Em poucos
dias, Woltz descobriria as suas manobras e ficaria espantado com a
deslealdade desse telefonema, o que era exatamente o que Johnny Fontane queria
que ele sentisse.
Depois disso, Johnny
se sentou na escrivaninha e começou a tirar baforadas do charuto. Havia uísque
numa mesinha lateral, mas ele fizera uma espécie de promessa a si mesmo e a
Hagen de que não beberia. Nem devia estar fumando. Era tolice; o que tinha
acontecido com sua voz provavelmente não sofreria qualquer alteração se ele
deixasse de fumar e de beber. Não muito, mas que diabo, isso ajudaria, e ele
queria aproveitar todos os trunfos, agora que tinha a oportunidade de lutar
pela reabilitação.
Agora, com a casa
mergulhada em silêncio, sua ex-esposa e suas filhas dormindo, ele podia pensar
naquele terrível período de sua vida em que as abandonara. Sim, ele as
abandonara por uma prostituta vagabunda que era a sua segunda mulher. Mas mesmo
agora sorria ao pensar nela, ela era adorável em muitos aspectos, e além disso,
a única coisa que salvara sua vida foi o dia em que ele resolveu que jamais
odiaria uma mulher ou, mais especificamente o dia em que decidiu que não podia
odiar sua primeira esposa e suas filhas, suas amantes, sua segunda esposa, e as
suas amantes depois desta, nem mesmo Sharon Moore que o havia repudiado, com o
objetivo de vangloriar-se de ter-se recusado a trepar com o grande Johnny
Fontane.
Johnny viajara com a
banda cantando e em seguida se tornara artista de rádio, participara de shows
e, depois, finalmente, começara a fazer filmes. Durante todo esse tempo, vivera
como quisera, trepara com as mulheres que desejara, mas nunca deixara isso
influir em sua vida pessoal. Depois se apaixonara por aquela que logo se
tornaria sua segunda esposa, Margot Ashton; ficara completamente louco por ela.
Sua carreira levou a breca, sua voz levou a breca, sua vida familiar levou a
breca. E chegou o dia em que se viu destituído de tudo.
O fato era que ele
tinha sido sempre generoso e decente. Dera à primeira mulher tudo o que possuía
quando se divorciou dela. Garantira para as duas filhas uma participação em
tudo o que fazia, em todo disco, em todo filme, em toda exibição que realizava.
E quando estava no apogeu não recusara nada à sua primeira mulher. Ajudara
todos os irmãos e irmãs, o pai e a mãe, as namoradas do seu tempo de escola e
suas famílias. Nunca fora uma celebridade pernóstica. Cantara no casamento das
duas irmãs mais moças de sua mulher, coisa que ele detestava fazer. Nunca
recusara nada a ela a não ser a renúncia completa de sua própria personalidade.
E, então, quando ele
se afundara por completo, quando não podia mais obter trabalho no cinema,
quando não podia mais cantar, quando a sua segunda mulher o traíra, ele fora
passar alguns dias com Virginia e as filhas. Certa noite chegara quase a
implorar piedade a ela porque se sentira extremamente desprezível. Naquele dia,
ouvira uma de suas gravações e ela lhe parecera tão horrível que ele acusou os
técnicos de som de sabotarem o disco. Até que, por fim, se convencera de que
realmente sua voz soava horrivelmente. Ele despedaçou a matriz e recusou-se a
cantar daí em diante. Estava tão envergonhado que não havia cantado uma só nota
a não ser com Nino no casamento de Connie Corleone.
Johnny jamais
esquecera a cara que Virginia fizera quando descobriu tudo a respeito de suas
desventuras. Isso durara apenas um segundo, mas foi o suficiente para que ele
jamais esquecesse. Foi uma cara de sádica satisfação, uma cara que só podia
fazê-lo acreditar que ela o odiara durante todos aqueles anos. Ela prontamente
se recompôs e ofereceu-lhe a sua solidariedade fria, mas delicada. Ele fingira
aceitá-la. Durante os dias seguintes, procurara três das garotas de quem mais
gostara naqueles anos, garotas de quem ele continuara amigo e com quem dormia
ainda às vezes na camaradagem, garotas para quem ele fizera tudo o que estava a
seu alcance a fim de ajudar, garotas a quem ele dera centenas de milhares de
dólares em presentes ou oportunidades de emprego. No rosto delas, percebeu o
mesmo ar de sádica satisfação.
Foi durante esse
período que ele sentiu que tinha de tomar uma decisão. Podia tornar-se igual a
muitos outros famosos homens de Hollywood, produtores, escritores, diretores,
atores de sucesso, que atacavam as mulheres bonitas com fúria libidinosa. Podia
usar a força do seu dinheiro com relutância, sempre alerta para a traição,
sempre acreditando que as mulheres o trairiam e o abandonariam, que eram
adversários a serem derrotados. Ou podia recusar-se a odiar as mulheres e
continuar a acreditar nelas.
Ele sabia que não
podia passar sem amá-las, que algo de seu espírito morreria se ele não
continuasse a amar as mulheres, pouco importando quão traiçoeiras e infiéis
fossem elas. Não importava que as mulheres a quem ele mais amava estivessem
intimamente satisfeitas por vê-lo esmagado, humilhado, por uma sorte
caprichosa; não importava que da maneira mais espantosa, não sexualmente, elas
tivessem sido infiéis a ele. Ele não tinha alternativa. Tinha de aceitá-las.
Assim, Johnny amava todas elas, dava-lhes presentes, escondia a mágoa que lhe
proporcionava a alegria que elas demonstravam pelas desventuras que o atingiam.
Ele as perdoava sabendo que estava pagando por ter vivido na maior liberdade
com respeito às mulheres e por ter aproveitado o máximo do viço e frescor delas.
Agora, porém, ele se sentia culpado por ter sido falso para elas. Nunca se
sentira culpado pelo modo como tratara Ginny, insistindo em continuar a ser o
único pai de suas filhas embora jamais tivesse sequer considerado a
possibilidade de casar novamente com ela, e deixasse que Ginny soubesse disso
também. Isso era uma coisa que ele salvara de sua queda no abismo. Ele se
tornara insensível aos males que fazia às mulheres.
Sentia-se cansado e
pronto para ir dormir, mas uma idéia fixou-se em sua memória: cantar com Nino
Valenti E de repente percebeu o que agradaria a Don Corleone mais do que
qualquer outra coisa. Pegou o telefone e pediu à telefonista que o ligasse com
Nova York. Chamou Sonny Corleone e perguntou-lhe o número de Nino Valenti. Em
seguida, ligou para Nino, que parecia um pouco bêbedo, como de costume.
— Alô, Nino, você
gostaria de vir para cá trabalhar para mim — perguntou Johnny — Preciso de um
cara em que eu possa confiar.
— Palavra de honra, não sei, Johnny — respondeu
Nino, brincando — Tenho um bom emprego no caminhão, divertindo as mulheres
casadas na minha rota, apanhando meus tranqüilos cento e cinqüenta dólares por
semana. Que é que você me pode oferecer de melhor?
— Posso fazer você
começar com quinhentos dólares e arranjar encontros com estrelas de cinema, que
tal? — perguntou Johnny — E talvez deixe você cantar em minhas festas.
— Sim, está bem, vou
pensar no assunto — pilheriou Nino — Vou falar com meu advogado, com meu
contador e com meu ajudante de caminhão.
— Escute, Nino, nada
de brincadeiras — retrucou Johnny — Preciso de você aqui. Quero que você tome o
avião amanhã de manhã e venha assinar um contrato de quinhentos dólares por
semana por um ano. Depois, se você roubar uma das minhas mulheres e eu o
despedir, você terá direito pelo menos a um ano de salário. Está bem?
Houve uma longa pausa.
Nino perguntou com voz séria:
— Escute, Johnny, não
está brincando?
— Estou falando sério,
menino — confirmou Johnny — Vá ao escritório de meu agente em Nova York. Ali
darão a você a passagem de avião e algum dinheiro. Vou telefonar para eles
amanhã bem cedo. Assim, você pode passar lá de tarde. Está bem? Depois mandarei
uma pessoa recebê-lo no avião e trazê-lo para casa.
Houve novamente uma
longa pausa e depois a voz de Nino, muito reprimida, incerta, pronunciou:
— Ok, Johnny.
Ele não parecia mais
estar bêbedo.
Johnny desligou o
telefone e preparou-se para dormir. Sentia-se melhor do que nunca desde que
esmagara aquela matriz de gravação.
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Frase Curiosa: "Há apenas duas maneiras de obter sucesso neste mundo: pelas próprias habilidades ou pela incompetência alheia." Jean de La Bruyère
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