quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

O PODEROSO CHEFÃO - CAPÍTULO 16



CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA: 14 ANOS



CAPÍTULO
16
  

C


ARLO RIZZI SENTIA-SE PROFUNDAMENTE MAGOADO. Uma vez casado com uma moça da Família Corleone, fora posto de lado com um pequeno negócio de bookmaker na Zona Leste de Manhattan. Estava contando com uma das casas na alameda de Long Beach, sabia que Don Corleone, quando quisesse, podia fazer mudar dali as famílias dependentes, e ele tinha certeza de que isso aconteceria e ficaria por dentro de tudo. Contudo, Don Corleone não o estava tratando corretamente. O “Grande Don”, pensava ele com desprezo. Um velho antiquado que se deixara surpreender por pistoleiros na rua, como qualquer bandido de terceira classe. Esperava que o velho salafrário esticasse a canela. Sonny fora seu amigo antigamente e, se se tornasse o chefe da Família, talvez ele, Rizzi, tivesse uma oportunidade, passasse a ficar por dentro.
Observava a sua mulher servir-lhe o café. Jesus Cristo, que coisa que ela se tornou! Cinco meses de casados, e ela já estava engordando barbaramente, além de bronquear noite e dia. lgualzinha a todas aquelas mulher italianas do bairro.
Rizzi estendeu o braço e passou a mão nas nádegas moles e enormes de Connie. Ela sorriu-lhe.
— Vocé está mais gorda do que uma porca — comentou ele desdenhosamente.
Sentia prazer em ver a mágoa estampada no rosto dela, e as lágrimas correrem-lhe dos olhos. Ela podia ser filha do Grande Don, mas era mulher dele, era sua propriedade agora, e podia tratá-la como quisesse. Sentia-se poderoso em pensar que um membro da Família Corleone era seu capacho.
Agora começava a subjugá-la. Connie tentara guardar para si mesma aquela bolsa cheia do dinheiro que recebeu como presente de casamento, mas ele lhe dera um bom soco no olho e lhe arrancara o dinheiro. Tampouco jamais dissera a ela o que tinha feito desse dinheiro. Na verdade, isso poderia ter-lhe causado alguma amolação. Mesmo agora, não sentia a mais leve ponta de remorso. Jesus Cristo, ele queimara quase quinze mil dólares nas corridas de cavalo e com as mulheres de cabarés.
Percebia que Connie olhava para as suas costas, por isso flexionou os músculos, quando estendeu o braço para alcançar o prato de pãezinhos doces colocado do outro lado da mesa. Acabara de devorar o seu presunto com ovos, mas era um homem grandão e precisava de um breakfast reforçado. Sentia-se satisfeito com a impressão que causava à mulher. Diferente do comum dos maridos carcamanos morenos e cozinheiros, era um tipo louro, de cabelo à escovinha, com enormes antebraços de pêlo louro, ombros largos e cintura estreita. Sabia que era fisicamente mais forte do que qualquer um daqueles sujeitos chamados duros que trabalhavam para a Famfiia. Tais como Clemenza, Tessio, Rocco Lampone e aquele cara Paulie que alguém tinha eliminado. Ele ignorava tudo a respeito dessa história. Depois, por um motivo qualquer, pensou em Sonny. De homem para homem, ele podia vencer Sonny, mesmo que o cunhado fosse um pouco maior e um pouco mais pesado do que ele. Porém, o que o amedrontava era a fama de Sonny, embora só estivesse acostumado a vê-lo como um rapaz bonachão e brincalhão. Sim, Sonny era seu “faixa”. Se Don Corleone batesse a bota, talvez as coisas melhorassem.
Tomava o café devagar e matutava. Detestava aquele apartamento. Estava acostumado com as moradias maiores da Zona Oeste e, daí a pouco, teria de atravessar a cidade para ir para o seu escritório de bookmaker, a fim de cuidar das apostas do meio-dia. Era domingo, o dia mais ativo da semana, com o beisebol já em ação, os times de basquetebol de segunda categoria e as corridas noturnas de cavalo. Gradualmente, percebeu Connie em grande atividade atrás dele e virou a cabeça para observá-la.
Estava vestindo-se daquele jeito tão vulgar de Nova York e que ele detestava. Um vestido de seda estampada com flores, cinto, pulseira e brincos espalhafatosos, mangas pregueadas. Parecia vinte anos mais velha.
— Diabo, onde vai você? — inquiriu ele.
— Ver meu pai em Long Beach — respondeu-lhe friamente — Ele ainda não pode sair da cama e precisa de companhia.
Carlo ficou curioso.
— Sonny ainda está dirigindo o espetáculo?
Connie lançou-lhe um olhar meigo.
— Que espetáculo?
Ele ficou furioso.
— Sua cadelinha carcamana nojenta, não fale comigo desse jeito, porque mato a portadas esse fedelho que você tem na barriga.
Ela olhou apavorada, e isso o enfureceu ainda mais. Carlo pulou da cadeira e esbofeteou-lhe o rosto, deixando-o com uma mancha vermelha. Com rapidez, deu-lhe mais três bofetadas. O lábio superior rachou sangrando e começou a inchar. Isso fê-lo parar. Não tencionava deixá-la marcada. Ela correu para o quarto, batendo com a porta. Ele ouviu a chave virar na fechadura, sorriu e voltou ao seu café.
Rizzi fumou até chegar a hora de se vestir. Bateu na porta dizendo:
— Abra-a antes que eu a derrube a pontapés.
Não houve resposta.
— Vamos, tenho de me vestir — disse ele em voz alta.
Ele ouviu a mulher levantar-se da cama e caminhar para a porta, depois a chave virar na fechadura. Quando entrou no quarto, Connie deu-lhe as costas, voltando para a cama e deitando-se com o rosto virado para o outro lado, para a parede.
Rizzi vestiu-se rapidamente e então reparou que ela estava de combinação. Queria que a mulher fosse visitar o pai e trouxesse informações a respeito da situação.
— Que é que há, algumas bofetadas lhe tiram toda a energia?
Connie era uma mulher preguiçosa.
— Não quero ir — respondeu chorosa, murmurando as palavras.
Rizzi estendeu o braço impacientemente e fê-la virar-se de frente para ele. E então compreendeu por que ela não queria ir e concordou que fosse muito bom mesmo que ela não saísse de casa.
Compreendeu que a esbofeteara com mais violência do que imaginara. Sua face esquerda estava deformada, o lábio superior grotescamente inchado e branco, embaixo do nariz.
— Muito bem — disse ele — Só chegarei em casa tarde. Domingo é o meu dia mais ocupado.
Ao deixar o apartamento, encontrou no seu carro um talão verde de multa de 15 dólares de estacionamento. Pôs o talão no porta-luvas, juntando o a uma pilha de outros. Estava de bom humor. Esbofetear de vez em quando a cadelinha mimada sempre lhe fazia bem. Consolava-o da frustração que sentia por ser tratado tão mal pelos Corleone.
A primeira vez que lhe fez uma marca, ficou um pouco preocupado. Ela fora diretamente a Long Beach para se queixar à mãe e ao pai e para mostrar o olho contundido. Ele realmente não devia ter procedido assim. Mas quando ela voltou estava surpreendentemente submissa, a obediente mulherzinha italiana. Rizzi fez questão de ser o marido perfeito, durante as semanas seguintes, tratando-a bem em todos os sentidos, sendo-lhe amoroso e gentil, trepando com ela todo dia, de manhã e de noite. Finalmente, Connie contou-lhe o que acontecera, julgando que o marido jamais procederia novamente daquele jeito.
Contou que achara os pais frios e indiferentes e ainda riram dela. A mãe demonstrara alguma pena, e até pedira ao pai que falasse com Carlo Rizzi. Mas o pai recusara.
— Ela é minha filha — retrucara — Mas agora pertence ao marido. Ele conhece o seu dever. Nem o rei da Itália se atreve a meter-se nas relações de marido e mulher. Vá para casa e aprenda a comportar-se de modo que ele não bata em você.
— Você já bateu em sua mulher? — indagou Connie zangada com o pai.
Era a sua filha preferida e podia falar com o pai nesse tom impertinente.
— Nunca ela me deu motivo para bater nela — respondeu-lhe.
E a mãe balançou a cabeça afirmativamente e sorriu.
Connie contou-lhe como o marido lhe havia tirado o dinheiro do presente de casamento e nunca lhe dissera o que fizera com ele. O pai deu de ombros.
— Eu teria feito o mesmo, se minha mulher fosse tão insolente como você — acrescentou o pai.
Assim, voltou para casa, tanto desnorteada quanto apavorada. Sempre fora a predileta do pai, e não podia compreender a frieza dele agora.
Entretanto, Don Corleone não foi tão indiferente como fingira. Mandou investigar, descobrindo o fim que Carlo Rizzi dera ao dinheiro do presente de casamento. Ele havia designado homens para trabalharem no negócio de bookmaker de Carlo Rizzi, os quais comunicariam a Hagen tudo o que ele fazia. Mas Don Corleone não podia intervir. Que se podia esperar de um homem que cumprisse seus deveres de esposo com uma mulher cuja família ele temesse? Era uma situação impossível e em que não se atrevia a meter-se. Quando Connie engravidou, convenceu-se do acerto de sua decisão e sentiu que nunca deveria intervir, embora Connie se queixasse à mãe de mais alguns bofetões que levava e a mãe se preocupava tanto, que contava a Don Corleone.
Connie chegou a insinuar que queria o divórcio. Pela primeira vez na vida de Connie, o pai se zangara com ela.
— Ele é o pai de seu filho. Como pode uma criança nascer nesse mundo se não tem pai? — perguntou a Connie.
Tomando conhecimento de tudo isso, Carlo Rizzi adquiriu mais confiança em si. Sentia-se perfeitamente seguro. De fato, ele se pavoneava entre seus “apontadores” de apostas, Sally Rags e Coach, da maneira como batia na mulher, quando ela o aborrecia, e percebia o olhar de respeito deles, ao saberem que ele tinha a coragem de maltratar a filha do grande Don Corleone.
Entretanto Rizzi não se sentiria tão seguro se soubesse que quando Sonny Corleone foi informado dessas surras, foi atacado de uma fúria assassina e só se conteve por causa da ordem enérgica e imperiosa do próprio Don Corleone, ordem que nem mesmo Sonny se atrevia a desobedecer. Era esse o motivo por que Sonny evitava Rizzi, pois não confiava muito em poder controlar o seu temperamento.
Assim, sentindo-se perfeitamente seguro nessa bela manhã de domingo, Carlo Rizzi cruzou velozmente a cidade, da Rua 96 para a zona Este. Ele não vi u o carro de Sonny vir do lado oposto na direção de sua casa.
Sonny Corleone deixara a proteção da alameda e passara a noite com Lucy Mancini na cidade. Agora, de volta para casa, estava acompanhado de quatro guarda-costas, dois na frente e dois atrás. Ele não precisava de guardas ao seu lado, podia encarregar-se de um simples ataque direto. Os outros homens andavam em seus próprios carros e tinham apartamentos em cada lado do apartamento de Lucy. Era seguro visitá-la, desde que ele não o fizesse com muita freqüência. Agora, que estava na cidade, pensou em apanhar a irmã Connie e levá-la a Long Beach. Sabia que Carlo devia estar trabalhando no seu “escritório” de bookmaker e o salafrário não arranjaria um carro para ela. Assim, daria uma carona à irmã.
Esperou os dois homens da frente entrarem no edifício, seguindo-os depois. Viu os dois homens de trás frearem o carro atrás do dele e saltarem para olhar as ruas. Sonny mantinha os seus próprios olhos bem abertos. Havia uma possibilidade enorme de que os adversários nem mesmo soubessem que ele estava na cidade, mas ele era sempre cauteloso. Aprendera isso na guerra de 1930.
Sonny nunca usava elevadores. Eram armadilhas mortais. Subiu os oito andares até o apartamento de Connie bem depressa. Bateu na porta dela. Vira o carro de Carlo afastar-se e sabia que a irmã estaria só. Não houve resposta. Bateu novamente e depois ouviu a voz apavorada e tímida.
— Quem é? — indagou Connie.
O pavor na voz da irmã espantou-o. A sua irmãzinha sempre fora viva e arrogante, dura como qualquer pessoa da família. Que diabo acontecera a ela?
— É Sonny — respondeu eles
O ferrolho de dentro moveu-se para trás, a porta se abriu e Connie se atirou em seus braços soluçando. Ele ficou tão surpreso, que permaneceu algum tempo ali parado. Afastou-a um pouco, viu o rosto dela inchado e compreendeu o que havia acontecido.
Desprendeu-se dela para descer correndo as escadas e ir atrás do marido. A raiva inflamou-o, contorcendo-lhe o rosto. Connie viu a raiva e agarrou-se a ele, não o deixando ir, fazendo-o entrar no apartamento. Agora, ela chorava de terror. Conhecia o temperamento do irmão mais velho e tinha medo. Nunca se queixara a ele, por esse motivo. Fê-lo então entrar no apartamento com ela.
— Foi culpa minha — disse — Comecei a brigar com Carlo e tentei bater nele e assim ele bateu em mim. Carlo de fato não queria bater em mim com tanta força. Eu fui em cima dele.
O rosto de cupido de Sonny controlou-se.
— Você vai ver o velho hoje? — ela não respondeu — Pensei que você fosse — acrescentou — Por isso passei aqui para lhe dar uma carona. Eu já estava na cidade.
Ela balançou a cabeça.
— Não quero que me vejam desse jeito. Vou na próxima semana.
— Está bem — respondeu Sonn
Ele pegou o telefone da cozinha e discou um número.
— Estou chamando um médico para vir aqui dar uma olhada e ver o que pode fazer por você. No seu estado, você precisa tomar cuidado. Quantos meses faltam para ter o filho?
— Dois meses — respondeu Connie — Sonny, por favor, não faça nada. Por favor, não faça.
Sonny deu uma gargalhada, mas seu rosto demonstrava claramente a sua intenção.
— Não se preocupe, não farei seu filho órfão antes de ele nascer — acrescentou.
Deixou o apartamento depois de beijá-la de leve na face incólume.
Na rua 112, da zona Este, uma longa fila de carros estava estacionada em linha dupla em frente de uma confeitaria que era a sede da banca de apostas de Carlo Rizzi. Na calçada em frente da confeitaria, pais brincavam de pegar bola com crianças pequenas que eles tinham trazido para passear na manhã de domingo e para fazer-lhes companhia, enquanto faziam suas apostas. Quando viram Carlo Rizzi aproximar-se, pararam de jogar bola e compraram sorvete para os guris, a fim de mantê-los quietos. Então, começaram a estudar os jornais que traziam os lançadores iniciais, procurando escolher as apostas de beisebol para o dia.
Carlo entrou na sala grande dos fundos da confeitaria. Seus dois “apontadores”, um sujeito pequeno e franzino chamado Saily Rags e um tipo forte chamado Coach, já estavam esperando para começar as suas atividades. Tinham seus enormes blocos pautados em frente deles prontos para apontar as apostas. Num cavalete de pau, estava um quadro-negro com os nomes das 16 equipes da divisão principal escritos a giz, dois a dois, para mostrar quem jogava contra quem. Junto a cada par de equipes havia um quadradozinho para se escrever a cotação.
— O telefone da confeitaria está interceptado hoje? — perguntou Carlo a Coach.
Coach balançou a cabeça.
— Não, o telefone continua a não estar interceptado.
Carlo foi até o telefone da parede e discou um número. Sally Rags e Coach observavam-no impassivamente, enquanto ele anotava os “informes”, a cotação de todos os jogos de beisebol programados para aquele dia. Observavam-no, enquanto ele desligava o telefone e se dirigia para o quadro-negro e escrevia a giz a cotação de cada jogo. Embora Carlo não soubesse, eles já ha viam obtido os “informes” e estavam conferindo o seu trabalho. Na primeira semana de sua atividade ali, Carlo cometera um erro ao transpor a cotação para o quadro-negro e criou o sonho de todos os jogadores, o “intermediário”. Isto é, apostando na cotação dele e depois apostando contra a mesma equipe noutro bookmaker na cotação certa, o jogador nunca podia perder. Só quem podia perder era a banca de Carlo. Esse erro causou um prejuízo de seis mil dólares à banca, durante a semana, e confirmou a opinião de Don Corleone sobre o seu genro, que dissera claramente que todo o trabalho de Carlo devia ser conferido.
Normalmente, os membros mais destacados na hierarquia da Família Corleone nunca se interessariam por um tal detalhe operacional. Essa cúpula ficava isolada, pelo menos cinco camadas acima dos demais membros. Todavia, como a banca estava funcionando a título de experiência no gênero, foi posta sob a fiscalização direta de Tom Hagen, que dela recebia um relatório diário.
Agora que os “informes” estavam anunciados, os jogadores apinhavam-se na sala dos fundos da confeitaria para anotar a cotação nos seus jornais, ao lado dos jogos publicados ali com lançadores prováveis. Alguns deles seguravam seus filhos pequenos pela mão, enquanto olhavam para o quadro-negro. Um sujeito que fazia grandes apostas olhou para a garotinha que segurava pela mão.
— De quem é que você gosta hoje, querida, dos Gigantes ou dos Piratas? — indagou à criança.
A garotinha, fascinada pelos nomes impressionantes, perguntou:
— Os Gigantes são mais fortes do que os Piratas?
O pai deu uma gargalhada.
Uma fila começou a se formar em frente dos dois apontadores. Quando um deles completava uma folha, arrancava-a e enrolava com ela o dinheiro que tinha recebido e a entregava a Carlo. Este passava pela saída dos fundos da sala e subia uma escada até o apartamento em que morava a família do próprio dono da confeitaria. Transmitia as apostas para a banca central e punha o dinheiro num pequeno cofre de parede escondido por uma extensa cortina de janela. Em seguida, descia para a confeitaria, depois de ter queimado a folha de apostas e lançado as cinzas no vaso sanitário, puxando a descarga.
Nenhum dos jogos de domingo começava antes das duas horas da tarde, devido às leis especiais referentes aos domingos; assim, após a primeira multidão de apostadores, chefes de família que tinham de fazer suas apostas e correr para casa para levá-la à praia, vinha o pinga-pinga dos solteiros ou dos tipos antiquados, que condenavam a família a passar o domingo em seu apartamento quente da cidade. Esses apostadores solteiros eram os maiores jogadores, apostavam mais alto e voltavam lá pelas quatro horas, para apostar no segundo jogo da partida dupla. Eram esses que faziam Carlo trabalhar durante um expediente inteiro aos domingos em horas extras, embora alguns casados telefonassem da praia para tentar recuperar o prejuízo.
Por volta de 1:30 da tarde, as apostas tinham diminuído tanto, que Carlo e Saily Rags puderam sair e sentar-se na varanda ao lado da confeitaria, a fim de tomar um pouco de ar fresco. Olhavam os meninos jogarem bola. Passou um carro da polícia. Nem tomaram conhecimento dele. Essa banca tinha uma proteção muito forte do distrito policial e não podia ser visitada por determinação de uma autoridade local. Uma batida tinha de ser ordenada pela cúpula e mesmo então devia haver um aviso com muita antecedência.
Coach também saiu, juntando-se aos outros dois. Bateram um papo sobre beisebol e mulheres.
— Tive de bater na mulher novamente hoje, para ensinar-lhe quem é que manda — contou Carlo, entre gargalhadas.
— Ela está com a barriga bem grande agora, não está? — interrompeu Coach casualmente.
— Ah, ah, eu apenas dei uns bofetões na cara dela — respondeu Carlo — Não a machuquei.
E pensou um momento.
— Ela acha que pode mandar em mim, não suporto isso.
Apareceram ainda uns apostadores soltando boatos, falando em beisebol, alguns deles sentando-se nos degraus acima dos dois apontadores e Carlo. De repente, os meninos que estavam jogando bola na rua se espalharam. Vinha um carro ruidosamente pelo quarteirão, freando em frente da confeitaria. Parou tão violentamente que os pneus gemeram e, antes que o carro quase parasse, um homem pulou do assento do motorista, movendo-se tão depressa que todo mundo ficou paralisado.
Era Sonny Corleone.
O seu rosto de cupido, carregado, com sua boca encurvada, grossa, era uma horrenda máscara de fúria. Numa fração de segundo, estava na varanda e tinha agarrado Carlo Rizzi pela garganta. Afastou-o dos outros, procurando arrastá-lo para a rua, mas este passou os seus enormes braços musculosos em torno do corrimão de ferro da varanda e pendurou-se aí. Encolheu-se todo, procurando esconder a cabeça e o rosto entre os ombros. Sua camisa rasgou-se na mão de Sonny.
O que se seguiu foi repugnante. Sonny começou a bater no acovardado Carlo com os punhos, xingando-o com uma voz grossa, abafada pela raiva. Carlo, apesar de seu enorme físico, não oferecia resistência, não soltava qualquer grito de misericórdia ou de protesto. Coach e Sally Rags não se atreviam a intervir. Pensavam que Sonny pretendia matar o cunhado e não tinham vontade de partilhar o seu destino. Os meninos que estavam jogando bola se reuniram para xingar o motorista que os fizera dispersar, mas agora estavam observando atemorizados. Eram garotos duros, mas aquela cena de Sonny em sua fúria fê-los calar. Entrementes, outro carro parou atrás do de Sonny e dois dos seus guarda-costas saltaram. Quando viram o que estava acontecendo, também não se atreveram a intervir. Mantiveram-se alerta, prontos para protegerem o chefe se algum espectador tivesse a estupidez de tentar ajudar Carlo.
O que tornou repugnante o espetáculo foi a completa submissão de Carlo, e talvez foi isso que lhe salvou a vida. Agarrou-se firmemente ao corrimão de ferro, de modo que Sonny não pôde arrastá-lo para a rua e, apesar de sua força equilibrar com a do cunhado, continuou a recusar-se reagir. Deixou que os golpes chovessem em sua cabeça e pescoço desprotegidos, até que o furor de Sonny passou. Finalmente, com o peito erguido, Sonny baixou os olhos para Carlo.
— Seu salafrário nojento, se você bater outra vez em minha irmã, eu o mato — arrematou.
Estas palavras baixaram a tensão. Porque, é claro, se Sonny quisesse matar Carlo, não teria pronunciado aquela ameaça. Fê-la frustrado, porque não podia executá-la. Carlo evitava olhar para Sonny. Mantinha a cabeça baixa e as mãos e os braços trançados no corrimão de ferro. Permaneceu assim, até que o carro zarpou ruidosamente e ele ouviu Coach dizer numa voz curiosamente paternal:
— Muito bem, Carlo, vamos entrar na confeitaria. Vamos sair da vista dessa gente.
Somente então, foi que Carlo se atreveu a sair de sua posição agachada contra os degraus de pedra da varanda e desembaraçou as mãos do corrimão. Pondo-se de pé, viu os meninos olharem para ele com ar repulsivo, espantado, de gente que tinha assistido à degradação de um semelhante. Sentia-se um pouco tonto, porém isso era mais devido ao choque e ao tremendo medo que se apoderara de seu corpo; não estava muito machucado, apesar da saraivada de golpes pesados recebidos. Deixou Coach levá-lo pelo braço para a sala dos fundos da confeitaria e colocar gelo no seu rosto, que, embora não estivesse cortado ou sangrando, apresentava-se cheio de equimoses e inchado. O medo estava passando agora e a humilhação que sofreu fê-lo passar mal do estômago, de modo que ele teve de vomitar. Coach segurou-lhe a cabeça sobre a pia, amparou-o como se ele estivesse embriagado, depois ajudou-o a subir até o apartamento e fê-lo deitar-se na cama de um dos quartos. Carlo não notara que Sally Rags desaparecera.
Saily Rags tinha ido até a Terceira Avenida e telefonara para Rocco Lampone informando-o do que acontecera. Rocco recebeu a notícia calmamente e, por sua vez, telefonou para o seu caporegime, Peter Clemenza, que gemeu e disse:
— Ó Cristo, esse maldito Sonny e seu gênio — mas o seu dedo prudentemente havia abaixado o gancho do telefone, para que Rocco não ouvisse as suas palavras.
Clemenza telefonou para a casa de Long Beach e chamou Tom Hagen. Este ouviu-o em silêncio por um momento.
— Mande alguns de seus homens e carros para a estrada de Long Beach o mais depressa possível — disse em seguida — Só para evitar que Sonny seja retido pelo tráfego ou por algum acidente. Quando ele fica irritado assim, não sabe que diabo está fazendo. Talvez alguns de nossos amigos do outro lado tenham conhecimento de que ele estava na cidade. Nunca se sabe.
— No momento em que eu puder apanhar alguém na estrada — respondeu Clemenza hesitante — Sonny estará em casa. Isso se refere aos Tattaglia também.
— Eu sei — respondeu Hagen pacientemente — Mas se acontecer algo de extraordinário, Sonny pode ser detido. Faça o que puder, Pete.
De má vontade, Clemenza telefonou para Rocco Lampone e disse-lhe para pegar alguns homens e carros e dar cobertura à estrada para Long Beach. Ele próprio apanhou o seu querido Cadillac e, com três pelotões dos guardas que agora guarneciam a sua casa, partiu pela ponte, da Atlantic Beach para Nova York.
Um dos indivíduos que se encontrava perto da confeitaria, um pequeno apostador que recebia dinheiro da Família Tattaglia como informante, chamou o contato que tinha com essa gente. Mas a Família Tattaglia ainda não estava aparelhada para a guerra, o contato teve de percorrer um longo caminho, através das camadas de isolamento, até finalmente chegar ao caporegime, que se comunicou com o chefe Tattaglia.
Nessa altura, Sonny Corleone já estava de volta e a salvo em sua alameda, na casa do pai, em Long Beach, prestes a enfrentar a ira do velho.





Continua...






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Frase Curiosa"Há apenas duas maneiras de obter sucesso neste mundo: pelas próprias habilidades ou pela incompetência alheia." Jean de La Bruyère

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