quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

O PODEROSO CHEFÃO - CAPÍTULO 17



CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA: 14 ANOS



CAPÍTULO
17




A
 GUERRA DE 1947 entre a Família Corleone e as Cinco Famílias aliadas contra ela provou ser muito cara para ambos os lados. Tornou-se ainda mais complicada, por causa da pressão que a polícia passou a exercer para resolver o assassinato do Capitão McCluskey. Era raro que os funcionários do Departamento de Polícia ignorassem a força política que protegia as atividades do jogo e do vício, mas nesse caso, os políticos eram tão inúteis como o estado-maior de um exército amotinado e saqueador cujos oficiais combatentes se recusassem a cumprir as ordens.
Essa falta de proteção não prejudicava tanto a Família Corleone como a seus adversários. O grupo Corleone dependia da jogatina para obter a maior parte de sua renda, e foi atingida de rijo no “número” ou ramificações “políticas” de suas operações. Os mensageiros que colhiam as informações para as bancas eram conduzidos para o distrito policial, onde levavam uma surrazinha, antes de serem fichados. Algumas “bancas” foram localizadas e varejadas, com grande prejuízo financeiro. Os “banqueiros”, indivíduos de alto gabarito, cheios de direitos, queixavam-se aos caporegimes, que levavam tais queixas ao supremo conselho da Família. Entretanto, nada se podia fazer. Os banqueiros foram aconselhados a sair do negócio. Franco-atiradores negros do local foram autorizados a tomar conta das bancas, no Harlem, e eles agiam de maneira tão dispersiva que a polícia encontrava dificuldades em apanhá-los.
Depois da morte do Capitão McCluskey, alguns jornais publicaram histórias envolvendo-o com Sollozzo. Apresentavam prova de que McCluskey recebera quantias enormes de dinheiro, pouco antes de sua morte. Essas histórias tinham sido espalhadas por Hagen, sendo as informações fornecidas por ele. O Departamento de Polícia recusou-se a confirmar ou desmentir tais notícias, mas estava investigando. A organização policial soube através de informantes, de policiais que recebiam “bola” das Famílias, que McCluskey era um policial corrupto. Não porque ele aceitava grana “limpa”, absolutamente, não havia censura quanto a isso. Mas porque ele aceitara o mais sujo dos dinheiros: o oriundo de tráfico de entorpecentes ou de assassinatos. Segundo a moralidade dos policiais, isso era imperdoável.
Hagen compreendia que o policial acreditava na lei e na ordem de um modo curiosamente inocente. Acreditava nisso mais do que o público a quem ele serve. Afinal de contas, a lei e a ordem é a mágica de onde extrai o poder individual que ele acalenta como quase todos os homens. Contudo, há sempre o ressentimento reprimido contra o público a quem serve. Ele é ao mesmo tempo seu guarda e sua presa. Como guarda, é ingrato, abusado e exigente. Como presa, é escorregadio e perigoso, cheio de manha. Logo que alguém cai nas garras de um policial, o mecanismo da sociedade que ele defende reúne todos os seus recursos para arrancar a presa de suas mãos. A prisão é relaxada pelos políticos. Juízes dão sursis tolerantes aos piores bandidos. Governadores dos Estados e o próprio Presidente dos Estados Unidos dão perdões plenos, admitindo que advogados respeitáveis já não obtiveram a sua absolvição. Após algum tempo, o policial aprende. Por que não receber esses honorários que os bandidos estão pagando? Mais do que ninguém, ele precisa disso. Por que seus filhos não devem freqüentar a faculdade? Por que sua mulher não deve comprar nas lojas mais caras? Por que ele mesmo não deve gozar o sol com umas férias de inverno na Flórida? Afinal de contas, ele arrisca a vida e isso não é brincadeira.
Geralmente, se obstina em não aceitar a grana suja. Aceitará dinheiro para que um bookmaker possa funcionar; de um homem que detesta multas de estacionamento ou dirige com velocidade excessiva. Permitirá que prostitutas e outras mulheres exerçam a sua atividade, a troco de uma pequena remuneração. Tais fraquezas são naturais ao homem. Mas absolutamente não aceitará a grana de traficância de entorpecentes, assaltos à mão armada, estupro, assassinato e outros tipos de crimes. Em sua mente, tais coisas atingem a essência de sua autoridade pessoal e não podem ser encorajadas.
O assassinato de um capitão da polícia foi comparado a um regicídio. Contudo, quando se soube que McCluskey, ao ser assassinado, estava em companhia de um notório vendedor de narcóticos, e que este era suspeito de conspiração de assassinato, a represália por parte da polícia começou a diminuir. Outrossim, havia ainda pagamentos de hipotecas a serem feitos, carros a serem pagos, crianças para nascerem. Sem esse dinheiro “extra”, os policiais tinham de se esforçar muito para equilibrar seu orçamento. Os vendedores ambulantes sem licença serviam apenas para arranjar o dinheiro do almoço. As “bolas” para perdoar as multas de estacionamento representavam quantias insignificantes. Alguns dos mais desesperados começaram até a tomar dinheiro dos suspeitos (pederastas, agressores) nos distritos policiais. Finalmente a situação abrandou. Aumentaram os preços e deixaram as Famílias operar. Uma vez mais, as “folhas de gratificações” passaram a ser datilografadas pelo funcionário do distrito, relacionando todo homem designado para o posto policial local e a “parte” que ele devia receber todo mês. Restabeleceu-se algo semelhante à ordem social.
Tinha sido idéia de Hagen usar detetives particulares para guardarem o quarto de hospital de Don Corleone. Estes homens, naturalmente, eram reforçados pelos soldados muito mais exercitados do regime de Tessio. Sonny não estava satisfeito com isso. Em meados de Fevereiro, quando Don Corleone já podia mover-se sem perigo, foi levado de ambulância para a sua residência na alameda. A casa fora reformada, de modo que o seu quarto de dormir assemelhava-se a um quarto de hospital com todo o equipamento necessário para qualquer emergência. Enfermeiras especialmente selecionadas tinham sido contratadas para cuidar do doente, noite e dia, e o Dr. Kennedy, mediante o pagamento de honorários altos, fora persuadido a se tornar o médico-residente desse hospital particular. Pelo menos, até que Don Corleone necessitasse apenas de cuidados de enfermeiras.
A própria alameda fora transformada num local inexpugnável. Capangas foram instalados nas casas extras, sendo os inquilinos mandados em férias para suas aldeias natais na Itália, com todas as despesas pagas.
Freddie Corleone fora enviado a Las Vegas para recuperar-se e sondar o terreno para as atividades da Família, no complexo cassino e hotel que estava surgindo ali. Las Vegas era parte do império da Costa Oeste ainda neutro, e o Don desse império garantira a segurança de Fred ali. As cinco Famílias de Nova York não desejavam fazer mais inimigos, entrando em Las Vegas depois de Freddie Corleone. Estavam às voltas com bastante complicação em Nova York.
O Dr. Kennedy proibira qualquer discussão sobre negócio na frente de Don Corleone. Esta ordem foi completamente desrespeitada. Don Corleone exigiu que o Conselho de guerra se reunisse em seu quarto. Sonny, Tom Hagen, Pete Clemenza e Tessio se reuniram ali na primeira noite em que Don Corleone voltou para casa.
Don Corleone estava muito fraco para falar muito, mas desejava ouvir e exercer seus poderes de veto. Quando se explicou a ele que Freddie fora enviado a Las Vegas para estudar o estabelecimento de casa de jogo, balançou a cabeça aprovando. Ao saber que Bruno Tattaglia fora assassinado pelos seus capangas, balançou a cabeça e suspirou. O que o entristeceu mais do que tudo foi saber que Michael matara Sollozzo e o Capitão McCluskey e fora obrigado a fugir para a Sicília. Quando ouviu isso, fez sinal para que se retirassem do quarto e para continuarem a reunião na sala do canto onde se achava a biblioteca jurídica.
Sonny Corleone descansava na enorme poltrona por trás da escrivaninha.
— Penso que será melhor deixarmos o velho sossegado durante alguns semanas, até que o médico diga que ele está em condições de fazer negócios — fez uma pausa — Eu gostaria de pô-los em funcionamento novamente antes que ele melhorasse. Temos autorização da polícia para funcionar. A primeira coisa são as bancas políticas do Harlem. A rapaziada negra já se divertiu bastante ali, agora temos de tomá-las de volta. Desenvolveram o negócio, mas da maneira errada, tal como geralmente fazem quando dirigem as coisas. Muitos dos seus agentes não pagaram aos ganhadores. Andam em Cadillacs e dizem aos apostadores que têm de esperar por sua grana, ou talvez recebam apenas a metade do que eles ganharam. Não quero que nenhum agente meu pareça rico aos olhos de seus apostadores, e nem andem muito bem vestidos. Não admito franco-atiradores no negócio, pois só nos trazem má fama. Tom, vamos pôr esse projeto em ação já. O resto entrará na linha, assim que você mandar dizer que o jogo está liberado.
— Existem alguns rapazes muito duros no Harlem. Tomaram o gostinho do dinheiro graúdo. Não quererão voltar a ser novamente pequenos agentes ou sub-banqueiros — retrucou Hagen.
Sonny deu de ombros.
— Ë só você dar os nomes a Clemenza. A função dele é pô-los nos eixos.
— Isso não é problema — disse Clemenza para Hagen.
Então, Tessio apresentou a questão mais importante.
— Assim que começarmos a funcionar, as cinco Famílias começarão seus ataques. Procurarão atingir nossos banqueiros no Harlem e nossos bookmakers na zona Leste. É provável que tentem atrapalhar as coisas no setor de roupas feitas, que controlamos. Essa guerra vai custar um bocado de dinheiro.
— É possível que nem tentem — retrucou Sonny — Eles sabem que os atacaremos em represália. Tenho meus sondadores de paz lá fora, e talvez possamos ajeitar tudo pagando uma indenização pela morte do rapaz da Família Tattaglia.
— Eles estão recebendo friamente tais negociações — atalhou Hagen — Perderam um bocado de grana nos últimos meses e nos culpam por isso, com justiça. Penso que o que querem de nós é que concordemos em entrar no negócio de entorpecentes, para usar a influência da Família politicamente. Em outras palavras, tratar do caso Sollozzo, com exclusão de Sollozzo. Mas não entabularão tal negociação enquanto não nos tiverem atingido com uma espécie de ataque. Então, depois que nos tiverem amolecido, pensam que ouviremos sua proposta sobre entorpecentes.
— Nada de trato sobre entorpecentes — respondeu Sonny prontamente — Don Corleone disse “não” e será “não” até ele mudar de opinião.
— Então — falou Hagen enérgico — Temos diante de nós um problema tático. Nosso dinheiro está lá fora em campo aberto. Jogo e política. Podemos ser atacados. A Família Tattaglia controla a prostituição e coisas semelhantes, além dos sindicatos portuários. Diabo, como vamos atacá-los? As outras Famílias também estão por dentro do negócio de jogo. A maioria delas está metida em negócios de construção, agiotagem, controle dos sindicatos, obtenção de contratos com o governo. Conseguem um bocado por meio de ameaças e outros recursos contra gente humilde. O dinheiro delas não está na rua. O cabaré dos Tattaglia é muito famoso para se atacar, causaria uma péssima impressão. E, com Don Corleone ainda fora de ação, a influência política deles iguala com a nossa. Assim, temos aqui um verdadeiro problema.
— O problema é meu — replicou Sonny — Eu encontrarei a resposta. Mantenha a negociação em andamento e continue firmemente com as outras coisas. Vamos voltar ao negócio para ver o que acontece. Depois, saberemos como agir. Clemenza e Tessio têm bastantes soldados, podemos enfrentar as cinco Famílias bala por bala, se isso é o que elas querem. Iremos então para os colchões.
Não houve problemas para expulsar os banqueiros negros franco-atiradores do negócio. A polícia foi informada e arrasou com tudo, sem grande esforço. Nessa época, não era possível que um preto desse “bola” a um polícia de posição elevada ou a um funcionário político, para manter tal negócio em funcionamento. Isso se devia mais ao preconceito e à desconfiança racial do que a outra coisa qualquer. Mas o Harlem sempre fora considerado um problema secundário, de forma que se esperava uma fácil solução.
As cinco Famílias atacaram numa direção inesperada. Dois poderosos funcionários dos sindicatos de roupas feitas foram assassinados, funcionários que eram membros da Família Corleone. Depois, os agiotas da Família Corleone foram expulsos das docas, como também os bookmakers. O pessoal do sindicato dos estivadores se passou para as cinco Famílias. Os bookmakers da Família Corleone em toda a cidade foram ameaçados, a fim de se convencerem a mudar de lado. O maior banqueiro do Harlem, um velho amigo e aliado da Família Corleone, foi brutalmente assassinado. Não havia mais opção. Sonny ordenou a seus caporegimes que fossem para os colchões.
Dois apartamentos foram ocupados na cidade, onde colocaram colchões para os capangas dormirem, uma geladeira para mantimentos, e armas e munição. Clemenza ocupou um apartamento, com sua gente, e Tessio o outro. Todos os bookmakers da Família passaram a ter turmas de guarda-costas. Os banqueiros políticos do Harlem, porém, tinham-se passado para o inimigo e, no momento, nada se podia fazer a respeito do assunto. Tudo isso custava à Família Corleone um bocado de dinheiro e muito pouco estava entrando. À proporção que se passavam os meses seguintes, outras coisas se tornaram óbvias. A mais importante era que a Família Corleone estava superada.
Havia motivos para isso. Com Don Corleone ainda muito fraco para tomar parte nos acontecimentos, grande parte da força política da Família ficara neutralizada. Outrossim, os últimos dez anos de paz desgastaram seriamente as qualidades de luta dos dois caporegimes, Clemenza e Tessio. Clemenza ainda era um competente executor e administrador, porém lhe faltava a antiga energia ou a força juvenil para conduzir tropas. Tessio amolecera com a idade e não era bastante cruel. Tom Hagen, apesar de sua capacidade, simplesmente não era o tipo adequado para ser consigliori em tempo de guerra. Seu defeito principal era não ser siciliano.
Sonny Corleone reconhecia essas fraquezas na situação bélica da Família, mas não podia adotar medidas para remediá-las. Ele não era o Don e somente o Don podia substituir os caporegimes e o consigliori. Ademais, o próprio ato de substituição tomaria a situação mais perigosa, poderia precipitar alguma traição. A princípio, Sonny esperava ficar só na defensiva, até que Don Corleone completamente restabelecido pudesse assumir o comando; mas, com a deserção dos banqueiros políticos e a atemorização dos bookmakers, a posição da Família tomava-se precária. Então decidiu contra-atacar.
Foi direto ao coração do inimigo. Planejou a execução dos cabeças das cinco Famílias, numa grande manobra tática. Para atingi-los, pôs em execução um rigoroso sistema de vigilância dos líderes adversários. Uma semana após, os chefes inimigos prontamente mergulharam no subterrâneo e não foram mais vistos em público.
As cinco Famílias e o Império Corleone estavam num impasse.





Continua...





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Frase Curiosa"Há apenas duas maneiras de obter sucesso neste mundo: pelas próprias habilidades ou pela incompetência alheia." Jean de La Bruyère

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