CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA: 14 ANOS
O PODEROSO
CHEFÃO
MARIO PUZO
— SINOPSE —
APESAR DE
IMPLACÁVEL, Don Vito é, essencialmente, um homem justo. Padrinho benevolente,
nada recusa aos seus afilhados — conselho, dinheiro, vingança e até mesmo a
morte de alguém. Em troca, o poderoso chefão pede apenas o respeito e a amizade
de seus protegidos. Mas ninguém pode vencer as trapaças da idade. Quando seus
inimigos atacarem juntos e tudo que a família Corleone significa, estiver por
um fio, o velho Corleone terá de escolher, entre seus filhos, um sucessor à
altura. Um mundo de intrigas e decisões cruéis, habilmente construído por Mario
Puzo.
LIVRO
I
CAPÍTULO
1
A
|
MERIGO BONASERA, sentado na Terceira Corte
criminal de Nova York esperava justiça; vingança contra os homens que tão
cruelmente maltrataram sua filha, que procuraram desonrá-la.
O juiz, um homem de
aspecto extremamente sisudo, arregaçou as mangas de sua toga preta como que
para castigar fisicamente os dois jovens postados à sua frente. O seu rosto
lívido denunciava um desprezo imponente. Mas havia alguma coisa falsa em tudo
isso, alguma coisa que Amerigo Bonasera sentia, mas ainda não compreendia.
— Vocês procederam
como a pior espécie de degenerados — disse o juiz asperamente.
Sim, sim, pensava Amerigo Bonasera. Animais. Animais.
Os dois jovens, de
cabelo glostorado cortado à escovinha, rosto escanhoado apresentando uma
contrição humilde, baixaram a cabeça submissamente.
— Vocês procederam
como animais ferozes na selva — prosseguiu o juiz — E tiveram sorte que não
molestaram sexualmente essa pobre moça, pois então eu os condenaria a vinte
anos de cadeia.
O juiz fez uma pausa,
os seus olhos por baixo das sobrancelhas impressionantemente cerradas piscaram
manhosamente para o pálido Amerigo Bonasera, depois ergueram-se para uma pilha
de relatórios, aconselhando a concessão de sursis, acumulados à sua frente. Ele
franziu as sobrancelhas e deu de ombros como que convencido contra a sua
própria vontade natural.
— Mas devido à
juventude de vocês, a ficha limpa de vocês, devido às boas famílias a que vocês
pertencem e levando em conta o fato de que a lei em sua majestade não procura
vingança, eu conseqüentemente os condeno a três anos de reclusão. Tal pena,
porém, ficará suspensa — arrematou o juiz.
Somente quarenta anos
de luto profissional impediram que a poderosa frustração e o ódio
transparecessem no rosto de Amerigo Bonasera. A sua linda filha ainda se
encontrava no hospital com o maxilar fraturado, devidamente costurado com fio
metálico; e agora esses dois animales
eram assim libertados? Tudo fora uma farsa. Ele observava o pais felizes
aglomerarem-se em torno de seus queridos filhos. Oh, todos estavam felizes, e
riam agora.
O fel negro, extremamente
amargo, subiu á garganta de Bonasera e atravessou-lhe os dentes apertadamente
cerrados. Ele pegou o seu lenço de linho branco e manteve de encontro aos
lábios. Estava nessa atitude, quando os dois jovens caminharam livremente pelo
corredor entre as filas de assentos, com olhar frio e confiante, rindo, sem nem
sequer dar-lhe uma simples olhadela. Ele os deixou passar sem dizer uma
palavra, comprimindo o lenço de encontro à boca.
Os pais dos animales estavam vindo agora, dois
homens e duas mulheres da idade dele, porém mais americanos no trajar. Olharam
pare ele, envergonhados, mas os seus olhos irradiavam um desafio singular e
triunfante.
Fora de controle,
Bonasera inclinou-se para o corredor entre as filas de assentos e gritou
asperamente:
— Vocês hão de chorar
como eu chorei... hei de fazê-los chorar como seus filhos me fizeram chorar — e
levou o lenço aos olhos.
Os advogados de
defesa, que marchavam na retaguarda, empurraram seus clientes para a frente,
formando um pequeno grupo apertado em torno dos dois jovens, que haviam
iniciado o caminho de volta pelo corredor como que para proteger seus pais. Um
corpulento oficial de justiça correu imediatamente a fim de bloquear a fila em
que se encontrava Bonasera. Mas não foi necessário.
Durante todos os anos que
vivera na América, Bonasera confiara na lei e na ordem. E assim prosperara.
Agora, conquanto o seu cérebro estourasse de ódio e a idéia feroz de comprar
uma arma e matar os dois jovens martelasse em sua cabeça, Bonasera voltou-se
para a sua esposa, ainda perplexa, e explicou:
— Eles nos fizeram de
trouxas — fez uma pausa e depois tomou uma decisão, não mais temendo quanto lhe
custaria isso — Para conseguir justiça, temos de ir de joelhos a Don Corleone.
* * *
No apartamento espalhafatosamente decorado
de um hotel de Los Angeles, Johnny Fontane estava tão ciumentamente embriagado
como qualquer outro marido. Escarrapachado num divã vermelho, ele bebia
diretamente na garrafa de uísque que segurava na mão, depois tirava o gosto da
bebida metendo a boca num balde de cristal contendo cubos de gelo e água. Eram
quatro horas da manhã, e ele continuava imaginando, com sua mente ébria, a
maneira de matar a sua mulher ordinária, quando ela chegasse a casa. Se ela de
fato voltasse para casa. Era muito tarde para chamar a sua primeira mulher, a
fim de pedir notícias das crianças, e ele achava engraçado chamar qualquer dos
seus amigos, agora que sua carreira estava afundando rapidamente.
Houve época em que
eles se sentiriam prazerosos, lisonjeados, por ele ter-lhes chamado às quatro
horas da manhã, mas agora ele lhes causava aborrecimento.
Ele podia até rir um
pouco consigo mesmo ao pensar que, na fase de ascensão, as complicações de
Johnny Fontane chegaram a empolgar algumas das maiores atrizes da América.
“Mamando” a sua garrafa de uísque, ele ouviu finalmente a chave da
sua mulher mover-se na fechadura da porta, mas continuou a beber até que ela
entrou na sala e se postou à sua frente. Ela era para ele tão bonita, com seu
rosto angélico, seus olhos violeta expressivos, seu corpo delicadamente frágil,
mas de formas perfeitas. Na tela, a sua beleza se ampliava, se espiritualizava.
Uma centena de milhões de homens no mundo inteiro estavam apaixonados pelo
rosto de Margot Ashton. E pagavam para vê-lo na tela.
— Onde diabo estava
você? — perguntou Johnny Fontane.
— Lá fora paquerando —
respondeu ela.
Ela calculara mal sua
bebedeira. Johnny saltou por cima da mesinha de bebidas e agarrou-a pela
garganta. Mas ao se ver perto desse rosto enfeitiçado, desses adoráveis olhos
violeta, ele perdeu a raiva e sentiu-se desanimado novamente. Ela cometeu o
erro de rir zombeteiramente e percebeu o punho dele voltar-lhe violentamente.
— Johnny, no rosto
não, eu estou fazendo um filme — gritou ela.
Ela estava rindo. Ele
bateu-lhe no estômago e ela caiu no chão. Johnny caiu em cima dela. Podia
sentir-lhe a respiração perfumada e ofegante. Bateu. lhe nos braços e nos
músculos das coxas de suas macias pernas queimadas pelo sol. Batia-lhe do jeito
como castigava garotos menores, há muito tempo, quando era um rapazinho
turbulento, num mal-afamado bairro de Nova York. Um castigo doloroso que não
deixaria qualquer desfiguração duradoura de dentes soltos ou nariz quebrado.
Mas não batia nela com
bastante força. Não podia. E ela zombava dele. Esparramada no chão, com o seu
vestido de brocado levantado acima das coxas, ela escarnecia dele entre
risadas.
— Vamos, continue.
Continue, Johnny, isso é o que você realmente quer.
Johnny Fontane
levantou-se. Odiava a mulher que estava no chão, mas a beleza dela era um
mágico escudo de proteção. Margot rolou no solo, e num salto de dançarina
pôs-se de pé em frente dele e começou a executar uma espécie de dança infantil
zombeteira, cantando: Johnny nunca me
machucou, Johnny nunca me machucou.
— Seu patife idiota —
disse depois, quase tristemente, com sua beleza serena — Castigando-me como uma
criança. Ah, Johnny, você será sempre um bichinho bem romântico, você até ama
como uma criança. Ainda pensa que trepar com a mulher é o mesmo que cantarolar
aquelas cantigas enjoadas que você costumava cantar — balançou a cabeça e
arrematou — Pobre Johnny. Adeus, Johnny.
Encaminhou-se para o
quarto de dormir e ele ouviu-a girar a chave na fechadura.
Johnny sentou-se no
chão com o rosto entre as mãos. O desespero doentio e humilhante dominou-o
completamente. E, então, a firmeza sórdida que o ajudara a sobreviver na selva
de Hollywood fê-lo pegar o telefone e chamar um táxi, para levá-lo ao
aeroporto. Só havia uma pessoa que podia salvá-lo. Voltaria para Nova York.
Voltaria para o único homem que tinha o poder, a sabedoria de que ele necessitava e um amor no qual ele ainda acreditava. O seu
Padrinho Corleone.
* * *
O padeiro Nazorine, rechonchudo e
encrostado como seus grandes pães italianos, ainda sujo de farinha de trigo,
intimidava sua mulher, sua filha casadoira, Katherine, e o seu ajudante de
padeiro, Enzo. Enzo tinha conseguido autorização para usar o seu uniforme de
prisioneiro de guerra com a braçadeira de letras verdes e estava aterrorizado
com a idéia de que essa cena poderia fazê-lo atrasar-se na apresentação na
Governor’s Island. Sendo um dos inúmeros milhares de prisioneiros do exército
italiano libertado condicionalmente todo dia para trabalhar na economia
americana, ele vivia sob o medo constante de
que essa liberdade condicional fosse revogada. Assim, a pequena comédia, que
estava sendo representada agora, era, para ele, uma coisa séria.
— Você desonrou minha
família? Você engravidou a minha filha, para lembrar-se de que agora a guerra
terminou e você sabe que a América vai expulsá-lo, sua besta, de volta para a
sua aldeia cheia de merda na Sicília? — perguntou Nazorine ameaçadoramente.
Enzo, um rapaz
baixinho, de compleição robusta, pôs a mão no coração e disse quase em
lágrimas, embora sagazmente:
— Padrone, juro pela Virgem Santa que nunca abusei da sua bondade.
Amo a sua filha com todo o respeito. Peço a mão dela com todo o respeito. Sei
que não tenho direito, mas se me mandarem de novo para a Itália, nunca mais
poderei voltar para a América. Nunca poderei casar com Katherine.
A mulher de Nazorine,
Filomena, falou de modo decisivo:
— Pare com toda essa
besteira — disse, ela ao seu rechonchudo marido.
— Você sabe o que deve
fazer. Mantenha Enzo aqui, mande-o esconder-se com nossos primos, em Long
Island.
Katherine estava
chorando. Ela já estava roliça, feiosa e criando um ralo bigode. Jamais
conseguiria um marido bonito como Enzo, jamais acharia outro homem que tocasse
as partes pudendas do seu corpo com amor tão respeitoso.
— Vou viver na Itália
— gritou ela para o pai — Fugirei, se você não mantiver Enzo aqui.
Nazorine olhou para
ela com astúcia. Era uma “mulher fogosa” essa sua filha. Ele a tinha visto
esfregar as traseiras protuberantes em Enzo, quando o ajudante de padeiro
passou de frente, apertadamente, por trás dela para encher os cestos do balcão
de pães quentes tirados do forno.
O pão quente do patife entraria no forno dela, Nazorine pensou
lascivamente, Se medidas apropriadas não
fossem tomadas. Enzo devia permanecer na América e tornar-se cidadão americano.
E só havia um homem que poderia resolver tal problema. Era o Padrinho. Don
Corleone.
* * *
Todas essas pessoas e muitas outras
receberam convites impressos para o casamento da Senhorita Constanzia Corleone,
a ser celebrado no último Sábado de Agosto de 1945. O pai da noiva, Don Vito
Corleone, nunca esquecia os velhos amigos e vizinhos, embora ele próprio
vivesse agora numa casa enorme em Long Island. A recepção se realizaria nessa
casa e os festejos se prolongariam por todo o dia. Não havia dúvida de que
seria uma ocasião de grande importância. A guerra com os japoneses então
terminara e assim não haveria o receio incômodo de que a lembrança dos filhos
lutando no exército ofuscasse esses festejos. Um casamento era justamente do
que as pessoas precisavam para mostrar sua alegria.
Assim, nessa manhã de
Sábado, os amigos de Don Corleone afluíram de Nova York para prestar-lhe sua
homenagem. Traziam envelopes de cor creme recheados de dinheiro como presente
de casamento; nada de cheques. Dentro de cada envelope havia um cartão
identificando o doador e a medida de seu respeito pelo Padrinho. Respeito esse
verdadeiramente conquistado.
Don Vito Corleone era
um homem a quem todo mundo recorria em busca de auxilio, e quem o fizesse
jamais ficava desapontado. Ele não fazia promessas ocas, nem apresentava a
desculpa covarde de que as suas mãos estavam amarradas por forças mais
poderosas no mundo do que ele mesmo. Não era preciso que ele fosse amigo da
pessoa, nem mesmo era importante que a pessoa não tivesse meios com que
pagar-lhe o favor recebido. Apenas uma coisa era necessária. Que a pessoa, a
própria pessoa, proclamasse sua amizade. Então, não importava quão pobre ou
impotente fosse o suplicante. Don Corleone se encarregaria entusiasticamente de
resolver-lhe os problemas. E não permitiria que coisa alguma impedisse a
solução do infortúnio desse indivíduo. Sua recompensa? A amizade, o respeitoso
titulo de “Don” e, às vezes, a saudação mais carinhosa de “padrinho”. E talvez,
apenas para mostrar respeito, nunca a título de proveito próprio, algum
presente humilde — um galão de vinho feito em casa, ou um cesto de taralles
apimentados feitos especialmente para honrar a sua mesa de Natal.
Compreendia-se, era
apenas uma questão de cortesia, proclamar que o indivíduo estava em dívida para
com ele e que tinha o direito de convocar a pessoa, a qualquer momento, para
saldar a dívida por meio de algum pequeno serviço.
Agora, nesse grande
dia, o dia do casamento de sua filha, Don Vito Corleone achava-se postado no
vão da porta de sua casa de Long Beach, para saudar os convidados, todos eles
conhecidos e de confiança. Muitos deviam a boa sorte na vida a Don Vito e.
nessa ocasião íntima, sentiam prazer em chamá-lo pessoalmente de “Padrinho”.
Até as pessoas que estavam executando os serviços da festa eram seus amigos. O
barman era um velho companheiro, cujo presente consistia em todas as bebidas do
casamento e em sua própria habilidade de especialista no assunto. Os garçons
eram os amigos dos filhos de Don Corleone. A comida colocada nas mesas de
piquenique do jardim fora preparada pela mulher de Don Vito e suas amigas e o
próprio jardim enorme, alegremente engrinaldado, tinha sido adornado pelas
jovens amigas da noiva.
Don Corleone recebia
todo mundo — rico e pobre, poderoso e humilde — com igual demonstração de
afeto. Não menosprezava ninguém. Esse era o seu caráter. E os convidados
exclamavam com tanto entusiasmo quão bem e se achava em seu smoking, que um
observador inexperiente poderia facilmente pensar que o próprio Don Vito era o
feliz noivo.
Postados na porta com
ele, estavam dois dos seus três filhos. O mais velho, batizado como Santino,
mas chamado de Sonny por todo mundo, menos pelo pai, era olhado de soslaio
pelos italianos mais velhos; com admiração pelos mais jovens.
Sonny Corleone era
alto para a primeira geração americana de descendência italiana, tinha mais de
1,80m de altura, e sua cabeleira abundante e ondulada fazia-o parecer ainda
mais alto. O seu rosto era de um cupido grosseiro, as feições serenas, mas os
lábios arqueados eram excessivamente sensuais, o queixo rachado em covinhas
era, de um modo curioso, obsceno. Ele tinha a constituição forte de um touro e
era do conhecimento geral que fora tão generosamente dotado pela natureza, que
sua martirizada mulher temia o leito nupcial, como os descrentes outrora temiam
o cavalete de tortura. Murmurava-se que, no tempo de rapaz, quando ele frequentava
as casas de má fama, mesmo a mais dura e valente putain, ante a visão
aterrorizada de seu órgão avantajado, exigia preço dobrado.
Aqui, na festa do
casamento, algumas jovens casadas, de ancas largas e de boca enorme, mediam
Sonny Corleone com olhares audaciosamente confiantes. Mas nesse dia especial,
elas estavam perdendo tempo. Sonny Corleone, apesar da presença de sua mulher e
seus três filhos pequenos, tinha planos com respeito à dama de honra de sua
irmã, Lucy Mancini. Essa moça, plenamente ciente do fato, achava-se sentada
numa mesa do jardim com seu vestido cor-de-rosa apropriado à cerimônia, uma
tiara de flores no seu acetinado cabelo preto. Flertara com Sonny na semana
passada de ensaios e apertara a mão dele nessa manhã no altar. Urna donzela não
podia fazer mais do que isso.
Ela não se importava
que ele nunca seria o grande homem que o pai dele provara ser. Sonny Corleone tinha
força, tinha coragem. Era generoso e admitia-se que o seu coração era tão
grande quanto seu órgão. Contudo, ele não tinha a humildade do pai, tendo, em
vez disso, um temperamento vivo, ardoroso que o levava a cometer erros de
julgamento. Conquanto fosse uma grande ajuda no negócio do pai, muitas pessoas duvidavam de que ele se tornaria o
herdeiro de tal negócio.
O segundo filho,
Frederico, chamado Fred ou Fredo, era um filho pelo qual todo italiano rogava
aos santos para ter. Obediente, leal, sempre a serviço do pai, vivendo com os
pais aos 30 anos de idade. Era baixo e corpulento, não era bonito, mas tinha a
mesma cabeça de cupido da família, o capacete ondulado de cabelo sobre o rosto
redondo e lábios arqueados. Só que, em Fred, esses lábios não eram sensuais,
mas graníticos. Sendo sorumbático, era ainda um bom apoio para o pai, jamais
lhe causava embaraços por conduta escandalosa com mulheres. Apesar de todas
essas virtudes, ele não possuía esse magnetismo pessoal, essa força animal, tão
necessários a um líder ou condutor de homens, não se esperando também que ele
herdasse o negócio da família.
O terceiro filho,
Michael Corleone, não estava com o pai e os dois irmãos, mas achava-se sentado
numa mesa no canto mais afastado do jardim. Mas mesmo ali, ele não podia
escapar às atenções dos amigos da família.
Michael Corleone era o
filho caçula de Don Vito e o único que recusara ficar sob a direção do grande
homem. Não tinha o rosto carregado, em forma de cupido dos outros filhos, e o
seu cabelo bem preto era estirado e não ondulado. A sua pele era moreno-oliva
clara que seria considerada linda numa garota. Ele era delicadamente bonito. Na
verdade, houve tempo em que Don Vito sentiu alguma preocupação a respeito da
masculinidade do seu filho caçula. Preocupação que desapareceu completamente
quando Michael Corleone fez dezessete anos de idade.
Agora, o filho caçula
achava-se sentado no canto extremo do jardim, para proclamar a sua alienação
voluntária do pai e da família. Ao lado dele, estava sentada a moça americana
de quem todo mundo ouvira falar, mas que ninguém havia visto até aquele dia.
Ele tinha, evidentemente, mostrado o devido respeito e apresentado a tal moça a
todos os presentes ao casamento, inclusive à própria família. Não se
impressionaram com ela. A moça era muito magra, muito loura. Seu rosto era bem
acentuadamente inteligente para uma mulher e seus modos muito livres para uma
donzela. O nome dela, também, soava de modo esquisito aos ouvidos: chamava-se
Kay Adams. Se ela tivesse dito que a sua família se estabelecera na América há
duzentos anos e que o seu nome era comum, eles não dariam a menor importância.
Todos os convidados
perceberam que Don Vito não dava atenção especial ao terceiro filho. Michael
fora o filho preferido antes da guerra e, obviamente, seria o herdeiro
escolhido para dirigir o negócio da família, quando chegasse o momento
propício. Ele possuía a força tranqüila e inteligência do seu grande pai, o
instinto inato para agir de tal maneira, que os homens não tinham outro jeito
senão respeitá-lo. Mas quando estourou a II Guerra Mundial, Michael Corleone
alistou-se voluntariamente no Corpo de Fuzileiros Navais. Desafiou a ordem
expressa do pai quando fez isso.
Don Corleone não tinha
o desejo, a intenção, de deixar que seu filho caçula morresse a serviço de uma
potência estrangeira. Médicos foram subornados, medidas secretas foram tomadas.
Uma grande importância em dinheiro foi gasta para tomar as precauções
necessárias. Mas Michael tinha 21 anos de idade e nada se podia fazer contra a
sua própria vontade. Ele se alistou e lutou no Oceano Pacífico. Chegou ao posto
de capitão e ganhou medalhas. Em 1944, o seu retrato foi publicado na revista
Life com uma série de fotografias de suas façanhas. Um amigo mostrou a revista
a Don Corleone (a família não teve coragem) e este resmungou desdenhosamente:
— Ele fez esses
milagres para estrangeiros.
Quando Michael
Corleone foi desligado, no início de 1945, para restabelecer-se de um ferimento
grave, não tinha a menor idéia de que o pai lhe havia arranjado a sua baixa.
Ficou em casa algumas semanas e, depois, sem consultar ninguém, ingressou no
Colégio Dartmouth, em Hanover, New Hampshire, e assim deixou a casa do pai.
Voltava agora para o casamento da irmã e para mostrar-lhes a sua futura esposa,
aquele tipo debilitado de moça americana.
Michael Corleone
estava divertindo Kay Adams, contando-lhe pequenas histórias sobre alguns dos
mais curiosos convidados do casamento. Ele, por sua vez, divertia-se pelo fato
de ela achar essa gente exótica e, como sempre, encantado pelo seu imenso
interesse em alguma coisa nova e estranha para ela. Finalmente, a atenção da
moça voltou-se para um pequeno grupo de homens reunidos em torno de um barril
de madeira, de vinho feito em casa.
Os homens eram Amerigo
Bonasera, Nazorine Padeiro, Anthony Coppola e Luca Brasi. Com sua habitual e
viva inteligência, ela fez uma observação sobre o fato de que esses quatro
homens não pareciam particularmente felizes.
Michael sorriu.
— Não, eles não
parecem felizes — afirmou ele — Estão esperando para falar com meu pai em
particular. Têm favores a pedir.
Na verdade, era fácil
verificar que os quatro homens seguiam constantemente Don Vito com os olhos.
Enquanto Don Vito
Corleone saudava os convidados, um Chevrolet sedan preto parava no lado distante
da alameda pavimentada. Dois homens no assento dianteiro puxaram cadernos de
notas do bolso do paletó e, sem qual quer tentativa de ocultar o gesto,
anotaram os números dos outros carros estacionados em torno da alameda.
— Aqueles sujeitos ali
devem ser tiras — disse Sonny voltando-se para o pai.
Don Corleone deu de
ombros.
— Não sou o dono da
rua. Eles podem fazer o que quiserem.
O rosto de cupido de
Sonny ficou vermelho de raiva.
— Esses patifes
imundos, eles não respeitam nada.
Sonny desceu os degraus
da casa e atravessou a alameda encaminhando-se para onde estava estacionado o
Chevrolet. Aproximou o rosto raivosamente do rosto do motorista, o qual não
recuou, mas abriu inopinadamente a carteira para mostrar um cartão de
identidade verde. Sonny deu um passo atrás sem dizer uma palavra. Cuspiu de tal
maneira que a saliva atingiu a porta traseira do sedan, depois
afastou-se. Ele esperava que o motorista saísse do carro e viesse atrás dele,
na alameda, mas nada aconteceu. Quando ele alcançou os degraus, disse para o
pai:
— Esses sujeitos são
agentes do FBI. Estão anotando os números de todos os carros. Moleques safados.
Don Corleone sabia
quem eles eram. Os seus amigos mais chegados e mais íntimos tinham sido
aconselhados a comparecer ao casamento em automóveis que não fossem da
propriedade deles. E embora ele desaprovasse a tola demonstração de raiva do
filho, o acesso de cólera tinha uma utilidade. Convenceria os intrusos de que a
presença deles era indesejável e que ninguém a aguardava. Assim, o próprio Don
Corleone não estava zangado. Aprendera há muito que a sociedade impõe insultos
que devem ser suportados, confortados pelo conhecimento de que neste mundo
chega o momento em que o mais humilde dos homens, se conservar os olhos
abertos, pode vingar-se do mais poderoso. Era este conhecimento que impedia Don
Vito de perder a humildade que todos os amigos admiravam nele.
Mas agora, no jardim
atrás da casa, um conjunto de quatro instrumentos começava a tocar. Todos os
convidados tinham chegado. Don Corleone expulsou os intrusos de sua mente e
conduziu os dois filhos para a festa do casa mento.
Havia agora centenas
de convidados no enorme jardim. Alguns dançando na plataforma de madeira
adornada com flores, outros sentados nas mesas compridas abarrotadas de comida
condimentada e grandes jarros de vinho tinto feito em casa. A noiva, Connie
Corleone, estava esplendorosa, sentada numa mesa especialmente levantada, com o
noivo, as damas de honra e os acompanhantes. Era um quadro rústico no velho
estilo italiano. Não para o gosto da noiva, mas Connie consentira num casamento
à italiana para agradar o pai porque ela lhe causara grande desgosto com a
escolha do marido.
O noivo, Carlo Rizzi,
um mestiço, cujo pai era siciliano e a mãe, natural do Norte da Itália, de quem
herdara o cabelo louro e os olhos azuis. Os seus pais viviam em Nevada, e Carlo
deixara esse Estado em conseqüência de uma pequena complicação com a lei. Em
Nova York, conheceu Sonny Corleone e assim conheceu a irmã. Don Corleone,
naturalmente, enviou amigos de confiança a Nevada e estes apuraram que a
complicação policial de Carlo foi uma indiscrição juvenil com uma arma, não
muito séria, que podia ser facilmente apagada dos livros para deixar o rapaz
com uma ficha limpa. Voltaram também com informações detalhadas sobre o jogo
legal em Nevada, o que interessou grandemente a Don Vito e sobre o que ele
vinha matutando desde então. Era parte da grandeza de Don Vito que ele tirasse
lucro de tudo.
Connie Corleone não
chegava a ser uma garota bonita: era magra e nervosa e certamente se tornaria
de mau gênio com o correr dos anos. Porém hoje, transformada pelo seu vestido
branco de noiva e ansiosa virgindade, ela estava tão radiante que parecia
bonita. Por baixo da mesa, sua mão repousava na coxa musculosa do noivo,
enquanto sua boca de arco de cupido espichava-se para dar no noivo um beijo
imaginário.
Connie o achava
incrivelmente bonito. Carlo trabalhara ao ar livre do deserto quando muito
jovem e realizara trabalho pesado. Seus braços eram musculosos e seus ombros se
destacavam embaixo do smoking. Ele se comprazia sob o olhar apaixonado da noiva
e enchia o copo dela de vinho. Era extremamente gentil para ela, como se eles
fossem dois atores representando uma peça. Mas seus olhos se achavam voltados
para a enorme bolsa de seda que a noiva trazia pendurada no ombro direito e que
estava agora abarrotada de envelopes de dinheiro. Quanto conteria a bolsa? Dez
mil? Vinte mil? Carlo Rizzi ria. Isso era apenas o começo. Afinal de contas,
ele havia casado com uma moça da família real. E os membros dessa família
deviam cuidar dele.
Na multidão de
convidados um rapaz esperto, de cabeça lisa, estudava também a bolsa de seda.
Por simples hábito, Paulie Gatto imaginava precisamente como poderia
apoderar-se dessa carteira recheada. A idéia o divertia. Mas ele sabia que isso
era um sonho vago, inocente, tal como as crianças sonham em atacar tanques de
guerra com espingardas de brinquedo. Ele observava seu chefe Peter Clemenza,
gordo e de meia-idade, rodopiando com moças adolescentes em torno da pista de
dança de madeira ao som de uma rústica e vigorosa tarantella. Clemenza,
imensamente alto, imensamente grande, dançava com tamanha habilidade e
desembaraço, sua barriga dura lascivamente comprimindo os seios das delicadas
jovens, que todos os convidados o aplaudiam. As mulheres mais velhas
agarravam-lhe o braço para ser o seu próximo par. Os homens mais novos
respeitosamente esvaziavam a pista de dança e batiam palmas ao ritmo do som
selvagem do bandolim. Quando Clemenza finalmente caiu prostrado numa cadeira,
Paulie Gatto trouxe-lhe um copo de vinho tinto gelado e enxugou-lhe a testa
jupiteriana suada com o seu lenço de seda. Clemenza ofegava como uma baleia à
medida que engolia o vinho. Mas, em vez de agradecer a Paulie, ele disse rispidamente:
— Não procure ser juiz
de dança, faça o que deve. Dê uma volta pela redondeza e veja se tudo está
correndo bem.
Paulie esgueirou-se na
multidão.
A orquestra fez uma
pausa para descanso. Um rapaz chamado Nino Valenti pegou de um bandolim abandonado,
pôs o pé esquerdo em cima de uma cadeira e começou a cantar uma indecente
canção siciliana de amor. O rosto de Nino Valenti era bonito, embora inchado
pelas constantes bebedeiras, e já se mostrava um pouco embriagado. Ele revirava
os olhos à proporção que a sua língua acariciava a letra obscena da canção. As
mulheres davam gritinhos de alegria e os homens berravam a última palavra de
cada estrofe com o cantor
Don Corleone,
notoriamente puritano nessa questão, embora sua robusta mulher estivesse gritando
alegremente com as outras, desapareceu habilidosamente, encaminhando-se para
dentro da casa. Vendo isso, Sonny Corleone dirigiu-se para a mesa da noiva e
sentou-se ao lado da jovem Lucy Mancini, a dama de honra. Estavam livres. Sua
mulher se achava na cozinha dando os últimos retoques para que fosse servido o
bolo de casamento. Sonny murmurou algumas palavras no ouvido da moça e ela se
levantou. Ele esperou alguns minutos e depois casualmente a seguiu, parando
aqui e ali para falar com um convidado à medida que abria passagem por entre a
multidão.
Todos os olhares os
seguiam. A dama de honra, inteiramente americanizada por três anos de escola,
era uma moça madura que já gozava de certa “reputação”. Durante todos os
ensaios do casamento ela flertara com Sonny Corleone de modo provocante e
brincalhão, que ela pensava ser permitido, porque ele era padrinho e seu par na
cerimônia nupcial. Agora, segurando o seu longo vestido cor-de-rosa para que
não arrastasse no chão, Lucy Mancini entrou na casa, sorrindo com fingida
inocência, subiu vaporosamente a escada e correu para o banheiro, onde
permaneceu por alguns momentos. Quando saiu, Sonny Corleone estava no patamar
de cima, acenando para que ela subisse.
Por trás da janela
fechada do “escritório” de Don Corleone, uma sala no canto ligeiramente
elevada, Thomas Hagen observava a festa de casamento que se realizava no jardim
engalanado. As paredes atrás dele estavam abarrotadas de livros de Direito.
Hagen era o advogado de Don Corleone e o consigliori,
ou conselheiro interino, e como tal mantinha a posição subordinada mais
importante nos negócios da família. Ele e Don Corleone tinham resolvido mais de
um problema complicado nessa sala, e assim, quando ele viu o Padrinho deixar a
festa e entrar na casa, sabia que, com casamento ou não, haveria um trabalhinho
a fazer nesse dia. Don Corleone viria vê-lo. Depois Hagen viu Sonny Corleone
sussurrar no ouvido de Lucy Mancini e a pequena comédia que desempenharam,
quando ele a seguiu ao entrar na casa. Hagen fez caretas, debatendo intimamente
se informava ou não o fato a Don Corleone, e
decidiu não comunicá-lo. Foi até a escrivaninha e apanhou a lista manuscrita
das pessoas que tinham obtido permissão para ver Don Corleone em particular.
Quando este entrou na sala, Hagen entregou-lhe a lista. Don Corleone
balançou a cabeça e disse:
— Deixe Bonasera para
o fim.
Hagen atravessou as
portas de vidro e encaminhou-se diretamente para o jardim onde os suplicantes
estavam reunidos em torno do barril de vinho. Ele apontou para o padeiro, o
rechonchudo Nazorine.
Don Corleone recebeu o
padeiro com um abraço. Eles haviam brincado juntos quando crianças, na Itália,
e cresceram amigos. Toda Páscoa, saborosos pastéis chegavam à casa de Don
Corleone. No Natal, nos aniversários dos membros da família, tortas deliciosas
proclamavam o respeito dos Nazorine. E durante todos os anos, magros e gordos,
Nazorine com entusiasmo pagava a sua contribuição ao sindicato dos
panificadores, organizado por Don Corleone no tempo em que era ainda
inexperiente. Jamais pedira um favor em troca, a não ser a possibilidade de
comprar cupões de racionamento oficiais no câmbio negro durante a guerra.
Chegara agora o momento de o padeiro fazer valer os seus direitos como amigo
leal, e Don Corleone nutria grande prazer em atender-lhe o pedido.
Deu ao padeiro um
charuto Di Nobili e um copo de strega amarelo e pôs a mão no ombro do amigo
para estimulá-lo. Isso era um gesto que denotava a simplicidade de Don
Corleone. Ele sabia, pela sua própria experiência dolorosa, que era preciso ter
coragem para pedir um favor a um semelhante.
O padeiro contou a
história de sua filha e Enzo, um belo rapaz da Sicília, aprisionado pelo
exército americano, enviado aos Estados Unidos como prisioneiro de guerra,
agraciado com a liberdade condicional para ajudar o nosso esforço de guerra! Um
amor respeitoso e puro nascera entre o honesto Enzo e a sua adorada Katherine
mas agora que a guerra terminara, o pobre rapaz seria repatriado para a Itália
e a filha de Nazorine certamente morreria de paixão. Só o Padrinho Corleone
poderia ajudar esse atribulado casal de namorados. Ele era a última esperança
deles.
Don Corleone passeava
com Nazorine de um lado para o outro da sala, com a mão no ombro do padeiro e
balançando a cabeça compreensivamente para manter a coragem do homem. Quando o
padeiro terminou, Don Corleone sorriu para ele e disse:
— Meu caro amigo,
ponha todas as suas preocupações de lado.
E continuou a falar,
explicando cuidadosamente o que se devia fazer. Devia-se fazer uma petição ao
congressista (deputado) eleito pelo distrito. O congressista apresentaria um
projeto de lei especial que concederia a cidadania americana a Enzo. O projeto
certamente seria aprovado pelo Congresso. Isso era um privilégio que esses
patifes se outorgavam reciprocamente. Don Corleone explicou que isso custaria
dinheiro, sendo que o preço agora em vigor era dois mil dólares. Ele, Don
Corleone, garantia a “execução do trabalho” e aceitava o pagamento. Será que o
amigo concordava?
O padeiro acenou com a
cabeça vigorosamente. Ele não esperava um favor tão grande de graça. Isso era
compreensível. Uma lei especial do Congresso não pode custar barato. Nazorine
estava quase chorando ao agradecer. Don Corleone levou-o até a porta,
assegurando-lhe que pessoas idôneas seriam enviadas à padaria para colher todos
os detalhes, para completar todos os documentos necessários. O padeiro
abraçou-o antes de desaparecer pelo jardim.
Hagen sorriu para Don
Corleone.
— Isso é um bom
investimento para Nazorine. Um genro e um ajudante
barato na padaria para toda a vida por apenas dois mil dólares.
— A quem devo dar esse
trabalho? — perguntou, depois de uma pausa.
O Don franziu as
sobrancelhas e pensou.
— Não ao nosso paisan.
Dê ao judeu do distrito próximo. Mude os endereços das residências. Penso que
deve haver muitos casos desses, agora que a guerra terminou; devemos ter gente
extra em Washington para controlar a abundância de pedidos e não aumentar o
preço.
Hagen fez uma anotação
em seu caderninho: “Não Congressista
Luteco. Experimentar Fischer.”
O homem seguinte
trazido por Hagen era um caso muito simples. Seu nome era Anthony Coppola e ele
era filho de um homem com quem Don Corleone em sua juventude trabalhara, em
suas atividades ferroviárias. Coppola precisava de quinhentos dólares para abrir
uma pizzaria; para um depósito de algum material e o forno especial. Por motivos que não vêm ao caso, ele não dispunha de
crédito. Don Corleone meteu a mão no bolso e puxou um maço de notas. Não era
bastante.
— Empreste-me cem
dólares, eu lhe pagarei segunda-feira quando for ao banco — disse a Tom Hagen,
fazendo uma careta.
O pedinte protestou
que quatrocentos dólares chegariam, mas Don Corleone bateu-lhe amigavelmente no
ombro, dizendo em tom de desculpa:
— Esse luxuoso
casamento deixou-me sem dinheiro.
Ele pegou o dinheiro
que Hagen lhe entregou e deu-o a Anthony Coppola, juntamente com o seu próprio
maço de notas.
Hagen observava com
tranqüila admiração. Dou Corleone sempre preconizara que quando um homem era
generoso devia mostrar a generosidade de modo pessoal. Que honra para Anthony
Coppola que um homem como Don Corleone tomasse dinheiro emprestado de alguém
para emprestar a ele. Não que Coppola não soubesse que Don Corleone fosse
milionário, mas quantos milionários se dignariam proporcionar a si mesmos um
pequeno incômodo sequer para atender o pedido de um amigo pobre?
Don Corleone levantou
a cabeça inquisitivamente.
— Ele não está na
lista — comentou Hagen — Mas Luca Brasi deseja vê-lo. Ele acha que não pode ser
em público, mas quer felicitá-lo em pessoa.
Pela primeira vez, Don
Corleone pareceu mostrar certo descontentamento. A resposta foi evasiva.
— É necessário? —
perguntou ele.
Hagen deu de ombros.
— Você o entende
melhor do que eu. Mas ele está muito grato por ter sido convidado por você para
o casamento. Jamais sonhou com isso. Penso que ele quer mostrar a sua gratidão.
Don Corleone balançou
a cabeça e fez o gesto para que Luca Brasi fosse trazido à sua presença.
No jardim, Kay Adams
estava impressionada pelo rubor estampado no rosto de Luca Brasi. Ela perguntou
quem era ele. Michael trouxera Kay ao casamento para que ela se inteirasse
lentamente e, talvez sem um grande choque, da verdade a respeito do pai dele.
Mas até então ela parecia considerar Don Corleone como um homem de negócios um
tanto despido de ética. Indiretamente, Michael resolvera contar-lhe parte da
verdade. Explicou que Luca Brasi era um dos homens mais temidos do mundo do
crime na região. O seu grande talento, dizia-se, consistia em que ele, sozinho,
podia executar uma tarefa criminosa sem cúmplices, o que automaticamente
tornava a descoberta e condenação pela lei quase impossíveis. Michael fez uma
careta e acrescentou:
— Não sei se toda essa
história é verdade. O que sei é que ele é uma espécie de amigo de meu pai.
Pela primeira vez, Kay
começou a entender.
— Você não está
insinuando — perguntou ela um tanto incrédula — Que um homem como esse trabalha
para o seu pai?
O diabo que se importava com aquilo, pensou ele. Falou então
diretamente.
— Há coisa de quinze
anos, alguns indivíduos queriam apoderar-se dos negócios de importação de
azeite do meu pai. Tentaram matá-lo e quase o conseguiram. Luca Brasi foi atrás
deles. O fato é que ele matou seis homens em duas semanas e isso acabou com a
famosa guerra do azeite.
Ele sorriu como se tivesse
contado uma anedota engraçada.
Kay deu de ombros.
— Você diz que seu pai
foi baleado por gangsters?
— Há quinze anos
passados — respondeu Michael — Tudo ficou calmo desde então.
Ele receava que
tivesse avançado demais.
— Você está procurando
assustar-me — falou Kay — Você não quer exatamente que eu case com você —
sorriu, cutucou-lhe com o cotovelo e acrescentou — Muito sabidinho!
— Quero que você pense nisso — falou Michael,
também sorrindo.
— Ele matou realmente
seis homens? — perguntou Kay.
— Isso é o que os
jornais afirmam — respondeu Michael — Ninguém jamais provou isso. Mas há outra
história a respeito dele que ninguém gosta de contar. Diz-se que é tão
horrível, que nem mesmo meu pai toca nesse assunto. Tom Hagen sabe a história,
mas não me quer contar. Uma vez, brincando, perguntei a ele: “Quando terei
idade bastante para ouvir essa história a respeito de Luca?” Ele respondeu:
“Quando você tiver cem anos”.
Michael sorveu alguns
goles do copo de vinho.
— Isso deve ser uma
história! Isso deve ser um Luca!
Luca Brasi era na
verdade homem para intimidar o próprio diabo no inferno. Baixo, atarracado,
cabeçudo, a sua presença emitia alarmantes toques de perigo. O seu rosto
estampava uma máscara de fúria. Tinha os olhos castanhos, mas sem nada do calor
dessa cor, parecendo mais uma cor morena morta. A boca não era tão cruel quanto
sem vida: fina, elástica e descorada.
Sua reputação de
violento era pavorosa e a sua devoção a Don Corleone, lendária. Ele era, em
pessoa, um dos sustentáculos do poder de Don Corleone. Pertencia a uma espécie
rara de homens.
Não temia a polícia,
nem a sociedade, nem Deus, nem o inferno, como também não temia nem amava seus
semelhantes. Mas resolvera e escolhera temer e amar a Don Corleone. Levado à
presença de Don Corleone, o terrível Luca Brasi manteve-se em rigorosa atitude
de respeito. Gaguejou a respeito das floreadas felicitações que apresentou e
externou a esperança formal de que o primeiro neto seria do sexo masculino. Em
seguida, entregou a Don Corleone um envelope abarrotado de dinheiro a título de
presente para o par de noivos.
Assim, era isso o que
ele desejava fazer. Hagen notou a mudança em Don Corleone. Este recebeu Brasi
como um rei que saúda um súdito que lhe prestou um enorme serviço, jamais com
familiaridade, mas com um respeito real. Por meio de cada gesto, de cada
palavra, Don Corleone tornava claro a Laca Brasi que ele tinha valor. Nem por
um momento mostrou-se surpreso pelo fato de lhe ser entregue pessoalmente o
presente de casamento. Ele compreendia.
O dinheiro contido no
envelope era certamente mais do que qualquer outra pessoa teria dado. Brasi
gastara muitas horas decidindo sobre a quantia, comparando-a com que os outros
convidados deveriam oferecer. Ele queria ser o mais generoso para mostrar que
era o que tinha mais respeito, e esse o motivo por que ele entregara o envelope
pessoalmente a Don Corleone, uma gafe que este perdoava por meio de sua própria
enternecida frase de agradecimento. Hagen viu o rosto de Luca Brasi perder a
sua máscara de fúria, pleno de orgulho e prazer. Brasi beijou a mão de Don
Corleone, antes de sair pela porta que Hagen mantinha aberta. Hagen
prudentemente apresentou um sorriso amistoso a Brasi a que o homem atarracado
correspondeu esticando delicadamente os seus lábios descorados.
Quando a porta se
fechou Dou Corleone deu um pequeno suspiro de alivio. Brasi era o único homem
no mundo que podia fazê-lo ficar nervoso. Ele era como urna força natural e sem
autocontrole. Tinha de ser manejado tão cautelosamente como dinamite. Don Corleone
deu de ombros. Podia-se explodir inofensivamente até dinamite se surgisse a
necessidade. E olhou interrogadoramente para Hagen.
— Bonasera é o único
que falta? — Hagen balançou a cabeça afirmativamente. Don Corleone franziu as
sobrancelhas pensativamente — Antes de trazê-lo — continuou — Diga a Santino
que venha aqui. Ele precisa aprender algumas coisas.
Saindo para o jardim,
Hagen começou a procurar ansiosamente Sonny Corleone. Pediu a Bonasera que
fosse paciente e esperasse mais um pouco, depois se dirigiu a Michael Corleone
e sua pequena.
— Você viu Sonny por
aí? — perguntou ele.
Michael balançou a
cabeça negativamente. Diacho, pensou
Hagen, Se Sonny estivesse trepando com a
dama de honra esse tempo todo, ia haver uma complicação danada. A mulher dele,
a família da moça; seria um desastre. Ansiosamente ele se dirigiu às pressas
para a entrada pela qual vira Sonny desaparecer quase meia hora antes.
Vendo Hagen entrar na
casa, Kay Adams perguntou a Michael Corleone:
— Quem é aquele? Você
o apresentou como seu irmão, mas o nome dele é diferente e certamente não
parece italiano.
— Tom viveu conosco
desde os doze anos de idade — respondeu Michael — Os pais morreram e ele estava
vagando pelas ruas com uma horrível inflamação no olho. Sonny o trouxe para uma
noite e ele aí ficou. Não tinha lugar para onde ir. Viveu conosco até casar.
Kay Adams estava
emocionada.
— Isto é realmente
romântico — disse ela — O seu pai deve ser um homem bondoso. Adotar alguém
assim, quando já tem tantos filhos dele mesmo!
Michael não se
preocupou em explicar que os imigrantes italianos consideravam quatro filhos
uma família pequena
— Tom não foi adotado.
Ele apenas vivia conosco — disse simplesmente.
— Oh! — exclamou Kay —
Por que vocês não o adotaram? — perguntou ela com curiosidade.
Michael riu.
— Porque meu pai disse
que seria desrespeitoso para Tom mudar o nome dele. Desrespeitoso para os
próprios pais dele.
Então viram Hagen
empurrar Sonny, atrás da porta de vidro, para o escritório de Don Corleone e
depois chamar com o dedo Amerigo Bonasera.
— Por que eles
incomodaram o seu pai com negócios num dia como esse? — indagou Kay.
Michael riu novamente.
— Porque eles sabem
que por tradição nenhum siciliano pode recusar um pedido no dia do casamento da
filha. E nenhum siciliano deixa escapar uma oportunidade como essa.
Lucy Mancini levantou
o longo vestido cor-de-rosa para não arrastar no chão e subiu a escada
correndo. O rosto carregado de cupido de Sonny Corleone, avermelhado, obsceno e
com luxúria de vinho, assustava-a, mas ela o provocara durante a última semana
justamente para esse fim. Em dois casos de amor na escola, ela nada sentira e
nenhum deles durou mais de uma semana. Ao brigar com seu segundo amor, ele
resmungara algo acerca de ser ela “muito larga”. Lucy entendera e pelo resto do
período escolar recusara sair com qualquer outro rapaz.
Durante o verão, ao
participar dos preparativos para o casamento de sua melhor amiga, Connie
Corleone, Lucy ouvira as histórias murmuradas a respeito de Sonny. Uma tarde de
domingo, na cozinha de Corleone, a esposa de Sonny, Sandra, falou francamente.
Sandra era uma mulher rústica, de bom temperamento, que nascera na Itália, mas
fora trazida para a América quando ainda muito pequena. Tinha uma compleição
robusta, com seios enormes, e já tivera três filhos em cinco anos de casada.
Sandra e as outras mulheres atormentavam Connie contando os terrores do leito
nupcial.
— Meu Deus — falava
Sandra rindo — Quando vi a vara de Sonny pela primeira vez e sabendo que ele ia
meter aquilo em mim, gritei com medo. Depois do primeiro ano, minhas entranhas
estavam tão moles como macarrão que cozinhou durante uma hora. Quando eu soube que ele andava com outras moças, fui à
igreja e acendi uma vela.
Todas elas riram, mas
Lucy sentira sua carne contorcendo-se entre as pernas.
Agora, à medida que
ela subia a escada em direção a Sonny, um tremendo ardor de desejo
percorria-lhe o corpo. No patamar, Sonny agarrou-a e empurrou-a pelo corredor
para um quarto vazio. As pernas dela fraquejaram quando a porta se fechou atrás
deles. Ela sentiu a boca de Sonny na sua, os lábios dele com gosto de fumo
queimado, amargo. Abriu a boca. Nesse momento, ela sentiu a mão dele subindo
por baixo do seu vestido, ouviu o ruído de material cedendo, sentiu a mão
quente dele entre as suas pernas, rasgando- lhe as calcinhas de cetim para
acariciar-lhe a vulva. Ela passou-lhe os braços em torno do pescoço e
pendurou-se aí enquanto ele desabotoava as calças. Depois, ele pôs as duas mãos
por baixo das nádegas nuas de Lucy e levantou-a. Ela deu um pequeno salto no ar
de forma que as pernas se enroscaram em torno das coxas dele. A língua de Sonny
estava na boca da moça e ela chupava-a. Ele deu um impulso selvagem que a fez
bater com a cabeça na porta. Ela sentiu qualquer coisa queimando passar-lhe pelas
coxas. Deixou cair o braço direito do pescoço dele e o abaixou para guiá-la.
Sua mão fechou-se em torno de uma enorme vara comprida feita de músculos e
intumescida de sangue. Pulsava em sua mão como um animal, e quase chorando de
êxtase e prazer, ela introduziu-a em sua própria carne túrgida, úmida. O
impulso da penetração desse objeto e a sensação incrível fizeram-na respirar
ofegantemente. Alucinada de prazer, Lucy, sem perceber, passara as pernas quase
na altura do pescoço de Sonny, e depois, como uma aljava, o seu corpo passou a
receber as setas selvagens dos impulsos relampejantes dele; inúmeros,
torturantes, arqueando sua pelve cada vez mais profundamente até que pela
primeira vez na vida ela atingiu um clímax despedaçante, sentiu a firmeza dele fraquejar
e o formigante escorrer de sêmen pelas coxas. Lentamente suas pernas se
desprenderam do corpo dele e deslizaram para baixo até alcançar o chão. Eles
estavam inclinados um sobre o outro, sem respiração.
Deve ter transcorrido
algum tempo, mas agora eles ouviram umas pancadas leves na porta. Sonny abotoou
rapidamente as calças, enquanto bloqueava a porta para que não pudessem
abri-la. Lucy freneticamente desamarrotou o vestido cor-de-rosa alisando-o com
as mãos, os olhos piscando, mas a coisa que lhe dera tanto prazer estava
escondida dentro de um pano preto. Tinham ouvido a voz de Hagen.
— Sonny, você está aí?
— interrogou ele em tom muito baixo.
Sonny deu um suspiro
de alívio. Ele piscou o olho para Lucy.
— Sim, Tom, que é que
há?
— Don Corleone quer
que você vá ao escritório dele. Agora — explicou Hagen, ainda em tom baixo.
Eles ouviram as
pisadas de Hagen afastando-se. Sonny esperou alguns momentos, deu um beijo
forte nos lábios de Lucy, e depois saiu sorrateiramente pela porta, indo atrás
de Hagen.
Lucy penteou o cabelo.
Examinou o vestido e puxou as ligas para cima. O seu corpo sentia-se machucado,
os seus lábios carnudos e suculentos. Ela saiu pela porta e, embora sentisse a
umidade pegajosa entre as coxas, não foi ao banheiro lavar-se, mas desceu
correndo a escada e encaminhou-se para o jardim. Tomou o seu assento na mesa da
noiva perto de Confie, que exclamou petulantemente:
— Lucy, onde estava
você? Você parece bêbada. Fique ao meu lado.
O noivo louro serviu
um copo de vinho a Lucy e sorriu conscientemente. Lucy não se importava. Ergueu
o suco vermelho-escuro de uva até a sua boca ressecada e bebeu. Ela sentia a
umidade pegajosa entre as pernas. Seu corpo tremia. Por cima da borda do copo,
enquanto ela bebia, seus olhos procuravam avidamente Sonny Corleone. Não havia
nenhuma outra pessoa que lhe interessasse ver. Maliciosamente, ela sussurrou no
ouvido de Connie.
— Algumas horas mais e
você saberá tudo a respeito.
Connie deu uma
risadinha. Lucy recatadamente cruzou as mãos sobre a mesa, perfidamente
triunfante, como se tivesse roubado um tesouro da noiva.
Amerigo Bonasera
seguiu Hagen até a sala do canto da casa e encontrou Don Corleone sentado atrás
de uma enorme escrivaninha. Sonny Corleone estava postado junto à janela,
olhando para o jardim. Pela primeira vez nessa tarde, Don Corleone portava-se
friamente. Não abraçou o visitante nem apertou-lhe a mão. O pálido agente
funerário devia o seu convite ao fato de que a sua esposa e a esposa de Don
Corleone eram amigas íntimas. O próprio Amerigo Bonasera gozava de completa
antipatia por parte de Don Corleone.
Bonasera começou o seu
pedido de modo indireto e habilidoso.
— O senhor deve
desculpar minha filha, a afilhada de sua mulher, por não ter prestado à sua
família o respeito de comparecer hoje aqui. Ela ainda está no hospital.
Lançou um olhar para
Sonny Corleone e Tom Hagen para indicar que não desejava falar na frente deles.
Mas Don Corleone foi impiedoso.
— Todos nós sabemos da
infelicidade de sua filha — disse — Se posso ajudá-la de algum modo, você
precisa apenas falar. Minha mulher, afinal de contas, é madrinha dela. Nunca
esqueci essa honra.
Isso era como que uma
repreensão. O agente funerário jamais chamara Don Corleone de “Padrinho”, como
mandava o costume.
Bonasera, lívido,
perguntou, agora diretamente:
— Posso falar com o
senhor a sós?
Don Corleone balançou
negativamente a cabeça.
— Confio imensamente
nesses dois homens. São meus dois braços direitos. Não posso insultá-los
mandando-os embora.
O agente funerário
fechou os olhos por um momento e depois começou a falar. A sua voz era serena,
voz que ele usava para consolar os desolados.
— Eduquei minha filha
à moda americana. Acredito na América. A América fez a minha fortuna. Dei
liberdade à minha filha, contudo lhe ensinei a nunca desonrar sua família. Ela
arranjou um “namorado”, não-italiano. Foi ao cinema com ele. Ficava na rua até
tarde. Ele veio conhecer os pais dela. Aceitei tudo isso sem um protesto, a
culpa é minha. Há coisa de dois meses, foi passear de carro com ela. Tinha um
amigo em sua companhia. Fizeram-na beber uísque e depois tentaram aproveitar-se
dela. Minha filha resistiu. Defendeu sua honra. Eles bateram nela. Como um
animal. Quando cheguei ao hospital, ela tinha dois olhos pretos. O nariz
quebrado. O queixo arrebentado. Tiveram de costurá-la com fio metálico. Ela
chorava através de sua dor. “Meu pai, meu pai, por que fizeram isso? Por que
fizeram isso comigo?” E eu chorei.
Bonasera não pôde
falar mais, estava chorando agora, embora sua voz não traísse sua emoção.
Don Corleone, como que
contra a sua própria vontade, fez um gesto de compaixão, e Bonasera retomou a
palavra, a sua voz denotando grande sofrimento,
— Porque chorei? Ela
era a luz de minha vida, uma filha carinhosa. Uma garota bonita. Confiava nas
pessoas e agora jamais confiará nelas novamente. Jamais será bonita novamente.
Ele tremia, seu rosto
pálido apresentava uma horrenda cor vermelho-escura.
— Procurei a polícia
como um bom americano. Os dois rapazes foram presos, levados a julgamento. As
provas eram esmagadoras e eles confessaram. O juiz condenou-os a três anos de
prisão e suspendeu a sentença. Foram soltos nesse mesmo dia. Fiquei no tribunal
com cara de idiota e esses patifes riram de mim. Então eu disse à minha mulher:
“Devemos ir a Don Corleone para obter justiça”.
Don Corleone curvara a
cabeça para mostrar respeito pela desgraça do homem. Mas, quando ele falou, as
suas palavras denunciavam uma frieza de dignidade ofendida.
— Por que você foi à
polícia? Por que não veio a mim no começo desse negócio?
Bonasera murmurou de
modo quase inaudível:
— O que quer o senhor
de mim? Diga-me o que deseja. Mas faça o que estou pedindo.
Havia alguma coisa
quase insolente em suas palavras.
Don Corleone perguntou
solenemente:
— E o que é que você
quer que eu faça?
Bonasera olhou para
Hagen e Sonny Corleone e balançou a cabeça. Don Corleone, ainda sentado na
escrivaninha de Hagen, inclinou o corpo na direção do agente funerário.
Bonasera hesitou, depois curvou-se e pôs os lábios tão perto da orelha cabeluda
de Don Corleone que chegaram a tocá-la. Don Corleone ouvia como um padre no
confessionário, olhando atentamente para longe, impassível, distante.
Permaneceram assim por um longo momento até que Bonasera terminou de sussurrar
e endireitar o corpo. Don Corleone olhou seriamente para Bonasera. Este, com o
rosto enrubescido, olhou por sua vez firmemente para Don Corleone.
— Isso não posso fazer
— falou, finalmente, Don Corleone — Você está querendo ir muito longe.
— Pagarei o que o
senhor pedir — disse Bonasera em voz alta e clara.
Ouvindo isso, Hagen
recuou, dando uma pancadinha nervosa na cabeça. Sonny Corleone cruzou os
braços, sorrindo sarcasticamente à medida que voltava da janela para observar a
cena na sala pela primeira vez.
Don Corleone ergueu-se
de trás da escrivaninha. Seu rosto ainda permanecia impassível, mas a sua voz
soava como morte fria.
— Nós nos conhecemos
há muitos anos, você e eu — disse ele ao agente funerário — Mas até o dia de
hoje você nunca tinha vindo a mim pedir conselho ou ajuda. Não me lembro da
última vez que você me convidou a tomar um café em sua casa, embora a minha
mulher seja madrinha de sua única filha. Vamos ser francos. Você rejeitou minha
amizade. Você tinha medo de me dever alguma coisa.
— Eu não queria
envolvê-lo em dificuldades — murmurou Bonasera.
Don Corleone levantou
a mão.
— Não. Não fale. Você
achava a América um paraíso. Você tinha um bom negócio, tinha uma vida boa,
pensava que o mundo era um lugar inocente onde você poderia obter o prazer que
desejasse. Você nunca se cercou de amigos verdadeiros. Afinal de contas, a
polícia o guardava, havia tribunais de justiça, você e os seus não podiam
sofrer mal algum. Você não precisava de Don Corleone. Muito bem. Meus
sentimentos achavam-se feridos, mas não sou desse tipo de pessoa que força a sua
amizade àqueles que não dão valor a ela, àqueles que não me levam muito em
conta.
Don Corleone fez uma
pausa e apresentou ao agente funerário um riso irônico e cortês.
— Agora, você vem a
mim e diz: “Don Corleone, faça justiça”. E você não pede com respeito. Não me
oferece sua amizade. Você vem à minha casa no dia do casamento de minha filha e
me pede para matar, dizendo — aqui a voz de Don Corleone fez uma imitação
desdenhosa — “Pagarei o que o senhor pedir”. Não, não, eu não estou ofendido,
mas o que fiz eu para você me tratar de modo tão desrespeitoso?
Bonasera chorou em sua
agonia e medo:
— A América era boa
para mim. Eu queria ser um bom cidadão. Queria que minha filha fosse americana.
Don Corleone bateu
palmas com aprovação decisiva.
— Bem dito. Muito bem.
Então você não tem do que se queixar. O juiz decidiu. A América decidiu. Leve
flores para sua filha e uma caixa de bombons, quando for visitá-la no hospital.
Isso a confortará. Fique contente. Afinal de contas, isso não é uma coisa
séria, os rapazes eram jovens, ardorosos, e um deles é filho de um político
poderoso. Não, meu caro Amerigo, você sempre foi honesto. Devo admitir, embora
você rejeitasse minha amizade, que eu confiaria mais na palavra dada de Amerigo
Bonasera do que na de qualquer outro homem. Assim, dê-me a sua palavra de que
você porá de lado essa loucura. Não é uma atitude americana. Esqueça. A vida é
cheia de infortúnios.
A ironia cruel e
desdenhosa com que tudo isso foi dito e a raiva controlada de Don Corleone
reduziram o pobre agente funerário a uma geléia trêmula, mas ele desabafou
corajosamente outra vez:
— Peço-lhe justiça.
— O tribunal lhe fez
justiça — respondeu Don Corleone laconicamente.
Bonasera balançou a
cabeça obstinadamente.
— Não. Eles fizeram
justiça aos jovens. Não fizeram justiça a mim.
Don Corleone
reconheceu essa fina distinção com um aprovador aceno de cabeça, depois
perguntou:
— Qual é sua justiça?
— Olho por olho —
respondeu Bonasera.
— Você pede mais do
que isso — disse Don Corleone — Sua filha está viva.
Bonasera afirmou
relutantemente:
— Que eles sofram como
ela está sofrendo.
Don Corleone esperou
que ele dissesse mais alguma coisa.
— Quanto devo pagar ao
senhor? — perguntou Bonasera, num último assomo de coragem.
Era um lamento
desesperado.
Don Corleone voltou-lhe
as costas. Era um sinal de despedida. Bonasera não se moveu.
Finalmente,
suspirando, como um homem de bom coração que não pode ficar zangado com um
amigo que erra, Don Corleone voltou-se para o agente funerário, que estava
agora tão pálido como um de seus cadáveres. Don Corleone foi gentil, paciente.
— Por que você receia
dar-lhe a sua primeira lealdade? — perguntou ele — Você vai aos tribunais de
justiça e espera meses. Gasta dinheiro com advogados que sabem muito bem que
lhe farão de bobo. Aceita o julgamento de um juiz que se vende como a pior
prostituta das ruas. Há anos passados, quando você precisava de dinheiro, ia
aos bancos e pagava juros exorbitantes, esperava de chapéu na mão como um
mendigo, enquanto eles farejavam por aí, metiam o nariz até onde não deviam,
para terem certeza de que você poderia pagar a eles — Don Corleone fez uma
pausa, sua voz se tornou mais ríspida — Mas se você tivesse vindo a mim, minha
bolsa estaria à sua disposição. Se você tivesse vindo pedir-me justiça, essa
escória que desgraçou sua filha estaria hoje chorando lágrimas de amargura. Se
por infelicidade um homem honesto como você fizesse inimigos eles se tornariam meus inimigos — Don Corleone levantou o braço, o
dedo apontando para Bonasera — E então, acredite em mim, eles teriam medo de
você.
Bonasera baixou a
cabeça e murmurou com voz abafada:
— Seja meu amigo. Eu
aceito.
— Bem — disse Don
Corleone, a mão no ombro do homem — Você terá
a sua justiça. Algum dia, e esse dia talvez nunca chegue, eu lhe pedirei que me
faça um serviço em troca. Até esse dia, considere essa justiça como um
presente de minha mulher, a madrinha de sua filha.
Quando a porta se
fechou atrás do agente funerário agradecido, Don Corleone voltou-se para Hagen
e disse:
— Dê esse trabalho a
Clemenza e diga-lhe que tome cuidado para só usar gente de confiança, gente que
não se empolgue pelo cheiro de sangue. Afinal de contas, não somos assassinos,
pouco importando o que esse servidor de
cadáveres possa imaginar em sua cabeça de idiota.
Ele percebeu que o seu
filho primogênito estava olhando através da janela para a festa no jardim. Era
inútil, Don Corleone pensou. Se recusava a ser instruído, Santino nunca poderia
chegar a dirigir os negócios da família, nunca chegaria a ser Don. Teria de
encontrar outra pessoa. E imediatamente. Afinal de contas, não era imortal.
Do jardim,
surpreendendo os três homens, veio um tremendo grito de felicidade. Sonny
Corleone aproximou-se o mais que pôde da janela. O que ele viu fê-lo correr em
direção à porta, com um sorriso de satisfação no rosto.
— É Johnny, ele veio
para o casamento. Que foi que eu disse?
Hagen foi até a
janela.
— É realmente seu
afilhado — disse ele a Don Corleone. — Devo trazê-lo aqui?
— Não — respondeu Don
— Deixe o pessoal se divertir com ele. Que ele venha a mim, quando estiver
pronto.
Sorriu para Hagen.
— Você vê? Ele é um
bom afilhado.
Hagen sentiu uma
pontada de ciúme e disse secamente:
— Faz dois anos. Ele
provavelmente está em dificuldade de novo e precisa de sua ajuda.
— E a quem deve ele
vir senão a seu padrinho? — perguntou Don Corleone.
A primeira pessoa a
ver Johnny Fontane entrar no jardim foi Connie Corleone. Ela esqueceu a sua
dignidade de noiva e gritou.
— Johneee.
Depois atirou-se em
seus braços. Ele abraçou-a apertadamente, beijou-a na boca, conservando seu
braço em volta dela, enquanto outros vinham saudá-lo. Todos eram velhos amigos,
gente com quem ele havia crescido na Zona Oeste. Então, Connie começou a
puxá-lo para junto do seu marido. Johnny achou graça ao ver que o rapaz louro
estava um tanto agastado por não ser mais a vedete do dia. Ele mostrou todo o
seu encanto ao apertar a mão do noivo e brindá-lo com um copo de vinho.
— Que tal oferecer-nos
uma canção, Johnny? — gritou, do coreto, uma voz conhecida.
Ele olhou para cima e
viu Nino Valenti sorrindo para ele. Johnny Fontane subiu no coreto e lançou os
braços em torno de Nino. Eles tinham sido inseparáveis cantando juntos, saindo
juntos com garotas, até que Johnny começou a ficar famoso e a cantar no rádio.
Quando foi para Hollywood fazer filmes, Johnny telefonou para Nino algumas
vezes, apenas para falar com ele, e prometera-lhe marcar uma data para vir
cantar no clube. Mas jamais o fez. Vendo Nino agora, com seu sorriso alegre,
zombeteiro, de bêbedo, toda a afeição voltou.
Nino começou a
dedilhar o bandolim. Johnny Fontane pôs a mão no ombro de Nino.
— Isso é para a noiva
— disse ele e, batendo com o pé, entoou as palavras de uma obscena canção de
amor siciliana.
Enquanto cantava, Nino
fazia movimentos sugestivos com o corpo. A noiva corou orgulhosamente, a
multidão de convidados rugiu a- sua aprovação. Antes de a canção terminar,
todos estavam batendo com os pés e gritando o estribilho malicioso, de duplo
sentido, que terminava cada estrofe. No fim, não pararam de aplaudir, enquanto Johnny
não limpou a garganta para cantar outra melodia.
Todos estavam
orgulhosos dele. Johnny era um deles e se tornara um cantor famoso, um astro de
cinema que dormia com as mulheres mais desejadas do mundo. Contudo, mostrara o
devido respeito pelo Padrinho, viajando quase 5.000 quilômetros para comparecer
a esse casamento. Ele ainda amava velhos amigos como Nino Valenti. Muitas das
pessoas ali presentes haviam visto Johnny e Nino cantar juntos, quando eram
meninos, e ninguém sonhava que Johnny Fontane crescesse para ter em suas mãos o
coração de cinqüenta milhões de mulheres.
Johnny Fontane esticou
os braços e alcançou a noiva, levantando-a para o coreto, de forma que Connie
ficou entre ele e Nino. Os dois homens se agachavam, um de frente para o outro.
Nino tocando o bandolim e tirando uns acordes ásperos. Era um velho costume
deles, uma batalha simulada e um galanteio, usando as vozes como espadas, cada
um gritando um coro por sua vez. Com a mais delicada cortesia, Johnny deixou a
voz de Nino superar a sua, deixou Nino tirar-lhe a noiva do braço, deixou Nino
vibrar com a última estrofe vitoriosa enquanto a sua própria voz morria. Todos
os convidados soltaram gritos de aplauso; os três se abraçaram mutuamente no
fim. Os convidados pediram outra canção.
Só Don Corleone,
postado na entrada do canto da casa, sentiu qualquer coisa errada.
Entusiasticamente, com um bom humor franco, cauteloso para não ofender os
convidados, ele gritou:
— Meu afilhado viajou
quase 5.000 quilômetros para nos prestar essa honra e ninguém pensa em molhar
sua garganta?
Imediatamente, uma
dúzia de cálices de vinho foram postos diante Johnny Fontane. Ele tomou um gole
de todos eles e correu para abraçar o Padrinho. Ao fazer isso, murmurou alguma
coisa no ouvido de Don Corleone. Este levou-o para dentro da casa.
Tom Hagen estendeu a
mão, quando Johnny entrou na sala. Johnny apertou-a, perguntando:
— Como vai você, Tom?
Sem o seu encanto
habitual, que consistia numa autêntica cordialidade para com as pessoas. Hagen
sentiu-se um tanto magoado pela sua frieza, mas deu de ombros. Isso era uma das
inconveniências por ser o homem de confiança de Don Corleone.
Johnny Fontane disse a
Don Corleone:
— Quando recebi o
convite de casamento eu disse para mim mesmo: “Meu Padrinho não é mais louco
por mim”. Eu lhe telefonei cinco vezes depois do meu divórcio e Tom sempre me
dizia que você estava fora ou ocupado; assim eu sabia que você estava
aborrecido.
Don Corleone enchia os cálices com o líquido da
garrafa de strega.
— Tudo está esquecido.
Agora, posso ainda fazer algo por você? Não será você tão famoso, tão rico, que
eu não possa ajudá-lo mais?
Johnny engoliu o
líquido amarelo ardente e estendeu o cálice para ser enchido novamente. Ele
procurava parecer jovial.
— Não sou rico,
Padrinho. Estou em decadência. Você tinha razão. Eu nunca devia ter deixado
minha mulher e filhas por essa vagabunda com
quem casei. Não o culpo por ter ficado aborrecido comigo.
Don Corleone deu de
ombros.
— Eu me preocupo com
você, você é meu afilhado, é só isso.
Johnny andava de um
lado para o outro da sala.
— Eu estava louco por
essa cadela. A maior estrela de Hollywood. Parece um anjo. E você sabe o que
ela faz depois de um filme? Se o maquilador executa um bom trabalho em seu
rosto, ela trepa com ele. Se o cinegrafista consegue dar-lhe uma aparência
extremamente boa, ela o leva para o camarim e dá uma metida com ele. Todo
mundo. Ela usa o corpo como eu uso o dinheiro trocado de meu bolso para dar
gorjeta. Uma prostituta feita de encomenda para o diabo.
— Como vai sua
família? — interrompeu Don Corleone bruscamente.
Johnny suspirou.
— Eu cuido deles.
Depois do divórcio, dei a Ginny e às meninas mais do que os tribunais mandaram.
Vou vê-las uma vez por semana. Sinto falta delas. Às vezes, penso que estou
ficando louco. — tomou outro cálice de bebida — Agora minha segunda mulher ri
de mim. Não pode entender que eu tenha ciúme. Chama-me de carcamano antiquado, faz pouco do meu canto. Antes de partir,
dei-lhe uma boa surra, mas não lhe bati no rosto porque ela estava fazendo um
filme. Dei-lhe uma “gravata”, bati-lhe nos braços e nas pernas como numa
criança, e ela continua rir de mim — acendeu um cigarro — Assim, Padrinho,
agora mesmo, a vida parece que não merece ser vivida.
— Essas dificuldades —
respondeu Don Corleone simplesmente — São das que eu nada posso fazer para
ajudá-lo — fez uma pausa, depois perguntou — Que há com sua voz?
Todo o encanto
aparentemente confiante, a simulação, desapareceu do rosto de Johnny Fontane.
Ele disse quase balbuciando:
— Padrinho, não posso
mais cantar, aconteceu algo na minha garganta, e os doutores não sabem o que é
— Hagen e Don Corleone olharam para ele com surpresa. Johnny sempre fora muito
duro. Fontane prosseguiu — Meus dois filmes deram muito dinheiro. Eu era um
grande astro. Agora me jogaram fora. O chefe de estúdio sempre odiou minha
firmeza de caráter e agora está se vingando
Dou Corleone postou-se
diante do afilhado e perguntou asperamente:
— Por que esse homem
não gosta de você?
— Eu costumava cantar
essas canções para as organizações liberais, você sabe, e tudo aquilo que você
sempre detestou que eu fizesse. Bem, Jack Woltz tampouco gostava disso. Ele me
chamou de comunista, mas não pôde fazer prevalecer essa sua opinião. Então,
apanhei uma garota que ele reservara para ele. Passei apenas uma noite com ela
e foi ela quem me perseguiu. Que diabo podia eu fazer? Então, a prostituta da
minha segunda mulher expulsou-me de casa. E Ginny e as meninas não me querem
aceitar de volta a não ser que eu venha rastejando sobre os pés e as mãos, e
não posso mais cantar. Padrinho, que diabo posso fazer?
O rosto de Don
Corleone tomou-se frio e sem comiseração.
— Você pode começar a
proceder como homem — disse com desdém. De repente, a raiva congestionou-lhe o
rosto, e gritou — COMO HOMEM! — ele, por cima da escrivaninha, agarrou Johnny
Fontane pelo cabelo num gesto selvagemente carinhoso — Por Deus do Céu, será
possível que você passasse tanto tempo na minha presença, sem poder se
mostrar melhor do que isso? Um finocchio de Hollywood que chora e implora piedade?
Que se lamenta como uma mulher. “Que é
que vou fazer? Ai, que é que vou fazer?”
A imitação de Don
Corleone foi tão extraordinária, tão inesperada, que Hagen e Johnny caíram numa
inesperada gargalhada. Don Corleone ficou satisfeito. Por um momento, ele
refletiu sobre quanto amava esse afilhado. Como os seus próprios três filhos
reagiriam a tal espinafração? Santino ficaria amuado e se comportaria
pessimamente durante semanas, a partir de então. Fredo ficaria acovardado.
Michael reagiria apresentando-lhe um riso frio e saindo de casa, para não ser
visto durante meses. Mas Johnny, ali (que bom sujeito ele era!), rindo agora,
reunindo força, sabendo já o verdadeiro propósito do Padrinho.
— Você — prosseguiu
Corleone — Tomou a mulher do seu chefe, um homem mais poderoso do que você,
depois reclama que ele não quer ajudá-lo. Que absurdo! Você deixou a família,
deixou as filhas sem pai, para casar com uma prostituta, e chora porque elas
não querem recebê-lo de volta de braços abertos. A prostituta, você não lhe
bateu no rosto, porque está fazendo um filme, depois você fica admirado porque
ri de você. Você viveu como um bobo e chegou ao fim como um bobo — fez uma
pausa e perguntou com voz paciente — Você quer aceitar meu conselho desta vez?
Johnny Fontane deu de ombros.
— Não posso casar
novamente com Ginny, não da maneira que ela quer. Tenho de jogar, tenho de
beber, tenho de sair com os amigos. Mulheres bonitas me perseguiam e eu nunca
pude resistir a elas. Depois eu me sentia como um canalha quando voltava para
Ginny. Jesus, não posso voltar a toda essa coisa inútil.
Era raro Don Corleone
mostrar-se exasperado.
— Eu não lhe falei
para casar novamente. Faça o que você quiser. É bom que você deseje ser pai de
suas filhas. O homem que não é pai de suas filhas nunca pode ser um homem
verdadeiro. Então, você pode fazer com que a mãe delas o aceite novamente. Quem
disse que você não pode vê-las todo dia? Quem disse que você não pode viver na
mesma casa? Quem disse que você não pode viver sua vida exatamente como deseja?
Johnny Fontane deu uma
gargalhada.
— Padrinho, nem todas
as mulheres são como as antigas mulheres italianas. Ginny não topará isso.
— Porque você procedeu
como um finocchio — disse Don Corleone zombeteiramente — Você deu a ela mais do
que o tribunal mandou. Você não bateu na cara da outra porque ela estava
fazendo um filme. Você deixa as mulheres imporem as suas condições e elas não
são competentes neste mundo, embora certamente elas sejam santas no céu,
enquanto nós homens sejamos queimados no inferno. Além disso, eu o observei
durante todos esses anos.
A voz de Don Corleone
tornou-se grave.
— Você sempre foi um
bom afilhado, sempre me respeitou muito. Mas onde estão os seus outros velhos
amigos? Num ano você anda com uma pessoa, no outro ano com outra. Aquele rapaz
italiano que era tão engraçado no cinema teve má sorte. Você nunca mais o viu,
porque você era mais famoso. E onde está o seu velho companheiro que freqüentou
a escola com você, que era seu parceiro de canto? Nino. Ele bebe demais por
frustração, mas nunca reclama. Trabalha duro dirigindo o caminhão de cascalho e
canta nos fins de semana para ganhar alguns trocados. Nunca diz nada contra
você. Você não podia ajudá-lo um pouco? Por que não? Ele canta bem.
Johnny Fontane disse
com um enfado paciente:
— Padrinho, ele não
tem talento suficiente. Ele é bom, mas não é excepcional.
Don Corleone cerrou as
pálpebras até quase fechar os olhos e disse:
— E você, meu
afilhado, você agora não tem talento suficiente. Quer que eu lhe arranje um
emprego no caminhão de cascalho com Nino? — como Johnny não respondesse, Don
Corleone prosseguiu — A amizade é tudo. A amizade é mais do que talento. É mais
do que Governo. E quase igual à família. Jamais se esqueça disso. Se você
tivesse levantado um muro de amizades, não teria de me pedir ajuda. Agora me
diga, por que você não pode cantar? Você cantou bem no jardim. Tão bem quanto
Nino.
Hagen e Johnny
sorriram desse estímulo delicado. Era a vez de Johnny ser condescendente e
paciente.
— Minha voz está
fraca. Eu canto uma ou duas canções e depois não posso mais cantar por horas ou
dias. Não posso fazê-lo durante os ensaios ou retomadas de cenas. Minha voz
está fraca, apanhou alguma doença.
— Assim, você tem
algum problema de mulher. Sua voz está fraca. Agora me diga que dificuldade
você tem com esse pezzonovante de Hollywood que não quer deixar você trabalhar.
Don Corleone estava
entrando agora diretamente no assunto.
— Ele é maior do que
qualquer dos seus pezzonovanti — disse Johnny — Ele é o dono do estúdio.
Aconselha o presidente sobre a propaganda de cinema para a guerra. Exatamente
há um mês, ele comprou os direitos cinematográficos da maior novela do ano. Um
livro de grande sucesso. E o personagem principal é um sujeito precisamente
como eu. Eu nem teria de representar, bastava ser eu mesmo. Nem teria de
cantar. Poderia até ganhar o prêmio da Academia. Todos sabem que o papel serve
perfeitamente para mim e que eu seria grande novamente, como ator. Mas esse
canalha do Jack Woltz está se vingando de mim, não vai dar-me esse papel.
Ofereci-me para fazê-lo de graça, por um preço mínimo, e teima em negá-lo.
Mandou dizer que se eu fosse puxar-lhe o saco no escritório do estúdio talvez
ele pensasse no assunto.
Don Corleone repeliu
essa tolice emocional com um aceno de mão. Entre homens de bom senso, problemas
de negócios sempre podem ser resolvidos. Ele deu umas pancadinhas no ombro do
afilhado.
— Você está
desanimado. Ninguém se importa com você, é o que você pensa. E perdeu muito
peso. Você bebe muito, hem? Você não dorme e toma pílulas?
Ele balançou a cabeça
desaprovando.
— Agora quero que você
siga as minhas ordens — disse Don Corleone — Quero que fique na minha casa
durante um mês. Quero que coma bem, descanse e durma. Quero que você seja meu
companheiro. Gosto da sua companhia, e talvez você possa aprender algo a
respeito do mundo com seu Padrinho. É bem possível que lhe sirva de ajuda até
na grande Hollywood. Mas nada de cantoria, de bebedeira nem de mulheres. No fim
do mês, você pode voltar para Hollywood e esse pezzonovante, esse figurão, lhe
dará o trabalho que você quer. Feito?
Johnny Fontane não
acreditava absolutamente que Don Corleone tivesse tamanho poder. Mas esse
Padrinho jamais dissera que tal ou qual coisa podia ser feita sem que a
fizesse.
— Esse sujeito é amigo
pessoal de J. Edgar Hoover — disse Johnny — Não se pode nem levantar a voz,
quando se fala com ele.
— Ele é um negociante
— respondeu Don Corleone brandamente — Eu lhe farei uma oferta que ele não
poderá recusar.
— É muito tarde —
disse Johnny — Todos os contratos foram assinados e vão começar a filmagem
daqui a uma semana Ë absolutamente impossível.
— Vá — ordenou Don
Corleone — Volte para a festa. Seus amigos esperam você. Deixe tudo por minha
conta.
Empurrou Johnny
Fontane para fora da sala.
Hagen sentou-se atrás
da escrivaninha e tomou algumas notas. Don Corleone deu um suspiro e perguntou:
— Há alguma coisa
mais?
— Sollozzo não pode
mais ser pretendo. Você terá de vê-lo esta semana.
Hagen segurava a pena
sobre a folhinha.
Don Corleone deu de
ombros.
— Agora que o
casamento terminou, você pode marcar para quando quiser.
Esta resposta dizia
duas coisas a Hagen. Mais importante, que a resposta a Virgil Sollozzo seria
não. A segunda, que Don Corleone desde que não dera a resposta antes do
casamento da filha, esperava que o seu não trouxesse complicação.
— Devo dizer a
Clemenza para fazer alguns homens virem morar aqui na casa? — perguntou Hagen
cautelosamente.
— Para quê? — retrucou
Don Corleone impaciente — Não respondi antes do casamento, porque um dia importante
como esse não podia ser perturbado por qualquer nuvem, nem mesmo à distância.
Eu também queria saber antecipadamente sobre o que ele desejava falar. Agora
sabemos. O que ele vai propor é uma infamita.
— Então, você vai
recusar? — perguntou Hagen.
Como ele confirmasse
com a cabeça, Hagen prosseguiu:
— Penso que todos nós
devemos discutir isso, a Família inteira, antes de você dar a resposta.
Don Corleone Sorriu.
— Você pensa assim?
Ótimo, vamos discutir o assunto. Quando você voltar da Califórnia. Quero que
tome o avião para lá amanha e resolva esse negócio de Johnny. Veja esse
pezzonovante do cinema. Diga a Sollozzo que vou vê-lo, quando você voltar de
lá. Alguma coisa mais?
— Telefonaram do
hospital — respondeu Hagen formalmente — O consigliori
Abbandando está morrendo, ele não passará desta noite. A família foi chamada ao
hospital e convidada a esperar o desenlace.
Hagen ocupara o lugar
do consigliori durante o último ano,
desde que o câncer aprisionara Genco Abbandando em seu leito de hospital. Agora,
Hagen esperava que Don Corleone dissesse que o lugar era definitivamente dele.
As probabilidades eram contra. Uma posição tão alta, por tradição, só podia ser
para um descendente de pais italianos. Já havia alguma complicação em virtude
de ele exercer tais funções interinamente. Outrossim, tinha apenas 35 anos de
idade, não sendo aparentemente bastante idoso para ter adquirido a experiência
e habilidade necessárias a um consigliori
eficiente.
Mas Don Corleone não
lhe deu qualquer estímulo.
— Quando é que a minha
filha parte com o noivo? — interrompeu a seguir.
Hagen olhou o seu
relógio de pulso.
— Dentro de alguns
minutos cortarão o bolo e então, meia-hora depois, partirão — isso lembrava-lhe
algo mais — Esse seu novo genro. Vamos dar-lhe algo importante dentro da
Família?
Hagen ficou surpreso
com a veemência da resposta de Don Corleone:
— Nunca! — exclamou
batendo na escrivaninha com a palma da mão — Nunca! Dê-lhe algo para ganhar a
vida, uma boa vida, mas nunca deixe que saiba dos negócios da Família. Diga aos
outros, Sonny, Fredo, Clemenza.
Fez uma pausa e
continuou.
— Informe a meus
filhos, aos três, que eles me acompanharão até o hospital para ver o pobre
Genco. Quero que lhe prestem a última homenagem. Diga a Freddie para apanhar o
carro grande e pergunte a Johnny se ele quer vir conosco, como um favor
especial para mim.
Percebeu que Hagen o
fitava interrogativamente.
— Quero que você vá à
Califórnia hoje à noite. Você não terá tempo de ver Genco. Mas não parta antes
de eu voltar do hospital e falar com você. Entendido?
— Entendido —
respondeu Hagen. — A que horas Fred deve ter o carro.
— Depois que os
convidados partirem — retrucou Dou Corleone — Genco esperará por mim.
— O senador telefonou
— informou Hagen — Pedindo desculpas por não ter vindo pessoalmente e disse que
você compreenderia. Provavelmente quis referir-se a esses agentes do FBI que,
do outro lado da rua, tomavam nota dos números dos carros. Contudo, mandou o
seu presente por um mensageiro especial.
Dou Corleone acenou
com a cabeça. Não achou necessário mencionar que ele mesmo avisara o senador
para não vir.
— Ele mandou um
presente bonito?
Hagen teve uma
expressão italiana que ficou muito esquisita nas suas feições teuto-irlandesas.
— Prata antiga, muito
valiosa. Os meninos podem vendê-la por uns mil dólares, no mínimo. O senador
perdeu um tempão para encontrar exatamente a coisa certa. Para essa gente, isso
é mais importante do que o preço.
Dou Corleone não
escondia o prazer de que um homem tão importante como o senador tivesse
mostrado tal respeito por ele. O senador, como Luca Brasi, era uma das peças
fundamentais da estrutura de poder de Dou Corleone, e, com seu presente, tinha
reafirmado sua lealdade.
Quando Johnny Fontane
apareceu no jardim, Kay Adams reconheceu-o imediatamente. Ficou verdadeiramente
surpresa.
— Você nunca me disse
que a sua família conhecia Johnny Fontane — disse ela — Agora, tenho certeza de
que vou casar com você.
— Quer falar com ele?
— indagou Michael.
— Agora não —
respondeu Kay suspirando — Estive apaixonada por Johnny durante três anos. Eu
costumava vir a Nova York toda vez que ele cantava no Capitólio, e gritava até
não poder mais. Achava-o maravilhoso.
— Vamos falar com ele
mais tarde — disse Michael.
Quando Johnny acabou
de cantar e desapareceu dentro da casa com Don Corleone, Kay disse
maliciosamente a Michael:
— Não me diga que um
artista de cinema tão famoso como Johnny Fontane precisa pedir favor a seu pai.
— Ele é afilhado de
meu pai — respondeu Michael — E se não fosse meu pai, ele não seria um astro de
cinema hoje.
— Isso parece outra
grande história sua — gargalhou Kay.
Michael balançou a
cabeça negativamente.
— Não, posso contar
esta — disse ele.
— Conte-me — pediu
ela.
Então Michael contou: contou-lhe
sem ser engraçado, sem orgulho, sem qualquer explicação, senão a de que há oito
anos passados, Don Corleone era mais impetuoso, e, como a questão dizia
respeito a seu afilhado, ele considerava isso um caso de honra pessoal.
A história foi narrada
rapidamente.
Há oito anos passados,
Johnny Fontane fizera um sucesso extraordinário cantando com uma banda popular.
Tornou-se uma grande atração radiofônica. Infelizmente, o diretor da banda, uma
personalidade bem conhecida do mundo das diversões, chamado Les Halley, fizera
Johnny assinar um contrato de cinco anos. Isso era hábito no meio artístico.
Les Halley podia então emprestar Johnny a quem quisesse e ficar com a maior
parte do dinheiro.
Dou Corleone entrou
nas negociações pessoalmente. Ofereceu a Les Halley vinte mil dólares para
liberar Johnny Fontane do contrato. Halley propôs uma percentagem de 50% dos
ganhos de Johnny. Don Corleone achou graça. Baixou a oferta de vinte mil
dólares para dez mil. O diretor da banda, um homem que não conhecia nada mais
além do meio artístico, não compreendeu absolutamente a importância da oferta
mais baixa, e a recusou.
No dia seguinte, Dou
Corleone foi ver pessoalmente o diretor da banda, Levou consigo seus dois
melhores amigos: Genco Abbandando, que era seu consigliori, e Luca Brasi. Sem outras testemunhas, Dou Corleone
persuadiu Les Halley a assinar um documento, cedendo todos os direitos sobre
Johnny Fontane, pelo pagamento de um cheque visado na importância de dez mil
dólares. Don Corleone fez isso encostando uma pistola na testa do diretor da
banda e assegurando-lhe com a maior seriedade que ou sua assinatura ou seus
miolos estariam nesse documento exatamente num minuto. Les Halley assinou. Don
Corleone meteu a pistola no bolso e entregou-lhe o cheque visado.
O resto era história.
Johnny Fontane continuou a subir até tornar-se o cantor mais sensacional do
país. Fez filmes musicais em Hollywood que trouxeram uma fortuna para o seu
estúdio. Seus discos faturavam milhões de dólares. Então, ele se divorciou de
sua mulher, que fora sua namorada desde a infância, e abandonou as duas filhas,
para casar com a estrela loura mais espetacular do cinema. Ele logo ficou
sabendo que ela era uma “prostituta”. Ele bebia, jogava, procurava outras
mulheres. Perdeu a voz, e não podia mais cantar. Pararam de vender os seus
discos. O estúdio não lhe renovou o contrato. E assim, agora voltou para o seu
Padrinho.
— Você tem certeza —
falou Kay refletindo — De que não está com ciúme de seu pai? Tudo o que você me
contou sobre ele mostra-o fazendo algo por outras pessoas. Ele deve ter um bom
coração — ela deu um sorriso amarelo — Na realidade, os seus métodos não são
exatamente constitucionais.
Michael deu um
suspiro.
— Acho que a coisa
parece assim, mas deixe-me dizer-lhe isso. Você já ouviu falar naqueles
exploradores árticos que deixam depósitos secretos de comida espalhados na rota
do Pólo Norte? Justamente para o caso de que possam necessitar deles algum dia?
Isso é o que representam os favores do meu pai. Algum dia ele estará em cada
uma das casas dessas pessoas e será melhor que elas venham ao encontro dele.
Era quase crepúsculo,
quando o bolo de casamento foi apresentado, aplaudido e comido. Especialmente
feito por Nazorine, estava tão habilidosamente enfeitado com conchas de creme,
tão delicioso, que a noiva avidamente as arrancou do corpo do bolo, antes de
escapar para a lua-de-mel com o seu noivo louro. Don Corleone delicadamente
apressou a partida dos convidados, notando, entrementes, que o sedan
preto com os agentes do FBI não estava mais à vista.
Finalmente, o único
carro que encontrava na pista era o enorme Cadillac preto, com Freddie ao
volante. Don Corleone acomodou-se no assento da frente, movendo-se com rápida
coordenação para sua idade e volume. Sonny, Michael e Johnny Fontane
acomodaram-se no assento de trás. Don Corleone falou para Michael:
— Sua namorada voltará
para a cidade sozinha, sem problemas?
Michael confirmou com
a cabeça.
— Tom disse que se
encarregará disso.
Don Corleone balançou
a cabeça com satisfação, ante a eficiência de Hagen.
Devido ao racionamento
de gasolina ainda em vigor, havia pouco tráfego na estrada para Manhattan. Em
menos de uma hora, o Cadillac passava pela rua do Hospital Francês. Durante a
viagem, Don Corleone perguntou ao filio mais novo se ele ia bem na escola.
Michael disse que sim.
— Johnny disse que você
está acertando os negócios dele em Hollywood — falou Sonny do banco traseiro
logo em seguida — Você quer que eu vá lá para ajudar a resolver a situação?
Don Corleone foi
incisivo.
— Tom vai lá hoje à
noite. Não precisará de nenhuma ajuda, é um caso simples.
Sonny Corleone deu uma
gargalhada.
— Johnny pensa que
você não pode resolver a coisa, por isso achei que você podia querer que eu
fosse lá.
Don Corleone virou a
cabeça para trás.
— Por que você duvida
de mim? — perguntou a Johnny Fontane — Seu Padrinho não cumpriu sempre o que
prometeu? Alguma vez me fizeram de bobo?
— Padrinho —
apressou-se Johnny em desculpar-se — O homem que dirige aquele negócio é um
verdadeiro pezzonovante de alto gabarito. Você não pode fazê-lo mudar de
opinião, nem mesmo com dinheiro. Ele é muito bem relacionado. E me odeia. Na
verdade não sei como você pode alterar isso.
Don Corleone respondeu
com deleite carinhoso.
— Eu garanto que você
terá o papel. Não vamos decepcionar meu afilhado, hem, Michael? — disse
cutucando Michael com o cotovelo.
Michael, que nunca
duvidou do pai em momento algum, balançou a cabeça.
Quando se dirigiam
para a entrada do hospital, Don Corleone segurou o braço de Michael, de forma
que os outros passassem à frente.
— Quando você acabar
seu curso, venha falar comigo — falou Don Corleone — Tenho alguns planos que
lhe agradarão — Michael nada respondeu. Então, o pai grunhiu exasperado — Sei
como você é. Não lhe pedirei para fazer nada que não aprove. Isso é algo
especial. Siga o seu caminho agora, você é um homem, afinal. Mas me procure,
como deve fazer um filho, quando você terminar os seus estudos na escola.
A família de Genco
Abbandando, a mulher e três filhas vestidas de preto, estava reunida como um
bando de corvos roliços no chão de ladrilhos brancos do corredor do hospital.
Quando as mulheres viram Don Corleone sair do elevador, pareciam ter levantado
vôo dos ladrilhos brancos, num impulso instintivo em direção a ele, a fim de
obter proteção. A mãe parecia nobremente resoluta no seu vestido preto, as filhas
gordas e despretensiosas. A Sra. Abbandando beliscou a bochecha de Don
Corleone, soluçando e lamentando:
— Oh, como o senhor é
bom em vir aqui, no dia do casamento de sua filha!
Don Corleone refugou
esses agradecimentos.
— Não devo respeito a
tal amigo, um amigo que foi meu braço direito durante vinte anos?
Ele entendera logo que
aquela que dentro em pouco seria viúva não compreendia que o marido morreria
naquela noite. Genco Abbandando estava nesse hospital há quase um ano, morrendo
de câncer, e a mulher passara a considerar a sua fatal doença quase como parte
normal da vida. Esta noite era apenas outra crise. Ela voltou a falar.
— Entre para ver meu
pobre marido — disse ela — Ele perguntou pelo senhor. Pobre homem, ele queria
ir ao casamento para prestar sua homenagem, mas o médico não permitiu. Então,
ele disse que o senhor viria vê-lo neste grande dia, mas não acreditei que isso
fosse possível. Os homens compreendem a amizade mais do que as mulheres. Entre,
o senhor o fará feliz.
Uma enfermeira e um médico
saíram do quarto particular de Genco Abbandando. O médico era um homem moço, de
rosto sério e com o ar de quem nascera para mandar, isto é, o ar de quem tem o
rei na barriga. Uma das filhas perguntou timidamente:
— Dr. Kennedy, podemos
vê-lo agora?
O Dr. Kennedy olhou
exasperado para aquela porção de gente. Essa gente não sabia que o homem lá
dentro estava morrendo cheio de dores? Seria muito melhor que o deixassem
morrer em paz.
— Penso que somente os
parentes próximos — disse ele com uma voz esquisita e delicada.
Ficou surpreso quando
a mulher e as filhas se voltaram para o homem baixo, pesadão, vestido num
smoking adaptado, como que para ouvir sua deciãao.
O homem pesadão falou
com um ligeiro vestígio de sotaque italiano em sua voz:
— Meu caro doutor —
perguntou Don Corleone — É verdade que ele está morrendo?
— Sim — respondeu o
Dr. Kennedy.
— Então, não há nada
mais que o senhor possa fazer — disse Don Corleone — Aceitaremos a realidade.
Nós o confortaremos. Fecharemos os olhos dele. Enterra-lo-emos e choraremos no
seu funeral, e depois cuidaremos de sua mulher e filhas
Ouvindo essas coisas,
ditas de maneira tão rude, forçando-a a entender, a Sra. Abbandando começou a
chorar.
O Dr. Kennedy deu de
ombros. Era impossível explicar a situação a esses camponeses. Ao mesmo tempo,
ele reconhecia a justiça cruel nas observações do homem. Sua missão estava
terminando. Ainda com voz delicada, falou:
— Por favor, esperem
que a enfermeira permita que vocês entrem, ela ainda tem algumas coisas a fazer
com o paciente.
Afastou-se deles,
caminhando ao longo do corredor, com o seu jaleco branco abanando.
A enfermeira voltou a
entrar no quarto, enquanto esperavam. Finalmente, saiu outra vez, segurando a
porta para que entrassem, murmurando:
— Ele está delirando
com a dor e a febre; procurem não excitá-lo. Só podem ficar alguns minutos,
exceto a mulher dele.
Reconheceu Johnny
Fontane, quando passou por ela, e os seus olhos se abriram de espanto. Johnny
sorriu-lhe em sinal de agradecimento, e a enfermeira o fitou com um convite
franco. Ele a arquivou para outra oportunidade. Depois, seguiu os outros e
entrou no quarto do doente.
Genco Abbandarido
tinha lutado muito com a morte, e agora, vencido, jazia exausto no leito.
Achava-se reduzido a um simples esqueleto, e o que fora outrora vigoroso cabelo
preto se transformara em feixes de fios.
— Genco, caro amigo —
falou Don Corleone com animação — Eu trouxe meus filhos para lhe apresentarem
os seus respeitos e, veja, até Johnny veio especialmente de Hollywood.
O moribundo ergueu os
olhos febris agradecidos para Don Corleone. Deixou os rapazes apertarem sua mão
óssea nas mãos carnudas deles. A mulher e as filhas enfileiraram-se ao longo da
cama, beijando-lhe a face, pegando-lhe por sua vez na outra mão.
Don Corleone apertou a
mão do velho amigo e disse para confortá-lo:
— Fique melhor
depressa e faremos juntos uma viagem á Itália, à nossa velha aldeia. Jogaremos boccie em frente da taberna como os
nossos pais costumavam fazer antes de nós.
O moribundo balançou a
cabeça. Afastou os rapazes e a família da beira da cama; com a outra mão óssea
pendurou-se firmemente em Don Corleone. Tentou falar. Don Corleone baixou a
cabeça e sentou-se na cadeira ao lado da cama. Genco Abbandando estava
balbuciando algo a respeito da infância deles. Então, seus olhos pretos como
carvão apresentaram um ar zombeteiro, e sussurrou. Don Corleone inclinou-se
mais. Os presentes àquela cena ficaram espantados ao verem as lágrimas correrem
pelas faces de Don Corleone, enquanto ele balançava a cabeça. A voz trêmula se
tornou mais alta, enchendo o quarto. Com um esforço torturante, sobre-humano,
Abbandando levantou a cabeça do travesseiro, sem enxergar nada, e apontou o
dedo indicador esquelético para Don Corleone.
— Padrinho, Padrinho —
gritou cegamente — Salve-me da morte, eu lhe suplico! Minha carne está
queimando meus ossos, e sinto os vermes comerem meus miolos. Padrinho, cure-me,
você tem poder para isso, enxugue as lágrimas de minha pobre mulher! Brincamos
juntos na aldeia, quando crianças, e agora você deixará que eu morra, quando
tenho medo do inferno por causa dos meus pecados? — Don Corleone manteve-se
calado — É o dia do casamento de sua filha — prosseguiu o moribundo — Você não
pode recusar-me isso.
Don Corleone falou
então de modo sereno e grave, a fim de responder àquele delírio blasfemo.
— Meu velho amigo —
disse ele — Eu não tenho tais poderes. Se eu os tivesse seria mais
misericordioso do que Deus, creia-me. Mas não tenha medo da morte e não tenha
medo do inferno. Eu farei rezar uma missa por sua alma todas a noites e todas
as manhãs. A sua mulher e suas filhas rezarão por você. Como pode Deus punir
você com tantos apelos de misericórdia?
O rosto esquelético assumiu uma expressão manhosa,
quase obscena.
— Está tudo arranjado, então? — interrogou o doente
com astúcia.
Quando Don Corleone
respondeu, a sua voz parecia fria, sem conforto.
— Você está
blasfemando. Conforme-se.
Abbandando voltou a
cair no travesseiro. Os seus olhos perderam o brilho selvagem da esperança. A
enfermeira tornou a entrar no quarto e começou a enxotá-los de modo bem
grosseiro. Don Corleone levantou-se, mas Abbandando estendeu a mão.
— Padrinho — pediu ele
— Fique aqui comigo e me ajude na hora da morte. Talvez se Ele vir você perto
de mim ficará com medo e me deixará em paz. Ou talvez você possa dizer alguma
coisa, puxar alguns cordéis, hem?
O moribundo piscou os
olhos como se estivesse zombando de Don Corleone, agora de fato não falando tão
sério:
— Vocês são irmãos de
sangue, afinal de contas — depois, como que temendo que Don Corleone se
sentisse ofendido, agarrou-lhe a mão — Fique comigo, deixe-me segurar a sua
mão. Enganaremos esse patife, como enganamos outros. Padrinho, não me traia.
Don Corleone fez sinal
para que as outras pessoas saíssem do quarto. Elas saíram. Ele tomou a mão
completamente murcha de Genco Abbandando em suas próprias mãos largas.
Suavemente, tranqüilizadoramente, confortava o amigo, enquanto esperavam juntos
a morte. Como se Don Corleone pudesse realmente arrebatar a vida de Genco
Abbandando do mais vil e criminoso traidor do homem.
O dia do casamento de
Connie Corleone terminou bem para ela. Carlo Rizzi cumpriu os seus deveres de
noivo com eficiência e vigor, estimulado pelo conteúdo da bolsa presenteada à
noiva que totalizou acima de vinte mil dólares A noiva, contudo, entregou a sua
virgindade com muito mais espontaneidade do que a bolsa de dinheiro. Para
conseguir esta última, ele teve de socar um dos olhos dela.
Lucy Mancini esperou
em casa por um telefonema de Sonny Corleone, certa de que ele marcaria um
encontro com ela. Finalmente, ela telefonou para a casa dele, e quando ouviu
uma voz de mulher atender o telefone desligou. Não tinha meios de saber que
quase todo mundo no casamento notara a sua ausência e de Sonny, durante aquela
meia-hora fatal, e já se fuxicava abertamente que Santino Corleone tinha feito
outra vítima. Que ele “fizera o serviço” na dama de honra de sua própria irmã.
Amerigo Bonasera teve
um pesadelo horrível. Em seu sonho ele viu Don Corleone, com um gorro pontudo,
macacão e luvas grossas, descarregando cadáveres crivados de balas em frente de
sua agência funerária, gritando:
— Lembre-se, Amerigo,
não diga uma palavra a ninguém, e enterre-os rapidamente.
Ele gemeu tão alto e
longamente no sonho, que sua mulher o sacudiu para acordá-lo.
— Ei, que homem você é
— resmungou ela — Ter um pesadelo logo depois de um casamento.
Kay Adams foi
acompanhada até o seu hotel de Nova York por Paulie Gatto e Clemenza. O carro
era grande, luxuoso e dirigido por Gatto. Clemenza vinha no assento traseiro e
Kay acomodou-se no assento dianteiro perto do motorista. Ela achou os dois
homens muito exóticos. O linguajar deles era tipicamente o da Brooklyn do
cinema, e eles a tratavam com uma cortesia exagerada. Durante a viagem, Kay
conversou casualmente com os dois homens e ficou surpresa quando os ouviu falar
de Michael com evidente carinho e respeito. Ele a havia levado a acreditar que
era um estranho no mundo do pai. Agora Clemenza garantia-lhe com sua voz
ofegantemente gutural que o “velho” considerava Mike como o melhor de seus
filhos, aquele que certamente herdaria o negócio da família.
— Que negócio é esse?
— perguntou Kay com o ar mais natural.
Paulie Gatto
lançou-lhe um olhar rápido, enquanto girava o volante. Atrás dela, Clemenza
falou denotando surpresa na voz:
— Mike não lhe contou!
O Sr. Corleone é o maior importador de azeite italiano nos Estados Unidos.
Agora que a guerra terminou, o negócio pode ser uma verdadeira mina. O pai vai
precisar de um rapaz esperto como Mike.
No hotel, Clemenza
insistiu em ir até a portaria com ela. Quando Kay protestou, ele disse
simplesmente:
— O chefe mandou que
eu tivesse certeza de que você chegasse bem em casa. Tenho de cumprir a ordem.
Depois que ela recebeu
a chave do quarto, acompanhou-a até o elevador e esperou que ela entrasse. Kay
acenou para ele, sorrindo, e ficou surpresa com o autêntico sorriso de prazer
que ele lhe retribuiu. Foi bom que ela não o visse dirigir-se novamente ao
porteiro do hotel e perguntar:
— Com que nome ela se
registrou?
O porteiro olhou para
Clemenza friamente. Este rolou a bolinha verde que segurava na mão na direção
do porteiro, que a apanhou e respondeu imediatamente:
— Sr. e Sra. Michael
Corleone.
De volta ao carro,
Paulie Gatto disse
— Mulher distinta!
— Mike está fazendo o
serviço nela — resmungou Clemenza
A não ser, pensou ele,
que os dois fossem realmente casados.
— Apanhe-me amanhã
cedo — disse ele a Paulie Gatto — Hagen tem um trabalho para nós, que precisa
ser feito imediatamente.
Já era tarde da noite
de domingo, quando Hagen deu um beijo de despedida na mulher e dirigiu-se para
o aeroporto. Com a prioridade especial número um (um presente de agradecimento
de um general do estado-maior do Pentágono), ele não teve dificuldade alguma
para conseguir passagem de avião para Los Angeles.
Tinha sido um dia
ocupado, mas de satisfação, para Tom Hagen. Genco Abbandando tinha morrido às
três horas da madrugada, e quando Don Corleone voltou do hospital, informou a
Hagen que ele agora era oficialmente o novo consigliori da Família. Isso significava
que Hagen tinha certeza de que se tornaria um homem muito rico, sem falar no
poder.
Don Corleone quebrara
uma tradição mantida há muito tempo. O consigliori era sempre um siciliano de
puro-sangue, e o fato de que Hagen tinha sido criado como um membro da família
de Don Corleone não fazia diferença no que se relacionasse a essa tradição. Era
uma questão de sangue. Só a um siciliano acostumado desde pequeno aos meios da
omerta, a lei do silêncio, podia ser confiado o posto-chave de consigliori.
* * *
Entre o chefe da Família, Don Corleone,
que ditava a política, e o nível operacional de homens que realmente executavam
suas ordens, havia três camadas, ou amortecedores. Desse modo, nada podia ser
atribuído ao chefe. A menos que o consigliori se tornasse traidor.
Naquela manhã de
domingo, Don Corleone deu instruções explícitas sobre o que se devia fazer aos
dois rapazes que haviam batido na filha de Amerigo Bonasera. Dera tais ordens
em particular a Tom Hagen. Mais tarde, no mesmo dia, Hagen, também em particular
e sem testemunhas, instruíra Clemenza. Por sua vez, Clemenza dissera a Paulie
Gatto para cumprir a missão. Paulie Gatto reuniria agora os homens necessários
e executaria as ordens. Paulie Gatto e seus homens ignoravam por que essa
determinada tarefa estava sendo executada ou quem a ordenara inicialmente. Cada
elo da corrente devia tornar-se traidor, para que Don Corleone fosse envolvido
no caso, e embora nunca até então isso tivesse ocorrido, havia sempre essa
possibilidade. O remédio para tal possibilidade era também conhecido. Apenas um
elo da corrente tinha de desaparecer.
* * *
O consigliori era também o que o seu nome
significava. Ele era o conselheiro de Don Corleone, seu braço direito, seu
cérebro-auxiliar. Era também seu companheiro mais chegado e seu amigo mais
íntimo. Nas viagens importantes, dirigiria o carro de Dou Corleone; nas
conferências, sairia para buscar os refrescos, café e sanduíches, charutos
frescos, destinados a Don Corleone. Ele saberia tudo ou quase tudo o que Don
Corleone sabia, todas as células do poder. Era o único homem no mundo que
poderia levar Don Corleone à destruição. Mas jamais consigliori algum tinha
traído um Don, pelo menos na memória de qualquer das poderosas Famílias
sicilianas que se haviam estabelecido na América. Não havia futuro nisso. E
todo consigliori sabia que se ele mantivesse a fé se tornaria rico, teria poder
e conquistaria respeito. Se sobreviesse o infortúnio, sua mulher e filhos
teriam proteção e ajuda, como se ele fosse vivo ou estivesse livre. Se ele
mantivesse a fé.
Em alguns casos o
consigliori tinha de agir em favor de seu Don de modo mais aberto, sem envolver
contudo o chefe. Hagen estava viajando para a Califórnia exatamente num caso
assim. Ele sabia que sua carreira de consigliori seria seriamente afetada pelo
sucesso ou fracasso dessa missão. Pelos padrões dos negócios da família, que
Fontane conseguisse ou não seu cobiçado papel no filme em questão era coisa de
pequena importância. Muito mais importante era a reunião que Hagen marcara com
Virgil Sollozzo para a próxima sexta-feira. Hagen sabia que para Don Corleone
ambas as coisas eram da mesma importância, o que constituía um ponto de honra
para qualquer consigliori.
O avião já abalara os
nervos de Tom Hagen e ele pediu um martíni à aeromoça para acalmá-los. Tanto
Don Corleone quanto Johnny o haviam instruído sobre o caráter do produtor
cinematográfico Jack Woltz. Pelo que Johnny dissera, Hagen sabia que jamais
conseguiria persuadir Woltz. Ele também não duvidava de que Don Corleone manteria
a sua promessa a Johnny. O seu próprio papel era o de negociador e elemento de
ligação.
Recostado em sua
poltrona, Hagen repassou todas as informações que lhe foram dadas naquele dia.
Jack Woltz era um dos três produtores cinematográficos de Hollywood mais
importantes, dono de seu próprio estúdio, com dezenas de astros e estrelas sob
contrato. Era presidente da Divisão Cinemática do Conselho Consultivo para
Informação de Guerra dos Estados Unidos, o que simplesmente significava que
ajudava a fazer filmes de propaganda. Almoçara na Casa Branca. Recepcionara J.
Edgar Hoover em sua casa de Hollywood. No entanto, nada disso era tão
impressionante como parecia. Não passavam de relações oficiais. Woltz não tinha
qualquer poder político pessoal, principalmente porque era um reacionário
exaltado, em parte, porque era um megalomaníaco que gostava de impor sua
vontade férrea, sem se importar que isso suscitasse legiões de inimigos que
emergiam do solo.
Hagen suspirou. Não
haveria meio de “manobrar” Jack Woltz. Abriu a pasta e procurou pôr em ordem
alguns documentos, mas estava muito cansado. Pediu outro martíni e refletiu
sobre a sua vida. Não tinha de que se lamentar, na verdade sentia que tivera
muita sorte. Qualquer que fosse o motivo, o caminho que escolhera há dez anos
provara ser certo para ele. Obtivera êxito; era tão feliz como qualquer adulto
poderia racionalmente esperar, e achava a vida interessante.
Tinha 35 anos de vida,
era um homem alto de cabelo à escovinha, muito esguio, com uma aparência bem
comum. Era advogado, mas, na verdade, não executava qualquer trabalho jurídico
para o negócio da família Corleone, embora ele houvesse exercido a advocacia
durante três anos, depois de concluir os seus estudos de Direito.
Quando contava 11
anos, fora companheiro de brincadeiras de Sonny Corleone, que tinha a mesma
idade. A mãe de Hagen ficou cega e morreu, justamente nesse mesmo ano de sua
infância. Seu pai tornou-se um alcoólatra inveterado. Sendo carpinteiro e muito
trabalhador, jamais cometeu qualquer desonestidade em sua vida. Sua embriaguez
destruiu-lhe a família e finalmente o matou. Tom Hagen ficou um órfão, ao
abandono completo, vagando pelas ruas e dormindo em vestíbulos. Sua irmã mais
moça foi colocada numa casal de pais adotivos, mas na década de 20, as agências
sociais não se interessavam por casos de meninos de 12 anos que tinham a
ingratidão de se esquivar de receber a caridade delas. Além disso, Hagen tinha
uma infecção no olho. Os vizinhos murmuravam que ele a apanhara ou a herdara da
mãe e, desse modo, podia transmiti-la a alguém. Todos o evitavam. Sonny
Corleone, um menino de 11 anos de idade, bondoso e arrogante, levara o amigo
para casa e exigiu que ele fosse aceito. Deram a Tom Hagen um prato de
espaguete com suco de tomate cheio de óleo, cujo gosto ele jamais esqueceu, e
depois lhe deram urna cama desmontável de metal para dormir.
De modo mais natural,
sem dizer uma palavra e sem discutir a questão de forma alguma, Don Corleone
permitiu que o menino ficasse em sua casa. Ele mesmo levou o garoto a um médico
especialista e curou-lhe a infecção no olho. Mandou-o para a escola secundária
e faculdade de Direito. Em tudo isso, Don Corleone procedeu não como um pai,
mas antes como um tutor. Não lhe demonstrava afeto, mas é bastante estranho que
tratasse Hagen com mais cortesia do que os seus próprios filhos, não lhe
impondo a vontade paterna. Ele ouvira o pai adotivo dizer uma vez: “Um advogado
com sua pasta pode roubar mais do que cem homens armados”. Entrementes, para
grande aborrecimento do pai, Sonny e Freddie insistiram em entrar no negócio da
Família, após concluírem a escola secundária. Só Michael fora para a faculdade,
e se alistara no Corpo de Fuzileiros Navais no dia seguinte ao ataque de Pearl
Harbor.
Depois de concluir os
seus estudos de Direito, Hagen casou-se, constituindo sua própria família. A
noiva era uma moça italiana de Nova Jersey, que concluíra curso superior, coisa
rara na época. Depois do casamento, que, naturalmente, foi realizado na casa de
Don Corleone, este ofereceu-se para ajudar Hagen em qualquer empreendimento que
o rapaz desejasse, seja para enviar-lhe clientes, fornecer-lhe um escritório,
ou iniciá-lo no ramo imobiliário.
Tom Hagen baixara a
cabeça e dissera a Don Corleone:
— Eu gostaria de
trabalhar para você.
Don Corleone ficou
surpreso, embora lisonjeado.
— Você sabe quem eu
sou? — perguntou.
Hagen balançou a
cabeça afirmativamente. Não conhecia realmente a extensão do poder de Don
Corleone, naquela época. E desconhecia realmente nos dez anos que se seguiram,
até que se tornou consigliori interino, depois que Genco Abbandando caiu
doente. Entretanto, confirmara com a cabeça, e seus olhos fixaram-se nos olhos
de Don Corleone.
— Eu gostaria de
trabalhar para você, como seus filhos — afirmou Hagen, como que confessando sua
absoluta lealdade a ele, e aceitando completamente a divindade paterna de Don
Corleone.
Don Corleone, com a
compreensão de que estava então criando a lenda de sua grandeza, mostrou ao
rapaz o primeiro sinal de afeição paternal, desde que ele viera para sua casa.
Deu-lhe um rápido abraço e, daí em diante, passou a tratá-lo como um verdadeiro
filho, embora às vezes dissesse: “Tom, nunca esqueça seus pais”, como um
lembrete para si mesmo e para Hagen.
Não era possível o
rapaz esquecer. Sua mãe tinha sido quase uma débil mental abandonada e tão
atacada de anemia que não era capaz de sentir afeição pelos filhos e nem mesmo
fingir. Ao pai odiava. A cegueira da mãe, antes de sua morte, o aterrorizava, e
a sua própria infecção no olho fora um gol pe do destino. Estava certo de que
ficaria cego. Quando o pai morreu, aquele menino de 11 anos de idade seguiu um
destino curioso. Vagava pelas ruas, como um animal à espera da morte, até o dia
fatídico em que Sonny o encontrou dormindo no fundo de um vestíbulo e o levou
para casa. O que aconteceu depois disso foi um milagre. Durante anos, Hagen
tivera pesadelos, sonhando que tinha crescido cego, batendo com uma bengala
branca, enquanto os seus filhos, também cegos, vinham atrás dele batendo
ininterruptamente com suas bengalinhas brancas, esmolando pelas ruas. Em certas
manhãs, quando despertava de seu angustiado sono, o rosto de Don Corleone
estava estampado no seu cérebro, naquele primeiro momento consciente, e ele
então se sentia seguro.
Don Corleone insistiu
para que ele, durante três anos, exercesse advocacia geral, além de suas
funções relativas ao negócio da Família. Essa experiência lhe foi de grande
valor posteriormente, pois afastou qualquer dúvida em sua mente pelo fato de
trabalhar para Don Corleone. Passou dois anos pra ticando no escritório de uma
grande firma de criminalistas, na qual Don Corleone tinha alguma influência.
Era evidente para todos que o rapaz demonstrava inclinação para esse ramo do
Direito. Saiu-se bem, e quando assumiu o serviço do negócio da Família, Don
Corleone não teve oportunidade de reprová-lo uma vez sequer, nos seis anos que
se seguiram.
Quando se tornou
consigliori interino, as outras Famílias sicilianas poderosas passaram a chamar
desdenhosamente a Família Corleone de “bando irlandês” Isso divertiu Hagen.
Fê-lo saber também que ele jamais poderia ter esperança de suceder Don Corleone
como o chefe do negócio da Família. Porém, se sentia contente. Nunca fora esse
o seu objetivo, pois tal ambição seria um “desrespeito” ao seu benfeitor e aos
seus parentes próximos.
Estava ainda escuro
quando o avião pousou em Los Angeles. Hagen hospedou-se no hotel, tomou um
banho, fez a barba e viu a manhã descer sobre a cidade. Pediu que o breakfast e
alguns jornais fossem enviados ao seu quarto e descansou até a hora de partir
para a sua entrevista das dez horas com Jack Woltz. A entrevista fora marcada
com uma facilidade surpreendente.
Um dia antes, Hagen
telefonara para a pessoa mais poderosa dos sindicatos trabalhistas
cinematográficos, um homem chamado Billy Goff. Agindo segundo instruções de Don
Corleone, Hagen disse a Goff para que marcasse uma hora no dia seguinte a fim
de que ele visitasse Jack Wottz, que devia insinuar a Woltz que se ele, Hagen,
não ficasse satisfeito com os resultados da entrevista, haveria uma greve no
estúdio cinematográfico. Uma hora depois, Hagen recebeu um telefonema de Goff.
A entrevista seria às dez da manhã. Woltz. recebera o recado sobre a possível
greve trabalhista, mas parecia não ter ficado muito impressionado, informou Goff,
acrescentando:
— Se realmente for
preciso isso, eu mesmo falarei com Don Corleone.
— Se for preciso isso,
ele falará com você — afirmou Hagen.
Assim agindo, Hagen
evitou fazer qualquer promessa. Não ficou surpreso pelo fato de Goff se mostrar
tão solícito aos desejos de Don Corleone. O império da Família, tecnicamente,
não se estendia além da área de Nova York, mas Don Corleone tinha primeiro se
tornado forte ajudando os líderes trabalhistas. Muitos deles ainda tinham para
com ele dívidas de amizade.
Porém a entrevista das
dez horas era um mau sinal. Significava que Hagen seria o primeiro da lista de
entrevistas, que ele não seria convidado para almoçar. Significava que Woltz o
tinha em pouca conta. Goff não ameaçara bastante, provavelmente porque Woltz o
tinha na gaveta, o subornava. E, às vezes, o êxito de Don Corleone em se manter
na penumbra contribuía para desvantagem do negócio da Família, já que o seu
nome nada significava para os círculos externos.
A sua análise mostrou
ter sido correta. Woltz fê-lo esperar por cerca de trinta minutos além da hora
marcada. Hagen não se incomodou. A sala de recepção era muito luxuosa, e
confortável, e no sofá cor de ameixa em frente dele estava sentada a menina
mais bonita que Hagen já vira. A garota não tinha mais de 11 ou 12 anos de
idade e achava-se vestida com apuro, mas com simplicidade, como uma mulher
adulta. Possuía cabelos incrivelmente dourados, olhos grandes de cor azul-mar
profundo e a boca fresca de um vermelho vivo. Estava em companhia de uma
mulher, evidentemente sua mãe, que procurava encarar Hagen com uma fria
arrogância que o fazia desejar dar-lhe um soco na cara. A criança é um anjo e a mãe é o dragão, pensou Hagen, retribuindo o
olhar frio da mãe.
Finalmente, uma
senhora de meia-idade, esquisitamente trajada, mas resoluta, veio buscá-lo para
levá-lo através de uma série de escritórios até o apartamento-escritório do
produtor cinematográfico. Hagen ficou impressionado com a beleza dos
escritórios e com o pessoal que neles trabalhava. Ele sorriu. Todos eram
“espertinhos”, procurando uma oportunidade no cinema, aceitando trabalho nos
escritórios, e a maioria deles trabalharia nesses escritórios o resto da vida
ou até que reconhecesse a derrota e voltasse para a sua cidade natal.
Jack Woltz era um
homem alto, de compleição poderosa, com uma barriga enorme quase escondida pela
sua roupa perfeitamente talhada. Hagen conhecia sua história. Aos dez anos de
idade, Woltz empurrara barris de cerveja vazios e carrinhos de mão na zona
leste de Nova York. Aos 20 anos, ajudara o pai na sua oficina de roupas feitas.
Aos 30, deixou Nova York e foi para o oeste do país, investiu no cinema
“poeira” e foi um dos pioneiros cinematográficos. Aos 48, ele fora o mais
poderoso magnata cinematográfico de Hollywood, ainda falando grosso, avidamente
amoroso, um boboca feroz atacando os rebanhos indefesos de jovens estrelinhas.
Aos 50, ele se transformara. Tomou aulas de dicção, aprendeu a se vestir com um
criado inglês e como se portar socialmente com um mordomo também inglês. Quando
sua primeira mulher morreu, casou com uma atriz bonita e mundialmente famosa
que não gostava de representar. Agora, aos 60, Woltz colecionava pinturas dos
velhos mestres, era membro do Comitê Consultivo do Presidente e tinha fundado
uma instituição multimilionária em seu nome para promover a arte do cinema. A
sua filha tinha-se casado com um lorde inglês, o seu filho com uma princesa
italiana.
Sua última paixão,
como noticiavam respeitosamente todos os colunistas cinematográficos da
América, eram suas cocheiras de cavalos de corrida, nas quais gastara dez
milhões de dólares no último ano. Ele dera assunto para manchetes ao comprar o
famoso cavalo de corrida inglês Khartoum
pelo preço incrível de seiscentos mil dólares e depois anunciar que o invicto
parelheiro seria afastado das pistas e enviado para o haras exclusivamente para
reproduzir animais para as suas cocheiras.
Ele recebeu Hagen
cortesmente, com o seu belo rosto bronzeado, meticulosamente barbeado,
contorcendo-se numa careta que significava um sorriso. Apesar de todo o
dinheiro gasto e dos cuidados dos técnicos mais competentes, a sua idade se
revelava; a carne de seu rosto parecia como que costurada. Havia porém
vitalidade em seus movimentos e ele tinha o que Don Corleone também tinha, a
aparência de um homem que comandava absolutamente o mundo em que vivia.
Hagen foi diretamente
ao assunto. Que vinha como emissário de um amigo de Johnny Fontane. Que seu
amigo era um homem poderoso que hipotecaria sua gratidão e morredoura amizade
ao Sr. Woltz se este se dignasse prestar-lhe um pequeno favor, o qual
consistiria em incluir Johnny Fontane no elenco do novo filme de guerra que o
estúdio planejava iniciar na próxima semana.
O rosto costurado
mantinha-se impassível e conservava seu decoro.
— Que favores pode
prestar-me o seu amigo? — perguntou Woltz.
Havia então um ar de
condescendência em sua voz.
Hagen ignorou essa
condescendência e explicou:
— O senhor pode ter
alguma complicação trabalhista dentro de pouco tempo. Meu amigo pode garantir
plenamente que fará desaparecer essa complicação. O senhor tem um astro de
primeira grandeza que traz muito dinheiro para o seu estúdio, que acaba de ser
promovido da maconha para a heroína. Meu amigo pode garantir-lhe que o seu
astro não tomará mais heroína. E, se sobrevierem outras coisas com o decorrer
dos anos, um telefonema para mim resolverá os seus problemas.
Jack Woltz ouvia isso
como se estivesse ouvindo as bravatas de uma criança. Depois perguntou
asperamente, a voz denotando deliberadamente um sotaque inteiramente da zona
leste de Nova York.
— O senhor quer
obrigar-me a tomar tal atitude?
— Absolutamente não —
respondeu Hagen friamente — Vim apenas solicitar que atenda o pedido de um
amigo. Tenho procurado explicar que o senhor nada perderá com isso.
Quase como se o
desejasse, Woltz pôs no rosto uma máscara de zanga. Sua boca encrespou-se e
suas sobrancelhas cerradas, pintadas de preto, contraíram-se para formar uma
linha espessa sobre os olhos cintilantes. Ele se inclinou por cima da mesa para
Hagen.
— Muito bem, seu
meloso filho da puta, deixe-me esclarecer a coisa para você e o seu chefe, seja
lá quem for ele. Johnny Fontane jamais trabalhará nesse filme. Pouco me importa
quantos carcamanos da Máfia possam surgir das selvas.
Ele se reclinou na
cadeira.
— Um conselho posso
dar a você, meu amigo. J. Edgar Hoover, suponho que você já ouviu falar nele —
Woltz riu sarcasticamente — É meu amigo pessoal. Se eu comunicar a ele que
estou sendo pressionado, vocês não sabem o que lhes pode acontecer.
Hagen ouviu
pacientemente. Esperava coisa melhor de um homem da posição de Woltz. Seria
possível que um homem que procedia de maneira tão estúpida podia galgar à
chefia suprema de uma companhia que valia centenas de milhões? Havia sobre o
que pensar aí, desde que Don Corleone estava procurando novas coisas em que
aplicar dinheiro, e, se os homens mais altos dessa indústria eram tão broncos,
o cinema poderia ser uma das coisas. O próprio insulto não o incomodara
absolutamente. Hagen aprendera a arte de fazer negociações com o próprio Don
Corleone.
— Nunca se aborreça — Don Corleone o havia instruído — Nunca faça uma ameaça. Argumente com as
pessoas.
A palavra “argumentar”
parecia muito melhor em italiano, rajunah,
retrucar. A arte disso consistia em ignorar todos os insultos, todas as
ameaças; apresentar a outra face. Hagen vira Don Corleone sentar-se a uma mesa
de negociações durante oito horas, engolindo insultos, procurando convencer um
homem forte, famoso e megalomaníaco a corrigir-se. No fim das oito horas, Don
Corleone jogara as mãos num gesto desanimado e dissera para outros homens
presentes: “Ninguém pode argumentar com esse sujeito”, e retirou-se altivamente
da sala de reunião.
O homem forte
tornou-se pálido de medo. Emissários foram enviados para trazer Don Corleone de
volta à sala. Chegou-se a um acordo, mas dois meses depois o homem forte foi
assassinado a tiros na barbearia que freqüentava.
Assim Hagen começou novamente, falando com a voz
mais natural.
— Olhe o meu cartão —
frisou ele — Eu sou advogado. Cometi algum erro? Pronunciei alguma palavra de
ameaça? Permita-me dizer que estou preparado para atender a qualquer condição
que o senhor mencionar para que Johnny Fontane trabalhe nesse filme. Penso que
já ofereci bastante por tão pequeno favor. Um favor que acho que é do seu
próprio interesse conceder. Johnny me disse que o senhor admite que ele se
sairia bem nesse papel. E permita-me acrescentar que esse favor jamais seria
solicitado se isso não acontecesse. De fato, se o senhor está preocupado com o
seu investimento, meu cliente poderia financiar o filme. Mas, por favor,
deixe-me tornar bastante claro. Compreendemos que o seu não é não. Ninguém pode
ou está procurando forçá-lo. Sabemos de sua amizade com o Sr. Hoover, posso
acrescentar, e meu chefe o respeita por isso. Ele respeita imensamente essa
relação de amizade.
Woltz estava
rabiscando com uma pena enorme, de penacho vermelho. Ao ouvir falar em
dinheiro, o seu interesse logo despertou, e ele parou de rabiscar.
— Este filme está
orçado em cinco milhões — disse condescendentemente.
Hagen assoviou
baixinho para mostrar que estava impressionado. Depois disse de modo bastante
casual:
— Meu chefe tem alguns
amigos que confiam em seu discernimento.
Pela primeira vez,
Woltz parecia levar a coisa toda a sério. Analisou o cartão de Hagen.
— Nunca ouvi falar no
senhor — disse ele — Conheço a maior parte dos grandes advogados de Nova York,
mas quem diabo é o senhor?
— Trabalho para uma
dessas honradas empresas — respondeu Hagen secamente — Administro a conta dela
— em seguida, se levantou dizendo — Não vou tomar-lhe mais tempo — estendeu a
mão, e Woltz apertou-a. Deu alguns passos em direção à porta e virou-se
novamente para Woltz — Compreendo que o senhor tem de lidar com uma porção de
gente que finge ser mais importante do que realmente é. Em meu caso, acontece o
contrário. Por que o senhor não procura investigar quem sou eu com nosso amigo
comum? Se o senhor reconsiderar a questão, telefone-me para o hotel — fez uma
pausa e prosseguiu — Isso pode ser um sacrilégio para o senhor, mas meu cliente
faz coisa que até o Sr. Hoover pode achar que está fora do seu alcance.
Hagen viu os olhos do
produtor cinematográfico se contraírem.
Woltz finalmente
recebera o recado.
— A propósito, admiro
muito os seus filmes — disse Hagen com a voz mais servil que podia emitir —
Espero que o senhor continue a executar tão bom trabalho. O nosso país precisa
dele.
Mais tarde, naquele
mesmo dia, Hagen recebeu um telefonema da secretária do produtor de que um
carro o apanharia dentro de uma hora para levá-lo à casa de campo do Sr. Woltz
para jantar. Ela informou que seria viagem de cerca de três horas, mas que o
carro estava equipado com um bar e alguns hors d’oeuvres. Hagen sabia que Woltz
fizera a viagem em seu avião particular e ignorava por que não havia sido
convidado. A voz da secretária acrescentou delicadamente:
— O Sr. Woltz sugeriu
que o senhor levasse a sua bagagem que ele o faria conduzir ao aeroporto pela
manhã.
— Eu farei isso —
respondeu Hagen.
Isso era outra coisa
que dava o que pensar. Como Woltz sabia que tomaria o avião da manhã de volta a
Nova York? Refletiu por um momento. A explicação mais provável era que Woltz
tinha posto detetives particulares no seu encalço para obter todas as
informações possíveis. Então Woltz certamente sabia que ele representava Don
Corleone, o que queria dizer que ele sabia algo sobre Don Corleone, o que por
sua vez significava que estava pronto levar a sério toda a questão.
Algo devia ser feito, afinal de contas, pensou Hagen. E talvez
Woltz fosse mesmo mais esperto do que lhe parecera naquela manhã.
A casa de campo de
Jack Woltz se assemelhava a um fantástico cenário cinematográfico. Havia uma
mansão típica de fazenda, imensos passeios ajardinados, rodeados por uma pista
de terra escura para andar a cavalo, cocheiras e pasto para abrigar uma
cavalhada. As sebes, os canteiros e os gramados eram então cuidadosamente
tratados como as unhas de uma estrela de cinema.
Woltz recebeu Hagen
numa varanda com paredes de vidro e ar.coridicionado. O produtor estava
informalmente vestido com uma camisa de seda azul de colarinho aberto, slacks
cor de mostarda, sandálias de couro macio. Enquadrado em todo esse conjunto
luxuoso e colorido, o seu rosto costurado e duro tinha um ar assustador. Ele
ofereceu a Hagen um cálice de martíni avantajado e serviu-se de outro que
estava preparado na bandeja. Parecia mais amável do que horas antes. Pôs o
braço no ombro de Hagen e disse:
— Temos um pouco de
tempo antes do jantar, vamos dar uma olhada nos meus cavalos.
Enquanto caminhavam em
direção às cocheiras, falou:
— Mandei investigá-lo,
Tom; você devia dizer-me que o seu chefe é Corleone. Pensei que você fosse
simplesmente algum chantagista de terceira classe que Johnny houvesse mandado
para blefar-me. E eu não blefo. Não que eu queira inimigos, jamais acreditei
nisso. Mas vamo-nos divertir agora. Podemos falar de negócios depois do jantar.
Surpreendentemente,
Woltz demonstrou ser um anfitrião verdadeiramente atencioso. Explicou seus
novos métodos, inovações que ele esperava que tornariam a sua coudelaria a
melhor da América. As cocheiras todas eram à prova de incêndio, saneadas ao
máximo e guardadas por uma equipe especial de segurança de detetives
particulares. Finalmente, Woltz conduziu-o a uma cocheira que tinha uma enorme
placa de bronze afixada na parede externa, na qual estava escrito o nome khartoum.
O cavalo que se achava
dentro da cocheira, mesmo aos olhos inexperientes de Hagen, era um magnífico
animal. O pêlo de Khartoum era negro, com exceção de uma mancha branca em forma
de diamante em sua enorme fronte. Os grandes olhos castanhos cintilavam como
maças douradas, o pêlo luzidio sobre o corpo musculoso parecia seda. Woltz
disse com orgulho infantil:
— O maior cavalo de
corrida do mundo. Eu o comprei na Inglaterra, no ano passado, por seiscentos
mil dólares. Aposto que nem mesmo os czares russos jamais pagaram tanto
dinheiro por um único cavalo. Mas não vou pô-lo para correr, vou destiná-lo à
reprodução. Farei construir a maior coudelaria que este país já teve.
Acariciou a crina do
cavalo e pronunciou suavemente:
— Khartoum, Khartoum.
Havia realmente afeto
em sua voz, e o animal correspondeu. Woltz continuou a falar:
— Sou um bom
cavaleiro, você sabe, e a primeira vez que montei já tinha cinqüenta anos de
idade — deu uma gargalhada — Talvez uma de minhas avós na Rússia tenha sido
raptada por um cossaco e eu tenho o sangue dele.
Coçou a barriga de
Khartoum e disse com sincera admiração:
— Olhe a vara dele. Eu
devia ter uma vara assim.
Voltaram para a
mansão, a fim de jantar, o qual foi servido por três garçons sob a direção de
um mordomo. Os talheres e a baixela eram de prata com filetes de ouro, mas
Hagen achou a comida medíocre. Woltz obviamente vivia sozinho, e também
obviamente não era homem que desse importância à comida. Hagen esperou até que
ambos tivessem acendido enormes Havanas para perguntar a Woltz:
— Johnny vai conseguir
o papel ou não?
— Não posso —
respondeu Woltz — Não posso pôr Johnny nesse filme mesmo que eu quisesse. Os
contratos já estão todos assinados com os artistas e as câmaras começarão a
rodar na próxima semana. Não há possibilidade alterar isso.
— Sr. Woltz — disse
Hagen impacientemente — A grande vantagem de lidar com um homem da cúpula é que
tal desculpa de nada vale. Você pode fazer tudo o que quiser — tirou uma baforada
do charuto e perguntou — O senhor não acredita que o meu cliente vai cumprir as
suas promessas?
— Acredito que vou ter
complicações trabalhistas — respondeu Woltz, secamente — Goff me telefonou a
respeito disso, o filho da puta, e pela maneira pela qual ele falou, ninguém
diz que eu pago a ele cem mil dólares todo ano por baixo da mesa. E acredito
que o senhor possa afastar da heroína esse falso ator viril de meu estúdio. Mas
isso não me importa e eu tenho condições de financiar meus próprios filmes.
Porque eu odeio esse patife do Fontane. Diga a seu chefe que esse é um favor
que não posso fazer, mas que ele pode me procurar de novo para qualquer outra
coisa. Qualquer outra coisa, mesmo.
Seu canalha
nojento, então por que diabo você me trouxe de tão longe para cá?, pensou
Hagen. O produtor tinha algo em mente.
— Acho que o senhor
não compreende a situação — disse Hagen friamente — O Sr. Corleone é padrinho
de Johnny Fontane. Isso é uma relação religiosa muito sagrada, muito íntima.
Woltz curvou a cabeça
em sinal de respeito ante essa referência à religião.
— Os italianos —
prosseguiu Hagen — Têm uma piada a respeito de que o mundo é tão duro que um
homem precisa ter dois pais para cuidar dele, e é o motivo por que eles têm
padrinhos. Como o pai de Johnny morreu, o Sr. Corleone sente a sua
responsabilidade ainda mais profundamente. Quanto a procurá-lo novamente, o Sr.
Corleone é extremamente sensível. Ele nunca pede um segundo favor quando lhe
recusaram o primeiro.
Woltz deu de ombros.
— Lamento muito. A
resposta continua a ser não. Mas, desde que o senhor está aqui, quanto me
custará para evitar essa complicação trabalhista? A dinheiro. Agora mesmo.
Isso resolveu um
problema de Hagen. Por que Woltz estava perdendo tanto tempo com ele quando já
havia decidido não dar o papel a Johnny? E isso não podia ser mudado nessa
reunião. Woltz sentia-se seguro; não tinha medo do poder de Don Corleone. E
certamente Woltz, com suas ligações políticas nacionais, sua intimidade com o
chefe do FBI, sua imensa fortuna pessoal e seu poder absoluto na indústria
cinematográfica, não se sentia ameaçado por Don Corleone. Para qualquer homem
inteligente, mesmo para Hagen, parecia que Woltz tinha avaliado corretamente a
sua situação. Ele não seria derrotado por Don Corleone, se estivesse disposto a
arcar com os prejuízos que a disputa trabalhista custaria. Havia apenas uma
coisa errada nessa questão toda. Don Corleone havia prometido ao afilhado que
conseguiria o papel para ele, e Don Corleone nunca, segundo sabia Hagen, havia
deixado de cumprir a palavra em tais casos.
— O senhor está
deliberadamente interpretando mal o que eu disse — ponderou Hagen
tranqüilamente — O senhor está procurando tornar-me cúmplice de extorsão. O Sr.
Corleone promete apenas falar em seu favor nessa complicação trabalhista como
um sinal de amizade em troca de seu empenho
em favor do cliente dele. Um intercâmbio amigável de influência, nada
mais. Vejo, porém, que o senhor não me leva muito a sério. Pessoalmente, acho
que isso é um erro.
Woltz, como se estivesse
esperando por tal momento, mostrou-se bastante aborrecido:
— Compreendo
perfeitamente — falou — Isso é o estilo da Máfia, não é? Uma conversa toda doce
e macia quando o que realmente vocês estão fazendo é impor ameaças. Portanto,
deixe-me esclarecer a questão. Johnny Fontane jamais conseguirá esse papel,
apesar de servir perfeitamente para ele. Isso o tornará um grande astro. Mas
ele nunca o será porque odeio esse tipo imprestável, e vou expulsá-lo do
cinema. Durante cinco anos mantive essa moça praticando, cantando, dançando,
representando lições, gastei centenas de milhares de dólares. Eu ia fazer dela
uma estrela. Vou ser ainda mais franco, justamente para lhe mostrar que não sou
um homem de coração duro, que não foi apenas uma questão de dinheiro. Essa moça
era bonita e a figura mais estúpida que já vi na minha vida, e eu as tive aos
montes do mundo inteiro. Ela podia dar-lhe uma descarga igual à de uma
bomba-d’água. Então veio Johnny com essa sua voz oleosa e seu encanto de carcamano
e ela fugiu. Ela jogou tudo fora justamente para me tornar ridículo. Um homem
na minha posição, Sr. Hagen, não pode parecer ridículo. Tenho que despedir
Johnny.
Pela primeira vez,
Woltz conseguiu impressionar Hagen. Ele achou inconcebível que um homem com
tantos recursos permitisse que tais trivialidades afetassem o seu julgamento em
questões de negócios, e um negócio de tamanha importância. No mundo de Hagen,
no mundo dos Corleone, a beleza física, o poder sexual das mulheres, não tinha
o menor valor nos assuntos materiais. Era uma questão particular, exceto
naturalmente em questões de casamento e desgraça de família.
Hagen resolveu fazer
uma última tentativa.
— O senhor tem toda a
razão — declarou — Mas os seus ressentimentos são tão importantes? Acho que o
senhor não compreendeu como é fundamental para o meu cliente esse favor tão
pequeno. O Sr. Corleone segurou o Johnny em seus braços quando ele foi
batizado. Quando o pai de Johnny morreu, o Sr. Corleone assumiu os deveres da
paternidade; na verdade ele é chamado “Padrinho” por muitas e muitas pessoas
que querem demonstrar seu respeito e gratidão pelo auxílio que ele lhes deu. O
Sr. Corleone nunca deixou os amigos na mão.
— Já ouvi demais —
disse Woltz, levantando-se — Bandidos não me dão ordens, eu sim é que dou
ordens a eles. Se eu pegar o telefone, você passará a noite na cadeia. E se
esse canalha da Máfia procurar usar de violência, ele verá que não sou um
diretor de banda. Sim, já ouvi essa história também. Ouça, o seu amigo Sr.
Corleone não sabe o que lhe pode acontecer. Mesmo que eu tenha de usar a minha
influência na Casa Branca.
O estúpido, estúpido
filho da puta. Como diabo conseguira ele ser um pezzonovante, pensou Hagen.
Conselheiro do Presidente, chefe supremo do maior estúdio cinematográfico do
mundo. Decididamente, Don Corleone devia entrar no negócio de cinema. E o
sujeito estava encarando as coisas pelo lado sentimental. Não estava recebendo
a mensagem.
— Obrigado pelo jantar
e pela noite agradável — disse Hagen — Poderia conseguir-me condução para o
aeroporto? Penso que não passarei a noite aqui — sorriu friamente para Woltz —
O Sr. Corleone é um homem que gosta de receber as más notícias imediatamente.
Enquanto esperava o
carro, entre as colunas profusamente iluminadas da mansão, Hagen viu a linda
menina loura de doze anos e a mãe, que ele havia visto no escritório de Woltz
de manhã, preparando-se para entrar numa comprida limusine já estacionada na
pista de saída. Agora, porém, a boca esquisita da menina parecia ter-se
transformado numa massa rósea, espessa. Seus olhos azuis estavam toldados, e
quando ela desceu as escadas em direção ao carro aberto, suas pernas compridas
cambaleavam como as patas de um potro aleijado. A mãe sustentava a menina,
ajudando-a a entrar no carro, sussurrando ordens no seu ouvido. A cabeça da
mulher virou-se para dar uma olhada furtiva para Hagen, e ele viu em seus olhos
um triunfo, um triunfo abrasador, animalesco. Depois, a mulher também entrou na
limusine.
Assim, esse era o motivo por que ele não conseguira a carona de avião de
Los Angeles, pensou Hagen. A menina e a mãe haviam feito a viagem com o
produtor cinematográfico. Isso dera a Woltz tempo bastante para descansar antes
do jantar e para fazer o trabalho na menina. E Johnny queria viver nesse mundo?
Boa sorte para ele, e boa sorte para Woltz.
Paulie Gatto odiava
trabalhos rápidos, especialmente quando envolviam violência. Gostava de
planejar as coisas antecipadamente. E algo como o dessa noite, embora fosse uma
coisa insignificante poderia tornar-se um negócio sério se alguém cometesse um
erro. Agora, saboreando sua cerveja, ele olhava em volta, vendo como os dois
rapazes inexperientes estavam-se saindo com as duas prostitutazinhas no bar.
Paulie Gatto sabia
tudo o que se podia saber a respeito desses dois rapazes. Os nomes deles eram
Jerry Wagner e Kevin Moonan. Ambos tinham cerca de 20 anos de idade, boa
aparência, cabelo castanho, eram altos e de compleição robusta. Ambos deviam
voltar para a escola, fora da cidade, em duas semanas, ambos tinham pai com
influência política e isso, aliado à classificação escolar, tinha-os até então
mantido fora da convocação militar. Ambos estavam também sob sursis por
atacarem a filha de Amerigo Bonasera. Eram dois canalhas imundos, achava Paulie
Gatto. Fugindo à convocação, violando a liberdade condicional por beber num bar
depois da meia-noite, caçando “mariposas”. Rapazes inexperientes...
O próprio Paulie Gatto
fora dispensado provisoriamente da convocação porque o seu médico forneceu à
junta militar documentos provando que o paciente, do sexo masculino, de cor
branca, com a idade de 26 anos, solteiro, recebera tratamentos de choques
elétricos para curar um distúrbio mental. Tudo falso evidentemente, mas Paulie
Gatto sentia que fazia jus a essa isenção militar. Foi arranjada por Clemenza depois
que Gatto hesitara a respeito de ingressar no negócio da Família.
Foi Clemenza que lhe
dissera que esse trabalho deveria ser prontamente executado, antes de os dois
rapazes voltarem para a escola. Por que diabo devia ser feito em Nova York,
Gatto ignorava. Clemenza dava sempre ordens extras em vez de comunicar o
trabalho. Ora, se essas duas putinhas saíssem agora com os rapazes seria outra
noite perdida.
Ele ouviu uma das
mulheres rir e dizer:
— Você está maluco,
Jerry? Não vou em carro nenhum com você. Não quero acabar no hospital como
aquela outra pobre moça.
A sua voz denotava uma
satisfação malévola. Isso foi o bastante para Gatto. Terminou de beber sua
cerveja e saiu para a rua escura. Perfeito. Já passava da meia-noite. Havia
apenas um outro bar que estava com a luz acesa. O resto das casas comerciais se
encontrava fechado. O carro-patrulha do distrito se achava “controlado” por
Clemenza. Ele estaria longe dali até receber uma chamada pelo rádio e então
viria vagarosamente.
Paulie encostou-se no Chevrolet
de quatro portas. No assento traseiro encontravam-se sentados dois homens,
quase invisíveis, embora fossem muito grandes.
— Agarrem-nos quando
eles saírem — ordenou Paulie.
Ele ainda pensava que
tudo tinha sido estabelecido muito depressa. Clemenza lhe dera cópias
fotográficas do rosto dos dois rapazes fornecidas pela polícia, além da
informação sobre o lugar onde os rapazes iam beber toda noite para apanhar as
pequenas do bar. Paulie recrutara dois dos homens violentos da Família e
apontara-lhes os dois rapazes. Ele também fornecera-lhes instruções. Nada de
pancadas no crânio ou na nuca, não deveria haver conseqüências fatais. Fora
disso, eles podiam ir tão longe quanto quisessem. Ele lhes havia feito apenas
uma advertência.
— Se esses tipos saírem
do hospital em menos de um mês, vocês vão voltar a dirigir caminhões.
Os dois homenzarrões
estavam saindo do carro. Ambos eram ex-pugilistas que nunca haviam conseguido
qualquer sucesso e tinham sido contratados por Sonny Corleone para pequenas
transações de agiotagem, de modo que pudessem levar uma vida decente. Eles,
naturalmente, se sentiam ansiosos para mostrar sua gratidão.
Quando Jerry Wagner e
Kevin Moonan saíram do bar, estavam completamente transtornados, O escárnio das
mulheres do bar ferira-lhes sua vaidade de adolescentes. Paulie Gatto,
encostado no pára-lama do carro, gritou para eles com uma gargalhada
provocadora:
— Ei, Casanovas, essas
vagabundas deram o fora em vocês!
Os dois rapazes
viraram-se para ele com deleite. Paulie Gatto parecia o tipo perfeito para eles
descarregarem a humilhação que tinham sofrido. Cara de bobo, baixo, franzino e
atrevido. Avançaram para ele com disposição, mas logo sentiram os braços
agarrados por dois homens que os seguraram por trás. No mesmo momento, Paulie Gatto
enfiara de mansinho em sua mão direita um soco-inglês especialmente dotado de
espigões de ferro. Seu ritmo era bom, ele se exercitava no ginásio três vezes
por semana. Socou o rapaz chamado Wagner diretamente no nariz. O homem que
segurava Wagner o levantou acima do chão e Paulie girou o braço, atingindo-lhe
plenamente a virilha. Wagner ficou bambo e o homenzarrão deixou-o cair no chão.
Isso não levou mais de seis segundos.
Em seguida, os dois
homens voltaram a atenção para Kevin Moonan que estava tentando gritar. O homem
que o segurava por trás fazia isso facilmente com uma enorme mão musculosa. A
outra mão passou em torno da garganta de Moonan, a fim de evitar que ele
emitisse qualquer som.
Paulie Gatto saltou
para dentro do carro e ligou o motor. Os dois homenzarrões continuaram batendo
em Moonan cujo rosto era uma massa informe. Faziam isso com assustadora
decisão, como se tivessem todo o tempo que quisessem. Não davam socos às
tontas, mas em seqüências compassadas, lentas, que levavam todo o peso de seus
corpos maciços. Cada golpe resultava num pedaço de carne que se abria. Gatto
deu um rápido olhar para o rosto de Moonan. Estava irreconhecível. Os dois
homens deixaram Moonan deitado na calçada e voltaram sua atenção para Wagner,
que tentava pôr-se de pé e começava a gritar por socorro. Alguém saiu do bar e
os dois homens tiveram que “trabalhar” mais depressa agora. Espancaram Wagner,
que caiu de joelhos. Um dos homens pegou-lhe o braço e o torceu, depois deu-lhe
pontapés na espinha. Ouviu-se um som de algo que se partia e o grito de agonia
de Wagner fez com que janelas se abrissem em toda a extensão da rua. Os dois
homens “trabalhavam” muito depressa. Um deles mantinha Wagner suspenso, usando
as duas mãos em volta da cabeça da vítima como um torno O outro atingia com seu
enorme punho o alvo fixo. Outras pessoas saíram do bar, mas nenhuma procurou
intervir.
— Vamos embora, chega!
— gritou Paulie Gatto.
Os dois homenzarrões
saltaram para dentro do carro e Paulie deu a partida. Alguém poderia descrever
o carro e ver-lhe o número, mas isso não importava. Era uma placa da Califórnia
roubada e havia uma centena de milhares de sedans Chevrolet pretos na cidade de
Nova York.
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Frase Curiosa: "Há apenas duas maneiras de obter sucesso neste mundo: pelas próprias habilidades ou pela incompetência alheia." Jean de La Bruyère
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