CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA: 14 ANOS
CAPÍTULO
10
O
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HOSPITAL ERA PEQUENO e dispunha apenas
de uma entrada, Michael olhou pela janela para a rua lá embaixo. Havia um pátio
em curva com alguns degraus que davam para a rua, na qual não havia nenhum
carro. Quem quisesse penetrar no hospital teria de vir forçosamente por essa
entrada. Ele sabia que não tinha muito tempo, assim saiu correndo do quarto,
desceu precipitadamente os quatro pavimentos e atravessou as portas largas da
entrada do andar térreo. Olhando para o lado, viu o pátio das ambulâncias e aí
não havia qualquer carro, nem ambulância, estacionado.
Michael postou-se na
calçada do lado de fora do hospital e acendeu um cigarro. Desabotoou o paletó e
ficou sob a luz de um poste de modo que se podiam ver suas feições. Um rapaz
estava vindo rapidamente da Nona Avenida, com um embrulho debaixo do braço.
Usava uma túnica militar e tinha uma enorme cabeleira preta. Michael notou que
o rosto lhe era familiar, quando o rapaz se aproximou da luz, mas não conseguiu
reconhecê-lo. O rapaz, porém, parou em frente dele e estendeu a mão, dizendo
num sotaque italiano carregado:
— Don Michael,
lembra-se de mim? Enzo, o ajudante de padeiro de Nazorine, o Paniterra; o genro
dele. Seu pai salvou a minha vida conseguindo que o governo me deixasse ficar
aqui na América,
Michael apertou-lhe a
mão. Lembrava-se dele agora.
— Vim apresentar meus
respeitos a seu pai — continuou Enzo — Será que me deixarão entrar no hospital
tão tarde?
— Não, mas muito
obrigado assim mesmo. Direi ao velho que você esteve aqui — disse Michael,
sorrindo e balançando a cabeça.
Um carro vinha fazendo
barulho pela rua e Michael ficou em expectativa. Disse para Enzo:
— Saia daqui depressa.
Pode haver barulho. Você não vai querer envolver-se com a polícia.
Ele viu o medo
estampar-se no rosto do rapaz. Barulho com a polícia podia significar ser
deportado ou recusa de cidadania. Mas o rapaz ficou ali firme e sussurrou em
italiano:
— Se houver barulho eu
ficarei para ajudar. Devo muito ao Padrinho.
Michael ficou
emocionado. Estava para dizer novamente ao rapaz que fosse embora, mas então
pensou, por que não deixá-lo ficar? Dois homens na frente do hospital podiam
intimidar qualquer bando de Sollozzo enviado para executar um trabalho. Deu um
cigarro a Enzo e o acendeu para ele. Os dois estavam sob o poste de iluminação
na noite fria de dezembro. As vidraças amarelas do hospital, bifurcadas pelas
decorações verdes de Natal, cintilavam neles. Haviam quase acabado de fumar os
cigarros, quando um carro preto comprido e baixo virou na Rua 30 vindo da Nona
Avenida, e cruzou na direção deles, muito perto do meio-fio. Quase parou.
Michael olhou para dentro do veículo na tentativa de ver o rosto dos ocupantes,
com o corpo recuando involuntariamente. O carro parecia que ia parar, mas
acelerou a marcha novamente. Alguém o reconhecera. Michael deu outro cigarro a
Enzo e notou que as mãos do padeiro tremiam. Para sua surpresa, as suas
próprias mãos estavam firmes.
Permaneceram ali na
rua, fumando por cerca de dez minutos, quando o ar da noite foi cortado por uma
serene da polícia. Um carro-patrulha fez uma curva estridente vindo da Nona
Avenida e parou em frente ao hospital. Dois outros carros da polícia vieram
logo atrás. De repente, a entrada do hospital estava apinhada de policiais
uniformizados e detetives. Michael soltou um suspiro de alívio. O bom Sonny
devia ter tomado as necessárias providências. Deu uns passos à frente para ir
ao encontro deles.
Dois polícias enormes
e robustos agarraram-lhe os braços. Outro o revistou. Um volumoso capitão da
polícia, com galão dourado no quepe, veio subindo a escada, seus homens
separando-se, respeitosamente, para abrir caminho. Era um camarada vigoroso e
ágil, apesar do cabelo branco que o quepe não podia esconder. O seu rosto era
avermelhado. Aproximou-se de Michael e falou asperamente:
— Pensei que tivesse
trancafiado todos vocês, bandidos carcamanos. Que diabo é você e o que está
fazendo aqui?
Um dos policiais
postados ao lado de Michael disse:
— Ele está desarmado,
capitão.
Michael não respondeu.
Ficou estudando o capitão da polícia, examinando friamente o seu rosto, os seus
olhos azul-metálicos. Um detetive à paisana disse:
— Este é Michael
Corleone, o filho do Don.
— Que aconteceu com os
detetives que deviam estar guardando meu pai? Quem os tirou daqui? — perguntou Michael
calmamente.
O capitão ficou
possesso de raiva.
— Seu bandido
descarado, que diabo é você para me dizer o que devo fazer? Eu os tirei daqui.
Pouco me importa quantos gangsters carcamanos se matam uns aos outros. Se
dependesse de mim, eu não moveria um dedo para evitar que o seu velho fosse
massacrado. Agora, caia fora daqui. Caia fora dessa rua, seu fedelho, e fique
longe desse hospital, quando não for hora de visita.
Michael ainda o
estudava atentamente. Não ficara zangado com o que o capitão dizia. A sua mente
trabalhava vertiginosamente. Seria possível que Sollozzo estivesse naquele
primeiro carro e o vira postado em frente do hospital? Seria possível que
Sollozzo tivesse então chamado esse capitão e perguntado: “Como é que os homens
dos Corleone estão ainda em volta do hospital, quando eu lhe paguei para meter
todos eles na cadeia?”
Seria possível que
tudo tivesse sido cuidadosamente planejado como Sonny dissera? As peças se
encaixavam. Ainda com frieza, ele disse para o capitão:
— Não vou deixar este
hospital enquanto você não puser guardas perto do quarto de meu pai.
O capitão não se
preocupou em responder. Disse para o detetive em pé a seu lado:
— Phil, trancafie esse
fedelho.
— O garoto está
desarmado, capitão — retrucou o detetive hesitando — É herói de guerra e nunca
se meteu com negócios sujos. Os jornais podiam fazer um escândalo.
O capitão começou a
irritar-se com o detetive, seu rosto ficou vermelho de raiva.
— Com os diabos, eu
disse para trancafiar esse fedelho — gritou.
Michael, ainda pensando
claramente, perguntou com malícia intencional:
— Quanto o turco está
pagando a você para deixar o meu pai “descoberto”, capitão?
O capitão da polícia
virou-se para ele. Depois para os dois robustos policiais:
— Segurem-no.
Michael sentiu seus
braços serem imobilizados para os lados. Viu o punho enorme do capitão vindo em
direção do seu rosto. Procurou desviar-se, mas o punho pegou-lhe em cheio no
osso malar. Uma granada explodiu em seu crânio. Sua boca encheu-se de sangue e
pequenos ossos duros que ele pensou que fossem dentes. Sentiu o lado de sua
cabeça inchar como se estivesse enchendo-se de ar. Suas pernas já não pesavam,
e ele teria caído se os dois policiais não o mantivessem em pé. Mas ainda se
achava consciente. O detetive à paisana tinha-se postado à sua frente para
evitar que o capitão o atingisse novamente e estava dizendo:
— Por Deus, capitão,
você o massacrou!
O capitão retrucou em
voz alta:
— Eu não toquei nele.
Ele me atacou e caiu. Você está entendendo? Ele resistiu à prisão.
Através de um
obscurecimento vermelho, Michael pôde ver mais carros parando no meio-fio.
Homens saltavam. Um deles, que Michael reconheceu como o advogado de Clemenza,
estava agora falando com o capitão da polícia, de modo suave e seguro:
— A Família Corleone
contratou uma firma de detetives particulares para proteger o Sr. Corleone.
Estes homens aqui comigo tem licença para portar armas, capitão. Se você
prendê-los, terá de comparecer perante um juízo pela manhã e dizer por que o
fez.
O advogado olhou para
Michael.
— Você quer apresentar
queixa contra quem fez isso em você? — perguntou.
Michael tinha
dificuldade para falar. As suas mandíbulas não se juntavam, mas ele conseguiu
murmurar:
— Eu escorreguei —
respondeu — Escorreguei e caí.
Ele viu o capitão
lançar-lhe um olhar triunfante e tentou responder a esse olhar com um sorriso.
A todo custo, queria esconder a deliciosa frieza extrema que controlava seu
cérebro, a corrente de ódio extraordinariamente frio que lhe percorria o corpo.
Não queria que ninguém percebesse como se sentia no momento. Como Don Corleone
também não o faria. Depois sentiu que o transportavam para o hospital e perdeu
os sentidos.
Quando acordou na
manhã seguinte, verificou que a sua mandíbula tinha sido costurada com fio
metálico e que perdera quatro dentes do lado esquerdo da boca. Hagen estava
sentado ao lado de sua cama.
— Eles me
anestesiaram? — perguntou Mike.
— Sim — respondeu
Hagen — Tiveram de arrancar alguns fragmentos de osso de suas gengivas e
imaginaram que doeria. Além disso, você estava praticamente sem sentidos, de
qualquer forma.
— Há mais alguma anormalidade comigo? — perguntou
Michael.
— Não — respondeu
Hagen — Sonny quer você fora daqui, isto é, quer você na casa de Long Beach.
Você acha que pode ir?
— Certamente —
retrucou Michael — Papai está bem?
Hagen ficou vermelho.
— Penso que agora já
resolvemos o problema. Contratamos uma firma de detetives particulares e temos
toda a área vigiada. Darei mais detalhes a você quando entrarmos no carro.
Assentaram-se no banco
traseiro. Clemenza estava na direção. Michael sentia a cabeça estalando.
— Então, que diabo
aconteceu realmente ontem à noite, vocês conseguiram descobrir?
— Sonny tinha um homem
de confiança — respondeu Hagen calmamente — Esse detetive Philips, encarregado
de proteger você. Ele nos deu a informação. O capitão da polícia, McCluskey, é
um sujeito que tem levado “bola” alta desde o tempo em que era simples guarda.
Nossa Família tem-lhe pago um bocado de dinheiro. É ganancioso e falso, não se
podendo confiar nele. Mas Sollozzo deve ter pago a ele uma enorme quantia.
McCluskey prendeu todos os homens de Tessio que estavam dentro e fora do
hospital, logo depois das horas de visita. Não adiantou nada que alguns deles
estivessem armados. Em seguida, McCluskey retirou os detetives que oficialmente
mantinham guarda na porta de Don Corleone. Alegou que precisava deles e que
outros tiras viriam ocupar o lugar dos que haviam ido embora, mas isso não
aconteceu. Conversa fiada. Ele foi pago para deixar Don Corleone “descoberto”.
E Phillips disse que ele é o tipo do sujeito persistente. Sollozzo deve ter-lhe
dado uma fortuna, para início de conversa, e prometido quantias astronômicas
para o futuro.
— Isso que me
aconteceu foi publicado nos jornais?
— Não — respondeu
Hagen — Conseguimos abafar a notícia. Ninguém quer que isso venha ao
conhecimento público. Nem a polícia. Nem nós.
— Ótimo — retrucou
Michael — Aquele rapaz Enzo se safou bem?
— Sim — respondeu
Hagen — Foi mais esperto do que você. Quando os tiras chegaram, ele
desapareceu. Diz ele que agüentou firme com você quando o carro de Sollozzo
passou. é verdade?
— Sim — retrucou
Michael — Ele é um bom menino.
— Tomaremos conta do
rapaz — disse Hagen —Está se sentindo bem? — seu rosto denotava preocupação —
Você está com um aspecto horrível.
— Estou bem — retrucou
Michael — Qual era o nome desse capitão da polícia?
— McCluskey —
respondeu Hagen — A propósito, você pode se sentir melhor em saber que a
Família Corleone conseguiu marcar um ponto. Bruno Tattaglia, às quatro horas da
manhã.
Michael endireitou-se
no assento do carro.
— Como é que foi?
Pensei que a gente ia ficar somente na expectativa.
Hagen deu de ombros.
— Depois do que
aconteceu no hospital, Sonny engrossou. Os nossos homens estão todos espalhados
em Nova York e Nova Jersey. Fizemos a lista ontem à noite. Estou tentando
conter Sonny, Mike. Talvez você possa falar com ele. Esse negócio todo pode
ainda ser resolvido sem uma guerra arrasadora.
— Vou falar com ele —
disse Michael — Há alguma reunião esta manhã?
— Sim — respondeu Hagen
— Sollozzo finalmente entrou em contato conosco e quer um encontro. Um
intermediário está tratando dos detalhes. Isso significa que nós vencemos.
Sollozzo sabe que está perdido e quer sair com vida dessa confusão.
Hagen fez uma pausa.
— Talvez ele pensasse
que nós estivéssemos fracos, prontos para ser derrotados, porque não rechaçamos
os seus golpes. Agora com um dos filhos de Tattaglia morto, ele sabe o que
queremos dizer. Ele realmente se arriscou muito enfrentando Don Corleone. A
propósito, obtivemos a confirmação sobre Luca. Eles o mataram na noite anterior
àquela em que balearam seu pai. No cabaré de Bruno. Você pode imaginar uma
coisa dessa?
— Não é de admirar que
eles o apanhassem desprevenido — ponderou Michael.
Nas casas de Long
Beach, a entrada para a alameda estava bloqueada por um carro preto comprido,
estacionado estrategicamente bem na frente, com dois homens encostados na
capota. As duas casas de cada lado, Michael percebeu, se encontravam com as
janelas do andar superior abertas. Pelo visto,
Sonny estava realmente disposto a tudo.
Clemenza estacionou o
carro do lado de fora da alameda, e eles entraram a pé. Os dois guardas eram
homens de Clemenza e ele franziu as sobrancelhas para eles como que os
cumprimentando. Os homens acenaram com a cabeça, compreendendo. Não houve
sorrisos, nem saudações faladas. Clemenza conduziu Hagen e Michael Corleone na
direção da casa.
A porta foi aberta por
outro homem de guarda, antes que eles tocassem a campainha. Ele evidentemente
estivera olhando de uma janela. Foram então até o escritório do canto e
encontraram Sonny e Tessio esperando por eles. Sonny aproximou-se de Michael,
tomou a cabeça do irmão mais moço entre as mãos e falou em tom de brincadeira:
— Bonito, bonito.
Michael tirou as mãos
do irmão violentamente e foi até a escrivaninha onde se serviu de um pouco de
uísque, esperando que isso amortecesse a dor da mandíbula costurada com fio
metálico.
Os cinco homens
sentaram-se em poltronas espalhadas pela sala, mas o ambiente era bem diferente
daquele das primeiras reuniões que tiveram. Sonny estava mais alegre, mais
animado, e Michael compreendia o que essa alegria significava. Não havia mais
dúvida na cabeça de seu irmão mais velho. Ele estava decidido e nada o
afastaria de sua decisão. A tentativa de Sollozzo na noite passada fora o
último cartucho. Não podia haver mais qualquer possibilidade de trégua.
— Recebemos um
telefonema do intermediário, enquanto você estava ausente — informou Sonny para
Hagen — O turco quer uma reunião agora — deu uma gargalhada — Veja a ousadia
desse filho da puta! Depois que ele deu azar ontem à noite, quer uma reunião
hoje ou amanhã. Enquanto isso, pensa que vamos esperar e finalmente receber o
que ele resolver dar. Que audácia incrível!
— Que respondeu você?
— perguntou Tom cautelosamente
— Eu disse certamente,
por que não? — falou Sonny com sarcasmo — A qualquer hora que ele quiser, não
estou com pressa. Tenho cem homens na rua vinte e quatro horas por dia. Se
Sollozzo puser um fio de cabelo de fora, estará morto. Deixe que eles levem
todo o tempo que quiserem.
— Houve uma proposta
concreta? — perguntou Hagen.
— Sim — respondeu
Sonny — Ele quer que a gente mande Mike encontrar-se com ele para ouvir a sua
oferta. O intermediário garante que Mike não correrá perigo. Sollozzo não nos
pede que garanta que ele próprio não corre perigo, sabe que não pode pedir
isso. Nada de risco. Assim a reunião será organizada por ele. O seu pessoal
apanhará Mike e o levará para o local combinado. Mike ouvirá Sollozzo e depois
eles o soltarão. Mas o lugar do encontro é secreto. Ele promete que o acordo é
tão bom que não podemos rejeitar.
— E os Tattaglia? Que
farão a respeito de Bruno? — voltou a perguntar Hagen.
— Isso é parte do
acordo. O intermediário diz que a Família Tattaglia concordou em acompanhar
Sollozzo. Eles esquecerão o que aconteceu com Bruno Tattaglia. Bruno pagou pelo
que fizeram a meu pai. Uma coisa anula a outra — Sonny deu outra gargalhada —
Esses canalhas atrevidos.
— Devemos ouvir o que
têm a dizer — ponderou Hagen.
Sonny balançou a
cabeça de um lado para o outro.
— Não, não, consigliori, não desta vez — sua voz
denunciava um leve vestígio de sotaque italiano. Estava arremedando
conscientemente o pai de modo zombeteiro — Nada mais de reuniões. Nada mais de
discussões. Nada mais de truques de Sollozzo. Quando o intermediário entrar em
contato conosco outra vez para ouvir a nossa resposta,
quero que você lhe dê um recado. Quero Sollozzo. Senão haverá uma guerra total. Iremos para os colchões,
poremos todos os nossos homens na
rua. Os negócios vão ter que sofrer as conseqüências.
— As outras Famiias
não tolerarão uma guerra total — retrucou Hagen — Isso esquenta todo mundo.
Sonny deu de ombros.
— Eles têm uma solução
muito simples. Entregar-me Sollozzo. Ou brigar com a Família Corleone — Sonny
fez uma pausa, depois acrescentou asperamente — Nada mais de conselhos sobre
como remediar a situação, Tom. A decisão está tomada. A sua tarefa é ajudar-me
a vencer. Compreendeu?
Hagen baixou a cabeça.
Pensou profundamente por um momento. Depois respondeu:
— Falei com o seu
contato no distrito policial. Ele diz que o Capitão McCluskey está
decididamente na gaveta de Sollozzo e recebendo uma “bolada” alta. Não somente
isso, mas que McCluskey vai receber também dinheiro por conta do negócio de
entorpecentes. McCluskey concordou em ser guarda-costas de Sollozzo. O turco
não vai pôr a cabeça fora da toca sem a proteção de McCluskey. Quando ele
encontrar Mike para a entrevista, McCluskey estará sentado ao lado dele. À
paisana, mas portando seu revólver. Agora o que você precisa compreender,
Sonny, é que enquanto Sollozzo estiver protegido dessa maneira ele será
invulnerável. Ninguém até hoje abateu um capitão da polícia de Nova York sem
que deixasse de pagar por isso. O ambiente para nós nessa cidade ficaria
insuportável com os jornais, o departamento de polícia inteiro, as igrejas,
tudo. Isso seria um desastre completo. As Famílias viriam em cima de você. A
Família Corleone estaria condenada. Até a proteção política do velho
desapareceria. Assim, leve tudo isso em conta.
Sonny deu de ombros.
— McCluskey não pode
ficar a vida toda com o turco. Nós esperaremos.
Tessio e Clemenza
tiravam baforadas de seus charutos tranqüilamente, não se atrevendo a falar,
mas suando. Era a pele deles que correria maior perigo, se fosse tomada a
decisão errada.
Michael falou pela
primeira vez, dirigindo-se a Hagen:
— Será que o velho
pode ser transferido do hospital aqui para a alameda?
Hagen balançou a
cabeça negativamente.
— Isso foi a primeira
coisa que perguntei. Impossível. Ele está em péssimas condições. Ficará bom,
mas por enquanto precisa de toda a atenção, talvez de mais alguma operação.
Impossível.
— Então é preciso
liquidar Sollozzo imediatamente — atalhou Michael — Não podemos esperar. O tipo
é muito perigoso. Daqui a pouco ele vem com uma idéia nova. Lembre-se, o
importante para ele é livrar-se do velho. Ele sabe disso, mas sabe que agora é
muito difícil, assim está querendo aceitar a derrota em troca de sua vida. Mas
se ele vai ser assassinado de qualquer modo tentará novamente matar Don
Corleone. E, com o seu capitão da polícia ajudando-o, quem sabe que diabo
poderá acontecer? Não podemos correr esse isco. Temos de liquidar Sollozzo
imediatamente.
Sonny estava coçando o
queixo pensativamente.
— Você tem razão, garoto
— disse ele — Você atingiu o alvo em cheio. Não podemos permitir que Sollozzo
tente novamente matar o velho.
— E o Capitão
McCluskey? — perguntou Hagen calmamente.
Sonny voltou-se para
Michael com um sorriso meio esquisito.
— Sim, garoto, e esse
duro capitão da polícia?
Michael respondeu de
modo vagaroso.
— Está bem, é uma
coisa extrema. Mas há ocasiões em que as medidas mais extremas são
justificáveis. Vamos pensar então que teremos de matar McCluskey. O meio de
fazê-lo seria conseguir que ele ficasse tão implicado nisso que não fosse um
honesto capitão de polícia cumprindo o seu dever mas um policial corrupto
metido com bandidos que acabou por merecer o que lhe aconteceu, como teria
acontecido a qualquer sujeito safado. Temos gente da imprensa na nossa gaveta,
a quem podemos dar essa história com provas bastantes para que os jornais
divulguem a notícia detalhadamente. Isso abrandaria as coisas. Que parece isso?
Michael olhou
atentamente para os circunstantes. Tessio e Clemenza estavam taciturnos e recusaram-se
a falar. Sonny respondeu com o mesmo sorriso meio esquisito.
— Continue a falar,
garoto, você está indo muito bem. Deixemos as crianças falar, como o velho
gostava sempre de dizer. Prossiga, Mike, diga-nos mais alguma coisa.
Hagen estava rindo
também um pouco e desviando a cabeça. Michael ficou vermelho.
— Bem, eles querem que
eu vá a uma entrevista com Sollozzo. Seremos eu, Sollozzo e McCluskey por nossa
própria conta. Combinem a reunião para daqui a dois dias, depois procurem fazer
os nossos informantes descobrir onde a mesma será realizada. Insistam em que
deverá ser um lugar público, pois não vou permitir que me levem para
apartamentos ou casas. Poderá ser um restaurante ou um bar em plena hora do
jantar, ou algo parecido, de forma que eu me sinta seguro. Eles se sentirão
seguros também. Nem Sollozzo imaginará que nos atreveremos a atirar no capitão.
Eles me revistarão quando eu encontrá-los, assim terei de estar desarmado, mas
inventem um meio de passar-me uma arma enquanto eu estiver com eles. Então,
liquidarei os dois.
As quatro cabeças
viraram-se e olharam para Michael. Clemenza e Tessio estavam seriamente
espantados. Hagen olhou um pouco triste, mas não surpreso. Ele começou a falar
e a pensar melhor no assunto. Mas Sonny, com sua enorme cabeça de cupido
movendo-se de alegria, irrompeu bruscamente em altas gargalhadas. Eram
gargalhadas profundamente espontâneas, não simuladas. Estava realmente
estourando de rir. Ele apontou com o dedo para Michael, procurando falar por
entre arrancos de hilaridade.
— Você, o garoto da
escola de alta classe, nunca quis meter-se no negócio da Família. Agora quer
matar um capitão da polícia e o turco somente porque McCluskey lhe amassou a
cara. Você está tomando a coisa em caráter pessoal, isso é apenas negócio e não
uma oportunidade para se vingar. Quer matar esses dois sujeitos só porque
apanhou na cara. Isso fui apenas um lance de dados. Todos esses anos têm sido
assim.
Clemenza e Tessio, sem
compreender nada, pensando que Sonny estivesse achando graça da bravata do
irmão mais moço em fazer tal proposta, também estavam rindo francamente, embora
de um modo um tanto indulgente para Michael. Só Hagen precavidamente
mantinha-se impassível.
Michael correu o olhar
por todos eles, depois fixou a vista em Sonny, que ainda não podia parar de
rir.
— Você
liquidará os dois? — perguntou Sonny — Olhe aqui, garoto, eles não lhe darão
medalhas por isso, eles o levarão à cadeira elétrica. Você sabe disso? Isso não
é trabalho para heróis, garoto, você não vai atirar em gente a quase dois
quilômetros de distância. Você vai atirar quando vir o branco dos olhos deles,
como nos ensinaram na escola, lembra-se? Você vai ter que ficar bem pertinho
deles e estourar-lhes a cabeça e ver os miolos escorrer pela sua roupa limpinha
de bom-moço. Que é que tem a dizer, garoto, você quer fazer isso só porque um
polícia estúpido lhe bateu?
Sonny ainda estava
rindo.
Michael levantou-se.
— É melhor você parar
de rir — falou.
A transformação que
Michael sofreu foi tão extraordinária que os sorrisos desapareceram dos rostos
de Clemenza e Tessio. Michael não era alto nem de constituição robusta, mas a
sua presença parecia irradiar perigo. Nesse momento, ele era a reencarnação do
próprio Don Corleone. Seus olhos adquiriram um tom castanho-pálido e seu rosto
estava completamente branco. Parecia disposto a atirar-se a qualquer momento
sobre o irmão mais velho e mais forte. Não havia dúvida de que se ele tivesse
uma arma na mão, Sonny correria perigo; Sonny parou de rir, e Michael
perguntou-lhe numa voz extremamente fria:
— Você pensa que não
sou capaz de fazê-lo, seu sacana?
Sonny havia conseguido
dominar o ataque de riso.
— Sei que você é capaz
de fazê-lo — respondeu — Eu não estava debochando do que você disse. Estava
apenas rindo por ver como as coisas se tornam engraçadas. Eu sempre disse que
você era o mais duro da Família, mais duro do que o próprio velho. Você era o
único que podia agüentar papai. Eu me lembro quando você era criança. Que gênio
você tinha então. Diabo, você até gostava de brigar comigo, que era muito mais
velho do que você. E Freddie tinha de lhe agüentar a fúria pelo menos uma vez
por semana. E agora Sollozzo pensa que você é o moleirão da Família porque você
apanhou de McCluskey sem revidar e não quer se meter nas brigas da Família. Ele
acha que não precisa preocupar-se, se encontrar com você frente a frente. E
McCluskey também, ele pensa que você é um carcamano frouxo.
Sonny fez uma pausa e
depois continuou brandamente:
— Mas, afinal de
contas, você é um Corleone, seu sacana. E eu era o único que sabia disso. Estou
aqui sentado há três dias, desde que o velho foi baleado, esperando que você
tire essa máscara cagada de bom-moço, de herói de guerra, que você estava
usando. Estou aqui esperando que você se torne meu braço direito para que a gente
possa liquidar esses patifes que procuram destruir nosso pai e nossa Família. E
foi preciso apenas um murro na cara. Que tal lhe parece isso? — Sonny fez um
gesto cômico com a mão, e repetiu — Que lhe parece isso?
A tensão baixou
imediatamente na sala. Mike balançou a cabeça.
— Sonny, estou fazendo
isso porque é a única coisa que está ao meu alcance. Não posso dar a Sollozzo
outra oportunidade de atacar o velho. Parece que sou o único que pode chegar
bem perto dele. E refleti bastante na coisa. Penso que você não conseguirá
outra pessoa para eliminar um capitão da polícia. Talvez você o fizesse, Sonny,
mas você tem mulher e filhos e precisa dirigir o negócio da Família até o velho
entrar em forma. Assim, só restam Freddie e eu. Freddie se acha em estado de
choque e fora de ação. Finalmente, resto eu apenas. Tudo é lógico. O murro na
cara não tem nada a ver com isso.
Sonny aproximou-se
dele e o abraçou.
— Não dou a menor
importância às razões que você apresente, desde que você esteja agora conosco.
E vou lhe dizer outra coisa, você está sempre certo. Tom, o que me diz?
Hagen deu de ombros.
— O argumento é
válido. O que o faz assim é que penso que o turco não está sendo sincero a
respeito de um acordo. Acho que ainda tentará apanhar Don Corleone. De qualquer
modo, pelo seu comportamento no passado, isso é o que podemos imaginar dele.
Assim, temos de procurar liquidar Sollozzo. Temos de matá-lo mesmo que sejamos
forçados a liquidar o capitão da polícia também. Mas quem executar o trabalho
vai ter de sofrer o diabo. Tem de ser Mike?
— Eu podia fazer isso
— respondeu Sonny brandamente.
Hagen balançou a
cabeça impacientemente.
— Sollozzo não
deixaria você chegar a dois quilômetros de distância dele nem que estivesse em
companhia de dez capitães da polícia. Além disso, você é o chefe interino da
Família. Não pode expor-se ao perigo — Hagen fez uma pausa e perguntou a
Clemenza e Tessio — Algum de vocês dois tem um homem de categoria, alguém
realmente especial, que pudesse encarregar-se desse trabalho? Ele não precisaria
preocupar-se com dinheiro pelo resto da vida.
Clemenza falou
primeiro.
— Ninguém que Sollozzo
não conhecesse, ele compreenderia imediatamente. Ele também compreenderia se eu
ou Tessio fosse também.
— Que tal alguém
realmente duro que ainda não fez cartaz, um tipo com cara de bobo? — perguntou
Hagen.
Os dois caporegimes balançaram a cabeça
negativamente. Tessio sorriu para abrandar o que ia dizer e respondeu:
— Isso é como tirar um
sujeito da liga barbante para disputar o campeonato mundial.
— Tem de ser Mike —
atalhou Sonny rispidamente — Por um milhão de razões. A mais importante é que
eles o desmoralizaram. E ele pode executar o trabalho, garanto isso, o que é
importante porque esse é o único golpe que podemos dar nesse nojento turco.
Assim, temos de imaginar qual o melhor meio de ajudá-lo. Tom, Clemenza e
Tessio, descubram para onde Sollozzo o levará, a fim de realizar a reunião, não
me importo quanto custará isso. Quando descobrirmos, poderemos imaginar um meio
de fazer uma arma chegar ás suas mãos. Clemenza, quero que você arranje para
ele uma arma completamente “segura” de sua coleção, a “mais fria” que você
tiver. Impossível de se identificar a quem pertence. Procure fazê-la de cano
curto com um bocado de pólvora de explosão. Não precisa estar bem calibrada.
Ele estará bem em cima deles quando atirar. Mike, assim que você tiver atirado,
jogue a arma no chão. Não se deixe apanhar com ela na mão. Clemenza, enrole o
cano e o gatilho com esse “negócio” especial que você tem para não deixar
impressões digitais. Lembre-se, Mike, podemos subornar tudo, testemunhas etc.,
mas se o apanharem com a arma na mão vai ser difícil resolver isso. Teremos
transporte e proteção, depois faremos você desaparecer para umas boas longas
férias até que a situação se acalme. Você vai estar ausente por muito tempo,
Mike, mas não quero que você se despeça de sua garota nem mesmo que telefone
para ela. Depois que tudo estiver terminado e você estiver fora do país,
mandarei dizer a ela que você está bem. Estas são as ordens.
Sonny sorriu para o
irmão.
— Agora vá com
Clemenza e acostume-se a manejar a arma que ele escolher. Talvez seja preciso
praticar um pouco. Eu cuidarei de tudo o mais. Tudo. Está bem, garoto?
Outra vez, Michael
Corleone sentiu aquele delicioso frio refrescante percorrer-lhe todo o corpo.
Ele disse para o irmão:
— Você não devia
ter-me dito essa bobagem a respeito de não falar com a minha garota sobre uma
coisa como essa. Que diabo você pensava que eu ia fazer, telefonar para ela
para dizer-lhe adeus?
— Está bem, mas você
ainda é um caipira e assim tenho de lhe lembrar bem as coisas. Esqueça isso —
retrucou Sonny.
— Que diabo quer você
dizer com caipira? — perguntou Michael sarcasticamente — Prestei tanta atenção
no velho quanto você. Como acha que fiquei tão esperto?
Ambos deram uma
gargalhada.
Hagen serviu bebidas
para todos. Parecia um pouco taciturno. O estadista obrigado a ir para a
guerra, o advogado obrigado a ir para a sua banca.
— Bem, de qualquer
forma, agora sabemos o que é que vamos fazer — declarou ele.
Frase Curiosa: "Há apenas duas maneiras de obter sucesso neste mundo: pelas próprias habilidades ou pela incompetência alheia." Jean de La Bruyère
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