— CAPÍTULO SETE —
Bagman e Crouch
HARRY SE DESVENCILHOU DE
RONY E SE LEVANTOU. Tinham chegado, pelo que parecia, a um trecho deserto de
uma charneca imersa em névoa. Diante deles havia dois bruxos cansados, com cara
de rabugentos, um dos quais segurava um grande relógio de ouro, e o outro, um
grosso rolo de pergaminho e uma pena. Ambos estavam vestidos como trouxas,
embora sem muita habilidade, o homem do relógio usava um terno de tweed com
botas de borracha até as coxas, o colega, um saiote escocês e um poncho.
— Bom
dia, Basílio! — cumprimentou o Sr. Weasley, apanhando a bota que os
transportara e entregando-a ao bruxo de saiote, que a atirou em uma grande
caixa de chaves de portal usadas, a um lado.
Harry
viu, entre elas, um jornal velho, latas de bebidas vazias e uma bola de futebol
furada.
—
Olá, Arthur — disse Basílio em tom entediado — Não está de serviço não, é? Tem
gente que se dá bem... estivemos aqui a noite toda... é melhor você desimpedir
o caminho, temos um grupo grande chegando da Floresta Negra às sete e quinze.
Espere um pouco, me deixe ver onde é que você vai ficar... Weasley...
Weasley... — ele consultou a lista no pergaminho — A uns quatrocentos metros
para aquele lado, primeiro acampamento que você encontrar. O gerente é o Sr.Roberts.
Diggory... segundo acampamento... pergunte pelo Sr. Payne.
—
Obrigado, Basílio — disse o Sr. Weasley e fez sinal para todos o acompanharem.
Eles saíram pela charneca deserta, incapazes de distinguir muita coisa através
da névoa.
Passados
uns vinte minutos, avistaram uma casinha de pedra ao lado de um portão. Mais
além, Harry pôde distinguir mal e mal as formas fantasmagóricas de centenas de
barracas, montadas na ondulação suave de um grande campo, no rumo de uma
floresta escura no horizonte. Eles se despediram dos Diggory e se aproximaram
da casa.
Havia
um homem parado à porta, contemplando as barracas. Harry soube só de olhar que
aquele era o único trouxa legítimo numa área de muitos hectares. Quando o
trouxa ouviu os passos do grupo, virou a cabeça para olhá-los.
— Bom
dia! — cumprimentou o Sr. Weasley animado.
— Bom
dia! — disse o trouxa.
— O
senhor seria o Sr. Roberts?
— É,
seria — respondeu o Sr. Roberts — E quem é o senhor?
—
Weasley, duas barracas reservadas há uns dois dias?
—
Certo — confirmou o Sr. Roberts, consultando uma lista pregada à porta — O
lugar é lá perto da floresta. Só uma noite?
—
Isso — respondeu o Sr. Weasley.
— O
senhor vai pagar agora, então? — perguntou o Sr. Roberts.
—
Ah... certo... é claro.
O Sr.
Weasley se afastou um pouco da casa e fez sinal a Harry para acompanhá-lo.
— Me
ajude, Harry — murmurou, puxando do bolso um rolinho de dinheiro de trouxa e
começando a separar as notas — Esta aqui é de... de... de dez? Ah é, vejo agora
que tem um número... então esta é de cinco?
— De
vinte — corrigiu-o Harry falando baixo, incomodamente consciente de que o Sr.
Roberts estava tentando ouvir cada palavra que diziam.
— Ah
é, é mesmo... não sei, esses pedacinhos de papel...
— É
estrangeiro? — perguntou o Sr. Roberts, quando o Sr. Weasley voltou com o
dinheiro certo.
—
Estrangeiro? — repetiu o bruxo, intrigado.
— O
senhor não é o primeiro que se atrapalha com o dinheiro — disse o gerente,
observando o Sr. Weasley atentamente — Tive dois querendo me pagar com grandes
moedas de ouro do tamanho de calotas de automóvel faz uns dez minutos.
—
Sério? — disse o Sr. Weasley nervoso.
O Sr.
Roberts vasculhou uma lata à procura de troco.
—
Nunca esteve tão cheio — disse ele de repente, voltando outra vez o olhar para
o campo enevoado — Centenas de reservas. As pessoas em geral aparecem sem
aviso...
—
Verdade? — exclamou o Sr. Weasley, a mão estendida à espera do troco, mas o Sr.Roberts
não lhe deu nenhum.
— É —
disse pensativo — Gente de toda parte. Montes de estrangeiros. E não são só
estrangeiros. Gente esquisita, sabe? Tem um sujeito andando por aí de saiote e
poncho.
— E
não devia? — perguntou o Sr. Weasley ansioso.
—
Parece que é uma espécie de... uma espécie de convenção — comentou o Sr. Roberts — Parece que todos se conhecem.
Como numa grande festa.
Naquele
momento, um bruxo de bermudão largo materializou-se do nada ao lado da porta da
casa do Sr. Roberts.
—
Obliviate!— disse ele bruscamente, apontando a varinha para o Sr. Roberts.
Instantaneamente
os olhos do Sr. Roberts saíram de foco, suas sobrancelhas se desfranziram e um
olhar de vaga despreocupação cobriu o seu rosto. Harry reconheceu os sintomas
de alguém que acabara de ter a memória alterada.
— Um
mapa do acampamento para o senhor — disse o homem, placidamente, ao Sr. Weasley
— E o seu troco.
—
Muito obrigado!
O
bruxo de bermudão acompanhou o grupo em direção ao portão do acampamento.
Parecia exausto, a barba por fazer azulava seu queixo e havia olheiras roxas
sob seus olhos. Uma vez longe do raio de audição do gerente, ele murmurou para
o Sr. Weasley.
—
Estou tendo um bocado de problemas com ele. Precisa de um Feitiço de Memória
dez vezes por dia para ficar feliz. E Ludo Bagman não está ajudando. Anda por
aí falando em balaços e goles a plenos pulmões, sem a menor preocupação com a
segurança. Pombas, vou gostar quando isso terminar. Vejo você mais tarde,
Arthur.
E
desaparatou.
—
Pensei que o Sr. Bagman fosse Chefe de Jogos e Esportes Mágicos — disse Gina
parecendo surpresa — Devia ter mais juízo e parar de falar de balaços perto de
trouxas, não devia?
—
Devia — concordou o Sr. Weasley, sorrindo e passando com os garotos pelo portão
do acampamento — Mas Ludo sempre foi um pouco... bem... displicente com a segurança. Mas não se poderia desejar um chefe
mais entusiasta para o Departamento de Esportes. Ele jogou Quadribol pela
Inglaterra, sabem. E foi o melhor batedor do Wimbourne Wasps que o time já teve.
O
grupo avançou lentamente pelo campo entre longas fileiras de barracas. A
maioria parecia quase normal, os donos tinham visivelmente tentado o possível
para fazê-las parecer equipamento de trouxas, embora tivessem cometido alguns
deslizes ao acrescentarem chaminés ou cordões de sinetas ou cata-ventos. Porém,
aqui e ali, havia uma barraca tão obviamente mágica que Harry não se
surpreendia que o Sr. Roberts estivesse desconfiado.
Lá
para o meio do campo, havia uma extravagante produção de seda listrada como um
palácio em miniatura, com vários pavões vivos amarrados à entrada. Um pouco
adiante, eles passaram por uma barraca que tinha três andares e várias
torrinhas e, mais além, havia uma outra com um jardim anexo, completo, com
banho para passarinhos, relógio de sol e fonte.
—
Sempre os mesmos — comentou o Sr. Weasley sorrindo — Não conseguimos deixar de
nos exibir quando nos reunimos. Ah, lá está, olhem, aquela é a nossa.
Tinham
alcançado a orla da floresta no alto do campo, e ali havia uma área livre com
um pequeno letreiro enfiado no chão em que se lia “Weezly”.
— Não
podíamos ter ganhado um lugar melhor! — exclamou o Sr. Weasley feliz — O campo
preparado para as partidas é logo do outro lado da floresta, estamos o mais
perto que poderíamos estar.
Ele
descarregou a mochila dos ombros.
—
Certo — disse excitado — Rigorosamente falando, nada de mágicas, não quando
estamos no mundo dos trouxas em tão grande número. Vamos armar estas barracas à
mão! Não deve ser muito difícil... os trouxas fazem isso o tempo todo... tome,
Harry, por onde você acha que devo começar?
Harry
nunca acampara na vida, os Dursley nunca o haviam levado em férias, preferindo
deixá-lo com a Sra. Figg, uma velha vizinha. No entanto, ele e Hermione
descobriram como distribuir os paus e as estacas, e embora o Sr. Weasley
atrapalhasse mais do que ajudasse, porque ficara excitadíssimo quando
precisaram usar o martelo, eles finalmente conseguiram erguer duas barracas
modestas para duas pessoas cada.
Todos
se afastaram para admirar a habilidade manual deles. Ninguém que visse aquelas
barracas teria adivinhado que pertenciam a bruxos, pensou Harry, mas o problema
era que quando Gui, Carlinhos e Percy chegassem, eles formariam um grupo de dez
pessoas.
Hermione
parecia ter identificado esse problema também, lançou a Harry um olhar cômico
quando o Sr. Weasley ficou de quatro e entrou na primeira barraca.
—
Vamos ficar meio apertados — comentou ele — Mas acho que vai dar para nos
espremermos. Venham dar uma olhada.
Harry
se abaixou, passou por baixo da aba de entrada e sentiu o queixo cair. Entrara
em uma barraca que parecia um apartamento antigo de três quartos, completo, com
banheiro e cozinha. E o que era curioso, estava mobiliado no mesmíssimo estilo
que o da Sra. Figg; havia capas de crochê nas poltronas sem par e um forte
cheiro de gatos.
—
Bom, não é para muito tempo — disse o Sr. Weasley, secando a careca com um
lenço e espiando as quatro camas beliches que havia no quarto — Pedi a barraca
emprestada ao Perkins, lá do escritório. Ele não acampa muito atualmente,
coitado, está com lumbago.
O Sr.
Weasley apanhou uma chaleira empoeirada e espiou dentro.
—
Vamos precisar de água...
— Tem
uma torneira assinalada no mapa que o trouxa nos deu — disse Rony, que seguira
Harry para dentro da barraca e parecia completamente indiferente a essas
extraordinárias proporções internas — Fica do outro lado do campo.
—
Bom, então por que você, Harry e Hermione não vão apanhar um pouco de água... —
o bruxo entregou aos garotos a chaleira e duas caçarolas —... E nós vamos
apanhar lenha para fazer uma fogueira.
— Mas
temos um forno — lembrou Rony — Por que não podemos...?
—
Rony, segurança antitrouxa! — disse o Sr. Weasley, o rosto brilhando de
expectativa — Quando os trouxas de verdade acampam, eles cozinham em fogueiras
ao ar livre, já os vi fazendo isso!
Depois
de uma rápida visita à barraca das garotas, que era ligeiramente menor do que a
deles, embora sem o cheiro de gato, Harry, Rony e Hermione atravessaram o
acampamento levando as vasilhas.
Agora,
com o sol de fora e a névoa se dissipando, eles puderam ver a cidade de lona
que se estendia para todas as direções. Caminharam lentamente entre as fileiras
de barracas, espiando tudo com interesse. Harry estava começando a se indagar
quantos bruxos e bruxas devia haver no mundo, ele nunca pensara realmente nos
bruxos de outros países.
Seus
companheiros de acampamento iam acordando aos poucos. Os primeiros a dar sinal
de vida foram às famílias com crianças pequenas, Harry nunca vira bruxos tão
pequenos antes. Um pirralhinho, que não tinha mais de dois anos, estava
agachado do lado de fora de uma barraca em forma de pirâmide, empunhando uma
varinha com a qual cutucava, feliz, um caramujo na grama, que ia ganhando
lentamente o tamanho de um salame. Quando se emparelharam com ele, a mãe saiu
correndo da barraca.
—
Quantas vezes tenho de dizer, Kevin? Não pode... mexer... na... varinha... do
papai!
Putz!
Ela
pisou no enorme caramujo, estourando-o. A bronca acompanhou os garotos pelo ar
parado, se misturando aos gritos do garotinho:
—
Você cabou caramujo! Você cabou caramujo!
Um
pouco mais adiante, eles viram duas bruxinhas, pouco mais velhas do que Kevin,
cavalgando vassouras de brinquedo que se elevavam o suficiente para os dedos
dos pés das meninas rasparem a grama orvalhada. Um bruxo do Ministério já as
vira, quando passou correndo por Harry, Rony e Hermione, murmurava agitado:
— Em
plena luz do dia! Os pais devem estar cochilando, suponho...
Aqui
e ali bruxos e bruxas adultos saíam das barracas e começavam a preparar o café
da manhã. Alguns, lançando olhares furtivos para os lados, conjuravam fogueiras
com as varinhas, outros acendiam fósforos com ar de dúvida, como se tivessem
certeza de que aquilo não ia funcionar. Três bruxos africanos conversavam
sentados, trajando longas vestes brancas, enquanto assavam uma carne que
parecia coelho sobre uma fogueira púrpura berrante. Um grupo de bruxas
americanas de meia-idade fofocava alegremente sob a bandeira estrelada que elas
haviam estendido entre as barracas, na qual se lia Instituto das Bruxas de
Salém. Harry captava fragmentos de conversas em línguas estranhas que saíam das
barracas pelas quais passavam, e embora não conseguisse entender uma única
palavra, o tom das vozes era de excitação.
—
Hum... são os meus olhos ou tudo ficou verde? — perguntou Rony.
Não
eram os olhos de Rony. Os garotos tinham entrado em uma área em que as barracas
estavam cobertas por uma camada de trevos, dando a impressão de que morros de
formas estranhas haviam brotado da terra. Viam-se rostos sorridentes nas
barracas com a aba da entrada erguida. Então, às costas, os garotos ouviram
alguém gritar seus nomes.
—
Harry! Rony! Hermione!
Era
Simas Finnigan, um colega quartanista da Grifinória. Estava sentado diante de
uma barraca coberta de trevos, em companhia de uma mulher de cabelos
louro-claros que só podia ser sua mãe e com Dino Thomas, também da Grifinória.
—
Gostaram da decoração? — perguntou Simas sorrindo, quando Harry, Rony e
Hermione se aproximaram para cumprimentá-los — O Ministério não está nada
feliz.
— E
por que não deveríamos mostrar nossas cores? — perguntou a Sra. Finnigan —
Vocês deviam ver o que os búlgaros penduraram nas barracas deles. Vocês vão
torcer pela Irlanda, naturalmente? — acrescentou ela fixando Harry, Rony e
Hermione com insistência.
Depois
de terem tranquilizado a senhora de que realmente iam torcer pela Irlanda, os
garotos seguiram caminho, embora Rony tivesse comentado:
—
Como se a gente fosse dizer que não ia, com aquela turma em volta.
— Que
será que os búlgaros penduraram nas barracas? — indagou Hermione.
—
Vamos dar uma olhada — disse Harry, apontando para uma grande área de barracas
mais adiante, onde a bandeira da Bulgária, vermelha, verde e branca, tremulava
a brisa.
As
barracas não estavam enfeitadas com plantas, mas cada uma exibia o mesmo
pôster, um pôster com um rosto muito carrancudo com grossas sobrancelhas
negras. A foto, é claro, se mexia, mas apenas para piscar os olhos e franzir a
testa.
—
Krum — disse Rony em voz baixa.
—
Quê? — perguntou Hermione.
—
Krum! — repetiu Rony — Vítor Krum, o apanhador búlgaro!
— Ele
parece bem rabugento — comentou Hermione, olhando para os muitos Krums que
piscavam e franziam a testa para eles.
— Bem
rabugento? — Rony olhou para o céu — Quem se importa com a cara dele? Ele é
incrível! E é bem moço, também. Tem uns dezoito anos, por aí. É um gênio,
espere até ver hoje à noite.
Já
havia uma pequena fila à torneira no canto do acampamento. Harry e Rony
entraram logo atrás de dois homens que discutiam acaloradamente. Um deles era
um bruxo muito velho que usava uma longa camisola florida. O outro era
visivelmente um bruxo do Ministério, este segurava calças listradas e quase
chorava de exasperação.
—
Vista as calças, Arquibaldo, seja bonzinho, você não pode andar por aí vestido
assim, o trouxa no portão já está ficando desconfiado...
—
Comprei isso numa loja de trouxas — defendeu-se o velho bruxo, teimando — Os
trouxas usam isso.
—
Mulheres trouxas usam isso, Arqui, não os homens, eles usam isto aqui — disse o
bruxo do Ministério mostrando as calças listradas.
— Não
vou vestir isso — retrucou o velho bruxo indignado — Gosto de sentir uma brisa
saudável nas minhas partes, obrigado!
Hermione
foi tomada por um tal acesso de riso, nessa hora, que precisou sair da fila e
só voltou depois que Arquibaldo tinha se abastecido de água e fora embora.
Caminhando
mais devagar agora, por causa do peso da água, os garotos tornaram a atravessar
o acampamento. Aqui e ali, eles viam rostos mais familiares: outros alunos de
Hogwarts com as famílias.
Olívio
Wood, o ex-capitão de Quadribol do time de Harry, que terminara os estudos em
Hogwarts, arrastou o garoto até a barraca dos pais para apresentá-lo, e lhe
contou cheio de excitação que acabara de entrar para o time de reserva do
Puddlemere United. Depois os garotos foram saudados por Ernesto Macmillan, um
quartanista da Lufa-Lufa, e, mais adiante, viram Cho Chang, uma garota muito
bonita que jogava como apanhadora no time da Corvinal. Ela acenou e sorriu para
Harry, que derramou um bocado de água na roupa ao retribuir o aceno. Mais para
impedir Rony de caçoar do que por outro motivo, Harry apontou depressa para um
enorme grupo de adolescentes que ele nunca vira antes.
— De
onde você acha que eles são? — perguntou Harry — Eles não frequentam Hogwarts, frequentam?
—
Devem frequentar alguma escola estrangeira — sugeriu Rony — Sei que há outras,
mas nunca encontrei ninguém que estudasse nelas. Gui teve uma correspondente em
uma escola no Brasil... isto foi há anos... e ele quis ir para lá numa viagem
de intercâmbio, mas mamãe e papai não tiveram dinheiro para bancar a viagem. A
moça ficou toda ofendida quando ele disse que não ia e mandou para ele um
chapéu enfeitiçado. As orelhas dele murcharam.
Harry
riu, mas não manifestou a surpresa que era saber que havia outras escolas de
magia. Supôs, agora que via representantes de tantas nacionalidades no
acampamento, que fora muito burro por jamais ter imaginado que Hogwarts não
poderia ser a única. Ele olhou para Hermione, que não demonstrara a menor
surpresa com a informação. Sem dúvida, ela devia ter visto referências a outras
escolas de magia em algum livro.
—
Vocês demoraram uma eternidade — comentou Jorge, quando eles finalmente
chegaram às barracas dos Weasley.
—
Encontramos alguns conhecidos — disse Rony, pousando as vasilhas de água — Você
ainda não acendeu a fogueira?
—
Papai está se divertindo com os fósforos — disse Fred.
O Sr.
Weasley não estava tendo o menor sucesso em acender a fogueira, mas não era por
falta de tentativas. Fósforos partidos coalhavam o chão ao seu redor, mas ele
parecia estar se divertindo como nunca.
—
Opa! — exclamou ele, ao conseguir acender um fósforo, mas largou-o na mesma
hora no chão, surpreso.
—
Chegue aqui, Sr. Weasley — disse Hermione bondosamente, tirando a caixa das
mãos dele e começando a mostrar como fazer fogo direito.
Finalmente,
eles acenderam a fogueira, embora levasse no mínimo mais uma hora até ela
esquentar o suficiente para cozinhar alguma coisa. Mas havia muito que ver
enquanto esperavam. A barraca deles estava armada ao longo de uma espécie de
rua de acesso ao campo de Quadribol, por onde funcionários do Ministério
corriam para cima e para baixo, cumprimentando cordialmente o Sr. Weasley ao
passar.
O Sr.
Weasley fazia comentários contínuos, principalmente para benefício de Harry e
Hermione, seus próprios filhos já conheciam bastante o Ministério para se
interessar.
—
Aquele era Cutberto Mockridge, Chefe da Seção de Ligação com os Duendes... lá
vem Gilberto Wimple, ele trabalha na Comissão de Feitiços Experimentais, já usa
aqueles chifres há algum tempo...
— Alô
Arnaldinho... Arnaldo Peasegood, ele é um obliviador, trabalha no Esquadrão de
Reversão de Feitiços Acidentais, sabe... e aqueles outros são Bode e Croaker...
são dois Inomináveis...
— São
o quê?
— Do
Departamento de Mistérios, ultrassecretos, não tenho a menor ideia do que
fazem...
Finalmente,
a fogueira ficou pronta e eles já haviam começado a preparar salsichas com ovos
quando Gui, Carlinhos e Percy saíram caminhando da floresta para se reunirem à
família.
—
Acabei de aparatar, papai — disse Percy em voz alta — Ah, que excelente almoço!
Já
haviam comido metade das salsichas com ovos quando o Sr. Weasley se levantou,
acenando e sorrindo para um homem que vinha em sua direção.
—
Ah-ah! — exclamou ele — O homem do momento! Ludo!
Ludo
Bagman era, sem favor algum, o homem mais chamativo que Harry já vira na vida,
até mesmo incluindo nessa conta o velho Arquibaldo com sua camisola florida.
Usava longas vestes de Quadribol com grandes listras horizontais amarelas e
pretas. Uma enorme estampa de uma vespa tomava todo o seu peito. Tinha a
aparência de um homem corpulento que parara de se exercitar, suas vestes
estavam muito esticadas por cima da enorme barriga, que certamente não existia
na época em que ele jogava Quadribol pela Inglaterra. Seu nariz era achatado
(Provavelmente quebrado por algum balaço errante, pensou Harry), mas os
redondos olhos azuis, os cabelos louros curtos e a pele rosada o faziam parecer
um menino de escola que crescera demais.
— Olá
— exclamou Bagman alegremente. Andava como se tivesse molas nas solas dos pés,
era visível que estava num estado de extrema excitação — Arthur, meu velho —
ofegou ele, ao chegar à fogueira — Que dia, hein? Será que podíamos ter
desejado um tempo mais perfeito? Uma noite sem nuvens... e quase nenhum
problema na programação... quase nada para eu fazer!
Por
trás dele, um grupo de bruxos do Ministério, de cara exausta, passou apressado,
apontando para a evidência distante de algum tipo de fogueira mágica que
disparava faíscas violetas a seis metros de altura.
Percy
adiantou-se rapidamente com a mão estendida. Pelo jeito o fato de desaprovar o
modo de Ludo Bagman dirigir o departamento, não o impedia de querer causar boa
impressão.
—
Ah... sim — disse o Sr. Weasley, sorrindo — Este é o meu filho, Percy, começou
a trabalhar no Ministério agora, e este é Fred, não, Jorge, desculpe, esse é o
Fred... Gui, Carlinhos, Rony... minha filha, Gina... e os amigos de Rony,
Hermione Granger e Harry Potter.
De
maneira discretíssima, Bagman olhou uma segunda vez ao ouvir o nome de Harry e
seus olhos deram a conhecida espiada na cicatriz na testa do garoto.
—
Pessoal — continuou o Sr. Weasley — Este é Ludo Bagman, vocês sabem quem ele é,
e é graças a ele que temos entradas tão boas...
Bagman
abriu um sorriso de lado a lado do rosto e fez um gesto com a mão significando
que não fora nada.
—
Quer arriscar uma apostinha no jogo, Arthur? — perguntou ele ansioso,
sacudindo, ao que parecia, um bocado de ouro nos bolsos das vestes amarelas e
pretas — Já aceitei a aposta de Roddy Pontner de que a Bulgária vai marcar
primeiro, ofereci a ele uma boa vantagem, levando em conta que os três
jogadores avançados da Irlanda são os mais fortes que já vi em anos, e a
pequena Ágata Timms apostou meias quotas da fazenda de enguias de que a partida
vai durar uma semana.
—
Ah... vá lá, então — disse o Sr. Weasley — Vejamos... um galeão na vitória da
Irlanda?
— Um
galeão? — Ludo Bagman pareceu ligeiramente desapontado, mas se recuperou —
Muito bem, muito bem... mais alguma aposta?
—
Eles são um pouco jovens demais para andar jogando — disse o Sr. Weasley —
Molly não gostaria...
— Nós
apostamos trinta e sete galeões, quinze sicles e três nuques — disse Fred, ao
mesmo tempo em que ele e Jorge juntavam rapidamente todo o dinheiro que tinham
— Que a Irlanda ganha, mas Vítor Krum captura o Pomo. Ah, e damos uma varinha
falsa de cortesia.
—
Vocês não vão querer mostrar ao Sr. Bagman esse lixo — sibilou Percy, mas o
bruxo não pareceu achar que a varinha era lixo, muito ao contrário, seu rosto
de colegial iluminou-se de excitação ao recebê-la das mãos de Fred e, quando a
varinha deu um cacarejo e se transformou em uma galinha de borracha, Bagman
caiu na gargalhada.
—
Excelente! Não vejo uma varinha tão convincente há anos! Eu pagaria cinco
galeões por uma dessas!
Percy
ficou paralisado, numa atitude de indignada desaprovação.
—
Meninos — disse o Sr. Weasley entre dentes — Não quero vocês jogando... isto é
tudo que economizaram... sua mãe...
— Não
seja estraga-prazeres, Arthur! — trovejou Ludo Bagman excitado, sacudindo as
moedas nos bolsos — Eles já são bem grandinhos para saber o que querem! Vocês
acham que a Irlanda vai vencer, mas Krum vai capturar o pomo? Nem por milagre,
moleques, nem por milagre... vou dar uma excelente vantagem nessa... e
acrescentar mais cinco galeões por essa varinha marota, concordam...
O Sr.
Weasley ficou olhando sem ação enquanto Ludo Bagman puxava um caderninho e uma
pena e começava a anotar os nomes dos gêmeos.
—
Tchau — disse Jorge, apanhando o pedaço de pergaminho que Bagman lhe estendia e
guardando-o no peito das vestes.
Bagman
virou-se animadíssimo para o Sr. Weasley.
—
Daria para me fazer um chá, suponho? Estou de olho para ver se localizo Crouch.
O meu contraparte búlgaro está criando dificuldades e não consigo entender uma
palavra do que ele diz. Bartô poderia resolver o problema, fala umas cento e cinquenta
línguas.
— O
Sr. Crouch? — disse Percy, abandonando subitamente o seu ar de impassível
desaprovação e quase se contorcendo de óbvia excitação — Ele fala mais de
duzentas! Serêiaco, grugulês, trasgueano...
—
Qualquer um sabe falar trasgueano — disse Fred fazendo pouco — É só a gente
apontar e grunhir.
Percy
lançou a Fred um olhar feiíssimo e atiçou os gravetos da fogueira vigorosamente
para fazer a chaleira ferver.
— Já
teve notícias de Berta Jorkins, Ludo? — perguntou o Sr. Weasley quando Bagman
se sentou na grama ao lado deles.
— Nem
um pio — disse Bagman à vontade — Mas ela vai aparecer. Coitada da velha
Berta... tem a memória de um caldeirão furado e nenhum senso de direção.
Perdida, se quiserem acreditar. Vai aparecer na seção lá para Outubro, pensando
que ainda é Julho.
—
Você não acha que já estava na hora de mandar alguém procurá-la? — sugeriu,
hesitante, o Sr. Weasley, quando Percy estendeu a Bagman o chá pedido.
— É o
que o Bartô Crouch não para de dizer — respondeu Bagman, arregalando
inocentemente seus olhos redondos — Mas o fato é que não podemos destacar
ninguém no momento. Ah... e por falar no demônio! Bartô!
Um
bruxo acabara de aparatar junto à fogueira, e não poderia oferecer um contraste
maior a Ludo Bagman, estirado na grama com as vestes velhas do Wasp.
Bartô
era um homem mais velho, formal, empertigado, vestido com um terno e uma
gravata impecáveis. A risca nos seus cabelos grisalhos e curtos era quase
absurdamente reta e o bigode fino de escovinha parecia ter sido aparado com uma
régua. Seus sapatos eram exageradamente lustrosos. Harry percebeu na hora por
que Percy o idolatrava. Percy acreditava piamente em obedecer às regras sem
fazer concessões, e o Sr. Crouch obedecera à regra de se vestir como trouxa tão
rigorosamente que poderia ter passado por gerente de banco. Harry duvidava que
seu Tio Válter pudesse ter descoberto quem ele realmente era.
—
Estrague um pouco a grama, Bartô — disse Ludo animadamente, batendo no chão.
—
Não, muito obrigado — respondeu Crouch, e havia um vestígio de impaciência em
sua voz — Estive procurando-o por toda parte. Os búlgaros insistem que
coloquemos mais doze cadeiras no camarote de honra.
— Ah,
é isso que eles querem? — exclamou Bagman — Achei que o sujeito estava pedindo
uma pinça emprestada. Sotaque forte o dele.
— Sr.
Crouch! — disse Percy sem fôlego, curvando-se numa espécie de meia reverência
que o fez parecer corcunda — O senhor aceita uma xícara de chá?
— Ah
— exclamou o bruxo, olhando surpreso para Percy — Claro... obrigado, Weatherby.
Fred
e Jorge se engasgaram dentro das xícaras de que bebiam.
Percy,
as orelhas muito rosadas, ocupou-se com a chaleira.
— Ah,
e tenho querido dar uma palavra com você, também, Arthur — disse o Sr. Crouch,
seu olhar penetrante recaindo sobre o Sr. Weasley — Ali Bashir está em pé de
guerra. Quer falar com você sobre o embargo dos tapetes voadores.
O Sr.
Weasley soltou um profundo suspiro.
—
Mandei-lhe uma coruja sobre isso ainda na semana passada. Já devo ter dito a
Bashir umas cem vezes: tapetes são classificados como artefatos mágicos pelo
Registro de Objetos Enfeitiçáveis Proscritos, mas, e ele quer me escutar?
—
Duvido — respondeu o Sr. Crouch, aceitando a xícara de Percy — Ele está
desesperado para exportar para cá.
—
Bom, eles nunca vão substituir as vassouras na Grã-Bretanha, vão? — disse
Bagman.
— Ali
acha que há um nicho no mercado para um veículo familiar — explicou o Sr.
Crouch — Eu me lembro de que o meu avô tinha um Axminster que levava doze
pessoas, mas isso foi antes dos tapetes serem banidos, naturalmente.
Ele
falou como se não quisesse deixar a menor dúvida de que todos os seus
antepassados cumpriam rigorosamente a lei.
—
Então, muito ocupado, Bartô? — perguntou Bagman despreocupadamente.
—
Bastante — respondeu o outro seco — Organizar chaves de portal em cinco
continentes não é uma tarefa qualquer, Ludo.
— Imagino
que os dois vão ficar contentes quando o evento acabar — comentou o Sr.
Weasley.
Ludo
Bagman pareceu chocado.
—
Contente! Não me lembro de ter me divertido tanto... ainda assim, não é que não
haja mais trabalho pela frente, hein, Bartô? Hein? Muita coisa ainda para
organizar, hein?
O Sr.
Crouch ergueu as sobrancelhas para Bagman.
—
Combinamos não anunciar nada até todos os detalhes...
— Ah,
os detalhes! — exclamou Bagman, afastando a palavra como se fosse uma nuvem de
mosquitos — Eles já assinaram, então? Concordaram? Aposto o que você quiser
como esses garotos vão saber logo. Quero dizer, vai acontecer em Hogwarts...
—
Ludo, precisamos receber os búlgaros, sabe — disse o Sr. Crouch bruscamente,
cortando os comentários de Bagman — Obrigado pelo chá, Weatherby.
Ele
devolveu a Percy a xícara de chá intocada e esperou Ludo se levantar. Bagman se
pôs em pé com dificuldade, virando o restinho de chá, o ouro em seus bolsos
tilintando alegremente.
—
Vejo vocês todos mais tarde! — disse ele — Vão ficar no camarote de honra
comigo, vou comentar o jogo! — ele acenou, Bartô Crouch fez um movimento rápido
com a cabeça e os dois desaparataram.
— Que
é que vai acontecer em Hogwarts, papai? — perguntou Fred na mesma hora — Do que
é que eles estavam falando?
—
Você vai descobrir logo — disse o Sr. Weasley sorrindo.
— É
informação privilegiada, até o Ministério achar conveniente comunicá-la — disse
Percy empertigado — O Sr. Crouch estava certo em não querer revelar nada.
— Ah,
cala a boca, Weatherby — disse Fred.
A
atmosfera de excitação foi-se adensando como uma nuvem palpável sobre o
acampamento, à medida que a tarde avançava. A hora do crepúsculo, o próprio ar
parado de verão parecia estar vibrando de excitação, e quando a noite se
estendeu como um toldo sobre os milhares de bruxos que aguardavam, os últimos
vestígios de fingimento desapareceram: o Ministério pareceu se curvar ao
inevitável e parou de combater os indisfarçáveis sinais de magia que agora
irrompiam por toda parte.
Ambulantes
aparatavam a cada metro, trazendo bandejas e empurrando carrinhos cheios de
extraordinárias mercadorias. Havia rosetas luminosas, verdes para a Irlanda,
vermelhas para a Bulgária, que gritavam os nomes dos jogadores, chapéus verdes
cônicos enfeitados com trevos dançantes, echarpes búlgaras adornadas com leões
que rugiam de verdade, bandeiras dos dois países que tocavam os hinos nacionais
quando eram agitadas, havia miniaturas de Firebolts, que realmente voavam, e
figurinhas colecionáveis dos jogadores famosos, que andavam se exibindo nas
palmas das mãos.
—
Guardei o meu dinheiro o verão todo para o dia de hoje — disse Rony a Harry,
quando os três saíram caminhando entre os vendedores comprando lembranças.
Embora
Rony já tivesse comprado um chapéu com trevos dançantes e uma grande roseta verde,
comprou também uma figurinha de Vítor Krum, o apanhador búlgaro. O brinquedo
andava para frente e para trás na mão do garoto, amarrando a cara para a roseta
verde acima.
—
Uau, olha só para isso! — exclamou Harry, correndo até um carrinho atulhado de
coisas que pareciam binóculos de latão, só que eram cheios de botões estranhos.
—
Onióculos — disse o vendedor pressuroso — Você pode rever o lance... passar ele
em câmara lenta... e ver uma retrospectiva lance a lance, se precisar.
Pechincha: dez galeões um.
— Eu
queria não ter comprado isso — disse Rony, indicando o chapéu com os trevos
dançantes e olhando, de olho comprido, para os onióculos.
—
Três — disse Harry com firmeza ao bruxo.
—
Não... não precisa — disse Rony ficando vermelho. Sempre se melindrava com o
fato de que Harry, que herdara uma pequena fortuna dos pais, tivesse muito mais
dinheiro do que ele.
— Não
vou te dar nada no Natal — disse Harry, empurrando os onióculos nas mãos do
amigo e de Hermione — Por uns dez anos, não se esqueça.
— É
justo — disse Rony rindo.
—
Aaah, obrigada, Harry — disse Hermione — E eu compro os programas para nós,
olha...
Com
as bolsas de dinheiro bem mais leves, os três voltaram às barracas.
Gui,
Carlinhos e Gina também estavam usando rosetas verdes, e o Sr. Weasley
carregava uma bandeira da Irlanda. Fred e Jorge não compraram suvenires porque
tinham entregado todo o dinheiro a Bagman.
Então,
eles ouviram um gongo, grave e ensurdecedor, bater em algum lugar além da
floresta e, na mesma hora, lanternas verdes e vermelhas se acenderam entre as
árvores, iluminando o caminho até o campo.
—
Está na hora! — exclamou o Sr. Weasley, parecendo tão excitado quanto os
garotos — Andem logo, vamos!
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