— CAPÍTULO TRINTA —
A Penseira
A PORTA DO ESCRITÓRIO SE ABRIU.
—
Olá, Potter — disse Moody — Então, entre.
Harry
entrou. Já estivera uma vez no escritório de Dumbledore, era uma bela sala
circular, coberta de retratos de diretores e diretoras que o antecederam em
Hogwarts, os quais dormiam a sono solto, o peito arfando suavemente.
Cornélio
Fudge estava em pé do lado da escrivaninha de Dumbledore, usando sua habitual
capa listrada e segurando seu chapéu-coco verde-limão.
—
Harry! — cumprimentou o Ministro jovialmente, adiantando-se — Como vai?
—
Ótimo — mentiu Harry.
—
Estávamos justamente falando da noite em que o Sr. Crouch apareceu nos terrenos
da escola — disse Fudge — Foi você quem o encontrou, não foi?
— Foi
— confirmou Harry. Depois sentindo que não adiantava fingir que não escutara o
que eles estavam dizendo, acrescentou — Mas não vi Madame Máxime em lugar
nenhum, e ela teria uma trabalheira para se esconder, não?
Dumbledore
sorriu para Harry pelas costas de Fudge, com os olhos cintilantes.
—
Bem, teria — respondeu Fudge constrangido — Íamos sair para dar uma volta pelos
terrenos da escola, Harry, se você nos der licença... quem sabe você volta às
suas aulas...
— Eu
queria falar com o senhor, professor — disse Harry depressa, olhando para
Dumbledore, que lhe lançou um olhar breve e penetrante.
—
Espere por mim aqui, Harry — disse — Nosso exame da propriedade não vai
demorar.
Os
três passaram por ele em silêncio e fecharam a porta. Mais ou menos um minuto
depois, Harry ouviu o toque-toque da perna de pau de Moody desaparecendo no
corredor embaixo. Olhou para os lados.
—
Alô, Fawkes — cumprimentou ele.
Fawkes,
a fênix de Dumbledore estava parada em seu poleiro de ouro ao lado da porta. Do
tamanho de um cisne, uma magnífica plumagem vermelha e dourada, a ave balançou
sua longa cauda e piscou bondosamente para Harry. Harry se sentou em uma
cadeira diante da escrivaninha de Dumbledore.
Durante
vários minutos, ficou sentado contemplando os velhos diretores e diretoras
cochilando em seus quadros, pensando no que acabara de ouvir e acariciando a
cicatriz. Parara de doer agora.
O
garoto se sentia muito mais calmo agora que se achava no escritório de
Dumbledore, pois em breve estaria lhe contando seu sonho. Harry ergueu os olhos
para as paredes atrás da escrivaninha. O Chapéu Seletor, remendado e esfiapado,
estava pousado em uma prateleira. Ao seu lado, uma redoma protegia uma
magnífica espada de prata, com o punho cravejado de grandes rubis, em que Harry
reconheceu a que ele próprio tirara do Chapéu Seletor no segundo ano. A espada
pertencera outrora a Godrico Gryffindor, fundador da Casa de Harry. Ele a
examinava, lembrando como a espada viera em seu auxílio em um momento em que
pensara que não havia mais esperanças, quando notou uma malha de luz prateada
que dançava e refulgia sobre a redoma.
Ele
procurou a fonte da luz e viu uma nesga de luz branco-prateada que saía de um
armário escuro às suas costas, cuja porta não fora bem fechada. Harry hesitou,
olhou para Fawkes, depois se levantou, atravessou a sala e escancarou a porta
do armário.
Havia
ali uma bacia de pedra rasa, com entalhes estranhos na borda, runas e símbolos
que Harry não reconheceu. A luz prateada vinha do conteúdo da bacia, que não
lembrava nada que Harry tivesse visto antes. Ele não sabia dizer se a
substância era líquida ou gasosa. Era brilhante, branco-prateada e se movia sem
cessar, sua superfície se encapelava como água sob a ação do vento e, então,
como uma nuvem, se dividia e girava lentamente. Parecia luz liquefeita, ou
vento solidificado, Harry não conseguia decidir.
Teve
vontade de tocá-la, de descobrir como era ao tato, mas quase quatro anos de
experiência no mundo da magia lhe diziam que meter a mão em uma bacia cheia de
uma substância desconhecida era uma grande burrice.
Ele,
portanto, puxou a varinha de dentro das vestes, lançou um olhar nervoso pelo
escritório, tornou a olhar para o conteúdo da bacia e tocou-a. A superfície da
substância prateada dentro da bacia começou a girar muito depressa.
Harry
se curvou mais para perto, enfiando a cabeça no armário. A substância prateada
se tornara transparente, parecia vidro. Ele espiou dentro dela, esperando ver o
fundo de pedra da bacia, mas, em vez disso, viu uma sala enorme sob a
superfície da misteriosa substância, uma sala para a qual ele aparentemente
espiava por uma janela circular no teto.
A
sala era mal iluminada, o garoto achou que talvez fosse subterrânea, pois não
havia janelas, apenas archotes presos às paredes como os que iluminavam
Hogwarts.
Baixando
o rosto de modo a ficar com o nariz a apenas dois centímetros da substância
vítrea, Harry viu que havia filas e mais filas de bruxos e bruxas sentados ao
redor das paredes no que lhe pareceram bancos escalonados.
Uma
cadeira vazia fora colocada bem no centro da sala. Alguma coisa nela produziu
em Harry um mau pressentimento. Havia correntes envolvendo seus braços, como se
quem a ocupasse sempre estivesse preso a ela.
Onde
seria esse lugar? Certamente não era em Hogwarts, ele nunca vira uma sala igual
àquela no castelo. Além do mais, as pessoas reunidas na misteriosa sala no
fundo da bacia eram, em sua maioria, adultos e Harry sabia que não havia tantos
professores assim em Hogwarts. E pareciam estar aguardando alguma coisa e,
embora o garoto só pudesse ver a ponta dos seus chapéus cônicos, todos davam a
impressão de estar olhando para o mesmo lado e ninguém falava com ninguém.
Uma
vez que a bacia era redonda e a sala que ele observava, circular, Harry não
conseguia divisar o que estaria acontecendo nos cantos. Ele se curvou para mais
perto ainda, inclinou a cabeça, procurou enxergar...
A
ponta do seu nariz tocou a estranha substância que ele estava mirando.
O
escritório de Dumbledore deu um tremendo solavanco, Harry foi projetado para
frente e mergulhou de cabeça na substância da bacia... mas a cabeça do garoto
não bateu no fundo de pedra. Ele foi caindo por alguma coisa gelada e escura,
era como se estivesse sendo sugado por um redemoinho negro...
E
inesperadamente ele se viu sentado em um banco no fundo da sala dentro da
bacia, um banco mais acima dos outros. Ergueu os olhos para o alto teto de
pedra, esperando ver a janela circular pela qual estivera espiando, mas não
havia nada lá exceto a pedra sólida e escura.
Respirando
com força e depressa, Harry olhou ao seu redor. Nenhum dos bruxos nem bruxas na
sala (e havia pelo menos uns duzentos) estava olhando para ele. Nenhum deles
parecia ter reparado que um garoto de catorze anos acabara de cair do teto no
meio da reunião. Harry se virou para o bruxo mais próximo no banco e soltou um
grito de surpresa que ecoou pela sala silenciosa.
Sentara-se
bem ao lado de Alvo Dumbledore.
—
Professor! — exclamou Harry, numa espécie de sussurro estrangulado — Sinto
muito, não tive intenção, estava apenas olhando dentro da bacia no seu armário,
eu... onde estamos?
Mas
Dumbledore não se mexeu nem falou. Ignorou Harry completamente.
Como
os demais bruxos sentados nos bancos, o diretor tinha os olhos fixos no canto
mais afastado da sala, onde havia uma porta.
Harry
olhou, confuso, para Dumbledore, depois para os bruxos atentos e silenciosos, e
tornou a olhar para Dumbledore. Então compreendeu...
Já
tinha havido uma vez em que Harry se vira em um lugar em que ninguém podia
vê-lo ou ouvi-lo. Naquela ocasião, ele entrara nas páginas de um diário
enfeitiçado, diretamente na memória de alguém... e, a não ser que estivesse
muito enganado, alguma coisa assim estava acontecendo de novo...
Harry
ergueu a mão direita, hesitou, depois agitou-a energicamente diante do rosto de
Dumbledore. O diretor não piscou nem olhou para ele e tampouco se mexeu de modo
algum. E isso, na opinião de Harry, resolvia a questão.
Dumbledore
não o ignoraria daquela maneira. Ele estava dentro de uma lembrança e aquele
não era o Dumbledore atual. Contudo, não poderia ter sido há muito tempo... o
Dumbledore sentado ao seu lado tinha cabelos prateados, igualzinho ao
Dumbledore dos dias de hoje.
Mas
que lugar era este? Que é que todos aqueles bruxos estavam aguardando?
Harry
olhou para os lados mais detidamente. A sala, como ele suspeitara quando a
observara do alto, era quase certamente subterrânea. Mais uma masmorra do que
uma sala, pensou o garoto. A atmosfera era desolada e hostil naquele lugar; não
havia quadros nas paredes, nem decorações, apenas as filas de bancos, que
subiam em níveis escalonados ao redor da sala, dispostos de maneira a
proporcionar uma visão clara da cadeira com correntes nos braços.
Antes
que Harry pudesse chegar a alguma conclusão sobre o lugar em que se
encontravam, ele ouviu passos. A porta no canto da masmorra se abriu e três pessoas
entraram, ou pelo menos um homem, ladeado por dois dementadores.
As
entranhas de Harry gelaram.
Os
dementadores, altos, encapuzados, os rostos ocultos, deslizaram lentamente em
direção à cadeira no centro da sala, cada um segurando um braço do homem com
suas mãos de cadáver, de aspecto podre. O homem entre os dois parecia prestes a
desmaiar e Harry não poderia culpá-lo... sabia que os dementadores não poderiam
tocá-lo dentro de uma lembrança, mas se lembrava muito bem do poder que tinham.
Os
bruxos se encolheram ligeiramente quando os dementadores sentaram o homem na
cadeira com correntes e deslizaram para fora da sala. A porta se fechou ao
passarem.
Harry
olhou para o homem que agora estava sentado na cadeira e viu que era Karkaroff.
Ao contrário de Dumbledore, Karkaroff parecia muito mais novo, seus cabelos e
barba eram negros. Não estava vestido com peles elegantes, mas com vestes ralas
e esfarrapadas. Tremia. Bem na hora em que Harry o observava, as correntes nos
braços da cadeira produziram um reflexo dourado e se enroscaram pelos seus
braços, prendendo-os ali.
—
Igor Karkaroff — disse uma voz ríspida à esquerda de Harry.
O
garoto olhou e viu o Sr. Crouch se levantar no meio do banco ao lado. Seus
cabelos eram escuros, seu rosto muito menos enrugado, ele parecia em boa forma
e lúcido.
—
Você foi trazido de Azkaban para prestar depoimento ao Ministério da Magia.
Você nos deu a entender que tem importantes informações para nos dar.
Karkaroff
se endireitou o melhor que pôde, firmemente preso à cadeira.
—
Tenho, sim, senhor — respondeu ele e embora sua voz soasse muito temerosa,
Harry pôde perceber o quê de untuosidade que tão bem conhecia — Quero ser útil
ao Ministério. Quero ajudar. Sei que o Ministério está tentando prender os
últimos seguidores do Lorde das Trevas. Estou ansioso para cooperar de todas as
maneiras que puder...
Um
murmúrio percorreu os bancos. Alguns bruxos e bruxas examinaram Karkaroff com
interesse, outros com acentuada desconfiança. Então Harry ouviu, muito
claramente, do outro lado de Dumbledore, uma voz rosnada e familiar exclamar
“Gentalha”.
Harry
se curvou à frente para poder ver além de Dumbledore. Olho-Tonto Moody estava
sentado ali, embora houvesse uma nítida diferença em sua aparência. Ele não
tinha um olho mágico, mas dois normais. Ambos fixavam Karkaroff e ambos estavam
apertados revelando intenso desagrado.
—
Crouch vai soltá-lo — murmurou Moody baixinho a Dumbledore — Fez um trato com
ele. Levei seis meses para caçá-lo e Crouch vai soltá-lo se ele tiver um número
suficiente de nomes novos. Vamos ouvir suas informações, digo eu, e atirá-lo de
volta aos braços dos dementadores.
Dumbledore
fez um barulhinho de discordância pelo nariz longo e torto.
— Ah,
eu ia me esquecendo... você não gosta de dementadores, não é mesmo, Alvo? —
disse Moody com um sorriso sardônico.
— Não
— respondeu Dumbledore calmamente — Receio que não. Há muito tempo venho
achando que o Ministério faz mal em se aliar a essas criaturas.
— Mas
para uma gentalha dessas... — disse Moody baixinho.
—
Você diz que tem nomes para nos informar, Karkaroff — recomeçou o Sr. Crouch —
Por favor, queremos ouvi-los.
— O
senhor deve compreender — disse Karkaroff na mesma hora — Que
Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado sempre operou no maior sigilo... ele preferia
que nós, quero dizer, seus seguidores, e me arrependo agora, profundamente, de
ter-me incluído entre eles...
—
Ande logo com isso — disse Moody com desdém.
—...
nunca soubemos os nomes de todos os seus seguidores, somente ele sabia
exatamente quem éramos...
— O
que era uma atitude sensata, não é, pois impedia que alguém como você,
Karkaroff, entregasse todos — murmurou Moody.
—
Contudo, você diz que tem alguns nomes para nos informar? — disse o Sr. Crouch.
—
Tenho... tenho — respondeu Karkaroff sem fôlego — E note que eram seguidores
importantes. Gente que eu vi com os meus próprios olhos cumprindo as ordens
dele. Presto estas informações como prova de minha total renúncia a ele, e de
que estou tão roído de remorsos que mal...
— Os
nomes são? — tornou o Sr. Crouch com rispidez.
Karkaroff
inspirou profundamente.
—
Antônio Dolohov. Vi-o torturar inúmeros trouxas e... não seguidores do Lorde
das Trevas.
— E
ajudou-o a fazer isso — murmurou Moody.
— Já
prendemos Dolohov — disse Crouch — Foi capturado pouco depois de você.
— Verdade?
— admirou-se Karkaroff arregalando os olhos — Fico... fico satisfeito em saber!
Mas
não parecia nada satisfeito. Harry percebeu que a notícia fora um verdadeiro
golpe para ele. Esse nome era, portanto, inútil.
—
Mais algum? — perguntou Crouch friamente.
— É
claro que sim... Havia Rosier — acrescentou Karkaroff depressa — Evan Rosier.
—
Rosier está morto. Foi capturado pouco depois de você, também. Preferiu lutar
do que aceitar a prisão, e foi morto ao resistir.
— Mas
levou um pedaço de mim com ele — sussurrou Moody, à direita de Harry.
O
garoto virou mais uma vez a cabeça para olhá-lo e viu que ele apontava o pedaço
que lhe faltava no nariz para Dumbledore.
—
Era... era o que Rosier merecia! — disse Karkaroff, agora com uma perceptível
nota de pânico na voz.
Harry
percebeu que ele estava começando a se preocupar que nenhuma de suas
informações tivesse utilidade para o Ministério. Os olhos de Karkaroff correram
para a porta no canto, atrás da qual sem dúvida os dementadores continuavam
parados à espera.
—
Mais algum? — perguntou Crouch.
—
Sim! Havia o Travers, ele ajudou a assassinar os McKinnons! Mulciber, era
especialista na Maldição Imperius, forçou inúmeras pessoas a fazerem coisas
horrendas! Rookwood, que era espião e passava Àquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado
informações úteis de dentro do Ministério!
Harry
percebeu que, desta vez, Karkaroff encontrara ouro. Todos os bruxos presentes
começaram a murmurar ao mesmo tempo.
—
Rookwood? — disse o Sr. Crouch à bruxa que estava sentada à sua frente e que
começou a tomar notas em um pergaminho — Augusto Rookwood do Departamento de
Mistérios?
—
Esse mesmo — confirmou Karkaroff pressuroso — Creio que ele usava uma rede de
bruxos bem colocados, tanto dentro quanto fora do Ministério, para colher
informações...
— Mas
Travers e Mulciber nós já prendemos. Muito bem Karkaroff, se são só esses, você
será reconduzido a Azkaban enquanto decidimos...
—
Ainda não! — gritou Karkaroff, parecendo bastante desesperado — Espere, tenho
mais!
Harry
observou que ele suava à luz dos archotes, sua pele branca contrastava
fortemente com o negro dos cabelos e da barba.
—
Snape! — exclamou ele — Severo Snape!
—
Snape já foi inocentado por este conselho — disse Crouch friamente — Dumbledore
testemunhou em favor dele.
—
Não! — gritou Karkaroff, forçando as correntes que o prendiam à cadeira —
Garanto ao senhor! Severo Snape é um Comensal da Morte!
Dumbledore
se erguera.
— Eu
já prestei depoimento sobre esse caso — disse calmamente — Severo Snape foi de
fato um Comensal da Morte. Porém, voltou para o nosso lado antes da queda de Lorde
Voldemort e virou nosso espião, se expondo a grande perigo. Hoje ele é tão
Comensal da Morte quanto eu.
Harry
se virou para olhar Olho-Tonto Moody. Revelava no rosto uma expressão de
profundo ceticismo, por trás de Dumbledore.
—
Muito bem, Karkaroff — disse Crouch friamente — Você ajudou. Vou rever o seu
caso. Entrementes voltará para Azkaban...
A voz
do Sr. Crouch foi morrendo. Harry olhou para os lados, a masmorra estava
desaparecendo gradualmente como se fosse feita de fumaça, tudo estava
desaparecendo, ele só conseguia ver o próprio corpo, todo o resto era um
redemoinho de escuridão...
Então,
a masmorra reapareceu. Harry estava sentado em outro lugar; ainda no banco mais
alto, mas agora à esquerda do Sr. Crouch. A atmosfera parecia bem diferente,
descontraída, quase animada. As bruxas e bruxos ao redor conversavam entre si,
quase como se estivessem assistindo a um evento esportivo. Uma bruxa no meio
dos bancos defronte a Harry chamou a atenção do garoto. Tinha cabelos louros e
curtos, usava vestes magenta, e chupava a ponta de uma pena verde-ácido.
Era,
inconfundivelmente, uma Rita Skeeter mais moça.
Harry
olhou para os lados, Dumbledore estava outra vez sentado ao seu lado, usando
outras vestes. O Sr. Crouch parecia mais cansado, mais feroz, mais
descarnado... o garoto compreendeu.
Era
uma lembrança diferente, um dia diferente... um julgamento diferente.
A
porta ao canto se abriu e Ludo Bagman entrou na sala. Não era, porém, um Ludo
Bagman envelhecido, mas um Ludo Bagman que visivelmente se achava no auge de
sua forma de jogador de Quadribol. Seu nariz não estava quebrado, ele era alto,
magro e musculoso. Bagman parecia nervoso quando se sentou na cadeira com as
correntes, mas elas não o prenderam, como haviam feito com Karkaroff, e Bagman,
talvez animado por isso, correu os olhos pelos bruxos reunidos, acenou para
alguns e até deu um sorrisinho.
—
Ludo Bagman, você foi trazido perante o Conselho das Leis da Magia para
responder às acusações relacionadas com as atividades dos Comensais da Morte —
disse o Sr. Crouch — Já ouvimos as provas contra você e estamos prestes a
alcançar um veredicto. Você tem algo mais a acrescentar ao seu depoimento antes
de lavrarmos a sentença?
Harry
não conseguiu acreditar no que estava ouvindo. Ludo Bagman, um Comensal da
Morte?
—
Apenas que — respondeu o bruxo, sorrindo sem graça — Bem, sei que estive agindo
como um idiota...
Uns
espectadores nos bancos sorriram com indulgência. O Sr. Crouch não parecia
compartir esse sentimento. Encarou Ludo Bagman com uma expressão de grande
severidade e desagrado.
—
Você nunca disse nada mais verdadeiro, moleque — murmurou alguém secamente a
Dumbledore, atrás de Harry. Ele virou a cabeça e viu Moody sentado ali de novo
— Se eu não soubesse que ele sempre foi débil, eu diria que alguns balaços
devem ter afetado permanentemente o cérebro dele...
—
Ludovico Bagman, você foi apanhado passando informações aos seguidores de Lorde
Voldemort — disse o Sr. Crouch — Por isso, proponho que cumpra sentença de prisão
em Azkaban com uma duração mínima de...
Ouviram-se
protestos zangados para todos os lados. Vários bruxos e bruxas se levantaram,
balançando a cabeça e até mesmo erguendo os punhos contra o Sr. Crouch.
— Mas
eu já declarei que não fazia idéia! — disse Bagman com veemência, sobrepondo-se
à balbúrdia vinda dos bancos, arregalando seus redondos olhos azuis — Nenhuma!
O velho Rookwood era amigo do meu pai... jamais me passou pela cabeça que ele
estivesse com Você-Sabe-Quem! Pensei que estava colhendo informações para o
nosso lado! E Rookwood falava o tempo todo em me arranjar um emprego no
Ministério mais tarde... quando terminassem meus dias de Quadribol, sabem...
quero dizer, não podia ficar levando balaços o resto da vida, podia?
Ouviram-se
risinhos nervosos entre os presentes.
— Vou
levar isso à votação — disse o Sr. Crouch friamente. E, virando-se para o lado
direito da masmorra — Jurados, por favor, ergam a mão... os que forem a favor
da prisão...
Harry
olhou para a direita da masmorra. Ninguém levantou a mão. Muitos bruxos e
bruxas nos bancos começaram a bater palmas. Uma das bruxas no júri se levantou.
—
Pois não? — ladrou Crouch.
—
Gostaríamos de cumprimentar o Sr. Bagman por seu esplêndido desempenho no jogo
de Quadribol da Inglaterra contra a Turquia no Sábado passado — disse a bruxa
ofegante.
O Sr.
Crouch fez uma cara furiosa. A masmorra agora ressoava de aplausos. Bagman se
levantou e fez uma reverência, sorrindo.
—
Desprezível — vociferou o Sr. Crouch para Dumbledore, sentando-se na hora em
que Bagman saía da masmorra — Rookwood ia lhe arranjar um emprego,
francamente... o dia que Ludo Bagman se juntar a nós será um dia muito triste
para o Ministério...
E a
masmorra tornou a se dissolver.
Quando
reapareceu, Harry olhou para os lados. Ele e Dumbledore continuavam sentados ao
lado do Sr. Crouch, mas a atmosfera não poderia ser mais diferente. Havia um
silêncio absoluto, interrompido apenas pelos soluços de uma bruxa miudinha ao
lado do Sr. Crouch. Apertava um lenço contra a boca com as mãos trêmulas. Harry
ergueu os olhos para Crouch e viu que ele parecia mais descarnado e grisalho
que nunca. Um nervo tremia em sua têmpora.
—
Pode trazê-los — disse, e sua voz ecoou pela masmorra silenciosa.
A
porta no canto abriu-se mais uma vez. E desta vez, entraram seis dementadores,
ladeando um grupo de quatro pessoas. Harry viu os bruxos presentes erguerem os
olhos para o Sr. Crouch. Alguns cochicharam entre si.
Os
dementadores sentaram cada uma das quatro pessoas nas quatro cadeiras de braços
com correntes agora no centro da masmorra.
Havia
um homem corpulento que fixava Crouch com o olhar parado, outro mais magro e
mais nervoso, cujos olhos percorriam ligeiros a assembléia, uma mulher, com
cabelos espessos e brilhantes e olhos grandes e semicerrados, sentada à cadeira
como se esta fosse um trono e um rapaz adolescente, que parecia no mínimo
petrificado. Ele tremia, tinha os cabelos cor de palha espalhados pelo rosto, a
pele sardenta e branca como o leite.
A
bruxa miudinha ao lado de Crouch começou a se balançar para frente e para trás
no banco, abafando o choro com um lenço.
Crouch
se levantou. Olhou para os quatro prisioneiros e havia ódio absoluto em seu
rosto.
—
Vocês foram trazidos aqui perante o Conselho das Leis da Magia — disse ele com
clareza — Para serem julgados por um crime tão hediondo...
— Pai
— disse o rapaz de cabelos cor de palha — Pai... por favor...
—...
de que raramente se ouviu falar neste tribunal — disse Crouch, alteando a voz,
abafando as palavras do filho — Ouvimos as provas contra vocês. E vocês foram
acusados de capturar o auror, Frank Longbottom, e de submetê-lo à Maldição
Cruciatus, acreditando que ele tivesse conhecimento do paradeiro atual do seu
amo exilado, Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado...
—
Pai, eu não fiz isso! — gritou o rapaz acorrentado à cadeira — Eu não fiz isso,
pai, não me mande de volta aos dementadores...
—
Vocês são ainda acusados — berrou o Sr. Crouch — De usar a Maldição Cruciatus
contra a mulher de Frank Longbottom, quando ele se recusou a dar informações.
Vocês planejaram reconduzir Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado ao poder e de
retomar a vida de violência que presumivelmente levavam quando ele detinha o
poder. Agora peço aos jurados...
—
Mãe! — gritou o rapaz, e a bruxa miudinha ao lado de Crouch começou a soluçar,
se balançando para frente e para trás — Mãe, faça ele parar, mãe, eu não fiz
isso, não fui eu!
— Eu
agora peço aos jurados — gritou o Sr. Crouch — Que levantem as mãos se
acreditarem, como eu, que estes crimes merecem uma sentença de prisão perpétua
em Azkaban.
Unânimes,
as bruxas e bruxos do lado direito da masmorra ergueram as mãos. A assembléia
ao redor começou a aplaudir como fizera no julgamento de Bagman, seus rostos
expressavam selvagem triunfo.
O
rapaz começou a gritar.
—
Não! Mãe, não! Eu não fiz isso, eu não fiz isso, eu não sabia! Não me mande
para lá, não deixe o pai me mandar!
Os
dementadores voltaram a deslizar pela sala. Os três companheiros do rapaz se
levantaram silenciosamente das cadeiras, a mulher de olhos grandes e
semicerrados olhou para Crouch e gritou:
— O
Lorde das Trevas voltará a se erguer, Crouch! Joguem-nos em Azkaban, nós
esperaremos! Ele se reerguerá e virá nos buscar e nos recompensará mais que aos
seus outros seguidores! Somente nós permanecemos fiéis! Somente nós tentamos
encontrá-lo.
Mas o
rapaz procurava se desvencilhar dos dementadores, embora Harry percebesse que o
desumano poder de sugar energia daquelas criaturas começava a afetá-lo. Os
bruxos presentes riam e caçoavam, alguns de pé, enquanto a mulher saía
majestosamente da masmorra e o rapaz continuava a se debater.
— Sou
seu filho! — berrava ele para Crouch — Sou seu filho!
—
Você não é meu filho! — berrou o Sr. Crouch, os olhos saltando subitamente das
órbitas — Não tenho filho!
A
bruxa miudinha ao lado de Crouch ficou sem ar e desabou na cadeira. Desmaiara,
o marido pareceu não ter notado.
—
Levem-nos embora! — berrou para os dementadores, o cuspe saltando de sua boca —
Levem-nos embora, que eles apodreçam lá!
—
Pai, eu não estava envolvido! Não! Não! Pai, por favor!
—
Acho, Harry, que já é hora de voltar ao meu escritório — disse baixinho uma voz
ao ouvido do garoto.
Ele
se assustou. Olhou para um lado. Depois para o outro.
Havia
um Alvo Dumbledore sentado à sua direita, observando o filho de Crouch sair
arrastado pelos dementadores... e havia um Alvo Dumbledore à sua esquerda,
olhando bem para ele.
—
Venha — disse o Dumbledore à sua esquerda, segurando o cotovelo de Harry.
O
garoto sentiu que o erguiam no ar, a masmorra desapareceu à sua volta; por um
momento tudo ficou escuro, então teve a impressão de que estava dando uma
cambalhota em câmara lenta e, repentinamente caiu de pé, no que concluiu ser a
claridade ofuscante do escritório do diretor. A bacia de pedra tremeluzia no
armário à sua frente e Alvo Dumbledore estava parado ao seu lado.
—
Professor — exclamou Harry — Eu sei que eu não devia ter... não tive intenção,
a porta do armário estava entreaberta e...
— Eu
compreendo — disse Dumbledore.
E
erguendo a bacia, levou-a até a escrivaninha, pousou-a sobre sua superfície reluzente
e se sentou na cadeira à escrivaninha. Fez sinal ao garoto para que se sentasse
defronte dele.
Harry
obedeceu, com os olhos postos na bacia de pedra. O conteúdo voltara ao seu
estado original branco-prateado girando e ondulando ao seu olhar.
— Que
é isso? — perguntou Harry trêmulo.
—
Isso? Chama-se Penseira, às vezes eu acho, e tenho certeza de que você conhece
a sensação, que simplesmente há pensamentos e lembranças demais enchendo minha
cabeça.
— Hum
— fez Harry, que não podia realmente dizer que já tivesse sentido nada igual.
—
Nessas ocasiões — continuou Dumbledore indicando a bacia de pedra — Uso a
Penseira. Escôo o excesso de pensamentos da mente, despejo-os na bacia e
examino-os com calma. Assim fica mais fácil identificar padrões e ligações, compreende,
quando estão sob esta forma.
— O
senhor quer dizer... que isso aí são os seus pensamentos? — disse Harry,
olhando a substância branca que redemoinhava na bacia.
— Sem
dúvida. Deixe-me mostrar.
Dumbledore
puxou a varinha de dentro das vestes e pousou sua ponta sobre seus cabelos
prateados, próximos à têmpora. Quando afastou a varinha, os cabelos pareciam
estar grudados nela, mas Harry viu que eram, na realidade, fios brilhantes da
mesma substância estranha e branco-prateada que enchia a Penseira. Dumbledore
acrescentou novos pensamentos à bacia, e Harry, espantado, viu seu próprio
rosto boiando na superfície da substância.
Dumbledore
colocou suas longas mãos dos lados da Penseira e sacudiu-a, como faria um
garimpeiro à procura de pepitas de ouro... e o garoto viu o próprio rosto se
transformar suavemente no de Snape, que abriu a boca, e falou para o teto,
fazendo sua voz ecoar levemente: Está voltando... a de Karkaroff também... mais
clara e forte que nunca...
— Uma
ligação que eu teria feito sem ajuda de ninguém — suspirou Dumbledore — Mas não
faz mal — por cima dos seus oclinhos de meia-lua, ele mirou Harry, que
acompanhou boquiaberto o rosto de Snape girar continuamente na bacia — Eu
estava usando a Penseira quando o Sr. Fudge chegou para a reunião e guardei-a
apressado. Com certeza não fechei o armário direito. É natural que ela tenha
atraído sua atenção.
— Me
desculpe — murmurou Harry.
Dumbledore
balançou a cabeça.
— A
curiosidade não é um pecado — disse ele — Mas devemos ser cautelosos com a nossa
curiosidade... sem dúvida...
Enrugando
ligeiramente a testa, o diretor tornou a empurrar seus pensamentos para dentro
da bacia com a ponta da varinha. Instantaneamente, emergiu dela um vulto, uma
menina gordinha de cara mal-humorada de uns dezesseis anos, que começou a girar
lentamente, com os pés ainda na bacia. Ela não prestou a menor atenção a Harry
nem ao Prof. Dumbledore.
Quando
falou, sua voz ecoou como fizera a de Snape, como se viesse das profundezas da
bacia de pedra: “Ele me azarou, Prof. Dumbledore, e eu só estava brincando, só
disse que o tinha visto beijando Florência atrás das estufas na Quinta-Feira
passada...”
— Mas
por que, Berta — disse Dumbledore tristemente, fitando a menina que agora
girava silenciosamente — Por que você teve que segui-lo, para começar?
—
Berta? — sussurrou Harry, olhando para a garota — Ela é... era a Berta Jorkins?
— Era
— disse Dumbledore mais uma vez revolvendo os pensamentos na bacia, Berta
voltou a afundar neles, e tudo se tornou mais uma vez prateado e opaco — É a
Berta como me lembro dela na escola.
A
claridade prateada da Penseira iluminou o rosto de Dumbledore e ocorreu a
Harry, repentinamente, que o diretor parecia velhíssimo. Ele sabia, era claro,
que Dumbledore estava envelhecendo, mas por alguma razão nunca pensara no
diretor como um velho.
—
Então, Harry — disse Dumbledore baixinho — Antes de se perder nos meus
pensamentos, você queria me contar alguma coisa.
—
Verdade. Professor, eu estava na aula de Adivinhação agorinha e... hum...
cochilei — ele hesitou neste ponto, imaginando se iria levar uma bronca, mas
Dumbledore apenas disse:
—
Muito compreensível. Continue.
—
Bem, eu tive um sonho. Um sonho com Lorde Voldemort. Ele estava torturando
Rabicho... o senhor sabe quem é Rabicho...
— Sei
— disse Dumbledore, prontamente — Por favor, continue.
—
Voldemort recebeu uma carta levada por uma coruja. E falou uma coisa mais ou
menos assim: que o erro de Rabicho tinha sido reparado. Falou que alguém estava
morto. Depois falou que ia atirar Rabicho para servir de comida à cobra, tinha
uma cobra ao lado da poltrona dele. Falou também que em vez do Rabicho, ele ia
jogar a mim. Depois lançou a Maldição Cruciatus em Rabicho, e a minha cicatriz
doeu. Doeu tanto que me acordou.
Dumbledore
apenas fitou Harry.
—
Hum, foi só isso — disse Harry.
—
Entendo — disse Dumbledore em voz baixa — Agora, a sua cicatriz já doeu alguma
outra vez este ano, além daquela em que o acordou durante as férias de verão?
—
Não, eu... como foi que o senhor soube que ela me acordou no verão? — perguntou
Harry espantado.
—
Você não é o único que se corresponde com Sirius — disse Dumbledore — Também
tenho estado em contato com ele desde que fugiu de Hogwarts no ano passado. Fui
eu quem sugeriu a caverna na encosta da montanha como o lugar mais seguro para
ele se esconder.
Dumbledore
se levantou e começou a andar para cima e para baixo atrás da escrivaninha. De
vez em quando, levava a varinha à têmpora, retirava mais um pensamento prateado
e o acrescentava à Penseira. Os pensamentos dentro dela começaram a girar tão
rápido que Harry não conseguia distinguir nada muito claramente, apenas um
borrão de cor.
—
Professor? — disse Harry baixinho, depois de uns minutos.
Dumbledore
parou de andar e encarou Harry.
—
Perdão — disse ele em voz baixa.
E
tornou a se sentar em sua cadeira.
—
Professor, o senhor sabe por que minha cicatriz dói?
O
diretor fitou Harry com muita atenção por um momento, depois disse:
— Eu
tenho uma teoria, não é nada mais que isso... acredito que a sua cicatriz dói
quando Lorde Voldemort anda por perto ou quando tem um assomo particularmente
intenso de ódio.
—
Mas... por quê?
—
Porque você e ele estão ligados pelo feitiço que falhou. Isto não é uma
cicatriz comum.
—
Então o senhor acha... esse sonho... ele realmente aconteceu?
— É
possível. Eu diria, provavelmente, Harry, você viu Voldemort?
— Não
— respondeu Harry — Somente as costas da poltrona dele. Mas... não haveria
muita coisa que ver, haveria? Quero dizer, ele não tem corpo, tem? Mas... mas
por outro lado como é que ele poderia ter segurado a varinha? — disse Harry
lentamente.
—
Como, não é mesmo? — murmurou o diretor — Como mesmo...
Nem
Dumbledore nem Harry falaram por algum tempo. O diretor tinha o olhar perdido
no outro lado da sala, de vez em quando apoiava a ponta da varinha na têmpora e
acrescentava mais um pensamento de prata refulgente à massa que fervilhava na
Penseira.
—
Professor — disse Harry finalmente — O senhor acha que ele está ficando mais
forte?
—
Voldemort? — indagou ele, olhando para o garoto por cima da Penseira.
Era o
olhar penetrante e característico que Dumbledore já lhe dera em outras
ocasiões, e sempre fizera o garoto ter a sensação de que o diretor estava
enxergando através dele, de uma maneira que nem o olho mágico de Moody seria
capaz.
—
Mais uma vez, Harry, só posso expressar suspeitas.
Dumbledore
suspirou outra vez e seu rosto pareceu mais velho e mais cansado que nunca.
— A
ascensão de Voldemort ao poder — disse ele — Foi marcada por desaparições.
Berta Jorkins desapareceu sem deixar vestígio no lugar em que se sabe que
Voldemort esteve por último. O Sr. Crouch, também, desapareceu... aqui nos
terrenos da escola. E houve uma terceira desaparição, uma que o Ministério,
lamento dizer, não considera ser importante, porque diz respeito a um trouxa. O
nome dele era Franco Bryce, vivia na aldeia em que o pai de Voldemort se criou,
e os habitantes do lugar não o vêem desde Agosto. Como vê, leio os jornais dos
trouxas, ao contrário da maioria dos meus amigos do Ministério.
Dumbledore
encarou Harry muito sério.
—
Essas desaparições me parecem estar interligadas. O Ministério discorda, como
você deve ter ouvido, enquanto esperava do lado de fora do meu escritório.
Harry
confirmou com a cabeça. Fez-se novo silêncio entre os dois, Dumbledore
extraindo pensamentos de quando em quando. Harry achou que estava na hora de
ir, mas sua curiosidade o segurava sentado.
—
Professor? — falou ele outra vez.
—
Sim, Harry?
—
Hum... será que eu posso perguntar ao senhor sobre... aquela cena do tribunal
em que eu estive na... Penseira?
— Pode
— disse Dumbledore com um peso no coração — Estive presente muitas vezes, mas
alguns julgamentos voltam à lembrança mais claramente que outros...
particularmente agora...
— O
senhor sabe, o senhor sabe o julgamento em que me encontrou? O do filho de Crouch?
Bem... era dos pais de Neville que eles estavam falando?
Dumbledore
lançou um olhar muito sagaz a Harry.
—
Neville nunca lhe contou por que foi criado pela avó?
Harry
balançou a cabeça, imaginando ao mesmo tempo, porque jamais perguntara isso a
Neville em quase quatro anos de conhecimento.
—
Era, estavam falando dos pais de Neville. O pai, Frank, era auror como o Prof.
Moody. Ele e a mulher foram torturados para darem informações sobre o paradeiro
de Voldemort depois que ele perdeu os poderes, conforme você ouviu.
—
Então estão mortos? — perguntou Harry baixinho.
— Não
— disse Dumbledore, a voz cheia de uma amargura que Harry nunca ouvira nele
antes — Enlouqueceram. Os dois estão no Hospital St. Mungus para Doenças e
Acidentes Mágicos. Creio que Neville os visita, com a avó, durante as férias.
Os pais não o reconhecem.
Harry
ficou sentado ali, horrorizado. Nunca soubera... nunca, em quatro anos, se
preocupara em descobrir...
— Os
Longbottom eram um casal muito querido — disse Dumbledore — Os ataques a eles
começaram depois da queda de Voldemort, quando todos pensavam que estavam a
salvo. Os ataques causaram uma onda de fúria nunca vista. O Ministério ficou
sob grande pressão para capturar quem tinha feito aquilo. Infelizmente, o
depoimento dos Longbottom não foi, dada a condição em que estavam, nada
confiável.
—
Então, talvez o filho do Sr. Crouch não estivesse envolvido? — perguntou Harry
lentamente.
Dumbledore
balançou a cabeça.
—
Quanto a isso não faço idéia.
Harry
ficou em silêncio mais uma vez, observando o conteúdo da Penseira redemoinhar.
Havia mais duas perguntas que estava em cócegas para fazer... mas diziam
respeito à culpa de gente viva...
— Hum
— começou ele — O Sr. Bagman...
—...
Nunca mais foi acusado de nenhuma atividade maligna deste então — disse
Dumbledore calmamente.
—
Certo — apressou-se Harry a dizer, fitando novamente o conteúdo da Penseira,
que girava mais lentamente agora que Dumbledore parara de lhe acrescentar
pensamentos — E... hum...
Mas a
Penseira parecia estar fazendo a pergunta por ele. O rosto de Snape apareceu
novamente flutuando à superfície. Dumbledore olhou para dentro da bacia e
depois ergueu os olhos para Harry.
—
Tampouco o Prof. Snape — disse.
Harry
fitou os olhos azul-claros de Dumbledore e a coisa que realmente queria saber
escapou de sua boca antes que ele pudesse se refrear.
— Que
foi que levou o senhor a pensar que ele realmente parou de apoiar Voldemort,
professor?
Dumbledore
sustentou o olhar de Harry por alguns segundos e então disse:
—
Isto, Harry, é um assunto entre mim e o Prof. Snape.
Harry
percebeu que a entrevista terminara. Dumbledore não parecia zangado, contudo
havia um tom conclusivo em sua voz que informou ao garoto que era hora de se
retirar. Ele se levantou e o diretor também.
—
Harry — disse ele, quando o garoto chegou à porta — Por favor, não comente
sobre os pais de Neville com mais ninguém. Ele tem o direito de informar às
pessoas quando estiver preparado para isso.
— Sim
senhor, professor — disse Harry virando-se para ir embora.
—
E...
Harry
virou a cabeça para trás.
Dumbledore
estava parado diante da Penseira, seu rosto iluminado pelos pontos de luz
prateada, parecendo mais velho que nunca.
O
diretor fitou Harry por um momento e em seguida disse:
— Boa
sorte na Terceira Tarefa!
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