sexta-feira, 22 de junho de 2012

Harry Potter e o Cálice de Fogo - Capítulo 27






— CAPÍTULO VINTE E SETE —
A Volta de Almofadinhas



UMA DAS MELHORES CONSEQÜÊNCIAS da Segunda Tarefa foi que todo mundo ficou muito interessado em saber os detalhes do que acontecera no fundo do lago, o que significou que, uma vez na vida, Rony estava conseguindo dividir as luzes da ribalta com Harry. Este reparou que a versão do seu amigo sobre os acontecimentos mudava sutilmente cada vez que ele os contava.
A princípio, Rony narrava o que parecia ter sido a verdade, pelo menos batia com a história de Hermione: Dumbledore havia mergulhado os reféns em um sono encantado na Sala da Profª. McGonagall, depois de garantir a todos que estariam seguros e que despertariam quando voltassem à superfície da água.
Uma semana mais tarde, no entanto, Rony já estava contando uma história emocionante de sequestro, em que ele lutara sozinho contra cinquenta sereianos armados até os dentes que precisaram dominá-lo a pancada antes de amarrá-lo.
— Mas eu levei a minha varinha escondida na manga — Rony tranquilizou Padma Patil, que parecia bem mais interessada agora que o garoto andava recebendo tanta atenção, e fazia questão de falar com ele todas as vezes que se encontravam nos corredores — Eu poderia ter enfrentado aqueles sereidiotas a qualquer hora que quisesse.
— Que é que você ia fazer, atacar os caras a roncos? — perguntou Hermione alfinetando-o. Tinham caçoado tanto dela por ser a coisa de que Vítor Krum mais sentiria falta que ela andava meio mal humorada.
As orelhas de Rony ficaram vermelhas e dali em diante ele reverteu à versão do sono encantado.
Quando Março começou, o tempo ficou mais seco, mas ventos cortantes esfolavam o rosto e as mãos todas as vezes que as pessoas saíam aos jardins. Havia atrasos no correio porque o vento não parava de tirar as corujas da rota. A coruja marrom que Harry enviara a Sirius com a data do fim de semana em Hogsmeade apareceu na hora do café da manhã de Sexta-Feira com metade das penas viradas pelo avesso, Harry mal acabara de desprender a resposta de Sirius, a coruja levantou vôo, visivelmente receosa de que fosse ser despachada outra vez.
A carta de Sirius era quase tão curta quanto a anterior.

Esteja nos degraus no fim da estrada que sai de Hogsmeade (depois da Dervixes & Bangues) às duas horas da tarde de Sábado.
Traga o máximo de comida que puder.

— Ele não voltou a Hogsmeade? — perguntou Rony, incrédulo.
— É que parece, não é? — disse Hermione.
— Não dá para acreditar — disse Harry tenso — Se ele for apanhado...
— Mas até agora não foi, não é? — disse Rony — E agora o lugar nem está mais infestado de dementadores.
Harry dobrou a carta, pensativo. Se fosse honesto consigo mesmo admitiria que queria realmente rever Sirius. Seguiu, portanto, para a última aula da tarde, os dois tempos de Poções, sentindo-se muitíssimo mais animado do que era o seu normal quando descia as escadas para as masmorras.
Malfoy, Crabbe e Goyle estavam parados à porta da sala de aula com o grupinho de garotas da Sonserina que andava com Pansy Parkinson. Todas estavam olhando alguma coisa que Harry não pôde ver e davam risadinhas animadas. A cara de buldogue de Pansy espiava excitada por trás das largas costas de Goyle quando Harry, Rony e Hermione se aproximaram.
— Eles vêm vindo aí, eles vêm vindo aí! — disse ela entre risadinhas e o ajuntamento de alunos da Sonserina se desfez.
Harry viu que Pansy tinha nas mãos uma revista, o Semanário das Bruxas. A foto animada na capa mostrava uma bruxa de cabelos crespos, com um sorriso cheio de dentes, que apontava com a varinha para um grande bolo de claras.
— Talvez você encontre aí uma coisa de seu interesse, Granger! — disse Pansy em voz alta e atirou a revista para Hermione, que a aparou, fazendo cara de espanto.
Naquele momento, a porta da masmorra se abriu e Snape fez sinal para todos entrarem. Hermione, Harry e Rony se dirigiram a uma mesa no fundo da sala como de costume.
Quando Snape deu as costas à turma para escrever no quadro-negro os ingredientes da poção do dia, Hermione folheou rapidamente a revista, por baixo da mesa. Finalmente, nas páginas centrais, ela encontrou o que estava procurando. Harry e Rony se aproximaram. Uma foto colorida de Harry encimava uma pequena notícia intitulada:

A MÁGOA SECRETA DE HARRY POTTER
Um garoto excepcional, talvez, mas um garoto que sofre todas as dores comuns da adolescência, escreve Rita Skeeter.
Privado do amor desde o trágico falecimento dos pais, Harry Potter, catorze anos, pensou que tinha achado consolo com sua namorada firme em Hogwarts, a garota nascida trouxa, Hermione Granger. Mal sabia que em breve estaria sofrendo mais um revés emocional numa vida afligida por perdas pessoais.
A Srta. Granger, uma garota sem atrativos, mas ambiciosa, parece ter uma queda por bruxos famosos que somente Harry não basta para satisfazer. Desde que Vitor Krum, o apanhador búlgaro e herói da última Copa Mundial de Quadribol, chegou em Hogwarts a Srta. Granger tem brincado com as aflições dos dois rapazes.
Krum, que está visivelmente apaixonado pela dissimulada Srta. Granger, já a convidou para visitá-lo na Bulgária nas férias de verão e insiste que “nunca se sentiu assim com nenhuma outra garota”.
Contudo, talvez não tenham sido os duvidosos encantos naturais da Srta. Granger que conquistaram o interesse desses pobres rapazes.
“Ela é realmente feia” diz Pansy Parkinson, uma estudante bonita e viva do quarto ano, “Mas é bem capaz de preparar uma Poção do Amor, tem bastante inteligência para isso. Acho que foi isso que ela fez”.
As poções do amor são naturalmente proibidas em Hogwarts, e sem dúvida Alvo Dumbledore irá querer apurar essas afirmações.
Entrementes, os simpatizantes de Harry Potter fazem votos que, da próxima vez, ele entregue seu coração a uma candidata que o mereça.

— Eu disse a você! — sibilou Rony para Hermione que continuava a olhar o artigo abobada — Eu disse pra você não aborrecer Rita Skeeter! Ela fez você parecer uma espécie de... Jezebel!
Hermione desfez o ar perplexo e soltou uma risada abafada.
— Jezebel! — repetiu ela, sacudindo o corpo de tanto conter o riso e olhando para Rony.
— O que mamãe diz que elas são — murmurou Rony, suas orelhas tornando a corar.
— Se isso é o melhor que Rita é capaz de escrever, então ela está perdendo o jeito — disse Hermione, ainda dando risadinhas e atirando o Semanário das Bruxas em uma cadeira vazia do lado — Que monte de lixo.
Hermione olhou para os colegas da Sonserina, que observavam ela e Harry com atenção, do outro lado da sala, para ver se tinham se chateado com o artigo. A garota deu um sorriso irônico e acenou para o grupinho. Em seguida ela, Harry e Rony começaram a desempacotar os ingredientes que iriam precisar para a Poção da Sagacidade.
— Mas tem uma coisa engraçada — disse Hermione dez minutos depois, segurando o pilão suspenso sobre uma tigela de escaravelhos — Como é que a Rita Skeeter poderia ter sabido...?
— Sabido o quê? — perguntou Rony depressa — Você não andou preparando Poções de Amor, andou?
— Deixe de ser retardado — retorquiu Hermione, recomeçando a pilar os escaravelhos — Não, é só que... como foi que ela soube que Vítor me convidou para visitá-lo no verão?
Hermione ficou escarlate ao dizer isso e deliberadamente evitou os olhos de Rony.
— Quê? — exclamou Rony, deixando cair o pilão com estrépito.
— Ele me convidou logo depois de ter me tirado do lago — murmurou Hermione — Assim que se livrou da cabeça de tubarão. Madame Pomfrey nos deu cobertores e então ele meio que me puxou para longe dos juízes, para eles não ouvirem, e me perguntou, se eu não estivesse fazendo nada no verão, se eu gostaria de...
— E o que foi que você respondeu? — perguntou Rony, que apanhara o pilão e estava amassando a mesa, a bem quinze centímetros do caldeirão, porque não tirava os olhos de Hermione.
— E ele realmente disse que nunca se sentira desse jeito com nenhuma garota — continuou ela, tão vermelha agora que Harry até podia sentir o calor que emanava do corpo dela — Mas como é que Rita Skeeter poderia ter ouvido? Ela não estava lá... ou estava? Vai ver ela tem uma Capa da Invisibilidade, vai ver entrou escondida na propriedade para assistir à Segunda Tarefa...
— E que foi que você respondeu? — repetiu Rony, batendo o pilão com tanta força que fez uma mossa na mesa.
— Bem, eu estava tão ocupada vendo se você e Harry estavam ok. Que...
— Por mais fascinante, sem dúvida, que seja sua vida social, Srta. Granger — disse uma voz gélida bem atrás deles — Devo lhe pedir para não discuti-la em minha aula. Dez pontos a menos para Grifinória.
Snape havia deslizado silenciosamente até a mesa dos garotos enquanto eles conversavam. A turma inteira agora foi se virando para olhá-los, Malfoy aproveitou a oportunidade para lampejar o “POTTER FEDE” lá do outro lado da masmorra.
— Ah... e lendo revistas embaixo da mesa? — acrescentou Snape, agarrando o exemplar do Semanário das Bruxas — Outros dez pontos a menos para Grifinória... ah, mas naturalmente...
Os olhos negros de Snape brilharam ao recair sobre o artigo de Rita Skeeter.
— Potter tem que manter em dia os seus recortes de jornais e revistas sobre ele...
A masmorra ecoou as risadas dos alunos da Sonserina, e um sorriso desagradável crispou a boca fina de Snape. Para fúria de Harry, o professor começou a ler o artigo em voz alta:
— A mágoa secreta de Harry Potter... Ai, ai, ai, Potter, onde é que está doendo agora? Um garoto excepcional, talvez...
Harry sentia o rosto arder agora.
Snape parava ao fim de cada frase para permitir aos alunos da Sonserina rirem à vontade. O artigo parecia dez vezes pior lido pelo professor.
— Os simpatizantes de Harry Potter fazem votos que, da próxima vez, ele entregue seu coração a uma candidata que o mereça. Que coisa comovente — debochou Snape, enrolando a revista ao som das gargalhadas dos garotos da Sonserina — Bem, acho melhor separar vocês três, para que possam se concentrar nas poções em lugar dos desencontros de suas vidas primorosas. Weasley, fique onde está. Srta. Granger, lá, ao lado da Srta. Parkinson. Potter, naquela carteira em frente à minha escrivaninha. Mexam-se. Agora.
Furioso, Harry jogou seus ingredientes e a mochila no caldeirão e arrastou-o até uma mesa vazia na frente da sala. Snape o acompanhou, sentou-se à própria escrivaninha e observou Harry descarregar o caldeirão. Decidido a não olhar para Snape, Harry retomou a tarefa de pilar os escaravelhos, imaginando que cada um deles tinha a cara do professor.
— Toda essa atenção da imprensa parece ter inchado a sua cabeça que já é demasiado grande, Potter — disse Snape em voz baixa, depois que o restante da turma se aquietou.
Harry não respondeu. Sabia que o professor estava tentando provocá-lo, já fizera isso antes. Sem dúvida esperava ter uma desculpa para descontar cinqüenta pontos redondos da Grifinória antes do fim da aula.
— Você talvez esteja vivendo a ilusão de que o mundo da magia inteiro está impressionado com você — continuou Snape, em voz tão baixa que mais ninguém podia ouvi-lo.
Harry continuou a pilar os escaravelhos, embora já os tivesse reduzido a um pó muito fino.
— Mas eu não me impressiono com o número de vezes que sua foto aparece nos jornais. Para mim, Potter, você não passa de um menininho mau caráter que acha que está acima dos regulamentos.
Harry virou os escaravelhos pulverizados no caldeirão e começou a cortar as raízes de gengibre. Suas mãos tremiam levemente de raiva, mas ele mantinha os olhos baixos, como se nem ouvisse o que Snape dizia.
— Portanto, eu vou lhe dar um aviso, Potter — continuou o professor, num tom de voz mais suave e perigoso — Seja você uma celebridade mirim ou não, se eu o apanhar invadindo a minha sala outra vez...
— Eu não cheguei nem perto da sua sala! — disse Harry com raiva, esquecendo sua fingida surdez.
— Não minta para mim — sibilou Snape, seus abissais olhos negros perfurando os de Harry — Ararambóia, guelricho. Ambos saíram do meu estoque particular e eu sei quem foi que os roubou.
Harry sustentou o olhar de Snape, decidido a não piscar, nem fazer cara de culpado. Na verdade, ele não roubara nenhuma das duas coisas de Snape.
Hermione tirara a ararambóia no segundo ano, tinham precisado dela para a Poção Polissuco, e embora Snape suspeitasse de Harry na ocasião, nunca pudera comprovar sua suspeita.
Dobby, naturalmente, roubara o guelricho.
— Não sei do que o senhor está falando — mentiu Harry com frieza.
— Você estava fora da cama na noite em que a minha sala foi invadida! — sibilou Snape — Eu sei disso, Potter! Agora talvez Olho-Tonto Moody tenha entrado para o seu fã-clube, mas eu não vou tolerar o seu comportamento! Mais um passeio noturno à minha sala, Potter, e você vai me pagar!
— Certo! — respondeu Harry calmamente, voltando sua atenção para as raízes de gengibre — Me lembrarei disso se algum dia sentir um impulso de entrar lá.
Os olhos de Snape faiscaram. Ele mergulhou a mão nas vestes negras. Por um segundo delirante Harry pensou que ele ia puxar a varinha e amaldiçoá-lo. Então viu que o professor tirara um frasquinho de cristal com uma poção totalmente cristalina. Harry ficou olhando fixamente para o frasco.
— Sabe o que é isso, Potter? — perguntou Snape, com os olhos mais uma vez brilhando perigosamente.
— Não — respondeu Harry desta vez com absoluta honestidade.
— É Veritaserum, uma Poção da Verdade tão potente que três gotas fariam você confessar os seus segredos mais íntimos para a turma inteira ouvir — disse Snape maldosamente — Agora, o uso desta poção é controlado por rigorosas diretrizes do Ministério. Mas a não ser que você tome cuidado com o que faz, vai acabar descobrindo que a minha mão pode escorregar sem querer — ele sacudiu de leve o frasquinho de cristal — Bem em cima do seu suco de abóbora da noite. Então, Potter... então descobriremos se você esteve ou não na minha sala.
Harry não respondeu. Voltou mais uma vez sua atenção para as raízes de gengibre, apanhou uma faca e começou a cortá-las. Não gostou nem um pouco daquela história de Poção da Verdade, nem duvidou que Snape fosse capaz de ministrá-la furtivamente. Conteve um tremor ao pensar no que poderia sair sem querer de sua boca se tomasse a poção... sem falar que deixaria um bocado de gente em apuros: Hermione e Dobby, para começar, havia ainda todo o resto que ele estava escondendo... como o fato de estar em contato com Sirius... e, suas entranhas reviraram só de pensar, seus sentimentos por Cho...
O garoto acrescentou as raízes de gengibre ao caldeirão e se perguntou se deveria, se guiar pela cartilha de Moody e começar a beber apenas de um frasco de bolso só seu.
Houve uma batida na porta da masmorra.
— Entre — disse Snape, com a sua voz habitual.
A turma olhou quando a porta se abriu. O Prof. Karkaroff entrou. Todos o observaram se dirigir à escrivaninha de Snape. Estava enrolando o dedo na barbicha outra vez e parecia agitado.
— Precisamos conversar — disse Karkaroff abruptamente, ao chegar perto de Snape.
Parecia tão decidido a não deixar ninguém ouvir o que estava dizendo que mal abria a boca, era como se fosse um ventríloquo medíocre.
Harry manteve os olhos nas raízes de gengibre, mas apurou os ouvidos.
— Falarei com você quando terminar a aula, Karkaroff — murmurou Snape, mas o colega o interrompeu.
— Quero falar agora, que você não pode fugir, Severo. Você tem me evitado.
— Depois da aula — retrucou Snape com rispidez.
Sob o pretexto de erguer uma xícara graduada e ver se medira suficiente bile de tatu, Harry arriscou um olhar de esguelha para os dois. Karkaroff parecia extremamente preocupado e Snape, aborrecido.
Karkaroff ficou rondando atrás da escrivaninha de Snape durante o resto da aula. Parecia decidido a impedir que o colega escapulisse no fim da aula. Interessado em ouvir o que Karkaroff queria dizer, Harry derrubou intencionalmente um frasco de bile de tatu dois minutos antes de tocar a sineta, o que lhe deu uma desculpa para se agachar atrás do caldeirão e limpar o chão, enquanto o restante da turma se deslocava ruidosamente para a porta.
— Que é que é tão urgente assim? — o garoto ouviu Snape sibilar para Karkaroff.
— Isto — disse Karkaroff, e Harry, espiando por cima do caldeirão, viu o bruxo levantar a manga esquerda das vestes e mostrar a Snape alguma coisa do lado interno do antebraço — Então? — disse Karkaroff, ainda fazendo esforço para não mexer a boca — Está vendo? Nunca esteve tão nítida assim, nunca desde...
— Cubra isso! — rosnou Snape, seus olhos negros percorrendo a sala.
— Mas você deve ter reparado — começou Karkaroff com a voz agitada.
— Podemos conversar mais tarde, Karkaroff — vociferou Snape — Potter! Que é que você está fazendo?
— Limpando a minha bile de tatu, professor — disse o garoto inocentemente, se erguendo e mostrando o trapo encharcado que tinha nas mãos.
Karkaroff deu meia-volta e saiu da masmorra. Parecia ao mesmo tempo preocupado e aborrecido. Não querendo ficar sozinho com um Snape excepcionalmente raivoso, Harry atirou os livros e os ingredientes para dentro da mochila e saiu bem depressinha para contar a Rony e Hermione o que acabara de presenciar.
Os três saíram do castelo ao meio-dia no dia seguinte e depararam com um jardim iluminado por um sol fraco. O tempo estava mais ameno do que estivera o ano inteiro e na altura em que chegaram a Hogsmeade os garotos já haviam despido as capas e jogado-as sobre os ombros. A comida que Sirius pedira para eles trazerem ia na mochila de Harry, tinham surrupiado uma dúzia de coxas de galinha, uma fôrma de pão e uma garrafa de suco de abóbora da mesa do almoço.
Foram até a Trapo Belo Moda Mágica comprar um presente para Dobby, onde se divertiram escolhendo as meias mais espalhafatosas que conseguiram encontrar, inclusive um par com estrelas douradas e prateadas que piscavam, e outro que berrava quando ficava fedorento demais. Então, à uma e meia eles subiram a Rua Principal, passaram a Dervixes & Bangues e saíram em direção aos arredores do povoado.
Harry nunca fora para aqueles lados antes. A estradinha serpeante os levou para os campos sem cultivo em torno de Hogsmeade. As casas ficavam mais espaçadas ali e os jardins maiores, os garotos caminhavam em direção ao morro a cuja sombra se situava Hogsmeade. Então fizeram uma curva e viram a escada no fim da estradinha.
À espera deles, as patas dianteiras apoiadas no degrau mais alto, havia um enorme cão preto, que segurava alguns jornais na boca e parecia bastante familiar...
— Olá, Sirius — disse Harry, quando chegaram mais perto.
O cachorro farejou, ansioso, a mochila de Harry, abanou uma vez o rabo, depois deu as costas e começou a se afastar atravessando o mato ralo que subia ao encontro do sopé rochoso do morro.
Os garotos subiram os degraus e seguiram o cachorro. Sirius levou-os exatamente para o sopé do morro, onde o terreno era coberto de pedras e pedregulhos. Era fácil para ele com suas quatro patas, mas os garotos logo ficaram sem fôlego. Continuaram a acompanhar Sirius, que começou a subir o morro propriamente dito. Durante quase meia-hora escalaram uma trilha íngreme, serpeante e pedregosa, atrás de Sirius que abanava o rabo, suando ao sol, as tiras da mochila de Harry cortando os ombros do garoto.
Então, finalmente, Sirius desapareceu de vista, e quando eles chegaram ao lugar em que ele desaparecera, viram uma fenda estreita na rocha. Espremeram-se por ela e se viram em uma caverna fresca e fracamente iluminada.
Preso a um canto, uma ponta da corda passada em volta de um pedregulho, estava Bicuço, o hipogrifo. Metade cavalo cinzento, metade enorme águia, os olhos ferozes e alaranjados do animal brilharam ao ver os visitantes. Os três fizeram uma profunda reverência para Bicuço que, depois de fitá-los, imperiosamente, por um momento, dobrou o joelho escamoso e permitiu que Hermione corresse para acariciar o seu pescoço coberto de penas. Harry, porém, observava o cachorro preto que acabara de se transformar em seu padrinho.
Sirius estava usando vestes cinzentas rasgadas, as mesmas que usava quando deixara Azkaban. Os cabelos negros estavam mais compridos do que da última vez que aparecera na lareira, e novamente malcuidados e embaraçados. Parecia muito magro.
— Galinha! — exclamou, rouco, depois de tirar os exemplares do Profeta Diário da boca e atirá-los ao chão da caverna.
Harry abriu depressa a mochila e lhe entregou o embrulho de coxas de galinha e pão.
— Obrigado — disse Sirius, abrindo-o, agarrando uma coxa, sentando-se no chão da caverna e cortando um bom pedaço com os dentes — Quase que só tenho comido ratos. Não posso roubar muita comida de Hogsmeade, chamaria atenção para mim.
Ele sorriu para Harry, mas o garoto relutou a retribuir o sorriso.
— Que é que você está fazendo aqui, Sirius? — perguntou.
— Cumprindo minhas obrigações de padrinho — disse Sirius, mordendo o osso de galinha de um jeito muito canino — Não se preocupe comigo, estou fingindo ser um adorável cão vadio.
Ele ainda sorria, mas, ao ver a ansiedade no rosto de Harry, continuou com mais seriedade:
— Quero estar em cima do lance. A sua última carta... bem, digamos que as coisas estão começando a cheirar pior. E tenho roubado jornais todas as vezes que alguém joga um fora e, pelo que parece, eu não sou o único que está ficando preocupado.
Ele indicou com a cabeça os exemplares amarelados do Profeta Diário no chão da caverna, e Rony apanhou uns e abriu-os. Harry, no entanto, continuou a encarar o padrinho.
— E se eles pegarem você? E se virem você?
— Vocês três e Dumbledore são os únicos por aqui que sabem que eu sou um animago — disse Sirius sacudindo os ombros e continuando a devorar a galinha.
Rony cutucou Harry e lhe passou os exemplares do Profeta Diário.
Havia dois, o primeiro tinha a manchete Doença misteriosa de Bartolomeu Crouch, e o segundo, Bruxa do Ministério continua desaparecida, o Ministério da Magia agora está pessoalmente envolvido.
Harry correu os olhos pelo artigo sobre Crouch. Frases soltas destacaram-se sob seus olhos: Não é visto em público desde Novembro... casa parece deserta... o Hospital St. Mungus para Doenças e Acidentes Mágicos não quer comentar... Ministério se recusa a confirmar os boatos sobre doença grave...
— Estão fazendo parecer que ele está morrendo — disse Harry lentamente — Mas não deve estar se conseguiu vir até aqui...
— Meu irmão é assistente pessoal de Crouch — informou Rony a Sirius — Ele diz que o cara está sofrendo de estresse.
— Veja bem, ele realmente parecia doente na última vez que eu o vi de perto — disse Harry devagar, ainda lendo o artigo — Na noite que o meu nome foi escolhido pelo Cálice...
— Está recebendo o que merecia por despedir Winky, não? — comentou Hermione friamente. Ela acariciava Bicuço, que mastigava os ossos de galinha deixados por Sirius — Aposto como gostaria de não ter feito isso, aposto como sente a diferença agora que ela não está mais lá para cuidar dele.
— Mione está obcecada por elfos domésticos — murmurou Rony para Sirius, lançando à garota um olhar aborrecido.
Sirius, no entanto, pareceu interessado.
— Crouch despediu o elfo doméstico dele?
— Despediu na Copa Mundial de Quadribol — disse Harry e começou a contar a história do aparecimento da Marca Negra, de Winky ter sido encontrada com a varinha de Harry na mão e da fúria do Sr. Crouch.
Quando Harry terminou, Sirius se levantou novamente e começou a andar para cima e para baixo na caverna.
— Deixe-me entender isso direito — disse ele depois de algum tempo, brandindo mais uma coxa de galinha — Primeiro você viu o elfo no camarote de honra. Estava guardando um lugar para Crouch, certo?
— Certo — disseram Harry, Rony e Hermione juntos.
— Mas Crouch não apareceu para assistir ao jogo?
— Não — confirmou Harry — Acho que ele disse que esteve ocupado demais.
Sirius deu outra volta na caverna em silêncio. Então disse:
— Harry, você procurou sua varinha nos bolsos depois que deixou o camarote de honra?
— Hum... — Harry se concentrou — Não — respondeu finalmente — Não precisei usá-la até chegarmos à floresta. Então meti a mão no bolso e só encontrei o meu onióculo — ele olhou para Sirius — Você está dizendo que quem conjurou a Marca furtou minha varinha no camarote de honra?
— É possível — disse Sirius.
— Winky não furtou a varinha! — protestou Hermione com voz aguda.
— O elfo não era o único ocupante do camarote — disse Sirius, enrugando a testa e continuando a andar — Quem mais estava sentado atrás de você?
— Um monte de gente — respondeu Harry — Uns ministros búlgaros... Cornélio Fudge... os Malfoy...
— Os Malfoy! — exclamou Rony subitamente, tão alto que sua voz ecoou pelas paredes da caverna o que fez Bicuço agitar a cabeça nervosamente — Aposto como foi o Lúcio Malfoy!
— Mais alguém? — perguntou Sirius.
— Não.
— Ah, sim, tinha o Ludo Bagman — lembrou Hermione a Harry.
— Ah, foi...
— Não sei nada sobre o Bagman, exceto que costumava bater para os Wimbourne Wasps — disse Sirius, ainda andando — Que tal é ele?
— Ok — disse Harry — Fica o tempo todo se oferecendo para me ajudar no Torneio Tribruxo.
— Fica, é? — perguntou Sirius, aprofundando as rugas na testa — Por que será que ele faria isso?
— Disse que se afeiçoou a mim.
— Hum — murmurou Sirius pensativo.
— Nós o vimos na floresta pouco antes da Marca Negra aparecer — contou Hermione a Sirius — Vocês lembram? — perguntou ela a Harry e Rony.
— Lembramos, mas ele não ficou na floresta, não foi? — disse Rony — Assim que falamos do tumulto, ele saiu para o acampamento.
— Como é que você sabe? — disparou Hermione — Como é que você sabe para onde foi que ele desaparatou?
— Pode parar — disse Rony incrédulo — Você está dizendo que acha que Ludo Bagman conjurou a Marca Negra?
— É mais provável que ele tenha feito isso do que Winky — retrucou a menina teimosamente.
— Eu lhe disse — falou Rony dando um olhar significativo para Sirius — Eu lhe disse que ela está obcecada por elfos...
Mas Sirius ergueu a mão para calar Rony.
— Depois que a Marca Negra foi conjurada e o elfo descoberto segurando a varinha de Harry, que foi que o Crouch fez?
— Foi procurar no meio das moitas — disse Harry — Mas não havia mais ninguém lá.
— Claro — murmurou Sirius andando para cima e para baixo — Claro, ele teria querido pôr a culpa em qualquer um menos no próprio elfo... e então o despediu?
— Foi — disse Hermione num tom acalorado — Despediu, só porque ela não tinha ficado na barraca esperando ser pisoteada...
— Hermione, será que você pode dar um tempo com esse elfo? — pediu Rony.
Mas Sirius balançou a cabeça e disse:
— Ela avaliou Crouch melhor do que você, Rony. Se você quer saber como um homem é veja como ele trata os inferiores, e não os seus iguais.
O bruxo passou a mão pelo rosto barbudo, evidentemente se concentrando.
— Todas essas ausências de Bartô Crouch... ele se dá ao trabalho de garantir que seu elfo guarde um lugar para ele na Copa Mundial de Quadribol, mas não se importa de ir assistir. Ele trabalha com afinco para restabelecer o Torneio Tribruxo, e em seguida para de comparecer também... isto não se parece nada com o Crouch. Se ele alguma vez tiver faltado ao trabalho por causa de doença, eu como o Bicuço.
— Você conhece o Crouch, então? — perguntou Harry.
O rosto de Sirius ficou sombrio. Inesperadamente pareceu tão ameaçador quanto na noite em que Harry o viu pela primeira vez, quando o garoto ainda acreditava que o padrinho fosse um assassino.
— Ah, eu conheço Crouch, sim — disse ele em voz baixa — Foi quem deu a ordem para me mandar para Azkaban, sem julgamento.
— Quê?— exclamaram Rony e Hermione juntos.
— Você está brincando! — disse Harry.
— Não, não estou — respondeu Sirius, enchendo a boca de galinha — Crouch costumava ser chefe do Departamento de Execução das Leis da Magia, vocês não sabiam?
Harry, Rony e Hermione balançaram as cabeças.
— Previa-se que ele fosse o próximo Ministro da Magia. Ele é um grande bruxo, Bartô Crouch, de grande poder mágico, e de grande fome de poder. Ah, nunca foi partidário de Voldemort — acrescentou, ao ver a expressão no rosto de Harry — Não, Bartô Crouch sempre foi abertamente contra o partido das trevas. Mas, por outro lado, muita gente que era contra o lado das trevas... bem, vocês não entenderiam... são muito jovens...
— Foi isso que papai me disse na Copa Mundial — disse Rony, com um quê de irritação na voz — Experimente nos contar.
Um sorriso perpassou o rosto magro de Sirius.
— Está bem, vou experimentar...
Ele andou até um lado da caverna, voltou e então disse:
— Imaginem que Voldemort detivesse o poder agora. Vocês não sabem quem são os partidários dele, não sabem quem está e quem não está trabalhando para ele, vocês sabem que ele é capaz de controlar as pessoas para que façam coisas terríveis sem conseguir se conter. Vocês próprios estão apavorados, suas famílias e amigos, também. Toda semana vocês têm notícias de mais mortes, mais desaparecimentos, mais torturas... o Ministério da Magia está desestruturado, não sabe o que fazer, tenta ocultar dos trouxas o que está acontecendo, mas nesse meio tempo os trouxas estão morrendo também. Terror por toda parte... pânico... confusão... era assim que costumava ser. Bem, tempos assim fazem vir à tona o que alguns têm de melhor e o que outros têm de pior. Os princípios de Crouch podem ter sido bons no início, eu não saberia dizer. Ele subiu rapidamente no Ministério e começou a mandar executar medidas muito severas contra os partidários de Voldemort. Os aurores receberam novos poderes, para matar em vez de capturar, por exemplo. E eu não fui o único a ser entregue diretamente aos dementadores sem julgamento. Crouch combateu violência com violência e autorizou o uso das Maldições Imperdoáveis contra os suspeitos. Eu diria que ele se tornou tão impiedoso e cruel quanto muitos do lado das trevas. Ele tinha os seus partidários, me entendam, muita gente achava que ele estava tratando o problema corretamente, e havia bruxas e bruxos exigindo que ele assumisse o Ministério da Magia. Quando Voldemort sumiu, pareceu que era apenas uma questão de tempo para Crouch assumir o posto maior no Ministério. Mas então aconteceu uma infelicidade...
Sirius sorriu amargurado.
— O único filho de Crouch foi apanhado com um grupo de Comensais da Morte que tinham conseguido sair de Azkaban contando uma boa história. Aparentemente pretendiam encontrar Voldemort para reconduzi-lo ao poder.
— O filho de Crouch foi apanhado? — exclamou Hermione.
— Foi — disse Sirius, atirando o osso de galinha para Bicuço, e voltando a se sentar ao lado da fôrma de pão, que ele cortou ao meio — Imagino que tenha sido um choque e tanto para o velho Bartô. Deveria ter passado mais tempo em casa com a família, não acham? Deveria ter saído do escritório mais cedo um dia... procurado conhecer o filho.
Sirius começou a devorar grandes bocados de pão.
— O filho dele era mesmo um Comensal da Morte? — perguntou Harry.
— Não faço idéia — respondeu o padrinho, enfiando mais pão na boca — Eu próprio estava em Azkaban quando o trouxeram. Descobri a maior parte do que estou contando depois que saí. O rapaz foi sem a menor dúvida apanhado em companhia de gente que, posso apostar minha vida, era Comensal da Morte, mas ele talvez estivesse no lugar errado na hora errada, como esse elfo doméstico.
— Crouch tentou e conseguiu livrar o filho? — sussurrou Hermione.
Sirius deu uma risada que pareceu muito mais um latido.
— Crouch livrou o filho? Achei que você o tinha avaliado corretamente, Hermione. Qualquer coisa que ameaçasse manchar a reputação dele precisava ser afastada, ele dedicou a vida inteira a chegar a Ministro da Magia. Vocês viram ele dispensar um dedicado elfo doméstico porque o associou com a Marca Negra, isso não diz a vocês que tipo de pessoa ele é? O máximo a que sua afeição paternal chegou foi dar ao filho um julgamento e, é voz geral, que isso não passou de uma desculpa para Crouch mostrar como detestava o rapaz... depois mandou-o direto para Azkaban.
— Ele entregou o próprio filho aos dementadores? — perguntou Harry em voz baixa.
— Isso mesmo — disse Sirius e ele não parecia estar achando graça alguma então — Eu vi os dementadores trazerem o rapaz preso, observei-os pelas grades da porta da minha cela. Não devia ter mais de dezenove anos. Foi encarcerado em uma cela perto da minha. Ao cair da noite ele já estava gritando pela mãe. Mas, depois de alguns dias, se calou... no fim todos se calam... exceto quando gritam durante o sono...
Por um momento, a expressão mortiça nos olhos de Sirius se tornou mais acentuada que nunca, como se as janelas tivessem se fechado por trás deles.
— Então ele ainda está em Azkaban? — perguntou Harry.
— Não — disse Sirius sem emoção — Não, ele não está mais lá. Morreu um ano depois de o levarem para lá.
— Morreu?
— Ele não foi o único — disse Sirius com amargura — A maioria enlouquece lá, e muitos param de comer quando se aproximam do fim. Perdem a vontade de viver. A gente sempre sabia quando a morte estava próxima, porque os dementadores pressentiam e ficavam excitados. O rapaz tinha um ar bem doentio quando chegou. Por ser um importante funcionário do Ministério, Crouch e a mulher receberam permissão para visitá-lo no leito de morte. Foi a última vez que vi Bartô Crouch, meio que carregando a mulher ao passar no corredor diante da minha cela. Parece que ela também morreu pouco depois. Tristeza. Definhou como o filho. Crouch nunca foi buscar o corpo do rapaz. Os dementadores o enterraram do lado de fora da fortaleza, eu fiquei assistindo.
Sirius pôs de lado o pão que acabara de levar à boca e, em lugar disso, apanhou a garrafa de suco de abóbora e a esvaziou.
— Então o velho Crouch perdeu tudo, quando achou que chegara ao topo — continuou ele, limpando a boca com as costas da mão — Num momento, um herói, pronto a se tornar Ministro da Magia... no momento seguinte, o filho morto, a mulher morta, o nome da família desonrado e, pelo que ouvi desde que fugi, uma grande queda na popularidade. Depois que o rapaz morreu, as pessoas começaram a sentir um pouco mais de simpatia por ele, e começaram a indagar como é que um rapaz de boa família tinha entortado daquele jeito. A conclusão foi de que o pai nunca se preocupara muito com ele. Então Cornélio Fudge ganhou o lugar de ministro e Crouch foi deslocado para o Departamento de Cooperação Internacional em Magia.
Houve um longo silêncio.
Harry ficou pensando no jeito com que os olhos de Crouch tinham saltado quando ele encarou o elfo desobediente lá na floresta, no final da Copa Mundial de Quadribol. Isto então devia ter sido a razão da reação exagerada de Crouch ao saber que Winky fora encontrada embaixo da Marca Negra. A cena lhe trouxera lembranças do filho, do antigo escândalo e de sua queda no Ministério.
— Moody diz que Crouch é obcecado por caçar bruxos das trevas — disse Harry a Sirius.
— É, ouvi falar que se tornou uma espécie de mania nele — disse Sirius concordando com a cabeça — Se você quer saber a minha opinião, ele ainda acha que pode recuperar a antiga popularidade capturando mais um Comensal da Morte.
— E ele veio escondido a Hogwarts para revistar a sala de Snape! — exclamou Rony com ar de triunfo, olhando para Hermione.
— É, e isso não faz o menor sentido — disse Sirius.
— Claro que faz! — disse Rony excitado.
Mas Sirius balançou a cabeça.
— Escute aqui, se Crouch quisesse investigar Snape, por que então não tem ido julgar o torneio? Seria a desculpa ideal para fazer visitas regulares à escola e ficar de olho em Snape.
— Então você acha que Snape pode estar aprontando alguma? — perguntou Harry, mas Hermione os interrompeu.
— Olhem, eu não acredito no que vocês estão dizendo, Dumbledore confia em Snape...
— Ah, corta essa, Hermione — disse Rony impaciente — Eu sei que Dumbledore é genial e tudo o mais, mas isto não significa que um bruxo das trevas realmente inteligente não possa enganar ele...
— Por que foi, então, que Snape salvou a vida de Harry no primeiro ano? Por que simplesmente não o deixou morrer?
— Não sei, vai ver pensou que Dumbledore lhe daria um chute...
— Que é que você acha Sirius? — perguntou Harry em voz alta, e Rony e Hermione pararam de discutir para escutar.
— Acho que os dois têm uma certa razão — disse Sirius, olhando pensativo para Rony e Hermione — Desde que descobri que Snape estava ensinando na escola, tenho pensado por que Dumbledore o contratou. Snape sempre foi fascinado pelas Artes das Trevas, era famoso por isso na escola. Um garoto esquivo, seboso, os cabelos gordurosos — acrescentou Sirius, e Harry e Rony se entreolharam rindo — Snape conhecia mais feitiços quando chegou na escola do que metade dos garotos do sétimo ano e fazia parte de uma turma da Sonserina, que, na maioria, acabou virando Comensal da Morte.
Sirius ergueu a mão e começou a contar nos dedos.
— Rosier e Wilkes, os dois foram mortos por aurores um ano antes da queda de Voldemort. Os Lestranges se casaram, estão em Azkaban. Avery pelo que ouvi dizer livrou a cara dizendo que tinha agido sob o efeito da Maldição Imperius, continua solto. Mas até onde sei, Snape nunca foi acusado de ser Comensal da Morte, não que isto signifique grande coisa. Muitos deles jamais foram presos. E Snape certamente é muito inteligente e astuto para conseguir ficar de fora.
— Snape conhece Karkaroff muito bem, mas não quer divulgar isso — disse Rony.
— É, você devia ver a cara de Snape quando Karkaroff apareceu na aula de Poções ontem! — disse Harry depressa — Karkaroff queria falar com Snape, disse que o professor andava evitando ele. Karkaroff parecia realmente preocupado. Mostrou a Snape alguma coisa no braço, mas não pude ver o que era.
— Ele mostrou a Snape alguma coisa no braço? — exclamou Sirius, parecendo sinceramente espantado. Passou os dedos, distraído, pelos cabelos imundos, depois encolheu os ombros — Bem, não faço idéia do que possa ser... mas se Karkaroff está genuinamente preocupado, procurou Snape para obter respostas...
Sirius ficou olhando para a parede da caverna, depois fez uma careta de frustração.
— Mas ainda temos o fato de que Dumbledore confia em Snape, sei que Dumbledore confia no que muita gente não confiaria, mas não consigo vê-lo deixando Snape ensinar em Hogwarts se algum dia tivesse trabalhado para Voldemort.
— Então por que Moody e Crouch estão tão interessados em entrar na sala de Snape? — insistiu Rony.
— Bem — respondeu Sirius lentamente — Eu não duvidaria que Olho-Tonto tivesse revistado as salas de todos os professores quando chegou em Hogwarts. Ele leva a sério a Defesa Contra as Artes das Trevas. Não tenho certeza de que ele confie em alguém, e depois das coisas que tem visto, isto não é surpresa. Mas vou dizer uma coisa a favor do Moody, ele nunca matou ninguém se pudesse evitar. Sempre capturou as pessoas vivas, quando era possível. Ele é durão, mas nunca desceu ao nível dos Comensais da Morte. Já Crouch é outra conversa... ele está mesmo doente? Se está, por que fez o esforço de se arrastar até o escritório de Snape? E se não está... o que é que ele anda tramando? Que é que ele estava fazendo de tão importante durante a Copa Mundial que não apareceu no camarote de honra? Que é que ele está fazendo enquanto devia estar julgando o torneio?
Sirius caiu em silêncio, ainda fitando a parede da caverna. Bicuço fuçava o chão empedrado à procura de ossos que pudesse ter deixado passar. Finalmente Sirius ergueu os olhos para Rony.
— Você disse que seu irmão é assistente pessoal do Crouch? Você tem jeito de perguntar se ele tem visto Crouch ultimamente?
— Posso tentar — disse Rony em dúvida — Mas é melhor não parecer que desconfio que Crouch esteja fazendo alguma coisa escondido. Percy adora Crouch.
— E poderia, ao mesmo tempo, tentar descobrir se encontraram alguma pista da Berta Jorkins — disse Sirius, apontando para o segundo exemplar do Profeta Diário.
— Bagman me disse que não tinham — informou Harry.
— É, ele é citado no artigo do Profeta. Alardeando que a memória de Berta é bem ruizinha. Bem, talvez ela tenha mudado desde que eu a conheci, mas a Berta que conheci não era nada desmemoriada, muito ao contrário. Era um pouco obtusa, mas tinha uma excelente memória para fofocas. Isso costumava metê-la em muita confusão, nunca sabia quando ficar de boca calada. Posso entender que representasse um certo risco para o Ministério da Magia... talvez tenha sido por isso que Bagman não se importou de procurar por ela tanto tempo...
Sirius deu um enorme suspiro e esfregou os olhos contornados de sombras escuras.
— Que horas são?
Harry consultou o relógio, então se lembrou de que não estava funcionando desde que passara uma hora dentro do lago.
— São três e meia — informou Hermione.
— É melhor vocês voltarem para a escola — disse Sirius, se levantando — Agora, escutem aqui... — e olhou mais insistentemente para Harry — Não quero vocês saindo escondidos da escola para me ver, certo? Me mandem bilhetes para cá. Continuo querendo saber de qualquer coisa estranha. Mas vocês não devem sair de Hogwarts sem permissão, seria uma oportunidade ideal para alguém atacá-los.
— Até agora ninguém tentou me atacar, exceto o dragão e uns dois grindylows — disse Harry.
Mas Sirius amarrou a cara para ele.
— Não quero saber... vou respirar outra vez em paz quando esse torneio terminar, o que não vai acontecer até Junho. E não se esqueçam, se estiverem falando de mim entre vocês, me chamem de Snuffles, Ok?
Ele devolveu a Harry a garrafa e o guardanapo vazios e foi dar uma palmadinha de despedida em Bicuço.
— Acompanho vocês até a entrada do povoado — disse Sirius — Vou ver se consigo catar mais um jornal.
Ele se transformou no enorme cão preto antes de deixarem a caverna, e juntos desceram a encosta do morro, atravessaram o terreno pedregoso e voltaram à escada. Ali ele deixou cada um dos garotos lhe acariciar a cabeça e, em seguida, virou as costas e saiu correndo pela periferia do povoado.
Harry, Rony e Hermione voltaram para Hogsmeade e dali para Hogwarts.
— Será que o Percy conhece toda essa história sobre o Crouch? — comentou Rony quando subiam a estrada do castelo — Mas vai ver ele não se importa... provavelmente ia admirar o Crouch ainda mais. É, o Percy adora regulamentos. Ia dizer que o Crouch se recusou a infringir os regulamentos em favor do próprio filho.
— Percy não atiraria nenhuma pessoa da família dele aos dementadores — disse Hermione com severidade.
— Não sei, não — respondeu Rony — Se achasse que estávamos atrapalhando a carreira dele... Percy é realmente ambicioso, sabem...
Eles subiram os degraus de pedra e entraram no saguão do castelo, onde vieram ao seu encontro os cheiros gostosos do jantar no Salão Principal.
— Coitado do velho Snuffles — disse Rony inspirando profundamente — Ele deve realmente gostar de você, Harry... imagine ter que comer ratos para sobreviver.







________________________

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe seu comentário para elogiar ou criticar o T.World. Somente com seu apoio e ajuda, o T.World pode se tornar ainda melhor.