sexta-feira, 29 de junho de 2012

Harry Potter e o Cálice de Fogo - Capítulo 34





— CAPÍTULO TRINTA E QUATRO —
Priori Incantatem



RABICHO APROXIMOU-SE DE HARRY, que tentou se aprumar para sustentar o corpo antes que as cordas fossem desamarradas. Rabicho ergueu a nova mão prateada, puxou o chumaço de pano que amordaçava Harry e então, com um único movimento, cortou as cordas que prendiam o garoto à lápide.
Houve talvez uma fração de segundo em que Harry poderia ter pensado em fugir, mas sua perna machucada estremeceu sob o peso do corpo quando ele firmou os pés no túmulo malcuidado, ao mesmo tempo que os Comensais da Morte cerraram fileiras, apertando o círculo em torno dele e de Voldemort, e os espaços que seriam dos Comensais da Morte ausentes se fecharam. Rabicho saiu do círculo e foi até onde jazia o corpo de Cedrico, e voltou trazendo a varinha de Harry, que ele enfiou com brutalidade na mão do garoto sem sequer olhá-lo. Depois, Rabicho retomou seu lugar no círculo de comensais que observavam.
— Você aprendeu a duelar, Harry Potter? — perguntou Voldemort suavemente, seus olhos vermelhos brilhando no escuro.
Ao ouvir a pergunta Harry se lembrou, como se pertencesse a uma vida anterior, do Clube dos Duelos em Hogwarts que ele freqüentara brevemente há dois anos... a única coisa que aprendera tinha sido o Feitiço para Desarmar.
“Expelliarmus?”... e de que adiantaria isso, mesmo que ele pudesse privar Voldemort de sua varinha, quando ele estava rodeado de Comensais da Morte e em desvantagem de, no mínimo, trinta a um? Ele jamais aprendera nada que o tivesse preparado minimamente para uma situação dessas. Sabia que estava enfrentando aquilo contra o qual Moody sempre o alertara... a Maldição Avada Kedavra, impossível de bloquear... e Voldemort tinha razão, desta vez a mãe de Harry não estava ali para morrer por ele... não contava com proteção alguma...
— Nos cumprimentamos com uma curvatura, Harry — disse Voldemort, se inclinando ligeiramente, mas mantendo o rosto de cobra erguido para Harry — Vamos, as boas maneiras devem ser observadas... Dumbledore gostaria que você demonstrasse educação... curve-se para a morte, Harry...
Os Comensais da Morte deram novas gargalhadas. A boca sem lábios de Voldemort riu. Harry não se curvou. Não ia deixar o bruxo brincar com ele antes de matá-lo... não ia lhe dar essa satisfação...
— Eu disse, curve-se — repetiu Voldemort, erguendo a varinha, e Harry sentiu sua coluna se curvar como se uma mão enorme e invisível o empurrasse impiedosamente para frente, e os Comensais da Morte riram com mais gosto que nunca — Muito bem — disse Voldemort suavemente, e quando ele baixou a varinha a pressão que empurrava Harry se aliviou também — Agora você me enfrenta, como homem... de costas retas e orgulhoso, do mesmo modo que seu pai morreu... agora... vamos ao duelo.
O bruxo ergueu a varinha antes que Harry pudesse fazer alguma coisa para se defender, antes que pudesse sequer se mexer, e ele foi atingido pela Maldição Cruciatus. A dor foi tão intensa, e tão devoradora, que Harry já nem sabia onde estava... facas em brasa perfuravam cada centímetro de sua pele, sua cabeça, sem dúvida alguma, ia explodir de dor, ele gritava mais alto do que jamais gritara na vida...
Então tudo parou. Harry se virou e tentou ficar em pé, tremeu descontrolado, como fizera Rabicho quando decepara a própria mão, cambaleou para os lados na direção dos Comensais da Morte ao redor, e eles o empurraram de volta a Voldemort.
— Uma pequena pausa — disse o bruxo, as narinas de cobra se dilatando de excitação — Uma pequena pausa... isso doeu, não foi Harry? Você não quer que eu faça isso outra vez, quer?
Harry não respondeu. Ia morrer como Cedrico, era o que aqueles olhos vermelhos e cruéis estavam lhe dizendo... Ia morrer, e não havia nada que pudesse fazer para evitá-lo... mas não ia facilitar. Não ia obedecer a Voldemort... não ia suplicar...
— Perguntei se quer que eu faça isso outra vez — disse Voldemort gentilmente — Responda! Imperio!
E Harry teve, pela terceira vez em sua vida, a sensação de que todos os pensamentos tinham se apagado de sua mente... ah, foi uma felicidade, não pensar, foi como se estivesse flutuando, sonhando...
Apenas responda “não”!... Diga “não”!... apenas responda “não”!
“Não direi”, falou uma voz mais forte no fundo de sua cabeça, “Não responderei...”
Apenas responda “não”!...
“Não vou responder, não vou dizer isso...”
Apenas responda “não “!
— NÃO VOU RESPONDER!
E essas palavras explodiram da boca de Harry, ecoaram pelo cemitério, e o estado onírico em que mergulhara se dissolveu repentinamente como se tivessem lhe atirado um balde de água fria, renovaram-se as dores que a Maldição Cruciatus deixara por todo o seu corpo, renovou-se a consciência de onde estava, do que estava enfrentando...
— Não vai? — disse Voldemort suavemente, e agora os Comensais da Morte não estavam rindo — Não vai dizer “não”? Harry, a obediência é uma virtude que preciso lhe ensinar antes de você morrer... talvez mais uma dosezinha de dor?
Voldemort ergueu a varinha, mas desta vez Harry estava preparado, com os reflexos nascidos da prática de Quadribol, ele se atirou para um lado no chão, rolou para trás da lápide de mármore do pai de Voldemort e a ouviu rachar quando o feitiço errou o alvo.
— Não estamos brincando de esconde-esconde, Harry — disse a voz suave e fria de Voldemort, aproximando-se, enquanto os Comensais da Morte riam — Você não pode se esconder de mim. Será que isso significa que já se cansou do nosso duelo? Será que significa que você prefere que eu o encerre agora, Harry? Saia daí, Harry... saia e venha brincar, então... será rápido... talvez até indolor... eu não saberia dizer... eu nunca morri...
Harry continuou agachado atrás da lápide e percebeu que chegara o seu fim. Não havia esperança... nenhuma ajuda de ninguém. Quando ouviu Voldemort chegar ainda mais perto, ele soube apenas uma coisa que transcendeu o medo e a razão, ele não ia morrer agachado ali como uma criança brincando de esconde-esconde; não ia morrer ajoelhado aos pés de Voldemort... ia morrer de pé como seu pai, e ia morrer tentando se defender, mesmo que não houvesse defesa alguma possível...
Antes que Voldemort pudesse meter a cara viperina atrás da lápide, Harry se levantou... agarrou a varinha com força, empunhou-a à frente e saiu rápido detrás da lápide para encarar Voldemort. O bruxo estava pronto.
Quando Harry gritou “Expelliarmus!”, Voldemort gritou “Avada Kedavra!”
Um jorro de luz verde saiu da varinha de Voldemort na mesma hora em que um jorro de luz vermelha disparou da de Harry, e os dois se encontraram no ar, e de repente, a varinha de Harry começou a vibrar como se uma descarga elétrica estivesse entrando por ela, sua mão estava presa à varinha, ele não teria podido soltá-la se quisesse, e um fino feixe de luz agora ligava as duas varinhas, nem vermelha nem verde, mas um dourado intenso e rico, e Harry, acompanhando o feixe com o olhar espantado, viu que os dedos longos e brancos de Voldemort também agarravam uma varinha que sacudia e vibrava.
E então, nada poderia ter preparado Harry para isso, ele sentiu seus pés se elevarem do chão. Ele e Voldemort estavam sendo erguidos no ar, as varinhas ainda ligadas por aquele fio de luz dourada e tremeluzente. Os dois estavam se afastando do túmulo do pai de Voldemort e por fim pousaram num trecho de terreno limpo e sem túmulos...
Os Comensais da Morte gritavam, pedindo instruções a Voldemort, se aproximavam e se reagrupavam em um círculo em volta dos dois, a cobra em seus calcanhares, alguns bruxos sacando as varinhas...
O fio dourado que ligava Harry e Voldemort se fragmentou: embora as varinhas continuassem ligadas, mil outros fios brotaram e formaram um arco sobre os dois, e foram se entrecruzando a toda volta, até encerrá-los em uma teia dourada como uma redoma, uma gaiola de luz, para além da qual os Comensais da Morte rondavam como chacais, seus gritos estranhamente abafados...
— Não façam nada! — gritou Voldemort para os Comensais da Morte, e Harry viu os olhos vermelhos do bruxo se arregalarem para o que estava acontecendo, viu-o lutar para romper o fio de luz que continuava ligando sua varinha à de Harry.
O garoto apertou a varinha com mais força, com as duas mãos, e o fio dourado continuou inteiro.
— Não façam nada a não ser que eu mande! — gritou Voldemort para os Comensais da Morte.
Então um som belo e sobrenatural encheu o ar... vinha de cada fio de luz da teia que vibrava em torno de Harry e Voldemort. Era um som que o garoto reconhecia, embora só o tivesse ouvido uma vez na vida...
A canção da fênix...
Era o som da esperança para Harry... o mais belo e mais bem-vindo que ele já ouvira na vida... o garoto teve a sensação de que o som estava dentro dele e não apenas à sua volta... era o som que ele associava a Dumbledore, e era quase como se um amigo estivesse falando em seu ouvido...
Não rompa a ligação.
— Eu sei — Harry disse à música — Eu sei que não devo...
Mas mal acabara de dizer isso, e a coisa se tornou muito mais difícil de fazer. Sua varinha começou a vibrar mais violentamente do que antes... e agora o fio de luz entre ele e Voldemort mudou também... era como se grandes contas de luz estivessem deslizando para frente e para trás no fio que ligava as varinhas, Harry sentiu a sua estremecer com força, quando as contas de luz começaram a deslizar lenta e continuamente em sua direção... agora o movimento do feixe de luz vinha de Voldemort para ele, e ele sentiu a varinha vibrar de indignação...
Quando a conta de luz mais à frente se aproximou da ponta da varinha de Harry, a madeira em seus dedos esquentou de tal forma que o garoto receou que ela fosse romper em chamas. Quanto mais perto chegava a conta, mais violentamente a varinha de Harry vibrava, ele tinha certeza de que sua varinha não sobreviveria a um contato direto com a conta, ela parecia prestes a se esfacelar sob seus dedos...
Harry concentrou cada partícula de sua mente em obrigar a conta a voltar para Voldemort, seus ouvidos tomados pela canção da fênix, seus olhos furiosos, fixos... e lentamente, muito lentamente, as contas estremeceram e pararam, e em seguida, de forma igualmente lenta, começaram a se deslocar para o lado oposto... e foi a varinha de Voldemort que começou a vibrar com muita violência...
Voldemort que parecia perplexo e quase temeroso...
Uma das contas de luz estremecia a centímetros da ponta da varinha de Voldemort. Harry não entendia por que estava fazendo aquilo, não sabia o que obteria... mas começou a se concentrar, como nunca fizera na vida, em forçar aquela conta de luz a voltar à varinha de Voldemort... e lentamente... muito lentamente... ela foi se deslocando pelo fio dourado... estremeceu por um momento... e então fez contato...
Na mesma hora, a varinha de Voldemort começou a emitir gritos ressonantes de dor... depois... os olhos vermelhos do bruxo se arregalaram de choque, uma mão, densa e fumegante voou da ponta da varinha e desapareceu... o fantasma da mão que ele fizera para Rabicho... mais gritos de dor... e então algo muito maior começou a brotar da ponta da varinha de Voldemort, algo imenso e acinzentado, algo que parecia ser feito da mais sólida e densa fumaça... era uma cabeça, depois um peito e os braços... o tronco de Cedrico Diggory.
Se em algum momento Harry pudesse ter soltado a varinha de susto, teria sido então, mas o instinto o fez continuar segurando-a com força, de modo que o fio de luz dourada permaneceu intacto, embora o fantasma cinzento e denso de Cedrico Diggory (Seria um fantasma? Parecia tão sólido!) emergisse em sua inteireza da ponta da varinha de Voldemort, como se estivesse se espremendo para fora de um túnel muito estreito... e esta sombra de Cedrico ficou em pé e examinou o fio de luz dourada de uma ponta a outra e falou.
— Agüenta firme, Harry.
Era uma voz distante como um eco, Harry olhou para Voldemort... os olhos vermelhos e arregalados do bruxo ainda expressavam choque... tal qual Harry, ele não esperara uma coisa daquelas... e, muito indistintamente, Harry ouviu os gritos amedrontados dos Comensais da Morte, rodeando a redoma dourada...
Novos gritos de dor da varinha... então mais uma coisa surgiu em sua ponta... a sombra densa de uma segunda cabeça, rapidamente seguida de braços e tronco... um velho que Harry vira uma vez em sonho tentava agora sair da ponta da varinha do mesmo modo que Cedrico o fizera... e seu fantasma, ou sua sombra, ou o que fosse, caiu ao lado do de Cedrico, examinou Harry e Voldemort, a teia dourada e as varinhas que se tocavam, levemente surpreso, apoiando-se em uma bengala...
— Então ele era um bruxo de verdade? — perguntou o velho, com os olhos em Voldemort — Me matou, esse aí... enfrenta ele, moleque...
Mas já, outra cabeça vinha surgindo... e esta, grisalha como uma estátua de fumaça, era de uma mulher... Harry, os dois braços trêmulos com o esforço para manter a varinha parada, viu a mulher cair ao chão e se aprumar como tinham feito os outros, examinando tudo com atenção... a sombra de Berta Jorkins contemplou a luta diante dela de olhos arregalados.
— Não solte! — exclamou, e sua voz ecoou como a de Cedrico, como se viesse de muito longe — Não deixe ele pegar você, Harry, não solte a varinha!
Ela e as outras duas sombras começaram a rodear as paredes da teia dourada ao mesmo tempo que os Comensais da Morte se moviam rapidamente pelo lado de fora... e, enquanto rodeavam os duelistas, as vítimas de Voldemort sussurravam palavras de estímulo a Harry e sibilavam outras, que Harry não podia ouvir, para Voldemort.
Agora, outra cabeça vinha emergindo da ponta da varinha do bruxo... e Harry soube, ao vê-la, quem seria... ele sabia, como se esperasse isso desde o momento em que Cedrico saíra da varinha... soube por que a mulher que apareceu era aquela em quem ele pensara mais do que em qualquer outra pessoa esta noite...
A sombra esfumaçada de uma mulher jovem de cabelos longos caiu no chão como fizera Berta, se endireitou e olhou para ele... e Harry, com os braços tremendo loucamente agora, retribuiu o olhar do rosto fantasmagórico de sua mãe.
— Seu pai está vindo... — disse ela baixinho — Ele quer ver você... vai dar tudo certo... agüente firme...
E ele veio... primeiro a cabeça, depois o corpo... alto, os cabelos rebeldes como os de Harry, a sombra esfumaçada de Tiago Potter brotou da ponta da varinha de Voldemort, caiu ao chão e se levantou como havia feito sua mulher. Ele se aproximou de Harry fitando o filho, e falou na mesma voz distante e ressonante como os demais, mas em tom baixo, de modo que Voldemort, agora com o rosto lívido de medo ao ver suas vítimas a rodeá-lo, não pudesse ouvir...
— Quando a ligação for interrompida, permaneceremos apenas uns momentos... mas vamos lhe dar tempo... você precisa chegar à Chave do Portal, ela o levará de volta a Hogwarts... entendeu Harry?
— Entendi — ofegou Harry, lutando para manter firme a varinha, que agora começava a escapar e a escorregar sob seus dedos.
— Harry... — sussurrou a figura de Cedrico — Por favor, leva o meu corpo com você? Leva o meu corpo para os meus pais...
— Levo — prometeu Harry, seu rosto contraído com o esforço de agüentar a varinha.
— Faça isso agora — sussurrou seu pai — Prepare-se para correr... faça isso agora...
— AGORA! — berrou Harry, de qualquer modo, ele não achava que pudesse continuar segurando a varinha nem mais um instante, ergueu-a no ar, com um puxão violento, e o fio dourado se rompeu, a gaiola de luz desapareceu, a música da fênix silenciou, mas as sombras das vítimas de Voldemort não desapareceram, avançaram para o bruxo, escondendo Harry do seu olhar...
E Harry correu como nunca correra na vida, derrubando dois Comensais da Morte abobados ao passar, depois ziguezagueou por trás de lápides, sentindo maldições acompanharem-no, ouvindo-as bater nas lápides, evitou maldições e túmulos, correndo em direção ao corpo de Cedrico, sem sequer sentir a perna doer, todo o seu ser se concentrando no que precisava fazer...
— Estupore-o!— ele ouviu Voldemort gritar.
A dez passos de Cedrico, Harry mergulhou atrás de um anjo de mármore para evitar os jorros de luz vermelha e viu a ponta da asa do anjo desmoronar ao ser atingida pelos feitiços. Apertando com mais força a varinha, ele saiu ligeiro de trás do anjo...
— Impedimenta!— berrou ele, apontando a varinha de qualquer jeito por cima do ombro na direção geral dos Comensais da Morte que corriam em seu encalço.
Por um grito abafado que ouviu, ele achou que conseguira fazer parar pelo menos um, mas não havia tempo para se deter e olhar, ele saltou por cima da Taça e mergulhou ao ouvir mais explosões saírem das varinhas às suas costas, mais jorros de luz voaram por cima de sua cabeça quando ele caiu, esticando a mão para agarrar o braço de Cedrico...
— Afastem-se! Eu o matarei! Ele é meu! — gritou a voz aguda de Voldemort.
A mão de Harry se fechou no pulso de Cedrico, havia uma lápide entre ele e Voldemort, mas Cedrico era demasiado pesado para carregar, e a Taça estava fora do seu alcance...
Os olhos vermelhos de Voldemort chispavam no escuro. Harry viu a boca do bruxo se crispar num sorriso e viu-o erguer a varinha.
— Accio! — berrou Harry, apontando a própria varinha para a Taça Tribruxo.
A Taça voou pelo ar em sua direção, Harry agarrou-a pela asa...
Ele ouviu o grito de fúria de Voldemort no mesmo instante em que sentiu o solavanco no umbigo que significava que a Chave do Portal fora acionada... ele se afastou em alta velocidade num turbilhão de vento e cor, levando Cedrico junto...
Os dois estavam voltando...








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