— CAPÍTULO VINTE —
A Primeira Tarefa
HARRY LEVANTOU-SE NA
MANHÃ DE DOMINGO e se vestiu tão distraidamente que levou algum tempo para
perceber que estava tentando calçar o chapéu no pé em vez da meia.
Quando
finalmente conseguiu pôr cada peça de roupa na parte certa do corpo, saiu
correndo à procura de Hermione, encontrando-a à mesa da Grifinória no Salão
Principal, onde ela tomava café da manhã com Gina. Sentindo-se demasiado
enjoado para comer, Harry esperou até Hermione terminar a última colherada de
mingau de aveia, depois a arrastou para darem outro passeio.
Nos
jardins, contou-lhe tudo sobre os dragões e tudo sobre o que Sirius dissera,
durante o longo passeio à volta do lago. Mesmo alarmada com o que ouvia sobre
os avisos de Sirius a respeito de Karkaroff, a garota continuou achando que os
dragões eram o problema mais premente.
—
Vamos só tentar manter você vivo até a noite de Terça-Feira — disse desesperada
— Depois podemos nos preocupar com Karkaroff.
Deram
três voltas no lago, tentando pensar em um feitiço simples para dominar o
dragão. Nada, porém, lhes ocorreu, de modo que se recolheram à Biblioteca. Ali,
Harry baixou cada livro que conseguiu encontrar sobre dragões e os dois
começaram a pesquisar uma grande pilha de livros.
— O
corte mágico de unhas... o tratamento da podridão de escamas... isto não serve,
isto é para gente biruta feito o Hagrid que quer criar dragões saudáveis... os
dragões são extremamente difíceis de matar, graças à magia muito antiga que
impregna seu grosso couro, que nenhum, exceto os feitiços mais poderosos são
capazes de penetrar... mas Sirius disse que um feitiço simples funcionaria...
—
Vamos tentar alguns livros de feitiços simples, então — disse Harry, deixando
de lado Homens Aficionados por Dragões.
Ele
voltou à mesa com uma pilha de livros de feitiços, descansou-os e começou a
folhear um a um, com Hermione cochichando sem parar ao seu lado.
—
Bom, tem Feitiços de Substituição... mas qual é a vantagem de substituir um
dragão? A não ser que a pessoa substitua as presas dele por gengivas ou outra
coisa qualquer para torná-las inofensivas... o problema é que, como diz o
livro, muito pouca coisa atravessa o couro de um dragão... eu diria:
transfigure o bicho, mas com uma coisa daquele tamanho, a gente realmente não
tem a menor esperança, duvido até que a Profª. McGonagall... a não ser que a
pessoa lance o feitiço nela mesma? Talvez dar a si mesma poderes
extraordinários? Mas isso não é um feitiço simples, quero dizer, ainda não
estudamos nenhum desses em aula, só sei que existem porque ando fazendo provas
simuladas para os N.O.M.’s...
—
Hermione — disse Harry entre dentes — Quer calar a boca um instante, por favor?
Estou tentando me concentrar.
Mas
só o que aconteceu quando a garota se calou foi que o cérebro de Harry se
encheu com uma espécie de zumbido indistinto, que parecia não deixar espaço
para concentração. Ele olhou desalentado para o índice de Azarações Básicas
para os Ocupados e Aflitos: Escalpos Instantâneos... mas dragões não tinham
cabelos... Bafo de Pimenta... isso provavelmente aumentaria o poder de fogo do
dragão... Língua de Espinhos... exatamente o que ele precisava, dar ao dragão
mais uma arma...
— Ah,
não, lá vem ele outra vez, por que é que ele não pode ler naquele navio idiota
— exclamou Hermione irritada, quando Vítor Krum entrou daquele seu jeito
curvado, lançou um olhar carrancudo para os dois e se sentou num canto distante
com uma pilha de livros — Vamos, Harry, vamos voltar para a Sala Comunal... o
fã clube dele não vai demorar, chilreando sem parar...
E não
deu outra, quando iam saindo da Biblioteca, um grupo de garotas passou por eles
nas pontas dos pés, uma delas usando um lenço da Bulgária amarrado à cintura.
Harry
mal chegou a dormir àquela noite.
Quando
acordou na manhã de Segunda-Feira, ele pensou seriamente, pela primeira vez na
vida, em fugir de Hogwarts. Mas quando correu o olhar pelo Salão Principal, na
hora do café da manhã, e pensou no que significava abandonar o castelo,
compreendeu que não poderia fazer isso. Era o único lugar em que fora feliz...
bem, ele supunha que devia ter sido feliz em companhia dos pais, também, mas
não seria capaz de lembrar.
Por
alguma razão, a consciência de que preferia estar ali e ter de encarar um
dragão a voltar à Rua dos Alfeneiros com Duda foi uma coisa boa, e fez com que
se sentisse ligeiramente mais calmo.
Terminou
de comer o bacon com esforço (a garganta não estava funcionando muito bem), e
quando se levantou com Hermione, ele viu Cedrico Diggory deixando a mesa da
Lufa-Lufa.
Cedrico
ainda não sabia dos dragões... o único campeão que não sabia, se Harry
estivesse certo em pensar que Maxime e Karkaroff teriam informado a Fleur e
Krum...
—
Mione, vejo você nas estufas — disse ele, tomando uma decisão ao ver Cedrico
saindo do salão — Vai andando, eu alcanço você.
—
Harry você vai se atrasar, a sineta já vai tocar...
— Eu
alcanço você, ok?
Quando
Harry chegou ao pé da escadaria de mármore, Cedrico já estava no topo. Ia
acompanhado de um monte de amigos do sexto ano. Harry não queria falar com o
campeão na frente deles, faziam parte do grupo que andara citando o artigo de
Rita Skeeter, em voz alta, todas as vezes que ele se aproximava. Seguiu, então,
Cedrico à distância e viu que o garoto ia em direção ao corredor da classe de
Feitiços. Isto deu a Harry uma idéia. Parando a uma certa distância deles,
puxou a varinha e mirou com cuidado.
— Diffindo!
A
mochila de Cedrico se rompeu. Pergaminhos, penas e livros se espalharam pelo
chão. Vários tinteiros se quebraram.
— Não
se preocupem — disse Cedrico em tom irritado, quando os amigos se abaixaram
para ajudá-lo — Digam a Flitwick que estou chegando, vão indo...
Isto
era exatamente o que Harry esperava que acontecesse. Ele tornou a guardar a
varinha nas vestes, esperou até que os amigos de Cedrico desaparecessem na sala
de aula e entrou depressa no corredor, agora vazio, exceto por ele e Cedrico.
— Oi
— disse Cedrico, apanhando um exemplar de Um Guia de Transfiguração Avançada
manchado de tinta — Minha mochila simplesmente se rompeu... nova em folha...
—
Cedrico — disse Harry — A Primeira Tarefa vão ser dragões.
—
Quê? — exclamou Cedrico, erguendo a cabeça.
—
Dragões — disse Harry depressa, caso o Prof. Flitwick saísse para ver onde
andava Cedrico — São quatro, um para cada um de nós, e vamos ter que passar por
eles.
Cedrico
arregalou os olhos. Harry viu um pouco do pânico que andara sentindo desde o
Sábado à noite passar pelos olhos cinzentos do colega.
— Tem
certeza? — perguntou numa voz abafada.
—
Absoluta. Eu vi.
— Mas
como foi que você descobriu? Não devíamos saber...
— Não
importa — disse Harry depressa, sabia que Hagrid estaria em apuros se ele
dissesse a verdade — Mas eu não sou o único que sabe. Fleur e Krum a essa hora
também já sabem, Maxime e Karkaroff viram os dragões, também.
Cedrico
se levantou, os braços cheios de penas, pergaminhos e livros sujos de tinta, a
bolsa rasgada pendurada em um ombro. Fitou Harry atentamente e havia uma
expressão intrigada, quase desconfiada em seus olhos.
— Por
que é que você está me dizendo isso? — perguntou.
Harry
olhou-o sem acreditar. Tinha certeza de que Cedrico não faria uma pergunta
dessas se ele próprio tivesse visto os dragões. Harry não teria deixado seu
pior inimigo despreparado para enfrentar aqueles monstros, bom, talvez Malfoy
ou Snape...
— Não
seria... justo, não acha? — disse ele a Cedrico — Agora todos sabemos...
estamos em pé de igualdade, não é?
Cedrico
continuava a olhar o garoto com um ar ligeiramente desconfiado quando Harry
ouviu um conhecido toque-toque as suas costas. Virou-se e viu Olho-Tonto Moody
saindo de uma sala próxima.
—
Venha comigo, Potter — rosnou o professor — Diggory, pode ir andando.
Harry
olhou preocupado para Moody. Será que o professor ouvira os dois?
—
Hum... professor, eu devia estar na aula de Herbologia...
—
Esqueça, Potter. Na minha sala, por favor...
Harry
acompanhou-o, se perguntando o que iria lhe acontecer agora. E se Moody quisesse
saber como ele descobrira a respeito dos dragões? Será que iria procurar
Dumbledore e denunciar Hagrid ou simplesmente transformar Harry numa doninha?
Bom, seria mais fácil passar por um dragão se ele fosse uma doninha, pensou
Harry sem emoção, Ficaria bem menor, muito mais difícil de enxergar de uma
altura de quinze metros...
Harry
acompanhou Moody à sua sala. O professor fechou a porta ao passarem e se virou
para encarar Harry, o olho mágico fixo nele ao mesmo tempo que o olho normal.
— Foi
uma coisa muito decente o que você acabou de fazer, Potter — disse Moody
baixinho. O garoto não soube o que responder; não era a reação que esperara —
Sente-se — disse o professor, e o garoto se sentou, espiando para os lados.
Visitara
essa sala na época dos seus dois ocupantes anteriores.
Na do
Prof. Lockhart, as paredes eram cobertas de fotos em que o professor sorria e
piscava um olho. Quando Lupin a ocupara, era mais provável a pessoa deparar com
um espécime fascinante de alguma criatura das trevas que ele arranjara para os
alunos estudarem em aula. Agora, no entanto, a sala estava apinhada com um
número excepcional de objetos estranhos que, supunha Harry, Moody usara na
época em que fora auror.
Sobre
a escrivaninha havia algo que parecia um grande pião de vidro rachado, Harry
reconheceu imediatamente o bisbilhoscópio, porque ele próprio era dono de um,
embora muito menor do que o de Moody. A um canto, sobre uma mesinha, havia um
objeto que lembrava uma antena dourada de televisão e não parava de girar.
Zumbia levemente. Havia algo que lembrava um espelho pendurado na parede oposta
a Harry, mas não refletia a sala. Vultos escuros se moviam por ele, nenhum
realmente em foco.
—
Gosta dos meus detectores de presença das trevas? — perguntou Moody, que
observava Harry atentamente.
— Que
é aquilo? — perguntou o garoto, apontando para a antena dourada de televisão.
—
Sensor de Segredos. Vibra quando detecta alguma coisa oculta ou falsa... não
funciona aqui, é claro, há interferência demais, estudantes para todos os lados
mentindo para justificar por que não fizeram os deveres. Anda zumbindo desde
que cheguei. Tive que desligar o meu bisbilhoscópio porque ele não parava de
apitar. É extrassensível, capta qualquer coisa num raio de um quilômetro e
meio. Naturalmente, poderia estar captando mais do que mentiras infantis —
acrescentou com um rosnado.
— E
para que serve o espelho?
— Ah,
é o meu Espelho de Inimigos. Está
vendo eles ali, rondando? Não estou realmente em perigo até enxergar o branco
dos olhos deles. É aí que abro o meu baú.
Ele
soltou uma gargalhada breve e rouca e apontou para um grande baú sob uma
janela. Tinha sete fechaduras alinhadas. Harry ficou imaginando o que haveria
ali, até que a pergunta seguinte do professor o trouxe bruscamente à terra.
—
Então... descobriu a respeito dos dragões?
Harry
hesitou. Receara isso, mas não contara a Cedrico e certamente não iria contar a
Moody que Hagrid infringira o regulamento.
—
Tudo bem — disse Moody, sentando-se e esticando a perna de pau com um gemido —
Tradicionalmente trapacear sempre fez parte do Torneio Tribruxo.
— Eu
não trapaceei — disse Harry com veemência — Foi... descobri meio por acaso.
Moody
sorriu.
— Não
estou acusando-o, menino. Venho dizendo a Dumbledore, desde o começo, que ele
pode ter os princípios elevados que quiser, mas pode apostar que o velho
Karkaroff e Maxime não os terão. Devem ter dito aos seus campeões tudo o que
puderam. Querem ganhar. Querem vencer Dumbledore. Gostariam de provar que ele é
apenas humano.
Moody
deu aquela sua risada rouca e seu olho mágico girou tão rápido que fez Harry se
sentir tonto só de ver.
—
Então... já tem alguma ideia de como vai conseguir passar pelo dragão? —
perguntou Moody.
—
Não.
—
Bom, eu não vou lhe dizer — afirmou o professor com rispidez — Não demonstro
favoritismos, eu. Mas vou-lhe dar uns bons conselhos de ordem geral. O primeiro
é: explore os seus pontos fortes.
— Não
tenho pontos fortes — disse Harry, antes que pudesse se conter.
—
Perdão — rosnou Moody — Você tem pontos fortes se eu digo que os tem. Pense um
pouco. Que é que você sabe fazer melhor?
Harry
tentou se concentrar. No que é que ele era melhor? Bom, isso era realmente
fácil...
—
Quadribol — disse sem emoção — É uma grande ajuda...
—
Certo — disse Moody mirando-o com muita severidade, o olho mágico mal se
mexendo — Você é um grande piloto, pelo que ouvi falar.
— É,
mas... — Harry encarou-o — Mas não posso usar a vassoura, só tenho a varinha...
— Meu
segundo conselho de ordem geral — disse Moody em voz alta, interrompendo-o — É
usar um feitiço bom e simples que lhe permita conseguir o que precisa.
Harry
olhou para ele sem entender. Do que é que precisava?
—
Vamos moleque... — sussurrou Moody — Some dois mais dois... não é tão difícil
assim...
E
fez-se a luz. O que ele fazia melhor era voar. Precisava passar pelo dragão
pelo ar. Para isso, precisava da Firebolt. E para ter a Firebolt ele
precisava...
—
Mione — murmurou Harry, depois de correr para a estufa três minutos mais tarde,
e balbuciar uma desculpa ao passar pela Profª. Sprout — Mione, preciso de sua
ajuda.
— Que
é que você acha que estive tentando fazer, Harry? — murmurou ela em resposta,
os olhos arregalados de ansiedade por cima de um agitado arbusto tremulante que
estava podando.
—
Mione, preciso aprender a fazer um Feitiço Convocatório corretamente até amanhã
de tarde.
E
assim os dois treinaram. Não almoçaram, em vez disso foram para uma sala de
aula vazia, onde Harry tentou com todo o empenho fazer vários objetos voarem
pela sala até ele. Ainda não estava bom. Os livros e penas continuavam a perder
o embalo no meio da sala e cair como pedras no chão.
—
Concentre-se, Harry, concentre-se...
— Que
é que você acha que eu estou tentando fazer? — perguntou Harry zangado — Uma
porcaria de um dragão não para de aparecer na minha cabeça, sei lá o porquê...
ok, Mione, tenta outra vez...
Ele
queria faltar à aula de Adivinhação para continuar treinando, mas Hermione se
recusou categoricamente a matar a aula de Aritmancia, e não adiantava ficar lá
sem ela. Portanto, Harry teve que aturar mais de uma hora a Profª. Sibila
Trelawney, que passou metade desse tempo dizendo a todos que a posição de Marte
com relação a Saturno, naquele momento, significava que as pessoas nascidas em
Julho corriam um grande perigo de sofrer uma morte súbita e violenta.
— Que
bom — disse Harry em voz alta, a raiva levando a melhor — Desde que não seja
demorada, porque não quero sofrer.
Por
um momento pareceu que Rony ia rir, sem dúvida seu olhar encontrou o de Harry
pela primeira vez em dias, mas este continuava muito magoado com o amigo para
se importar. Harry passou o resto da aula tentando atrair, com a varinha,
pequenos objetos para si, por baixo da mesa. Conseguiu fazer uma mosca disparar
direto para a sua mão, embora não tivesse total certeza de que aquilo
resultasse de sua perícia com os Feitiços Convocatórios, talvez a mosca fosse
apenas burra.
Ele
forçou um pouco de jantar para dentro depois da aula de Adivinhação, e em
seguida voltou à sala vazia com Hermione, usando a Capa da Invisibilidade para
evitar os professores. Os dois continuaram a treinar até depois da meia-noite.
Teriam
demorado mais, mas Pirraça apareceu e, fingindo achar que Harry queria que lhe
atirassem coisas, começou a arremessar cadeiras pela sala. Os dois garotos
tiveram que sair depressa antes que o barulho atraísse Filch, e voltaram à Sala
Comunal da Grifinória, que àquela hora felizmente estava vazia.
Às
duas da manhã, Harry estava ao pé da lareira, cercado por uma montanha de
objetos: livros, penas, várias cadeiras viradas, um velho jogo de bexigas e o
sapo de Neville, Trevo. Somente na última hora ele, realmente, pegara o jeito
dos Feitiços Convocatórios.
—
Está melhor, Harry, está muito melhor — disse Hermione, parecendo exausta,
porém muito satisfeita.
—
Bom, agora sabemos o que fazer na próxima vez que não conseguirmos lançar um
feitiço — disse Harry, atirando um dicionário de runas para Hermione, para que
pudesse tentar mais uma vez — Me ameace com um dragão. Certo...
Ele
ergueu a varinha novamente:
—
Accio dicionário!
O
pesado livro voou da mão de Hermione, atravessou a sala e Harry o aparou.
—
Harry, sinceramente acho que você pegou o jeito! — exclamou a garota,
encantada.
—
Desde que funcione amanhã — disse Harry — A Firebolt vai estar muito mais longe
do que essas coisas aqui, vai estar no castelo e eu vou estar lá fora nos
jardins...
— Não
faz diferença — disse Hermione com firmeza — Desde que você se concentre para
valer, realmente para valer, ela chega lá. Harry, é melhor dormirmos um
pouco... você vai precisar estar descansado.
* * *
Harry se concentrara com
tanto empenho para aprender os Feitiços Convocatórios aquela noite que parte do
seu pânico irracional o deixara. Voltou, contudo, com força total, na manhã
seguinte. A atmosfera na escola era de grande tensão e excitação. As aulas iam
ser interrompidas ao meio-dia, dando a todos os estudantes tempo para descer
até o cercado dos dragões, embora, é claro, eles ainda não soubessem o que
encontrariam lá.
Harry
se sentiu estranhamente isolado de todos à sua volta, tanto dos que lhe
desejavam boa sorte quanto dos que o vaiavam.
—
Vamos levar uma caixa de lenços de papel, Potter — diziam ao passar
Era
um nervosismo tão intenso que ele ficou imaginando se poderia perder a cabeça
quando tentassem conduzi-lo ao dragão e ele começasse a xingar todo mundo que
estivesse à vista.
O
tempo estava mais esquisito que nunca, transcorria em grandes lapsos, de modo
que num momento Harry estava sentado assistindo à primeira aula, História da
Magia, e, no momento seguinte, saindo para almoçar... depois (Aonde fora a manhã?
As últimas horas sem dragão?) a Profª. McGonagall corria para ele no Salão
Principal.
Um
montão de gente estava olhando.
—
Potter, os campeões têm que descer para os jardins agora... você tem que se
preparar para a Primeira Tarefa.
— Ok
— disse Harry, se levantando e deixando cair o garfo no prato, com estrépito.
— Boa
sorte — sussurrou Hermione — Você vai se sair bem!
— Ah,
vou! — exclamou Harry, com uma voz que nem parecia a dele.
O
garoto deixou o Salão Principal com a Profª. McGonagall, que também não parecia
a pessoa de sempre, de fato, parecia quase tão ansiosa quanto Hermione. Ao
conduzi-lo pelos degraus de pedra para a fria tarde de Novembro, ela pôs a mão
no ombro do garoto.
—
Agora, não entre em pânico — disse ela — Mantenha a cabeça fria... temos bruxos
à mão para resolver a situação se ela se descontrolar... o principal é você
fazer o melhor que puder e ninguém vai passar a pensar mal de você por isso...
você está bem?
—
Estou — Harry ouviu-se dizendo — Estou ótimo.
Ela o
conduzia ao lugar onde estavam os dragões, margeando a Floresta, mas quando se
aproximaram do arvoredo por trás do qual o cercado estaria claramente visível,
Harry viu que haviam armado uma barraca, com a entrada voltada para quem
chegava, que impedia a visão dos dragões.
— Você
deve entrar aí com os outros campeões — disse a Profª. McGonagall, com a voz um
tanto trêmula — E esperar a sua vez, Potter. O Sr. Bagman está aí dentro... ele
lhe dirá como... proceder... boa sorte.
—
Obrigado — disse Harry, numa voz distante e sem emoção.
A
professora o deixou à entrada da barraca. Ele entrou.
Fleur
Delacour estava sentada a um canto, em um banquinho baixo de madeira. Não
parecia nem de longe a garota habitualmente composta, parecia um tanto pálida e
suada. Vítor Krum parecia ainda mais carrancudo do que de hábito, o que fez
Harry supor que aquela era a sua maneira de demonstrar nervosismo. Cedrico
andava para lá e para cá. Quando Harry entrou, ele deu ao garoto um breve
sorriso, que Harry retribuiu, sentindo os músculos do rosto fazerem muita força
como se não soubessem mais sorrir.
—
Harry! Que bom! — exclamou Bagman alegremente, virando-se para olhá-lo — Entre,
entre, fique à vontade!
Bagman
por alguma razão parecia um personagem de quadrinhos grande demais, parado ali
entre os campeões pálidos. Trajava as antigas vestes do Wasp.
—
Bom, agora estamos todos aqui, hora de dar a vocês informações mais detalhadas!
— disse ele animado — Quando os espectadores acabarem de chegar, vou oferecer a
cada um de vocês este saco — ele mostrou um saquinho de seda púrpura e
sacudiu-o diante dos garotos — Do qual vocês irão tirar uma miniatura da coisa
que terão de enfrentar! São diferentes... hum... as variedades, entendem. E
preciso dizer mais uma coisa... ah, sim... sua tarefa será apanhar o ovo de ouro!
Harry
olhou à sua volta. Cedrico acenou a cabeça para indicar que compreendera as
palavras de Bagman, e então recomeçara a andar pela barraca, parecia
ligeiramente esverdeado. Fleur Delacour e Krum não tiveram a menor reação.
Talvez achassem que iriam vomitar se abrissem a boca, sem dúvida essa era a
sensação do próprio Harry. Mas pelo menos os outros tinham se voluntariado para
ser campeões...
E
pouco depois, ouviram-se centenas e mais centenas de pés passando pela barraca,
seus donos excitados, dando risadas e fazendo piadas... Harry se sentiu tão
isolado da multidão como se pertencesse a uma espécie diferente. Então, lhe
pareceu que transcorrera apenas um segundo, Bagman estava abrindo a boca do
saquinho púrpura.
—
Primeiro as damas — disse ele, oferecendo-o a Fleur Delacour. Ela enfiou a mão
trêmula no saquinho e retirou uma minúscula e perfeita figurinha de dragão: um
Verde-Galês. Tinha o número “dois” pendurado ao pescoço.
E
Harry percebeu, pelo fato de Fleur não ter demonstrado o menor sinal de surpresa,
mas, ao contrário, uma decidida resignação, que ele concluíra certo: Madame
Maxime contara à garota o que a aguardava.
O
mesmo se aplicava a Krum. Ele tirou o Meteoro-Chinês vermelho. Tinha o número
“três” pendurado ao pescoço. Ele sequer piscou, apenas olhou para o chão.
Cedrico
enfiou a mão no saquinho e retirou o Focinho-Curto Sueco cinza-azulado, o
número “um” pendurado no pescoço.
Sabendo
o que sobrara, Harry meteu a mão no saquinho de seda e tirou o Rabo-Córneo
Húngaro e o número “quatro”. O dragão abriu as asas quando o garoto o olhou e
arreganhou os dentes minúsculos.
—
Bom, então está decidido! — disse Bagman — Cada um de vocês sorteou o dragão
que irá enfrentar e a ordem em que cada um fará isso, entendem? Agora, vou
precisar deixá-los por um momento, porque vou fazer a irradiação. Sr. Diggory o
senhor é o primeiro, só o que tem a fazer é entrar no cercado quando ouvir o
apito, certo? Agora... Harry... posso dar uma palavrinha com você? Lá fora?
—
Hum... sim senhor — disse Harry sem emoção e se levantou e saiu da barraca com
Bagman, que andou uma pequena distância até o arvoredo e se virou, então, para
o garoto com uma expressão paternal no rosto.
—
Está se sentindo bem, Harry? Posso buscar alguma coisa para você?
—
Quê? Não... não, nada.
— Você
tem um plano? — disse Bagman, baixando a voz como se conspirasse — Porque não
me importo de lhe dar algumas dicas. Se quiser, sabe. Quero dizer... —
continuou Bagman baixando ainda mais a voz — Você é a vítima aqui, Harry...
qualquer coisa que eu puder fazer para ajudar...
— Não
— disse Harry, tão depressa que percebeu imediatamente que parecera grosseiro —
Não... eu... eu já decidi o que vou fazer, obrigado.
—
Ninguém iria saber, Harry — disse Bagman com uma piscadela.
—
Não, estou ótimo — respondeu o garoto se perguntando por que não parava de
dizer isso a todo mundo, se algum dia estivera tão longe do ótimo — Já tenho um
plano, eu...
Um
apito soou em algum lugar.
— Meu
bom Deus, tenho que correr! — disse Bagman assustado.
E
saiu com pressa.
Harry
voltou à barraca e viu Cedrico saindo, mais verde que nunca. Harry tentou
desejar boa sorte quando ele passou, mas o que saiu de sua boca foi uma espécie
de rosnado rouco.
Harry
voltou para a companhia de Fleur e Krum. Segundos mais tarde, ouviu os berros
dos espectadores, o que significava que Cedrico entrara no cercado, e agora
estava cara a cara com o modelo vivo de sua figurinha...
Foi
pior do que Harry poderia ter imaginado, ficar sentado ali escutando. A
multidão gritava... urrava... exclamava como uma entidade única de muitas
cabeças, enquanto Cedrico fazia o que quer que estivesse fazendo para tentar
passar pelo Focinho-Curto Sueco.
Krum
continuava a olhar para o chão. Fleur agora passara a refazer os passos de
Cedrico, dando voltas na barraca. E os comentários de Bagman tornavam tudo
muito pior... imagens horrendas se formaram na mente de Harry, quando ele
ouviu:
—
“Aaah, por um triz, por muito pouco”... “Ele está se arriscando, o campeão!”...
“Boa tentativa, pena que não deu resultado!”.
Então,
uns quinze minutos depois, Harry ouviu um urro ensurdecedor que só poderia
significar uma coisa: Cedrico conseguira passar pelo dragão e se apoderara do
ovo de ouro.
—
Realmente muito bom! — gritou Bagman — E agora as notas dos juízes!
Mas
ele não irradiou as notas, Harry supôs que os juízes estivessem erguendo as
notas no alto para mostrá-las à multidão.
— Um
a menos, faltam três! — berrou Bagman, quando o apito tornou a tocar — Srta.
Delacour, queira fazer o favor!
Fleur
tremia da cabeça aos pés, Harry sentiu mais simpatia por ela do que sentira até
então, quando a viu deixando a barraca com a cabeça erguida e a mão apertando a
varinha. Ele e Krum ficaram a sós, em lados opostos da barraca, evitando se
olhar.
Recomeçou
o mesmo processo...
— Ah,
não tenho muita certeza se isto foi sensato! — os dois ouviam Bagman dizer
animadamente — Ah... quase! Cuidado agora... meu bom Deus, pensei que já tinha
apanhado!
Dez
minutos depois, Harry ouviu a multidão prorromper em aplausos mais uma vez...
Fleur devia ter sido bem-sucedida também. Uma pausa, enquanto os juízes
mostravam as notas de Fleur... mais palmas... então, pela terceira vez, o
apito.
— E
aí vem o Sr. Krum! — exclamou Bagman e o garoto saiu curvado, deixando Harry
completamente só.
Sentia-se
muito mais consciente do seu corpo do que normalmente, consciente de que seu
coração batia acelerado e seus dedos formigavam de medo... mas, ao mesmo tempo,
ele parecia estar fora do próprio corpo, vendo as paredes da barraca e ouvindo
a multidão, como se estivesse muito longe...
—
Muito ousado! — berrava Bagman e Harry ouviu o Meteoro Chinês soltar um
poderoso e terrível urro, enquanto a multidão prendia a respiração em uníssono
— Que sangue-frio ele está demonstrando... e... sim, senhores, ele apanhou o
ovo!
Os
aplausos romperam o ar invernal como se espatifassem uma vidraça, Krum
terminara, seria a vez de Harry a qualquer momento.
Harry
se levantou, reparando vagamente que suas pernas pareciam feitas de marshmalow.
Ele aguardou. Então ouviu o apito tocar. Cruzou, então, a entrada da barraca, o
pânico se avolumando dentro dele. E agora, estava passando pelas árvores e
atravessando uma abertura na cerca. O garoto via tudo diante de si como em um
sonho berrantemente colorido.
Havia
centenas e mais centenas de rostos nas arquibancadas que o olhavam, que tinham
se materializado desde a última vez que ele estivera naquele lugar. E havia o
Rabo-Córneo do outro lado do cercado, deitado sobre sua ninhada de ovos, as
asas meio fechadas, os olhos amarelos e malignos fixos nele, um lagarto negro,
monstruoso e coberto de escamas, sacudindo com força o rabo de chifres, que
deixava marcas de um metro de comprimento escavadas no chão duro. A multidão
fazia uma barulheira infernal, mas se era simpática ou não a ele, Harry não
sabia nem importava. Era hora de fazer o que tinha de fazer... focalizar a
mente, inteira e absolutamente, na coisa que era sua única chance...
Ele
ergueu a varinha.
— Accio Firebolt! — gritou.
Então,
esperou, cada fibra de seu corpo desejando, pedindo... se não funcionasse... se
não estivesse a caminho... ele parecia contemplar as coisas à sua volta através
de uma barreira transparente luminosa, como uma névoa de vapor quente, que
fazia as centenas de rostos que o rodeavam flutuar estranhamente...
Então
ele a ouviu, cortando o ar às suas costas, ele se virou e a Firebolt disparando
em sua direção, começando a sobrevoar a floresta, chegando ao cercado e
estacando imóvel no ar, aguardando que ele a montasse.
A
multidão fez ainda mais estardalhaço. Bagman gritou alguma coisa... mas os
ouvidos de Harry não estavam mais ouvindo bem... ouvir não era importante...
Ele
passou a perna por cima da vassoura e deu impulso contra o chão. Um segundo
depois, uma coisa milagrosa aconteceu...
À
medida que ele ganhava altura, à medida que o vento passava rumorejando entre
seus cabelos, à medida que os rostos da multidão se transformavam em meros
pontinhos cor-de-carne lá em baixo e o Rabo-Córneo se reduzia ao tamanho de um
cão, ele percebeu que deixara atrás de si, não somente o chão, mas também medo...
ele estava de volta ao lugar a que pertencia... era apenas mais uma partida de
Quadribol, nada mais... apenas mais uma partida de Quadribol, e aquele dragão
era apenas mais um time adversário indigesto...
Ele
olhou para a ninhada de ovos e localizou o ovo de ouro brilhando entre os
demais cor de cimento, agrupados em segurança entre as pernas dianteiras do
bicho.
— Ok
— Harry disse a si mesmo — Uma tática diversiva... vamos...
E
mergulhou. A cabeça do Rabo-Córneo o acompanhou, o garoto sabia o que ia fazer,
e se recuperou do mergulho bem na hora, um jorro de fogo fora cuspido
exatamente no ponto em que ele estaria se não tivesse se desviado... mas Harry
não se importou... aquilo era o mesmo que se desviar de um balaço...
—
Nossa, como ele sabe voar! — berrou Bagman, enquanto a multidão gritava e
exclamava — O senhor está assistindo a isso, Sr. Krum?
Harry
voou mais alto descrevendo um círculo, o Rabo-Córneo continuava acompanhando o
progresso do garoto, sua cabeça girava sobre o longo pescoço, se continuasse a
fazer isso, ia ficar bem enjoadinho, mas era melhor não insistir muito ou o
bicho iria recomeçar a cuspir fogo...
Harry
se deixou afundar rapidamente na hora em que o dragão abriu a boca, mas desta
vez teve menos sorte, ele escapou das chamas, mas o bicho chicoteou o rabo para
o alto ao seu encontro, e quando ele virou para a esquerda, um dos longos
chifres arranhou seu ombro, rasgando suas vestes...
Harry
sentiu o ombro arder, ouviu os gritos e gemidos da multidão, mas o corte não
parecia ser muito fundo... agora, ao passar veloz pelas costas do Rabo-Córneo
ocorreu-lhe uma possibilidade...
O
dragão não parecia estar querendo voar, estava demasiado preocupado em proteger
os ovos. Embora se contorcesse e abrisse e fechasse as asas sem tirar aqueles medonhos
olhos amarelos de Harry, tinha medo de se afastar demais de sua ninhada... mas
o garoto precisava persuadi-lo a fazer isso ou jamais chegaria perto deles... o
truque era fazer isso cautelosamente, gradualmente...
Harry
começou a voar, primeiro para um lado, depois para o outro, suficientemente
longe para o bafo do bicho não o perfurar, mas, ainda assim, oferecendo uma
ameaça suficientemente forte para o dragão não tirar os olhos dele. A cabeça do
bicho virava para um lado e para o outro, vigiando o garoto com aquelas pupilas
verticais, as presas à mostra...
Harry
voou mais alto. A cabeça do Rabo-Córneo se ergueu com ele, o pescoço agora
esticava-se ao máximo, ainda se movendo, como uma serpente diante do seu
encantador...
O
garoto subiu mais alguns palmos, e o bicho soltou um rugido de exasperação.
Harry era uma mosca para ele, uma mosca que o bicho gostaria de amassar, seu
rabo tornou a chicotear, mas Harry estava demasiado alto para que pudesse
alcançá-lo... o dragão cuspiu fogo para o ar, Harry se desviou... as mandíbulas
do bicho se escancararam...
—
Anda — sibilou Harry, fazendo voltas irresistíveis no alto — Anda, vem me
pegar... levanta, agora...
Então
o dragão se empinou, abrindo finalmente as poderosas asas negras de couro,
grandes como as de um pequeno avião, e Harry mergulhou. Antes que o dragão
percebesse o que ele fizera, ou onde desaparecera, o garoto estava voando a
toda velocidade para o chão em direção aos ovos, agora sem a proteção das patas
com garras do dragão, Harry soltou as mãos da Firebolt, agarrou o ovo de
ouro...
E,
com um grande arranco, tornou a subir e parou no ar, sobre as arquibancadas, o
pesado ovo bem preso sob o braço bom, e era como se alguém tivesse acabado de
aumentar o volume do som: pela primeira vez ele tomou realmente consciência do
barulho da multidão, que gritava e aplaudia com tanto estardalhaço quanto os
torcedores dos irlandeses na Copa Mundial...
—
Olhem só para isso! — berrava Ludo Bagman — Por favor, olhem para isso! Nosso
campeão mais jovem foi o mais rápido a apanhar o ovo! Bom, isto vai diminuir a
desvantagem do Sr. Potter!
Harry
viu os guardadores de dragões se adiantarem correndo para dominar o bicho, e lá
na entrada do cercado, a Profª. McGonagall, o Prof. Moody e Hagrid corriam ao
seu encontro, todos acenando para que fosse ter com eles, seus sorrisos
visíveis mesmo àquela distância. Ele tornou a sobrevoar as arquibancadas, a
algazarra da multidão batucando seus tímpanos, e desceu suavemente para pousar,
o coração mais leve do que estivera em semanas...
Conseguira
cumprir a Primeira Tarefa, sobrevivera...
— Foi
excelente, Potter! — exclamou a Profª. McGonagall quando ele desmontou a
Firebolt, o que vindo dela era um elogio extravagante. Harry reparou que a mão
da professora tremia quando apontou para o seu ombro — Vai precisar procurar
Madame Pomfrey antes que os juízes anunciem sua nota... ali, ela já teve que
fazer um curativo em Diggory...
—
Você conseguiu, Harry! — exclamou Hagrid rouco — Você conseguiu! E ainda por
cima contra o Rabo-Córneo e, sabe, o Carlinhos disse que esse era o pior...
—
Obrigado, Hagrid — disse Harry em voz alta, para que o bruxo não se
atrapalhasse e acabasse revelando que, na véspera, mostrara ao garoto os
dragões.
O
Prof. Moody parecia muito satisfeito, também. Seu olho mágico dançava na
órbita.
—
Devagar se vai ao longe, Potter — rosnou ele.
—
Certo então, Potter, para a barraca de primeiros-socorros, por favor... — disse
a Profª. Minerva McGonagall.
Harry
saiu do cercado ainda ofegante e viu Madame Pomfrey parada à entrada da segunda
barraca com ar preocupado.
—
Dragões! — exclamou ela com a voz desgostosa, puxando Harry para dentro.
A
barraca era dividida em cubículos, ele viu a silhueta de Cedrico através da
lona, mas o campeão não parecia muito machucado, pelo menos estava sentado.
Madame Pomfrey examinou o ombro de Harry, falando nervosamente, sem parar, o
tempo todo.
— No
ano passado foram os dementadores, este ano são os dragões, que é mais que vão
trazer para a escola? Você teve muita sorte... o corte é bem superficial... mas
será preciso limpá-lo antes de fechar...
Ela
limpou o corte com uma pelota de algodão molhada em liquido púrpura que
fumegava e ardia, mas depois tocou o ombro dele com a varinha e o garoto sentiu
o corte se fechar instantaneamente.
—
Agora se sente quieto um minuto, sente-se! Depois pode ir receber a sua nota.
A
enfermeira saiu apressada da barraca e ele a ouviu entrar na porta vizinha e
dizer:
—
Como é que você está se sentindo agora, Diggory?
Harry
não queria ficar sentado imóvel, continuava cheio de adrenalina. Levantou-se,
querendo ver o que estava acontecendo lá fora, mas antes que chegasse à entrada
da barraca, duas pessoas entraram em disparada: Hermione, seguida de perto por
Rony.
—
Harry, você foi genial! — exclamou Hermione em voz alta e fina. Tinha marcas de
unhas no rosto, que ela andara apertando de medo — Você foi fantástico!
Realmente foi!
Mas
Harry tinha os olhos em Rony, que estava muito branco e olhava fixamente para o
amigo como se visse um fantasma.
—
Harry — disse ele muito sério — Quem quer que tenha posto o seu nome naquele
Cálice, eu... eu reconheço que estava tentando acabar com você!
Foi
como se as últimas semanas jamais tivessem acontecido, como se Harry estivesse
encontrando Rony pela primeira vez, logo depois de ter sido escolhido campeão.
—
Entendeu, foi? — disse Harry com frieza — Demorou!
Hermione
estava parada e nervosa entre os dois, olhando de um para outro.
Rony
abriu a boca, inseguro. Harry sabia que ele ia se desculpar e, de repente,
descobriu que não precisava ouvir desculpas.
— Ok
— disse, antes que Rony pudesse falar — Esquece.
— Não
— disse Rony — Eu não devia ter...
—
Esquece.
Rony
riu nervoso para Harry e este retribuiu o sorriso.
Hermione
caiu no choro.
— Não
tem motivo para chorar — disse Harry espantado.
— Vocês
dois são tão burros! — exclamou ela, batendo o pé no chão, as lágrimas caindo
nas vestes.
Então,
antes que qualquer dos dois pudesse impedi-la, a garota os abraçou e saiu
correndo, agora decididamente aos berros.
—
Maluca — concluiu Rony, balançando a cabeça — Harry, anda, eles vão anunciar as
suas notas...
Recolhendo
o ovo de ouro e a Firebolt, sentindo-se mais eufórico do que teria acreditado
possível uma hora atrás, Harry se abaixou para sair da barraca, Rony a seu
lado, falando depressa.
—
Você foi o melhor, sabe, ninguém foi páreo para você. Cedrico fez uma coisa
estranha, transfigurou uma pedra no chão... transformou-a em cachorro... estava
tentando fazer o dragão avançar no cachorro e não nele. Bem, foi uma
transfiguração legal, e até funcionou, porque ele apanhou o ovo, mas ele também
se queimou, o dragão mudou de idéia no meio do caminho e decidiu que preferia
pegar ele em vez do labrador, Cedrico escapou por um triz. E a tal Fleur tentou
uma espécie de feitiço, acho que estava querendo fazer o dragão entrar em
transe, bom, isso também funcionou, o bicho ficou sonolento, mas aí soltou um
ronco e cuspiu um grande jorro de chamas e a saia dela pegou fogo, ela apagou
com um pouco de água tirada da varinha. E Krum, você não vai acreditar, mas ele
nem pensou em voar! Mas, provavelmente, foi o melhor depois de você. Atacou o
dragão com um feitiço bem no olho. Só teve um problema, o bicho saiu andando
agoniado e amassou metade dos ovos de verdade, ele perdeu pontos por causa
disso, Krum não devia ter danificado a ninhada.
Rony
respirou fundo quando os dois chegaram ao cercado.
Agora
que o Rabo-Córneo fora levado, Harry pôde ver onde os cinco juízes estavam
sentados, bem na outra extremidade, em assentos altos cobertos de tecido
dourado.
—
Cada um dá notas de um a dez — explicou Rony, e Harry apurando os olhos na
direção do campo, viu o primeiro juiz, Madame Maxime, erguer a varinha no ar.
Dela
saiu uma comprida fita prateada que desenhou um grande oito no ar.
—
Nada mal! — disse Rony, enquanto a multidão aplaudia — Suponho que tenha
descontado pontos pelo seu ferimento no ombro...
O Sr.
Crouch foi o seguinte. Lançou um número nove no ar.
—
Está indo bem! — berrou Rony, batendo nas costas de Harry.
Depois,
Dumbledore. Ele também projetou um nove.
A
multidão aplaudia com mais entusiasmo que nunca.
Ludo
Bagman... Dez.
—
Dez? — disse Harry incrédulo — Mas... eu me machuquei... qual é a dele?
—
Harry, não reclama! — berrou Rony excitado.
E
agora Karkaroff erguia a varinha. Parou um momento e em seguida saiu um número
de sua varinha também... Quatro.
—
Quê?— bradou Rony furioso — Quatro? Seu bosta desonesto, você deu dez ao Krum!
Mas
Harry não se importou, não teria se importado se Karkaroff lhe desse zero, a
indignação de Rony por sua causa valia uns cem pontos para ele. Não disse isso
ao amigo, é claro, mas seu coração estava mais leve do que o ar quando ele deu
meia volta para se retirar do cercado.
E não
foi apenas Rony... não foram apenas os alunos da Grifinória que aplaudiram no
meio da multidão. Quando chegara a hora, quando viram o que Harry precisava
enfrentar, a maioria da escola tinha ficado do seu lado e do de Cedrico
também... ele não se importava com os alunos da Sonserina, podia suportar o que
quer que lhe dissessem.
—
Vocês estão empatados no primeiro lugar, Harry! Você e Krum! — disse Carlinhos
Weasley, correndo ao encontro deles quando os garotos voltavam à escola —
Escutem, tenho que correr, tenho que mandar uma coruja à mamãe, jurei que
contaria a ela o que acontecesse, mas foi inacreditável! Ah, foi, e me mandaram
lhe avisar que você precisa ficar por aqui mais uns minutinhos... Bagman quer
falar com você na barraca dos campeões.
Rony
disse que esperaria, de modo que Harry tornou a entrar na barraca, que, de
algum modo parecia diferente agora, simpática e hospitaleira. Ele lembrou a
sensação que tivera no momento que procurava fugir do Rabo-Córneo e comparou-a
à longa espera antes de sair para enfrentá-lo... não havia comparação, a espera
fora imensuravelmente pior.
Fleur,
Cedrico e Krum entraram juntos. Um lado da cabeça de Cedrico estava coberto com
uma grossa pasta laranja, que presumivelmente estava curando sua queimadura.
Ele sorriu para Harry ao vê-lo:
— Foi
legal, Harry.
—
Você também — disse o garoto retribuindo o sorriso.
—
Muito bons, todos vocês! — disse Ludo Bagman, entrando lépido na barraca e
parecendo satisfeito como se ele próprio tivesse iludido a guarda de um dragão
— Agora, só umas palavrinhas. Vocês têm um bom intervalo até a Segunda Tarefa,
que terá lugar às nove e meia da manhã de 24 de Fevereiro, mas vamos lhes dar
alguma coisa em que pensar durante esse tempo! Se examinarem os ovos de ouro
que estão segurando, verão que eles se abrem... estão vendo as dobradiças?
Vocês precisam decifrar a pista que está dentro do ovo, porque ela dirá qual
vai ser a Segunda Tarefa e permitirá que se preparem! Ficou claro? Têm certeza?
Podem ir, então!
Harry
deixou a barraca, tornou a se juntar a Rony e os dois recomeçaram a andar
costeando a floresta, conversando animados, Harry queria saber com maiores
detalhes o que os outros campeões tinham feito. Depois, quando contornavam o
arvoredo, atrás do qual Harry ouvira os dragões rugirem pela primeira vez, uma
bruxa saltou do meio das árvores.
Era
Rita Skeeter. Usava hoje vestes verde-ácido, a pena de repetição rápida na mão
se mesclava perfeitamente com as vestes.
—
Parabéns, Harry! — disse ela, rindo radiante para o garoto — Será que você pode
me dar uma palavrinha? Como foi que você se sentiu enfrentando aquele dragão?
Como é que você se sente agora quanto à lisura das notas?
—
Posso dar uma palavrinha, sim — disse Harry com selvageria — Tchau!
E
saiu com Rony em direção ao castelo.
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