— CAPÍTULO DEZESSETE —
Os Quatro Campeões
HARRY FICOU SENTADO ali,
consciente de que cada cabeça no Salão Principal se virara para ele. Sentia-se
atordoado. Entorpecido. Sem dúvida estava sonhando. Não ouvira direito.
Não
houve aplausos. Um zunido, como o de abelhas enraivecidas, começou a encher o
salão, alguns estudantes ficaram em pé para ter uma visão melhor de Harry,
sentado ali, imóvel, em sua cadeira. Na Mesa Principal, a Profª. McGonagall se
levantara e passara por Ludo Bagman e pelo Prof. Karkaroff para cochichar
urgentemente com o Prof. Dumbledore, que inclinara a cabeça para ela, franzindo
ligeiramente a testa.
Harry
se virou para Rony e Hermione, mais além, viu toda a longa mesa da Grifinória
observando-o, boquiaberta.
— Eu
não inscrevi meu nome — disse Harry sem saber o que dizer — Vocês sabem que
não.
Os
dois apenas olharam para ele também, sem saber o que responder.
Na
Mesa Principal, o Prof. Dumbledore se aprumou, acenando a cabeça
afirmativamente para a Profª. McGonagall.
—
Harry Potter! — tornou ele a chamar — Harry! Aqui, se me faz o favor!
—
Anda — murmurou Hermione, dando um leve empurrão em Harry.
O
garoto ficou de pé, pisou na barra das vestes e tropeçou brevemente. Saiu pelo
espaço entre as mesas da Grifinória e da Lufa-Lufa. Teve a impressão de estar
fazendo uma longuíssima caminhada, a Mesa Principal parecia não chegar mais
perto e ele sentia centenas de olhos fixos nele, como se cada um fosse um
refletor. O zunzum não parava de crescer. Depois do que lhe pareceu uma hora, o
garoto chegou diante de Dumbledore, sentindo fixos nele os olhares dos
professores.
—
Bom... pela porta — disse Dumbledore.
O
diretor não sorria.
Harry
passou pela mesa dos professores. Hagrid estava sentado bem no fim. Mas não
piscou para Harry, nem acenou nem fez qualquer dos sinais habituais para
cumprimentá-lo. Parecia inteiramente perplexo e olhou para Harry quando este
passou, como os demais.
O
garoto passou pela porta e se viu em um aposento menor, com as paredes cobertas
de retratos a óleo de bruxas e bruxos. Um belo fogo rugia na lareira em frente.
Os rostos nos retratos se viraram para olhá-lo quando ele entrou. Surpreendeu
uma bruxa encarquilhada passando rapidamente da moldura do próprio retrato para
a moldura vizinha, que enquadrava um bruxo de bigodes de morsa. A bruxa
encarquilhada começou a cochichar no ouvido do colega.
Vítor
Krum, Cedrico Diggory e Fleur Delacour estavam reunidos em torno da lareira.
Pareciam estranhamente imponentes, recortados contra as chamas.
Krum,
curvado e pensativo, apoiava-se no console da lareira, ligeiramente afastado
dos outros. Cedrico estava parado com as mãos às costas, contemplando o fogo.
Fleur Delacour virou a cabeça quando Harry entrou e jogou para trás a cascata
de cabelos longos e prateados.
— Que foi? — perguntou ela — Querrem que a jante volte ao salon?
Pensava
que ele viera trazer um recado. Harry não sabia como explicar o que acabara de
acontecer. Ficou ali parado, olhando para os três campeões. Percebeu de repente
como eram altos.
Houve
um ruído de passos apressados atrás de Harry, e Ludo Bagman entrou na sala.
Segurou o garoto pelo braço e levou-o até os outros.
—
Extraordinário! — murmurou, apertando o braço de Harry — Absolutamente
extraordinário! Senhores... senhora — acrescentou, aproximando-se da lareira e
falando aos outros três — Gostaria de lhes apresentar, por mais incrível que
possa parecer, o Quarto Campeão do Torneio Tribruxo.
Vítor
Krum se empertigou. Seu rosto carrancudo nublou-se ao examinar Harry. Cedrico
fez cara de estupefação. Olhou de Bagman para Harry e de volta como se tivesse
certeza de que ouvira mal o que o bruxo acabara de dizer. Fleur Delacour,
porém, sacudiu os cabelos, sorriu e disse:
— Que grrande piada, Senhorr Bagman.
—
Piada? — repetiu Bagman, confuso — Não, não, não é não! O nome de Harry acaba
de sair do Cálice de Fogo!
As
grossas sobrancelhas de Krum se contraíram ligeiramente. Cedrico continuou a
parecer educadamente surpreso. Fleur franziu a testa.
— Mas evidaman houve um engano — disse a
Bagman com desdém — Ele non pode competirr.
É jovem demais.
—
Bom... é surpreendente — concordou Bagman, esfregando o queixo liso e sorrindo
para Harry — Mas, como sabem, o limite de idade só foi imposto este ano como
medida suplementar de precaução. E como o nome dele saiu do Cálice de Fogo...
quero dizer, acho que a essa altura não podemos fugir à responsabilidade...
somos obrigados... Harry terá que se esforçar o máximo que...
A
porta às costas deles se abriu e um grande grupo de pessoas entrou: o Prof.
Dumbledore, seguido de perto pelo Sr. Crouch, o Prof. Karkaroff, Madame Maxime,
a Profª. McGonagall e o Prof. Snape.
Harry
ouviu o zunzum de centenas de estudantes do outro lado da parede, antes da
Profª. McGonagall fechar a porta.
— Madame Maxime! — chamou Fleur na mesma
hora, indo ao encontro de sua diretora — Eston
dizando que esse garrotinho vai competirr tambá!
Sob o
seu atordoamento e incredulidade, Harry sentiu uma crispação de raiva. Garrotinho?
Madame
Maxime se empertigara até o limite de sua considerável altura. O cocuruto da
bela cabeça roçou o lustre repleto de velas, e seu imenso peito coberto de
cetim negro se estufou.
— Que significa isso, Dumbly-dorr? —
perguntou imperiosamente.
— Eu
também gostaria de saber, Dumbledore — disse o Prof. Karkaroff.
Em
seu rosto havia um sorriso inflexível e seus olhos azuis eram duas lascas de
gelo.
—
Dois campeões de Hogwarts? Não me lembro de ninguém ter me dito que a escola
que sediasse o torneio poderia ter dois campeões, ou será que não li o
regulamento com a devida atenção?
Ele
deu um sorrisinho maldoso.
— Impossível! — exclamou Madame Maxime,
cujas enormes mãos com numerosas e soberbas opalas descansavam no ombro de
Fleur — Hogwarts não pode terr dois
campeons. Serria muito injusto!
—
Tivemos a impressão de que a sua linha etária deixaria de fora os competidores
mais jovens, Dumbledore — disse Karkaroff, o sorriso inflexível ainda no rosto,
embora seus olhos estivessem mais frios que nunca — Do contrário, teríamos,
naturalmente, trazido uma seleção de candidatos mais ampla de nossas escolas.
— Não
é culpa de ninguém, exceto de Potter, Karkaroff — falou Snape suavemente. Seus
olhos negros brilharam de malícia — Não saia culpando Dumbledore pela
determinação de Potter de desobedecer às regras. Ele não tem feito nada exceto
transgredir limites desde que chegou aqui...
—
Muito obrigado, Severo — disse Dumbledore com firmeza, e Snape se calou, embora
seus olhos continuassem a brilhar maldosamente por trás da cortina de cabelos
negros e oleosos.
O
Prof. Dumbledore olhou então para Harry, que o encarou, tentando perceber a
expressão dos olhos do diretor por trás dos oclinhos de meia-lua.
—
Você depositou seu nome no Cálice de Fogo, Harry? — perguntou Dumbledore
calmamente.
— Não
— respondeu Harry. Estava consciente de que todos o olhavam com atenção.
Nas
sombras, Snape fez um barulhinho impaciente de descrença.
—
Você pediu a um estudante mais velho para depositá-lo no Cálice de Fogo para
você? — tornou o diretor, sem dar atenção a Snape.
— Não
— disse Harry com veemência.
— Ah, mas é clarro que ele está mentindo —
exclamou Madame Maxime.
Snape
agora sacudia a cabeça, a boca crispada.
— Ele
não poderia ter atravessado a linha etária — interpôs a Profª. McGonagall
energicamente — Tenho certeza de que todos concordamos nisso...
— Dumbly-dorr deve terr se enganado ao traçarr
a linha — concluiu Madame Maxime, encolhendo os ombros.
— É
claro que isto é possível — respondeu Dumbledore polidamente.
—
Dumbledore, você sabe muito bem que não se enganou! — exclamou a Profª.McGonagall,
aborrecida — Francamente, que tolice! Harry não poderia ter cruzado a linha
pessoalmente, e como o Prof. Dumbledore acredita que ele não convenceu um
colega mais velho a fazer isso por ele, decerto isto deveria bastar para todos
nós!
Ela
lançou um olhar muito zangado ao Prof. Snape.
— Sr.
Crouch... Sr. Bagman — começou Karkaroff, a voz mais uma vez untuosa — Os
senhores são os nossos... hum... juízes objetivos. Certamente os senhores
concordarão que isto é extremamente irregular?
Bagman
enxugou o rosto redondo e infantil com o lenço e olhou para o Sr. Crouch, que
estava parado fora do círculo das chamas da lareira, o rosto semi-oculto pelas
sombras. Parecia um pouco sobrenatural, a obscuridade fazia-o parecer muito
mais velho, emprestando-lhe quase uma aparência de caveira. Quando falou,
porém, foi em seu tom habitualmente seco.
—
Devemos obedecer ao regulamento e o regulamento diz claramente que as pessoas
cujos nomes saírem do Cálice de Fogo devem competir no torneio.
—
Bom, Bartô conhece os regulamentos de trás para diante — disse Bagman,
sorrindo, e se voltou para Karkaroff e Madame Maxime como se o assunto
estivesse definitivamente encerrado.
— Eu
insisto em tornar a submeter os nomes do restante dos meus alunos — disse
Karkaroff. Ele agora deixara de lado seu tom untuoso e o sorriso. Seu rosto
tinha uma expressão realmente feia — Vocês prepararão novamente o Cálice de
Fogo e continuaremos a depositar nomes até cada escola ter dois campeões. Seria
o justo, Dumbledore.
— Mas
Karkaroff, a coisa não funciona assim — comentou Bagman — O Cálice de Fogo se
apagou, e não voltará a arder até o inicio do próximo torneio...
—...
No qual Durmstrang, com toda a certeza, não irá competir! — explodiu Karkaroff
— Depois de tantas reuniões e negociações e tantos compromissos, eu não
esperava que acontecesse uma coisa desta natureza! Tenho até vontade de me
retirar agora mesmo!
— Uma
ameaça inútil, Karkaroff — rosnou uma voz próxima à porta — Você não pode
abandonar o seu campeão agora. Ele tem que competir. Todos têm que competir. Um
ato contratual mágico, conforme disse Dumbledore. Conveniente, não é mesmo?
Moody
acabara de entrar na sala. Encaminhou-se, mancando, até a lareira, e a cada
passo que dava, ouvia-se uma batidinha.
—
Conveniente? — perguntou Karkaroff — Receio não estar entendendo, Moody.
Harry
percebeu que o bruxo tentava parecer desdenhoso, como se não valesse a pena dar
atenção ao que Moody dissera, mas suas mãos o traíam, tinham se fechado em
punhos.
— Não
mesmo? — perguntou Moody em voz alta — É muito simples Karkaroff. Alguém
depositou o nome de Harry naquele Cálice sabendo que o garoto teria que
competir se saísse o seu nome.
— Evidaman algém que querria oferrecer a
Hogwarts duas oporrtunidades de vancerr! — comentou Madame Maxime.
— Eu
concordo, Madame Maxime — disse Karkaroff, com uma reverência — Vou reclamar
com o Ministério da Magia e a Confederação Internacional dos Bruxos...
— Se
alguém tem razão para reclamar é o Potter — rosnou Moody — Mas... o que é
engraçado... não estou ouvindo ele dizer uma única palavra...
— Por que ele irria reclamar? — disse
Fleur Delacour de repente, batendo o pé — Ele
tam a chance de competirr, não é? Durrante semanas vivemos a esperrança de serr
escolhidos! A honrra de nossas escolas! Mil galeões de prrêmio, é uma chance
pela qual muita jante morrerria!
—
Talvez alguém tenha esperança de que Harry morra — disse Moody, com um leve
vestígio de rosnado na voz.
Seguiu-se
um silêncio extremamente tenso às suas palavras.
Ludo
Bagman, que parecia de fato muito ansioso, balançou-se nervoso e disse:
—
Moody, meu caro... que coisa para você dizer!
—
Todos sabemos que o Prof. Moody considera a manhã perdida se não descobrir seis
conspirações para assassiná-lo antes do almoço — disse Karkaroff em voz alta —
Pelo visto, agora está ensinando a seus alunos o medo de serem assassinados,
também. Uma estranha qualidade para um professor de Defesa Contra as Artes das
Trevas, Dumbledore, mas com toda a certeza você tem suas razões.
—
Será que estou imaginando coisas? Vendo coisas? — rosnou Moody — Foi um bruxo
ou uma bruxa habilitada que pôs o nome do garoto naquele cálice...
— Ah, que prrova há disso? — exclamou
Madame Maxime, erguendo as enormes mãos.
—
Porque enganou um objeto mágico de grande poder! — disse Moody — Seria preciso
um Feitiço para Confundir excepcionalmente forte para mistificar aquele cálice
a ponto de fazê-lo esquecer que apenas três escolas competem no torneio...
estou imaginando que alguém tenha inscrito Potter em uma quarta escola, para
garantir que ele fosse o único de sua categoria...
—
Você parece ter pensado muito no assunto — disse Karkaroff com frieza — E não
deixa de ser uma teoria criativa, embora, é claro, eu tenha ouvido dizer que
recentemente você meteu na cabeça que um dos seus presentes de aniversário
continha um ovo de basilisco ardilosamente disfarçado e o fez em pedaços antes
de se dar conta de que era um relógio de viajem. Então você compreenderá se não
o levarmos inteiramente a sério...
— Há
pessoas que usam ocasiões inocentes em proveito próprio — retrucou Moody num
tom ameaçador — O meu trabalho é pensar como os bruxos das trevas pensariam,
Karkaroff, como você deve se lembrar...
—
Alastor! — exclamou Dumbledore em tom de aviso.
Harry
se perguntou por um momento com quem ele estaria falando, mas logo percebeu que
“Olho-Tonto” não poderia ser o
verdadeiro nome de Moody. Este se calou, embora ainda observasse Karkaroff com
satisfação, o rosto de Karkaroff estava em brasa.
—
Como foi que essa situação surgiu, não sabemos — disse Dumbledore dirigindo-se
às pessoas reunidas na sala — Parece-me, no entanto, que não temos alternativa
alguma senão aceitá-la. Os dois, Cedrico e Harry, foram escolhidos para
competir no torneio. E, portanto, é o que farão...
— Ah, mas Dumbly-dorr...
—
Minha cara Madame Maxime, se a senhora tiver uma alternativa, ficarei encantado
em ouvi-la.
Dumbledore
aguardou, mas Madame Maxime não disse nada, apenas o fitou de cara amarrada. E
não foi a única, tampouco. Snape parecia furioso, Karkaroff, lívido. Bagman,
porém, parecia bastante excitado.
—
Bom, vamos agilizar isso, então? — disse, esfregando as mãos e sorrindo para os
presentes — Temos que dar nossas instruções aos campeões, não é mesmo? Bartô,
quer fazer as honras da casa?
O Sr.
Crouch pareceu despertar de um profundo devaneio.
— Sim
— disse ele — Instruções. E... a Primeira Tarefa...
Encaminhou-se,
então, para a claridade das chamas. De perto, Harry achou que ele parecia estar
passando mal. Havia sombras escuras sob seus olhos e sua pele enrugada tinha
uma aparência frágil que lembrava papel, traços que não estavam ali durante a
Copa Mundial de Quadribol.
— A
Primeira Tarefa destina-se a testar o arrojo dos campeões — disse ele a Harry,
Cedrico, Fleur e Krum — Por isso não vamos lhes dizer qual é. A coragem diante
do desconhecido é uma qualidade importante em um bruxo... muito importante... a
Primeira Tarefa terá lugar, em vinte e quatro de Novembro, perante os demais
estudantes e a banca de juízes. É proibido aos campeões pedirem aos seus
professores, ou aceitarem deles, ajuda de qualquer tipo para realizar as tarefas
do torneio. Os campeões enfrentarão o primeiro desafio armados apenas de
varinhas. Receberão informações sobre a Segunda Tarefa quando a Primeira
estiver concluída. Por força da natureza árdua e demorada do torneio, os
campeões estão dispensados dos exames do fim do ano letivo.
O Sr.
Crouch virou-se para encarar Dumbledore.
—
Acho que é só isso, não é, Alvo?
—
Acho que sim — respondeu Dumbledore, que observava o Sr. Crouch com uma leve
preocupação — Você tem certeza de que não quer pernoitar em Hogwarts, Bartô?
—
Não, Dumbledore, preciso voltar ao Ministério. Estamos passando um momento
muito movimentado e muito difícil... deixei o jovem Weatherby responsável pelo
departamento... muito entusiasmado... um pouquinho demais, para dizer a
verdade...
—
Você vai pelo menos tomar um drinque antes de partir? — convidou Dumbledore.
—
Vamos, Bartô, eu vou ficar! — disse Bagman animado — As coisas estão
acontecendo em Hogwarts agora, sabe, está muito mais excitante aqui do que no
escritório!
—
Acho que não, Ludo — respondeu Crouch, com um toque de sua antiga impaciência.
—
Prof. Karkaroff, Madame Maxime, um último drinque antes de nos recolhermos? —
perguntou Dumbledore.
Mas
Madame Maxime já passara um braço pelos ombros de Fleur e a conduzia
rapidamente para fora da sala. Harry ouviu as duas conversarem muito depressa
em francês, ao atravessarem o Salão Principal. Karkaroff fez sinal para Krum e
eles, também, agitados, saíram em silêncio.
—
Harry, Cedrico, sugiro que vocês vão se deitar — disse Dumbledore, sorrindo para
os dois — Tenho certeza de que Grifinória e Lufa-Lufa estão aguardando vocês
para comemorar e seria uma pena privar seus colegas desta excelente desculpa
para fazerem muito barulho e confusão.
Harry
olhou para Cedrico, que concordou com a cabeça, e juntos saíram da sala.
O
Salão Principal agora estava deserto, as velas já estavam pequenas, dando aos
sorrisos serrilhados das abóboras um ar misterioso e bruxuleante.
—
Então — disse Cedrico com um sorrisinho — Vamos jogar um contra o outro
novamente!
—
Acho que sim — respondeu Harry.
Na
realidade ele não conseguiu pensar no que dizer. Dentro de sua cabeça parecia
haver uma desordem total, como se o seu cérebro tivesse sido saqueado.
—
Então... me conta... — disse Cedrico, quando chegaram ao Saguão de Entrada, que
estava agora iluminado por archotes, na ausência do Cálice de Fogo — No duro,
como foi que você conseguiu inscrever seu nome?
— Não
inscrevi — disse Harry erguendo os olhos para o colega — Não pus o meu nome lá.
Falei a verdade.
—
Ah... tá — respondeu Cedrico. Harry percebeu que Cedrico não acreditara nele —
Bom... a gente se vê, então!
Em
vez de subir a escadaria de mármore, Cedrico rumou para a porta à direita.
Harry ficou parado escutando-o descer os degraus de pedra, depois, lentamente,
começou a subir os de mármore.
Será
que mais alguém além de Rony e Hermione acreditaria nele ou iriam todos pensar
que se inscrevera no torneio? Contudo, como é que alguém podia pensar uma coisa
dessas, quando ele ia enfrentar competidores que tinham mais três anos de
educação mágica, quando ia enfrentar tarefas que não somente pareciam
perigosas, mas que deveriam ser executadas diante de centenas de pessoas? E,
ele pensara nisso... devaneara sobre isso... mas fora brincadeirinha, verdade,
uma espécie de sonho descomprometido... jamais considerara seriamente se
inscrever, verdade...
Mas
alguém considerara isso... alguém quisera vê-lo no torneio, e tomara
providências para tanto. Por quê? Para lhe fazer um gosto? Tinha a impressão
que não... Para vê-lo fazer papel de bobo? Bom, provavelmente ia ter o seu
desejo satisfeito...
Mas,
para vê-lo morto? Moody estaria agindo com a sua paranóia habitual? Alguém não
poderia ter posto o nome de Harry no Cálice de Fogo de brincadeira, para pregar
uma peça? Será que alguém queria realmente vê-lo morto?
Essa
pergunta Harry pôde responder na hora. Sim, alguém queria vê-lo morto, alguém
queria vê-lo morto desde que tinha um ano de idade... Lorde Voldemort.
Mas
como é que o bruxo conseguira providenciar para que o nome de Harry fosse posto
no Cálice de Fogo? Estava supostamente muito longe, em algum país distante,
escondido, sozinho... fraco e impotente...
No
entanto naquele sonho que tivera, pouco antes de acordar com a cicatriz doendo,
Voldemort não estava sozinho... estava falando com Rabicho... conspirando para
matar Harry...
Harry
levou um choque ao se descobrir diante da Mulher Gorda. Mal reparara aonde seus
pés o levavam. Foi também uma surpresa ver que ela não estava sozinha na
moldura. A bruxa encarquilhada, que passara para o quadro vizinho quando ele
fora se reunir aos campeões na sala embaixo, agora estava sentada, toda cheia
de si, ao lado da Mulher Gorda. Devia ter corrido pelos forros de todos os
quadros de setes escadas para chegar ali antes dele. As duas, ela e a Mulher Gorda,
o miravam com o maior interesse.
— Ora
muito bem — disse a Mulher Gorda — Violeta acaba de me contar tudo. Então quem
foi afinal o escolhido para campeão da escola?
— Asnice — disse Harry sem emoção.
—
Certamente que não é! — protestou a bruxa pálida, indignada.
—
Não, não, Vi, essa é a senha — explicou a Mulher Gorda para acalmá-la, e
rodou nas dobradiças para deixar Harry entrar na Sala Comunal.
O
estardalhaço que feriu os ouvidos de Harry quando o retrato girou quase o
derrubou de costas. A próxima coisa de que teve consciência foi que estava
sendo arrastado para dentro da sala por uns doze pares de mãos, diante dos
alunos da Grifinória em peso, que gritavam, aplaudiam e assobiavam.
—
Devia ter nos avisado de que tinha se inscrito! — berrou Fred parecia meio
aborrecido e meio impressionado.
—
Como foi que você fez isso, sem ficar barbudo? Genial! — rugiu Jorge.
— Não
fiz — disse Harry — Não sei como foi que...
Mas
Angelina agora se atirava em cima dele.
— Ah,
se não pôde ser eu, pelo menos foi alguém da Grifinória...
—
Você vai poder dar o troco ao Diggory por aquela última partida de Quadribol,
Harry! — gritou a voz fina de Cátia Bell, outra artilheira da Grifinória.
—
Temos comida, Harry, venha comer alguma coisa...
— Não
estou com fome, comi bastante no banquete...
Mas
ninguém quis ouvir falar de sua falta de apetite, ninguém quis saber que ele
não pusera o nome no Cálice de Fogo, ninguém parecia ter notado que ele não
estava com a menor disposição de comemorar...
Lino
Jordan desencavara uma bandeira da Grifinória em algum lugar, e insistia em
enrolá-la em Harry como uma capa. Harry não conseguiu fugir; sempre que tentava
escapulir até a escada dos dormitórios, os colegas à sua volta cerravam
fileiras e o forçavam a aceitar mais uma cerveja amanteigada, metendo
salgadinhos e amendoins nas mãos dele...
Todos
queriam saber como é que ele fizera aquilo, como ludibriara a linha etária de
Dumbledore e conseguira depositar o nome no Cálice de Fogo...
— Não
fui eu — repetia ele sem parar — Não sei como foi que aconteceu.
Mas
pela pouca atenção que os colegas lhe davam, os protestos do garoto não faziam
a menor diferença.
—
Estou cansado! — berrou ele finalmente depois de quase meia-hora — Não, é
sério, Jorge, vou me deitar...
A
coisa que ele mais queria era encontrar Rony e Hermione para buscar um pouco de
sanidade, mas nenhum dos dois parecia estar na Sala Comunal.
Insistindo
que precisava dormir, e quase achatando os irmãozinhos Creevey quando tentaram
desviá-lo ao pé da escada, Harry conseguiu se livrar de todo mundo e subiu para
o dormitório o mais depressa que pôde. Para seu grande alívio, encontrou Rony,
ainda vestido, deitado na cama de um dormitório em que não havia mais ninguém.
Ele ergueu os olhos quando Harry entrou batendo a porta.
— Por
onde você andou? — perguntou Harry.
— Ah,
olá — respondeu Rony. Sorria, mas parecia um sorriso muito estranho e tenso.
Harry,
de repente, se deu conta de que ainda vestia a bandeira vermelha da Grifinória
que Lino amarrara nele. Apressou-se em despi-la, mas o nó estava muito
apertado. Rony continuou deitado na cama sem se mexer, apreciando os esforços
de Harry para retirar a bandeira.
—
Então — disse ele, quando Harry finalmente conseguiu remover e atirar a
bandeira a um canto — Meus parabéns!
— Que
é que você quer dizer com parabéns? — perguntou Harry encarando-o.
Decididamente
havia alguma coisa esquisita no jeito com que Rony sorria, parecia mais uma
careta.
—
Bom... ninguém mais conseguiu atravessar a linha etária. Nem mesmo Fred e
Jorge. Que foi que você usou, a Capa da Invisibilidade?
— A
Capa da Invisibilidade não teria me ajudado a atravessar aquela linha — disse
Harry lentamente.
— Ah,
certo. Achei que você teria me contado se fosse a capa... porque ela poderia
cobrir nós dois, não é mesmo? Mas você encontrou outro jeito, não foi?
—
Escuta aqui. Eu não depositei meu nome naquele Cálice. Deve ter sido outra
pessoa.
Rony
ergueu as sobrancelhas.
— Por
que alguém faria uma coisa dessas?
— Não
sei — Harry achou que seria muito melodramático dizer “para me matar”.
Rony
ergueu as sobrancelhas tão alto que elas correram o risco de desaparecer sob
seus cabelos.
—
Tudo bem, a mim você pode contar a verdade. Se você não quer que o resto do
pessoal saiba, ótimo, mas não sei por que está se dando ao trabalho de mentir,
você nem ficou mal por isso, não é? A amiga da Mulher Gorda, a tal da Violeta,
já contou a todo mundo que Dumbledore vai deixar você competir. Mil galeões de
prêmio, hein? E nem vai precisar prestar os exames de fim de ano...
— Eu
não pus o meu nome naquele Cálice! — disse Harry começando a se aborrecer.
— Ah,
tá — retorquiu Rony com o mesmíssimo tom cético de Cedrico — Só que ainda hoje
de manhã você disse que teria posto à noite passada sem que ninguém o visse...
eu não sou burro, sabe?
—
Pois está parecendo — disse Harry com rispidez.
— Ah,
é? — respondeu Rony, mas agora não havia nenhum vestígio de sorriso em seu
rosto amarelo ou de qualquer cor — Você está querendo se deitar, Harry, imagino
que vai precisar se levantar cedo amanhã para a sessão de fotografias ou seja
lá o que for.
E
fechou com força as cortinas em torno de sua cama de colunas, deixando Harry
parado ali à porta, encarando as cortinas de veludo vinho, que agora escondiam
uma das poucas pessoas que ele contara que fosse acreditar nele.
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