— CAPÍTULO CATORZE —
As Maldições Imperdoáveis
OS DOIS DIAS SEGUINTES
TRANSCORRERAM sem grandes incidentes, a não ser que se levasse em conta o sexto
caldeirão derretido por Neville na aula de Poções. O Prof. Snape, que, durante
as férias, parecia ter alcançado novos níveis em sua gana de se vingar do
garoto, deu-lhe uma detenção, da qual Neville voltou com um colapso nervoso,
pois teve que destripar uma barrica de iguanas.
—
Você sabe por que Snape está nesse mau humor tão grande, não sabe? — perguntou
Rony a Harry, enquanto observavam Hermione ensinar a Neville um Feitiço de
Limpeza para remover as tripas de iguanas presas sob suas unhas.
—
Hum-hum — disse Harry — Moody.
Era
do conhecimento de todos que Snape queria realmente o lugar de professor de Defesa
Contra as Artes das Trevas, e acabara de perdê-lo pelo quarto ano seguido.
Snape detestara todos os professores anteriores dessa matéria e demonstrara
isso, mas parecia ter extrema cautela para esconder sua animosidade contra
Olho-Tonto Moody.
De
fato, sempre que Harry via os dois professores juntos, na hora das refeições ou
quando passavam pelos corredores, tinha a nítida impressão de que Snape evitava
os olhos de Moody, fosse o mágico fosse o normal.
—
Acho que Snape tem medo dele, sabe — disse Harry pensativo.
—
Imagine se Moody transformasse Snape em iguana — disse Rony, seus olhos se
toldando — E fizesse ele ficar saltando pela masmorra...
Os
alunos da quarta série da Grifinória estavam tão ansiosos para ter a primeira
aula com Moody que, na quinta-feira, chegaram logo depois do almoço e fizeram
fila à porta da sala, antes mesmo da sineta tocar.
A
única pessoa ausente foi Hermione, que chegou no último instante para a aula.
—
Estava na...
—...
Biblioteca — Harry terminou a frase da amiga — Anda logo senão não vamos
arranjar lugares decentes.
Eles
correram para pegar três cadeiras bem diante da escrivaninha do professor,
apanharam seus exemplares de As Forças das Trevas: Um Guia Para Sua Proteção, e
esperaram anormalmente quietos. Não tardaram a ouvir os passos sincopados de
Moody que vinha pelo corredor e que, ao entrar na sala, parecia mais estranho e
amedrontador que nunca. Seu pé de madeira em garra aparecia ligeiramente por
baixo das vestes.
—
Podem guardar isso — rosnou ele, apoiando-se na escrivaninha para se sentar —
Esses livros. Não vão precisar deles.
Os
alunos tornaram a guardar os livros nas mochilas, Rony tinha um ar excitado.
Moody apanhou a folha de chamada, sacudiu sua longa juba de cabelos grisalhos
para afastá-los do rosto contorcido e marcado, e começou a chamar os nomes, seu
olho normal percorrendo a lista e o olho mágico girando, fixando-se em cada
aluno quando ele respondia.
—
Certo, então — concluiu ele, quando a última pessoa confirmara presença — Tenho
uma carta do Prof. Lupin sobre esta turma. Parece que vocês receberam um bom
embasamento para enfrentar criaturas das trevas, estudaram bichos-papões,
barretes vermelhos, hinkypunks, grindylows, kappas e lobisomens, correto?
Houve
um murmúrio geral de concordância.
— Mas
estão atrasados, muito atrasados, em maldições — disse Moody — Então, estou
aqui para pôr vocês em dia com o que os bruxos podem fazer uns aos outros.
Tenho um ano para lhes ensinar a lidar com as forças das...
—
Quê, o senhor não vai ficar? — deixou escapar Rony.
O
olho mágico de Moody girou para se fixar em Rony, o garoto ficou extremamente
apreensivo, mas, passado um instante, o professor sorriu, a primeira vez que
Harry o via fazer isso. O efeito foi entortar mais que nunca o seu rosto muito
marcado, mas de qualquer forma foi um alívio saber que ele era capaz de um
gesto amigável como sorrir. Rony pareceu profundamente aliviado.
—
Você deve ser filho do Arthur Weasley? — disse Moody — Seu pai me tirou de uma
enrascada há alguns dias... é, vou ficar apenas este ano. Um favor especial a
Dumbledore... um ano e depois volto ao sossego da minha aposentadoria.
Ele
deu uma risada áspera e então juntou as palmas das mãos nodosas.
—
Então... vamos direto ao assunto. Maldições. Elas têm variados graus de força e
forma. Agora, segundo o Ministério da Magia, eu devo ensinar a vocês as
contra-maldições e parar por aí. Não devo lhes mostrar que cara têm as
maldições ilegais até vocês chegarem ao sexto ano. Até lá, o Ministério acha
que vocês não têm idade para lidar com elas. Mas o Prof. Dumbledore tem uma
opinião mais favorável dos seus nervos e acha que vocês podem aprendê-las, e eu
digo que quanto mais cedo souberem o que vão precisar enfrentar, melhor. Como
vão se defender de uma coisa que nunca viram? Um bruxo que pretenda lançar uma
maldição ilegal sobre vocês não vai avisar o que pretende. Não vai lançá-la de
forma suave e educada bem na sua cara. Vocês precisam estar preparados.
Precisam estar alertas e vigilantes. A senhorita deve guardar isso, Srta.
Brown, enquanto eu estiver falando.
Lilá
levou um susto e corou. Estivera mostrando a Parvati o horóscopo que aprontara
por baixo da carteira. Aparentemente o olho mágico de Moody podia ver através
da madeira, tão bem quanto pela nuca.
—
Então... algum de vocês sabe que maldições são mais severamente punidas pelas
leis da magia?
Vários
braços se ergueram hesitantes, inclusive os de Rony e Hermione.
Moody
apontou para Rony, embora seu olho mágico continuasse mirando Lilá.
— Hum
— disse Rony sem muita certeza — Meu pai me falou de uma... chama Maldição
Imperius ou coisa assim?
— Ah,
sim — disse Moody satisfeito — Seu pai conheceria essa. Certa vez, deu ao
Ministério muito trabalho, essa Maldição Imperius.
Moody
se apoiou pesadamente nos pés desiguais, abriu a gaveta da escrivaninha e tirou
um frasco de vidro.
Três
enormes aranhas pretas corriam dentro dele.
Harry
sentiu Rony se encolher ligeiramente ao seu lado, Rony detestava aranhas.
Moody
meteu a mão dentro do frasco, apanhou uma aranha e segurou-a na palma da mão,
de modo que todos pudessem vê-la. Apontou, então, a varinha para o inseto e
murmurou “Império!”.
A
aranha saltou da mão de Moody para um fio de seda e começou a se balançar para
frente e para trás como se estivesse em um trapézio. Esticou as pernas rígidas
e deu uma cambalhota, partindo o fio e aterrissando sobre a mesa, onde começou
a plantar bananeiras em círculos.
Moody
agitou a varinha, e a aranha se ergueu em duas patas traseiras e saiu dançando
um inconfundível sapateado. Todos riram, todos exceto Moody.
—
Acharam engraçado, é? — rosnou ele — Vocês gostariam se eu fizesse isso com vocês?
As
risadas pararam quase instantaneamente.
—
Controle total — disse o professor em voz baixa, quando a aranha se enrolou e
começou a rodar sem parar — Eu poderia fazê-la saltar pela janela, se afogar,
se enfiar pela garganta de vocês abaixo...
Rony
teve um tremor involuntário.
— Há
alguns anos, havia muitos bruxos e bruxas controlados pela Maldição Imperius —
disse Moody, e Harry entendeu que ele estava se referindo ao tempo em que Voldemort
fora todo-poderoso — Foi uma trabalheira para o Ministério separar quem estava
sendo forçado a agir de quem estava agindo por vontade própria. A Maldição
Imperius pode ser neutralizada, e vou lhes mostrar como, mas é preciso força de
caráter real e nem todos a possuem. Por isso é melhor evitar ser amaldiçoado
com ela se puderem. VIGILÂNCIA CONSTANTE! — vociferou ele, e todos os alunos se
assustaram.
Moody
apanhou a aranha acrobata e atirou-a de volta ao frasco.
—
Mais alguém conhece mais alguma? Outra maldição ilegal?
A mão
de Hermione voltou a se erguer e, para surpresa de Harry, a de Neville também.
A única aula em que Neville normalmente voluntariava informações era a de
Herbologia, que era, sem favor algum, a matéria que ele sabia melhor.
O
garoto pareceu surpreso com a própria ousadia.
—
Qual? — perguntou Moody, seu olho mágico dando um giro completo para se fixar
em Neville.
— Tem
uma, a Maldição Cruciatus — disse Neville, numa voz fraca, mas clara.
Moody
olhou Neville com muita atenção, desta vez com os dois olhos.
— O
seu nome é Longbottom? — perguntou ele, o olho mágico girando para verificar a
folha de chamada.
Neville
confirmou, nervoso, com a cabeça, mas o professor não fez outras perguntas.
Tornando
a voltar sua atenção à classe, ele meteu a mão no frasco mais uma vez, apanhou
outra aranha e colocou-a no tampo da escrivaninha, onde o inseto permaneceu
imóvel, aparentemente demasiado assustado para se mexer.
— A
Maldição Cruciatus... — começou Moody — Preciso de uma maior para lhes dar uma idéia
— disse ele, apontando a varinha para a aranha — Engorgio!
A
aranha inchou. Estava agora maior do que uma tarântula. Abandonando todo o
fingimento, Rony empurrou a cadeira para trás, o mais longe que pôde da
escrivaninha de Moody.
O
professor tornou a erguer a varinha, apontou-a para a aranha e murmurou:
— Crucio!
Na
mesma hora, as pernas da aranha se dobraram sob o corpo, ela virou de barriga
para cima e começou a se contorcer horrivelmente, balançando de um lado para
outro. Não emitia som algum, mas Harry teve certeza de que, se tivesse voz,
estaria berrando. Moody não afastou a varinha e a aranha começou a estremecer e
a se debater violentamente...
—
Pare! — gritou Hermione com a voz aguda.
Harry
olhou para a amiga. Ela estava com os olhos postos não na aranha, mas em
Neville, e Harry, ao seguir a direção do seu olhar, viu que as mãos do garoto
se agarravam à carteira diante dele, os nós dos dedos brancos, seus olhos
arregalados e horrorizados. Moody ergueu a varinha. As pernas da aranha se
descontraíram, mas ela continuou a se contorcer.
— Reducio! — murmurou Moody, e a aranha
encolheu e voltou ao tamanho normal.
Ele a
repôs no frasco.
— Dor
— explicou Moody em voz baixa — Não se precisa de alicates nem de facas para
torturar alguém quando se é capaz de lançar a Maldição Cruciatus... ela também
já foi muito popular. Certo... mais alguém conhece alguma outra?
Harry
olhou para os lados. Pela expressão no rosto dos colegas, ele achou que estavam
todos pensando no que aconteceria com a última aranha. A mão de Hermione tremia
levemente quando, pela terceira vez, ela a ergueu no ar.
—
Sim! — disse Moody olhando-a.
—
Avada Kedavra — sussurrou a garota.
Vários
colegas a olharam constrangidos, inclusive Rony.
— Ah
— exclamou Moody, outro sorrisinho torcendo sua boca enviesada — Ah, a última e
a pior. Avada Kedavra... a Maldição da Morte.
Ele
enfiou a mão no frasco e, quase como se soubesse o que a esperava, a terceira
aranha correu freneticamente pelo fundo do objeto, tentando fugir aos dedos de
Moody, mas ele a apanhou e a colocou sobre a escrivaninha. O inseto começou a
correr, desvairado, pela superfície de madeira.
Moody
ergueu a varinha e Harry sentiu um repentino pressentimento.
— Avada
Kedavra! — berrou Moody.
Houve
um relâmpago de ofuscante luz verde e um rumorejo, como se algo vasto e
invisível voasse pelo ar, instantaneamente a aranha virou de dorso, sem uma
única marca, mas inconfundivelmente morta. Várias alunas abafaram gritinhos,
Rony se atirara para trás, quase caindo da cadeira, quando a aranha escorregou
em sua direção.
Moody
empurrou a aranha morta para fora da mesa.
—
Nada bonito — disse calmamente — Nada agradável. E não existe contra maldição.
Não há como bloqueá-la. Somente uma pessoa no mundo já sobreviveu a ela e está
sentada bem aqui na minha frente.
Harry
sentiu seu rosto corar quando os (dois) olhos de Moody fitaram os dele. Sentiu
que toda a turma também estava olhando para ele. Harry encarou o quadro-negro
limpo como se estivesse fascinado por sua superfície, mas na realidade sem
sequer vê-lo...
Então
fora assim que seus pais tinham morrido... exatamente como aquela aranha. Será
que tinham morrido sem desfiguração nem marcas, também? Será que tinham
simplesmente visto um relâmpago verde e ouvido o rumorejo da morte que se
aproximou célere, antes que a vida fosse varrida de seus corpos? Harry
imaginara a morte dos pais muitas vezes nesses três anos, desde que descobrira
que tinham sido assassinados, desde que descobrira o que acontecera naquela
noite: como Rabicho informara o esconderijo de seus pais a Voldemort, que viera
procurá-los em casa. Como o bruxo matara primeiro o pai de Harry. Como Tiago
Potter tentara atrasá-lo, enquanto gritava para a mulher apanhar Harry e
correr... e Voldemort avançara para Lílian Potter, dissera-lhe para se afastar
para ele poder matar Harry... como sua mãe suplicara para que a matasse no
lugar do filho, recusara-se a deixar de proteger o filho com o corpo... e então
Voldemort a assassinara também, antes de virar a varinha contra Harry...
Harry
conhecia esses detalhes porque ouvira a voz dos pais quando enfrentara os
dementadores no ano anterior, pois esse era o terrível poder dessas criaturas:
forçar suas vítimas a reviverem as piores lembranças de suas vidas e se
afogarem, impotentes, no próprio desespero...
Harry
teve a impressão de que Moody recomeçara a falar de muito longe. Com um enorme
esforço, ele se obrigou a voltar ao presente e fixar a atenção no que o
professor dizia.
—
Avada Kedavra é uma maldição que exige magia poderosa para lançá-la, vocês
podem apanhar as varinhas agora, apontá-las para mim, dizer as palavras e
duvido que consigam sequer que o meu nariz sangre. Mas isto não importa. Não
estou aqui para ensiná-los a lançá-la. Ora, se não há uma contra-maldição, por
que estou lhes mostrando essa maldição? Porque vocês precisam conhecê-la. Vocês
têm que reconhecer o pior. Vocês não querem se colocar em uma situação em que
precisem enfrentá-la. VIGILÂNCIA PERMANENTE!
Berrou
ele e a turma inteira tornou a se sobressaltar.
—
Agora... essas três maldições, Avada Kedavra, Imperius e Cruciatus, são
conhecidas como as Maldições Imperdoáveis. O uso de qualquer uma delas em um
semelhante humano é suficiente para ganharem uma pena de prisão perpétua em
Azkaban. É isso que vão ter que enfrentar. É isso que preciso lhes ensinar a
combater. Vocês precisam estar preparados. Vocês precisam de armas. Mas, acima
de tudo, precisam praticar uma vigilância constante, permanente. Apanhem suas
penas... copiem o que vou ditar...
Os
alunos passaram o resto da aula tomando notas sobre cada uma das Maldições
Imperdoáveis. Ninguém falou até a sineta tocar, mas quando Moody os dispensou e
eles saíram da sala, explodiram em um falatório irrefreável.
A
maioria dos alunos discutia as maldições em tom de assombro: “Você viu ela se
contorcendo?”, e “Quando ele matou a aranha, assim!”
Comentavam
a aula, pensou Harry, Como se ela tivesse sido um espetáculo fantástico, mas
ele não a achara nada divertida, tampouco Hermione.
—
Anda logo — disse ela tensa para Harry e Rony.
— Não
é a Biblioteca outra vez, é? — perguntou Rony.
— Não
— respondeu a garota, secamente, apontando para um corredor lateral — Neville.
Neville
estava em pé sozinho, no meio do corredor, de olhos fixos na parede de pedra
oposta, com a mesma expressão horrorizada e pasma que fizera quando Moody
demonstrara a Maldição Cruciatus.
—
Neville? — chamou Hermione de mansinho.
Neville
virou a cabeça.
— Ah,
alô — disse ele, a voz mais aguda do que habitualmente — Aula interessante, não
foi? Que será que tem para o jantar, estou... estou morto de fome, vocês não?
—
Neville, você está bem? — perguntou Hermione.
— Ah,
claro, estou ótimo — balbuciou o garoto, na voz anormalmente aguda — Jantar
muito interessante... quero dizer, aula... que será que tem para se comer.
Rony
lançou a Harry um olhar assustado.
—
Neville, que...?
Mas
eles ouviram às costas um som seco e metálico estranho e, ao se virarem, viram
o Prof. Moody vindo em sua direção. Os quatro ficaram em silêncio, observando-o
apreensivos, mas quando ele falou, foi com um rosnado bem mais baixo e gentil
do que tinham ouvido até então.
—
Está tudo bem, filho — disse ele a Neville — Por que não vem até a minha sala?
Vamos... podemos tomar uma xícara de chá...
Neville
ficou ainda mais assustado ante a perspectiva de tomar chá com Moody. Ele não
se mexeu nem falou. Moody virou o olho mágico para Harry.
—
Você está bem, não está, Potter?
—
Estou — disse Harry, quase em tom de desafio.
O
olho azul de Moody estremeceu de leve na órbita ao examinar Harry. Então falou:
—
Vocês têm que saber. Parece cruel, talvez, mas vocês têm que saber. Não adianta
fingir... bom... venha, Longbottom, tenho uns livros que podem lhe interessar.
Neville
olhou suplicante para Harry, Rony e Hermione, mas eles não disseram nada, de
modo que o garoto não teve escolha senão se deixar conduzir, uma das mãos
nodosas de Moody em seu ombro.
— Que
foi que houve? — perguntou Rony, observando Neville e Moody virarem para outro
corredor.
— Não
sei — disse Hermione, parecendo pensativa.
— Mas
foi uma aula e tanto, hein? — disse Rony a Harry, quando se dirigiam ao Salão
Principal — Fred e Jorge tinham razão, não é? Ele realmente conhece o assunto.
Quando ele lançou a Avada Kedavra, o jeito com que aquela aranha simplesmente
morreu, apagou na hora...
Mas
Rony se calou de súbito ao ver a expressão no rosto de Harry, e não tornou a
falar até chegarem ao salão, quando comentou que era melhor eles começarem a
preparar as predições da Profª. Trelawney àquela noite, porque iam demorar
horas naquilo.
Hermione
não entrou na conversa de Harry e Rony durante o jantar, mas comeu furiosamente
depressa e, em seguida, foi para a Biblioteca.
Harry
e Rony voltaram à Torre da Grifinória, e Harry, que não pensara em outra coisa
durante todo o jantar, agora levantou o assunto das Maldições Imperdoáveis.
—
Moody e Dumbledore não ficariam encrencados se o Ministério soubesse que vimos
lançar as maldições? — perguntou Harry ao se aproximarem da Mulher Gorda.
—
Provavelmente — disse Rony — Mas Dumbledore sempre fez as coisas do jeito dele,
não é, e Moody, eu imagino, já anda encrencado há anos. Atacar primeiro e fazer
perguntas depois, veja só a história das latas de lixo. Biruta!
A
Mulher Gorda girou para frente, revelando a passagem e eles entraram na Sala
Comunal da Grifinória, que estava cheia e barulhenta.
—
Vamos apanhar o nosso material de Adivinhação, então? — disse Harry.
—
Acho que sim — gemeu Rony.
Os
dois subiram ao dormitório para apanhar os livros e mapas e encontraram Neville
sozinho, sentado na cama, lendo. Parecia bem mais calmo do que ao fim da aula
de Moody, embora ainda não estivesse completamente normal. Seus olhos estavam
muito vermelhos.
—
Você está bem, Neville? — perguntou Harry.
— Ah,
estou. Estou ótimo, obrigado. Lendo o livro que o Prof. Moody me emprestou...
Ele
mostrou o livro: Plantas Mediterrâneas e Suas Propriedades Mágicas.
—
Parece que a Profª. Sprout disse a ele que sou realmente bom em Herbologia —
disse Neville. Havia um quê de orgulho em sua voz que Harry raramente ouvira
antes — O professor achou que eu gostaria deste.
Repetir
para Neville o que a Profª. Sprout dissera, pensou Harry, fora uma maneira
muito delicada de animar o garoto, porque Neville raramente ouvia alguém dizer
que ele era bom em alguma coisa. Era o tipo de coisa que o Prof. Lupin teria
feito.
Harry
e Rony apanharam seus exemplares de Esclarecendo o Futuro e voltaram à Sala
Comunal, procuraram uma mesa e começaram a trabalhar nas predições para o mês
seguinte. Uma hora mais tarde, tinham feito pouco progresso, embora a mesa
estivesse coalhada de pedaços de pergaminho cobertos com somas e símbolos e o
cérebro de Harry estivesse enevoado, como se impregnado pela fumaça da lareira
da Profª. Trelawney.
— Não
tenho a menor ideia do significado disso — falou ele examinando a longa lista
de cálculos.
—
Sabe de uma coisa — disse Rony, cujos cabelos estavam de pé de tanto o garoto
passar os dedos por eles, cheio de frustração — Acho que voltamos à velha regra
da Adivinhação.
—
Quê... inventar?
— É —
disse Rony, varrendo da mesa o monte de anotações e mergulhando a pena no
tinteiro para começar a escrever — Na próxima segunda-feira — disse ele
enquanto escrevia — Há grande probabilidade de eu apanhar uma tosse, devido à
infeliz conjunção de Marte com Júpiter.
Ele
ergueu os olhos para Harry.
—
Você conhece ela, escreve uma porção de desgraças que ela engole tudo.
—
Certo — disse Harry, amassando seu primeiro rascunho e atirando-o por cima das
cabeças de um grupo de alunos do primeiro ano que conversavam — Muito bem... na
segunda-feira vou correr o perigo de... hum... me queimar.
— E
vai mesmo — disse Rony sombriamente — Vamos ver os explosivins de novo. Na,
terça -feita, vou... hum...
—
Perder algo valioso? — disse Harry, que folheava o Esclarecendo o Futuro à
procura de ideias.
— Boa
— disse Rony, copiando-a — Por causa de... hum... Mercúrio. Por que você não
leva uma punhalada pelas costas de alguém que você pensou que fosse amigo?
—
Legal... — disse Harry, anotando a sugestão — Por que... Vênus está na décima
segunda casa.
— E
na quarta-feira, acho que vou levar a pior em uma briga.
—
Aah, eu ia ter uma briga. Ok, vou perder uma aposta.
— É,
você vai apostar que vou ganhar a minha briga...
Os
garotos continuaram a inventar predições (que foram se tornando mais trágicas)
por mais uma hora, enquanto a Sala Comunal se esvaziava à medida que as pessoas
iam se deitar.
Bichento
foi até os dois, deu um salto leve para uma cadeira vazia e mirou Harry
misteriosamente, de um modo semelhante ao de Hermione quando sabia que os
garotos não estavam fazendo o dever de casa direito.
Correndo
o olhar pela sala, tentando pensar em alguma desgraça que ainda não tivesse
usado, Harry viu Fred e Jorge sentados junto à parede oposta, as cabeças
encostadas uma na outra, as penas na mão, examinando um pedaço de pergaminho.
Era muito estranho ver os dois escondidos em um canto, trabalhando em silêncio,
em geral eles gostavam de ficar no meio da confusão e de serem o centro das
atenções. Havia um certo sigilo no jeito como estudavam um único pergaminho, e
Harry se lembrou dos dois sentados juntos, escrevendo alguma coisa, lá na Toca.
Ele pensara na época que era outro formulário para as “Gemialidades” Weasley,
mas desta vez parecia diferente, se não, eles com certeza teriam deixado Lino
Jordan participar da travessura. Harry ficou imaginando se teria alguma coisa a
ver com a inscrição no Torneio Tribruxo.
Enquanto
Harry observava, Jorge sacudiu a cabeça para Fred, rabiscou alguma coisa com a
pena e disse, num tom muito baixo que, mesmo assim, ecoou pela sala quase
deserta:
—
Não... assim parece que nós o estamos acusando. Temos que ter cuidado...
Então
Jorge deu uma olhada na sala e viu que Harry o observava. Harry sorriu e voltou
depressa às suas predições, não queria que Jorge pensasse que ele estava
bisbilhotando. Logo depois, os gêmeos enrolaram o pergaminho, deram boa noite e
foram se deitar.
Fred
e Jorge tinham saído havia uns dez minutos quando o buraco do retrato se abriu
e Hermione entrou na Sala Comunal, trazendo um rolo de pergaminho em uma das
mãos e uma caixa, cujo conteúdo fazia barulho, na outra.
Bichento
arqueou as costas, ronronando.
— Alô
— disse ela — Acabei!
— Eu
também! — disse Rony em tom triunfante, largando a pena.
Hermione
se sentou, deixou as coisas que carregava em uma poltrona vazia e puxou as
predições de Rony para ver.
— Não
vai ter um mês nada bom, hein? — disse ela ironicamente, quando Bichento veio
se enroscar em seu colo.
—
Bom, pelo menos estou prevenido — bocejou Rony.
—
Você parece que vai se afogar duas vezes — disse a garota.
— Ah,
vou, é? — disse Rony baixando os olhos para suas predições — É melhor eu trocar
uma delas por um acidente com um hipogrifo desembestado.
—
Você não acha que está um pouco óbvio que você inventou isso tudo? — perguntou
Hermione.
—
Como é que você se atreve! — exclamou Rony, fingindo-se ofendido — Estivemos
trabalhando como elfos domésticos aqui!
Hermione
ergueu as sobrancelhas.
— É
só uma expressão — acrescentou ele depressa.
Harry
pousou a pena, tendo acabado de predizer a própria morte por decapitação.
— Que
é que tem nessa caixa? — perguntou ele, apontando-a.
—
Engraçado você perguntar — respondeu a garota com um olhar feio para Rony.
Tirou então a tampa e mostrou o conteúdo aos garotos.
Dentro
havia uns cinquenta distintivos, de cores diferentes, mas todos com os mesmos
dizeres: F.A.L.E.
—
Fale? — estranhou Harry, apanhando um distintivo e examinando-o — Que significa
isso?
— Não
é fale — protestou Hermione impaciente — É F-A-L-E. Quer dizer, Fundo de Apoio
à Liberação dos Elfos.
—
Nunca ouvi falar nisso — disse Rony.
—
Ora, é claro que não ouviu — disse Hermione energicamente — Acabei de fundar o
movimento.
— Ah,
é? — disse Rony com um ar levemente surpreso — E quantos membros já tem?
—
Bom, se vocês dois se alistarem... três.
— E
você acha que queremos andar por aí usando distintivos que dizem “fale”, é? —
falou Rony.
—
F-A-L-E! — corrigiu-o Hermione irritada — Eu ia pôr “Fim ao Abuso Ultrajante
dos Nossos Irmãos Mágicos” e “Campanha para Mudar sua Condição”, mas não dava
certo. Então F.A.L.E. é o título do nosso manifesto.
Ela
brandiu um rolo de pergaminho para os garotos.
—
Andei pesquisando minuciosamente na Biblioteca. A escravatura dos elfos já
existe há séculos. Custo a acreditar que ninguém tenha feito nada contra ela
até agora.
—
Hermione, abra bem os ouvidos — disse Rony em voz alta — Eles gostam disso.
Gostam de ser escravizados!
— A
curto prazo os nossos objetivos... — disse Hermione, falando ainda mais alto do
que o amigo e agindo como se não tivesse ouvido uma única palavra —... São
obter para os elfos um salário mínimo justo e condições de trabalho decentes. A
longo prazo, os nossos objetivos incluem mudar a lei que proíbe o uso da
varinha e tentar admitir um elfo no Departamento para Regulamentação e Controle
das Criaturas Mágicas, porque eles são vergonhosamente sub-representados.
— E
como é que vamos fazer tudo isso? — perguntou Harry.
—
Vamos começar recrutando novos membros — disse Hermione feliz — Achei que dois
sicles para entrar, o que paga o distintivo, e o produto da venda pode
financiar a distribuição de folhetos. Você é o tesoureiro, Rony, tenho lá em
cima uma latinha para você fazer a coleta, e você, Harry, o secretário, por
isso você talvez queira anotar tudo que estou dizendo agora, para registrar a
nossa primeira reunião.
Houve
uma pausa em que Hermione sorriu radiante para os dois, e Harry se dilacerou
entre a exasperação com a amiga e a vontade de rir da cara de Rony.
O
silêncio foi quebrado, não por Rony, que de qualquer maneira parecia estar
temporariamente mudo de espanto, mas por umas batidinhas leves na janela.
Harry
correu os olhos pela sala agora vazia e viu, iluminada pelo luar, uma coruja
branquíssima encarapitada no peitoril da janela.
—
Edwiges! — gritou ele, precipitando-se pela sala para abrir a janela do lado
oposto.
Edwiges
entrou, voou pela sala e pousou na mesa em cima das predições de Harry.
— Até
que enfim! — exclamou Harry, correndo atrás da coruja.
— Ela
trouxe uma resposta! — exclamou Rony, excitado, apontando para um pedaço sujo
de pergaminho preso à perna de Edwiges.
Harry
desamarrou-o depressa e se sentou para ler, depois do que Edwiges voou para o
joelho do garoto, piando baixinho.
— Que
é que ele diz? — perguntou Hermione ofegante.
A
carta era muito curta e parecia ter sido escrita com muita pressa.
Harry
leu-a em voz alta.
Harry,
Estou viajando para o norte
imediatamente. A notícia sobre a sua cicatriz é o último de uma série de
acontecimentos estranhos que têm chegado aos meus ouvidos. Se ela tornar a
doer, procure imediatamente Dumbledore, dizem que ele tirou Olho-Tonto da
aposentadoria, o que significa que tem identificado os sinais, mesmo que os
outros não os vejam. Logo entrarei em contato com você. Dê minhas lembranças a
Rony e Hermione. Fique de olhos abertos, Harry.
Sirius
Harry
olhou para Rony e Hermione, que retribuíram o seu olhar.
— Ele
está viajando para o norte? — sussurrou Hermione — Está voltando?
—
Dumbledore tem identificado que sinais? — perguntou Rony, parecendo perplexo.
—
Harry, que é que está acontecendo?
Pois
Harry acabara de dar um soco na própria testa, sacudindo Edwiges para fora do
colo.
— Eu
não devia ter contado a ele! — disse Harry furioso.
— Do
que é que você está falando? — perguntou Rony, surpreso.
— Fiz
ele pensar que precisa voltar! — disse Harry, agora batendo o punho na mesa de
modo que a coruja foi parar no espaldar da cadeira de Rony, piando indignada —
Precisa voltar porque acha que estou correndo perigo! E não há nada errado
comigo! E não tenho nada para você — falou ele com rispidez para Edwiges, que
batia o bico, esperançosa — Vai ter que ir para o Corujal se quiser comida.
Edwiges
lançou ao dono um olhar extremamente ofendido saiu voando pela janela aberta,
raspando a asa na cabeça dele ao sair.
—
Harry — começou Hermione, numa voz tranqüilizadora.
— Vou
me deitar — disse Harry impaciente — Vejo vocês de manhã.
Em
cima, no dormitório, ele vestiu o pijama e enfiou-se na cama de colunas, mas
não se sentiu nem um pouco cansado.
Se
Sirius voltasse e fosse apanhado seria culpa dele, Harry. Por que não ficara
calado? Uma dorzinha à-toa e ele fora tagarelar... se tivesse tido o juízo de
guardar a dor só para si...
Ele
ouviu Rony entrar no dormitório pouco depois, mas não falou com o amigo.
Durante um longo tempo, Harry ficou contemplando o dossel escuro de sua cama. O
dormitório estava completamente silencioso e, se ele estivesse menos
preocupado, teria reparado que a ausência dos costumeiros roncos de Neville
significava que ele não era o único que estava acordado.
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