— CAPÍTULO VINTE E QUATRO —
O Furo Jornalístico de Rita Skeeter
TODOS ACORDARAM TARDE NO
DIA SEGUINTE ao Natal, que é feriado na Grã-Bretanha. A Sala Comunal da
Grifinória estava muito mais sossegada do que ultimamente, muitos bocejos
pontuavam as conversas ociosas. Os cabelos de Hermione tinham voltado a ficar
crespos e cheios, ela confessou a Harry que usara quantidades generosas de
Poção Capilar Alisante para ir ao baile, “mas é muita mão-de-obra fazer isso
todo dia”, disse ela sem emoção, coçando atrás das orelhas do ronronante Bichento.
Rony
e Hermione aparentemente tinham chegado a um acordo subentendido de não
mencionarem a discussão que tinham tido. Estavam até sendo simpáticos um com o
outro, embora estranhamente formais. Rony e Harry não perderam tempo para
contar à garota a conversa entre Madame Maxime e Hagrid que tinham ouvido, mas
Hermione não pareceu achar a novidade de que Hagrid era meio-gigante tão
chocante quanto Rony.
—
Bem, achei que devia ser — disse ela, encolhendo os ombros — Eu sabia que ele
não poderia ser todo gigante, porque os gigantes têm uns seis metros de altura.
Mas, francamente, por que toda essa histeria por causa dos gigantes? Nem todos
devem ser horríveis... é o mesmo tipo de preconceito que as pessoas têm com
relação aos lobisomens... é muita cegueira, não é, não?
Rony
fez cara de quem gostaria de dar uma resposta desdenhosa, mas talvez não
quisesse outra briga, porque se contentou em sacudir a cabeça incrédulo quando
Hermione não estava olhando. Agora era hora de pensar nos deveres de casa que
eles tinham posto de lado na primeira semana de férias.
Todos
pareciam estar se sentindo pouco entusiasmados, agora que o Natal terminara,
todos exceto Harry, isto é, que estava começando (mais uma vez) a ficar
ligeiramente nervoso.
O
problema era que o dia vinte e quatro de Fevereiro parecia bem mais perto, uma
vez passado o Natal, e ele ainda não se mexera para decifrar a pista que havia
no ovo de ouro. Portanto, ele passou a tirar o ovo do malão todas as vezes que
subia ao dormitório, abria-o e escutava com atenção, na esperança de que
daquela vez o grito fizesse mais sentido. Harry se esforçou para descobrir o
que o som lhe lembrava, além dos trinta serrotes musicais, mas nunca ouvira
nada que se parecesse com aquilo. Fechou o ovo, sacudiu-o vigorosamente, reabriu-o
para ver se o som mudara, mas nada. Tentou fazer perguntas ao ovo, berrando
para abafar seu lamento, mas nada aconteceu. Chegou mesmo a atirar o ovo do
outro lado do quarto, embora não esperasse realmente que isso resolvesse.
Harry
não esquecera da dica que Cedrico lhe dera, mas seus sentimentos pouco
amigáveis com relação ao campeão, naquele momento, significavam que ele não
estava interessado em aceitar ajuda de Cedrico se pudesse. Em todo o caso,
achava que se o garoto tivesse realmente querido dar uma mãozinha a ele, teria
sido muito mais claro. Harry dissera a Cedrico exatamente o que o esperava na
Primeira Tarefa, mas a idéia que o outro fazia de uma troca justa fora lhe
dizer para tomar um banho. Bem, ele não precisava desse tipo de ajuda inútil, pelo
menos, não de alguém que ficava andando para cima e para baixo pelos corredores
de mãos dadas com Cho.
Assim,
chegou o primeiro dia do novo trimestre e Harry foi para as aulas,
sobrecarregado de livros, pergaminhos e penas, como de costume, mas também com
essa preocupação a lhe pesar no estômago, como se o ovo fosse mais um peso a
carregar para todo o lado com ele.
A
neve continuava alta nos jardins e as janelas da estufa estavam cobertas por um
vapor tão denso que não era possível enxergar através delas na aula de
Herbologia. Ninguém estava ansioso para ir à aula de Trato das Criaturas
Mágicas com um tempo desses, embora, como disse Rony, era provável que os
explosivins deixassem os alunos bem aquecidos, quer fazendo-os correr atrás
deles, quer expelindo fogo pelo rabo com tanta força que a cabana de Hagrid
pegaria fogo.
Quando
os garotos chegaram lá, porém, encontraram uma bruxa mais velha, com os cabelos
grisalhos muito curtos e um queixo muito saliente, parada diante da porta da
frente do professor.
—
Vamos, andem, a sineta já tocou há cinco minutos — vociferou ela, quando os viu
caminhando pela neve com dificuldade ao seu encontro.
—
Quem é a senhora? — perguntou Rony, mirando-a — Aonde foi o Hagrid?
— Meu
nome é Profª. Grubbly-Plank — disse ela com eficiência — Sou a professora
temporária de Trato das Criaturas Mágicas.
—
Aonde foi o Hagrid? — repetiu Harry em voz alta.
— Não
está se sentindo bem — respondeu ela secamente.
Uma
risada breve e desagradável chegou aos ouvidos de Harry. Ele se virou, Draco
Malfoy e o resto dos alunos da Sonserina estavam vindo se reunir à turma.
Tinham um ar satisfeito, e nenhum pareceu surpreso de ver a Profª.
Grubbly-Plank.
— Por
aqui, por favor — disse a professora e saiu contornando o picadeiro onde os
enormes cavalos da Beauxbatons tremiam de frio.
Harry,
Rony e Hermione a seguiram, olhando para trás, por cima do ombro, para a cabana
de Hagrid. Todas as cortinas estavam corridas. Será que Hagrid estava ali,
sozinho e doente?
— Que
é que o Hagrid tem? — perguntou Harry, apressando o passo para alcançar a
professora.
— Não
é da sua conta — disse ela, como se achasse que o garoto estava sendo
intrometido.
— Mas
é da minha conta — disse Harry com veemência — Que aconteceu com ele?
A
Profª. Grubbly-Plank continuou como se não o ouvisse. Conduziu-os além do
picadeiro dos cavalos da Beauxbatons, todos agrupados tentando se proteger do
frio, e em direção a uma árvore na orla da Floresta, onde encontraram amarrado
um grande e belo unicórnio. Muitas garotas soltaram exclamações de admiração ao
ver o unicórnio.
— Ah,
é tão bonito! — murmurou Lilá Brown — Como será que ela conseguiu? Dizem que
são realmente difíceis de apanhar!
O
unicórnio era tão branco que fazia a neve ao redor parecer cinzenta. Pateava o
chão nervoso com seus cascos dourados e atirava para trás a cabeça com um só
chifre.
—
Meninos fiquem afastados! — gritou secamente a professora, estendendo um braço
e, com isso, batendo com força em Harry na altura do peito — Eles preferem o
toque das mulheres, os unicórnios. Meninas a frente, e se aproximem com
cuidado. Vamos, devagar...
Ela e
as meninas se adiantaram devagarinho até o bicho, deixando os garotos parados
junto à cerca do picadeiro, assistindo. No instante em que a professora ficou
fora do alcance de suas vozes, Harry se virou para Rony.
— Que
é que você acha que aconteceu com ele? Acha que pode ter sido um explosivim...?
— Ah,
ele não foi atacado, Potter, se é o que você está pensando — disse Malfoy
suavemente — Não, ele só está envergonhado demais para mostrar a cara.
— Que
é que você quer dizer com isso? — perguntou Harry com rispidez.
Malfoy
meteu a mão no bolso interno das vestes e puxou uma folha dobrada de jornal.
— Já
vem você — disse ele — Detesto ser eu a lhe dar a notícia, Potter...
Malfoy
deu um sorriso afetado quando Harry pegou o jornal, desdobrou-o e leu-o com
Rony, Simas, Dino e Neville que espiava por cima do ombro deste.
Era
um artigo encimado pela foto de Hagrid com uma cara extremamente sonsa.
O MAIOR ERRO DE DUMBLEDORE
Alvo Dumbledore, o
excêntrico diretor da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, nunca teve medo
de fazer nomeações controvertidas para o corpo docente, escreve Rita Skeeter,
nossa correspondente especial.
Em Setembro deste ano,
ele contratou Alastor “Olho-Tonto” Moody, o notório ex-auror que vê feitiços
por toda parte, para ensinar Defesa Contra as Artes das Trevas, uma decisão que
fez muita gente erguer as sobrancelhas no Ministério da Magia, dado o conhecido
hábito que Moody tem de atacar qualquer um que faça um movimento repentino em
sua presença. Olho-Tonto, porém, parece responsável e bondoso, em contraste com
o indivíduo meio-humano que Dumbledore emprega para ensinar Trato das Criaturas
Mágicas.
Rúbeo Hagrid, que
admite ter sido expulso de Hogwarts no terceiro ano, e desde então exerce na
escola a função de guarda-caça, um emprego que Dumbledore lhe arranjou. No ano
passado, no entanto, usou sua misteriosa influência sobre o diretor da escola
para obter o cargo suplementar de professor de Trato das Criaturas Mágicas,
preterindo muitos candidatos com melhores qualificações.
Um homem
assustadoramente grande e de ar feroz, Hagrid tem usado sua recém adquirida
autoridade para aterrorizar os alunos ao tratar de uma coleção de seres
horripilantes. Enquanto Dumbledore faz vista grossa, Hagrid já feriu vários
alunos durante uma série de aulas que muitos admitem “dar muito medo”.
— Eu já fui atacado por
um hipogrifo e meu amigo, Vicente Crabbe, levou uma dentada feia de um verme —
declarou Draco Malfoy, um aluno do quarto ano — Todos odiamos Hagrid, mas temos
receio demais para dizer qualquer coisa.
Mas Hagrid não tem a
menor intenção de desistir de sua campanha de intimidação. Em conversa com a
repórter do Profeta Diário, no mês passado, ele admitiu que cria uns bichos a
que chama de “explosivins” uma cruza extremamente perigosa de mantícore com
caranguejo-de-fogo. A criação de novas raças é, naturalmente, uma atividade em
geral acompanhada de perto pelo Departamento para Regulamentação e Controle das
Criaturas Mágicas. Hagrid, ao que parece, considera-se acima dessas restrições
pouco importantes.
— Eu só estava me
divertindo um pouco — disse ele, antes de mudar rapidamente de assunto.
E como se isso não
bastasse, o Profeta Diário agora encontrou provas de que Hagrid não é — como
sempre fingiu ser — um bruxo puro-sangue. De fato, não é sequer um ser humano
puro. Sua mãe, podemos revelar com exclusividade, não é outra senão a giganta
Fridwulfa, cujo paradeiro é atualmente desconhecido. Sedentos de sangue e
brutais, os gigantes chegaram à extinção com as guerras que promoveram entre si
no século passado. Os poucos sobreviventes se alistaram nas fileiras
d’Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado, e foram responsáveis por alguns dos piores
massacres de trouxas durante o seu reino de terror. Embora muitos gigantes que
serviram Àquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado tenham sido mortos por aurores que
combatiam o partido das trevas, Fridwulfa não foi um deles. É possível que
tenha fugido para uma das comunidades de gigantes que ainda existem em
montanhas no exterior. Mas se as extravagâncias de Hagrid durante as aulas de
Trato das Criaturas Mágicas puderem servir de medida, o filho de Fridwulfa
parece ter herdado sua natureza brutal.
Mas, bizarramente,
dizem que Hagrid criou uma grande amizade pelo garoto que provocou a queda de
Você-Sabe-Quem, e com isso obrigou a própria mãe, bem como os demais seguidores
do bruxo das trevas, a procurar um refugio. Talvez Harry Potter não tenha
conhecimento da desagradável verdade sobre seu grande amigo, mas não resta
dúvida de que Alvo Dumbledore tem obrigação de providenciar para que Harry
Potter, bem como seus colegas, sejam informados dos perigos de se associarem
com meios gigantes.
Harry
terminou a leitura e ergueu os olhos para Rony, cujo queixo estava caído.
—
Como foi que ela descobriu isso? — sussurrou ele.
Mas
não era isso que estava incomodando Harry.
— Que
foi que você quis dizer com “todos odiamos Hagrid”? — perguntou Harry irritado
a Malfoy — Que bobagem é essa de que esse cara aí — e indicou Crabbe — Levou
uma mordida feia de um verme? Eles nem têm dentes!
Crabbe
dava risadinhas, aparentemente muito satisfeito consigo mesmo.
—
Bom, acho que isso deve encerrar a carreira desse caipirão — disse Malfoy, os
olhos brilhando — Meio-gigante... e eu pensando que ele engolira um frasco de
Esquelesce quando era criança... nenhum pai nem mãe vão gostar nem um pouco
dessa notícia... vão ficar preocupados que o gigante devore os filhinhos deles,
há, há...
—
Seu...
—
Vocês estão prestando atenção aqui na frente?
A voz
da Profª. Grubbly-Plank chegou até eles, as garotas agora estavam agrupadas em
torno do unicórnio, acariciando-o. Harry sentia tanta fúria que o artigo do
Profeta Diário tremia em sua mão quando ele se virou maquinalmente para o
unicórnio, cujas muitas propriedades mágicas a professora começava a enumerar
em voz alta, para que os garotos pudessem ouvir também.
—
Espero que ela continue, essa mulher! — disse Parvati Patil quando terminaram e
todos seguiram para o castelo para almoçar — A aula ficou mais parecida com o
que eu imaginei que seria o Trato das Criaturas Mágicas... criaturas normais
como unicórnios, não monstros...
— E
Hagrid? — perguntou Harry zangado, quando subiam as escadas.
— Que
é que tem ele? — perguntou Parvati, com a voz inflexível — Ele pode continuar
como guarda-caça, não pode?
Parvati
andava tratando Harry com frieza desde o baile. Ele supôs que devia ter dado
mais atenção à garota, mas ela parecia ter se divertido mesmo assim. Com
certeza estava contando a todo mundo que quisesse ouvir que combinara encontrar-se
com o garoto de Beauxbatons em Hogsmeade no próximo fim de semana seguinte.
— Foi
uma aula realmente boa — disse Hermione, quando eles entraram no Salão
Principal — Eu não sabia metade das coisas que a Profª. Grubbly-Plank falou
sobre os uni...
—
Olhe isso aqui! — rosnou Harry sacudindo o artigo do Profeta Diário no nariz de
Hermione.
O
queixo de Hermione foi caindo à medida que lia. Sua reação foi exatamente a
mesma que a de Rony.
—
Como foi que aquela Skeeter horrorosa descobriu isso? Você acha que Hagrid
contou a ela?
— Não
— respondeu Harry, se adiantando para a mesa da Grifinória, e se atirando numa
cadeira, furioso — Hagrid nunca disse isso nem à gente, não é? Acho que ela
ficou tão aborrecida porque ele não quis contar os meus podres, que saiu
fuçando para se vingar dele.
—
Talvez ela tenha escutado a conversa dele com Madame Maxime no baile — arriscou
Hermione baixinho.
— Nós
a teríamos visto nos jardins! — disse Rony — Em todo o caso, ela não tem
permissão para tornar a entrar na escola, Hagrid disse que Dumbledore a
proibiu...
—
Talvez ela use uma Capa da Invisibilidade — disse Harry, servindo uma concha de
caçarola de frango em seu prato e derramando-a por todo o lado, tal era a sua
raiva — É o tipo de coisa que ela faria, não é, se esconder atrás de moitas
para escutar as conversas dos outros.
—
Como você e Rony fizeram? — perguntou Hermione.
— Não
estávamos querendo ouvir! — disse Rony indignado — Não tivemos opção! O panaca
começou a falar da mãe giganta num lugar em que todo mundo podia ouvir!
—
Temos que ir visitar Hagrid — disse Harry — Hoje à noitinha, depois da aula de
Adivinhação. Dizer que o queremos de volta... você quer ele de volta, não quer?
— o garoto disparou a pergunta à Hermione.
—
Bem... não vou fingir que a mudança não foi legal, ter uma aula decente de
Trato das Criaturas Mágicas para variar, mas eu quero que Hagrid volte, é claro
que quero! — acrescentou Hermione depressa, fraquejando diante do olhar furioso
de Harry.
Então,
naquela noite, depois do jantar, os três saíram do castelo, mais uma vez, e
atravessaram os jardins congelados até a cabana de Hagrid. Bateram e os latidos
retumbantes de Canino responderam.
—
Hagrid, somos nós! — gritou Harry, socando a porta — Abra!
Não
houve resposta. Os garotos ouviram Canino arranhar a porta, mas ela não se
abriu. Bateram mais uns dez minutos, Rony até bateu em uma das janelas, mas não
houve resposta.
—
Para que é que ele está evitando a gente? — perguntou Hermione quando
finalmente desistiram e já iam voltando para a escola — Com certeza ele não
acha que nos importamos que ele seja meio-gigante?
Mas
pelo jeito Hagrid se importava. Os garotos não viram nem sinal dele a semana
inteira. Não apareceu à mesa dos professores na hora das refeições, nem foi
visto pela propriedade cuidando de suas tarefas de guarda-caça, e a Profª.
Grubbly-Plank continuou a dar as aulas de Trato das Criaturas Mágicas.
Malfoy
se gabava a cada oportunidade possível.
— Com
saudades do seu amiguinho mestiço? — ele não parava de murmurar para Harry
sempre que havia um professor por perto, de modo a ficar a salvo de uma reação
— Com saudades do seu homem elefante?
Houve
uma visita a Hogsmeade na metade de Janeiro. Hermione ficou muito surpresa que
Harry pretendesse ir.
—
Pensei que você ia aproveitar a tranqüilidade do Salão Comunal. Olha que você
realmente precisa trabalhar naquele ovo.
— Ah,
eu... eu acho que agora já tenho uma boa idéia do que se trata — mentiu Harry.
— Já
tem, é? — exclamou Hermione, parecendo impressionada — Muito bem!
As
entranhas de Harry deram uma revirada de culpa, mas ele fingiu não ter sentido.
Afinal ainda lhe restavam cinco semanas para descobrir a pista do ovo e isso
era uma eternidade... e se ele fosse a Hogsmeade, talvez desse de cara com
Hagrid e tivesse uma chance de convencê-lo a voltar.
No
Sábado ele, Rony e Hermione deixaram o castelo, juntos, e atravessaram os
jardins frios e úmidos em direção aos portões. Ao passar em pelo navio de
Durmstrang ancorado no lago, viram Vítor Krum saindo para o convés, trajando
apenas calções de banho. Ele era muito magro, mas bem mais forte do que
parecia, porque trepou na amurada do navio, esticou os braços à frente e
mergulhou direto no lago.
— Ele
é doido! — comentou Harry, observando a cabeça escura de Krum reaparecer no
meio do lago — Deve estar congelando, estamos no meio de Janeiro!
— É
muito mais frio no lugar de onde ele vem — disse Hermione — Imagino que ele
sinta até um calorzinho aqui.
— É,
mas ainda tem a lula gigante — lembrou Rony. Sua voz não revelava ansiedade, se
revelava alguma coisa, era esperança.
Hermione
reparou no tom de voz dele e franziu a testa.
— Ele
é realmente legal, sabe. Não é nada do que se poderia pensar de alguém que vem
de Durmstrang. Ele me disse que gosta muito mais daqui.
Rony
não fez comentários. Não mencionara Vítor Krum desde o baile, mas Harry
encontrara a miniatura de um braço embaixo da cama do amigo, no dia seguinte ao
Natal, que dava a impressão de ter sido arrancado do modelinho com as vestes de
Quadribol da Bulgária.
Harry
ficou de olhos muito atentos à procura de um sinal de Hagrid por todo o caminho
até a enlameada Rua Principal e sugeriu uma visita ao Três Vassouras depois de
se certificar de que Hagrid não estava nas outras lojas.
O bar
estava apinhado como sempre, mas uma olhada rápida pelas mesas informou a Harry
que Hagrid não se encontrava ali. Desanimado, dirigiu-se ao balcão com Rony e
Hermione, pediu à Madame Rosmerta três cervejas amanteigadas e pensou,
deprimido, que afinal teria feito melhor se tivesse ficado na escola escutando
o lamento do ovo.
—
Será que ele nunca vai ao escritório? — cochichou Hermione de repente — Olha
lá!
Ela
apontou para o espelho atrás do bar e Harry viu, refletido ali, Ludo Bagman,
sentado em um canto mais escuro com um grupo de duendes. O bruxo falava muito
rápido, e em voz baixa, com os duendes, que tinham os braços cruzados e uma
expressão assustadora no rosto.
Era
realmente estranho, pensou Harry, Que Bagman estivesse ali no Três Vassouras,
num fim de semana, quando não havia nenhum evento do torneio, e, portanto,
nenhuma atividade do seu júri. Ele observou o bruxo pelo espelho.
Bagman
parecia tenso, tão tenso quanto naquela noite na floresta antes da Marca Negra
aparecer. Mas neste momento Bagman olhou para o bar, viu Harry e se levantou.
— Um
momento, um momento!
Harry
o ouviu dizer bruscamente para os duendes e atravessar o bar em direção a ele,
o sorriso juvenil de sempre no rosto.
—
Harry! — exclamou ele — Como vai? Tinha esperança de encontrá-lo! Está tudo
correndo bem?
—
Ótimo, obrigado!
—
Será que eu podia dar uma palavrinha rápida com você, em particular? — disse
ele pressuroso — Vocês poderiam nos dar licença um momento, por favor?
—
Hum... ok — concordou Rony, e ele e Hermione saíram à procura de uma mesa.
Bagman
levou Harry para o canto mais afastado do bar de Madame Rosmerta.
—
Bom, achei que gostaria de cumprimentá-lo outra vez por seu esplêndido
desempenho contra o Rabo-Córneo, Harry — disse Bagman — Foi realmente soberbo!
—
Obrigado — disse o garoto, mas sabia que não devia ser só isso que Bagman queria
dizer, porque poderia ter dado os parabéns diante de Rony e Hermione. Mas o
bruxo parecia não ter pressa alguma de dizer o que era.
Harry
o viu olhar para o espelho do bar na direção dos duendes que os observavam em
silêncio, com aqueles olhos escuros e puxados.
—
Absoluto pesadelo — disse Bagman a Harry entre dentes, reparando que Harry
também observava os duendes — O inglês deles não é muito bom... parece até que
estou de volta à Copa Mundial de Quadribol com todos aqueles búlgaros... mas
pelo menos eles usavam gestos que todo ser humano era capaz de reconhecer. Essa
turma fica algaraviando em grugulês... e só conheço uma palavra de grugulês.
Bladvak. Significa “picareta”. Não gosto de usá-la para eles não pensarem que
estou ameaçando-os.
E
soltou uma gargalhada breve, mais retumbante.
— Que
é que eles querem? — perguntou Harry, notando que os duendes continuavam a
observar Bagman com muita atenção.
—
Hum... bem... — disse Bagman, parecendo subitamente nervoso — Eles... hum...
estão procurando Bartô Crouch.
— Por
que é que estão procurando por ele aqui? — perguntou Harry — Ele não está no
Ministério em Londres?
—
Hum... para falar a verdade, não faço a menor idéia de onde esteja. Vamos dizer
que tenha parado de comparecer ao trabalho. Já está ausente há umas duas
semanas. O jovem Percy, assistente dele, diz que ele está doente. Aparentemente
tem enviado instruções via coruja. Mas se importa de não comentar isso com
ninguém, Harry? Porque a Rita Skeeter continua bisbilhotando por todo lado que
pode e eu seria capaz de apostar que ela poderia transformar a doença de Bartô
em algo sinistro. Provavelmente dizer que ele está desaparecido como Berta
Jorkins.
— O
senhor teve notícias da Berta Jorkins? — perguntou Harry.
— Não
— respondeu Bagman, parecendo outra vez tenso — Tenho gente procurando, é
claro...
Já
não era sem tempo, pensou Harry.
— E é
tudo muito estranho. Sem a menor dúvida chegou à Albânia, porque se encontrou
lá com uma prima em segundo grau. Depois deixou a casa da prima dizendo que ia
ao sul visitar uma tia... e parece ter desaparecido no caminho, sem deixar
vestígios. O diabo é quem sabe onde ela pode ter se metido... não parece ser do
tipo que foge para casar, por exemplo... contudo... mas por que é que estamos
falando de duendes e de Berta Jorkins? O que eu realmente queria perguntar a
você é... — e aqui ele baixou a voz — Como é que você vai indo com o ovo de
ouro?
—
Hum... nada mal — disse Harry ocultando a verdade.
Bagman
pareceu perceber que o garoto não estava sendo honesto.
—
Escute, Harry — disse ele, ainda em voz muito baixa — Eu me sinto muito mal a
respeito dessa coisa toda... você foi empurrado para o torneio, você não se
voluntariou... e se — aqui sua voz ficou tão baixa que Harry precisou chegar
mais perto para escutar — ... Se tiver alguma coisa que eu possa fazer... um
empurrãozinho na direção certa... acabei me afeiçoando a você... o jeito com
que você passou pelo dragão!... bem, é só dizer.
Harry
olhou para o rosto rosado e redondo, e para os grandes olhos azul-celeste de
Bagman.
—
Devemos decifrar as pistas sozinhos, não é? — disse ele, tomando cuidado para
manter a voz displicente e não parecer que estava acusando o Chefe do
Departamento de Jogos e Esportes Mágicos de infringir o regulamento.
—
Bem... bem, é verdade — disse Bagman impaciente — Mas... vamos, Harry, todos
queremos a vitória de Hogwarts, não é mesmo?
— O
senhor ofereceu ajuda a Cedrico? — perguntou Harry.
A
mais leve das rugas vincou o rosto liso de Bagman.
—
Não, não ofereci. Eu... bem, como disse, me afeiçoei a você. Por isso pensei em
oferecer...
—
Bem, obrigado — disse Harry — Mas acho que estou quase chegando lá... mais uns
dois dias e resolvo o problema do ovo.
Ele
não tinha muita certeza da razão pela qual estava recusando a ajuda de Bagman,
exceto que o bruxo era quase um estranho para ele, e aceitar sua ajuda lhe
parecia muito mais desonesto do que pedir conselhos a Rony, Hermione ou Sirius.
Bagman
pareceu quase afrontado, mas não pôde dizer muito mais, porque Fred e Jorge
apareceram naquele momento.
—
Olá, Sr. Bagman — disse Fred animado — Podemos lhe oferecer uma bebida?
—
Hum... não — disse Bagman, com um último olhar desapontado para Harry — Não,
muito obrigado, garotos...
Fred
e Jorge pareciam quase tão desapontados quanto Bagman, que mirava Harry como se
o garoto o tivesse deixado na mão.
—
Bem, preciso correr — disse ele — Foi bom ver vocês. Boa sorte, Harry.
E
saiu apressado do bar.
Os
duendes deslizaram para fora das cadeiras e saíram atrás de Bagman.
Harry
foi se reunir a Rony e Hermione.
— Que
é que ele queria? — perguntou Rony, no instante em que Harry se sentou.
— Ele
se ofereceu para me ajudar com o ovo de ouro.
— Ele
não devia estar fazendo isso! — exclamou Hermione, parecendo muito chocada —
Ele é um dos juízes! E em todo o caso, você já decifrou sozinho, não foi?
—
Hum... quase.
—
Bem, eu acho que Dumbledore não gostaria de saber que Bagman andou tentando
convencer você a ser desonesto! — disse Hermione ainda com uma expressão de
profunda reprovação — Espero que ele esteja tentando ajudar Cedrico também!
—
Não, não está. Eu perguntei a ele — informou Harry.
—
Quem é que se importa se Cedrico está recebendo ajuda? — disse Rony.
Harry,
intimamente, concordou.
—
Aqueles duendes não pareciam muito simpáticos — comentou Hermione, bebericando
a cerveja amanteigada — Que é que eles estavam fazendo aqui?
—
Procurando Crouch, segundo informou Bagman. Ele continua doente. Não tem ido
trabalhar.
—
Quem sabe Percy está envenenando ele? — sugeriu Rony — Provavelmente acha que
se Crouch apagar ele vai ser nomeado Chefe do Departamento de Cooperação
Internacional em Magia.
Hermione
lançou a Rony um olhar do tipo não-brinque-com-essas-coisas e comentou:
—
Engraçado, duendes procurando o Sr. Crouch... eles normalmente se dirigem ao
Departamento para Regulamentação e Controle das Criaturas Mágicas.
— Mas
Crouch sabe falar um monte de línguas diferentes — lembrou Harry — Talvez eles
precisem de um intérprete.
—
Agora está se preocupando com os coitadinhos dos duendes, é? — perguntou Rony a
Hermione — Está pensando em lançar um S.P.D.F. ou outra coisa do gênero? Uma
Sociedade Protetora dos Duendes Feios?
— Ha,
ha, ha — exclamou Hermione sarcasticamente — Duendes não precisam de proteção.
Você não tem prestado atenção ao que o Prof. Binns vem nos contando sobre as
revoltas dos duendes?
— Não
— disseram Harry e Rony juntos.
—
Pois é, eles têm plena capacidade de enfrentar os bruxos — disse Hermione,
tomando mais um golinho de cerveja amanteigada — Eles são muito inteligentes.
Não são como os elfos domésticos, que nunca se unem para se defender.
— Ah
— exclamou Rony, com os olhos fixos na porta.
Rita
Skeeter acabara de entrar. Estava usando vestes amarelo banana, tinha as unhas
longas pintadas de rosa-choque e vinha acompanhada do seu fotógrafo barrigudo.
Ela comprou bebidas, e os dois abriam caminho entre as pessoas e as mesas até
uma mesa próxima. Harry, Rony e Hermione amarraram a cara para ela ao verem que
estava se aproximando. Ela falava depressa e parecia muito satisfeita com
alguma coisa.
—...
Não parecia muito interessado em falar com a gente, você também não acha, Bozo?
E por que você acha que não estava? E o que é que ele estava fazendo com uma
matilha de duendes na cola? Mostrando os pontos pitorescos do povoado... que
absurdo... ele sempre foi um mau mentiroso. Você acha que ele está escondendo
alguma coisa? Acha que devíamos fuçar um pouco? Ludo Bagman, o desacreditado
ex-chefe dos Esportes Mágicos... é uma boa abertura, Bozo, agora só precisamos
encontrar uma história para usá-la...
—
Tentando estragar a vida de mais alguém? — perguntou Harry em voz alta.
Algumas
pessoas viraram a cabeça.
Os
olhos de Rita mal se arregalaram por trás dos óculos de pedrinhas quando viu
quem falara.
—
Harry! — exclamou ela sorridente — Que ótimo? Por que você não vem se sentar
conosco...?
— Eu
não chegaria perto da senhora nem com uma vassoura de três metros — disse Harry
furioso — Por que a senhora fez aquilo com o Hagrid, hein?
Rita
Skeeter ergueu as sobrancelhas acentuadas com lápis grosso.
— Os
nossos leitores têm o direito de saber a verdade, Harry, estou meramente
fazendo o meu...
—
Quem se importa que ele seja meio-gigante? — gritou Harry — Não há nada errado
com ele!
O bar
inteiro ficou em silêncio. Madame Rosmerta acompanhava de olhar fixo por trás
do balcão, aparentemente esquecida de que a garrafa que estava enchendo de
quentão começara a transbordar.
O
sorriso de Rita Skeeter estremeceu levemente, mas ela o firmou quase no mesmo
instante, abriu a bolsa de crocodilo com um estalido, tirou a pena de repetição
rápida e disse:
— Que
tal me dar uma entrevista sobre o Hagrid que você conhece, Harry? O homem por
trás dos músculos? A improvável amizade que tem por ele e as razões para tê-la?
Você o chamaria de um pai substituto?
Hermione
se levantou abruptamente, a cerveja amanteigada apertada na mão como se fosse
uma granada.
— Sua
mulher horrorosa — disse ela, entre dentes — A senhora não se importa, não é,
qualquer coisa vira artigo, e qualquer pessoa serve, não é? Até Ludo Bagman...
—
Sente-se, menininha boba e não fale do que não entende — disse Rita Skeeter com
frieza, seu olhar endurecendo ao pousar em Hermione — Sei de coisas sobre Ludo
Bagman que deixariam você de cabelos em pé... não que eles precisem de ajuda —
acrescentou, mirando os cabelos lanzudos de Hermione.
—
Vamos embora — disse Hermione — Anda, Harry, Rony...
Os
garotos saíram, muita gente ficou olhando para eles enquanto se retiravam.
Harry virou a cabeça ao alcançar a porta. A pena de repetição rápida estava em
posição, corria para frente e para trás no pedaço de pergaminho sobre a mesa.
—
Você vai ser a próxima que ela vai perseguir, Mione — disse Rony, numa voz
baixa e preocupada quando tornavam a subir a rua.
— Ela
que experimente! — disse a garota com voz aguda, tremia de raiva — Vou mostrar
a ela! Menininha boba é? Ah, vai ter troco, primeiro Harry, agora o Hagrid...
—
Você não vai querer se indispor com a Rita Skeeter — disse Rony nervoso — Estou
falando sério, Mione, ela vai desenterrar alguma coisa sobre você...
—
Meus pais não leem o Profeta Diário, ela não pode me apavorar e me fazer
esconder! — disse Hermione, agora caminhando tão depressa que Harry e Rony mal
conseguiam acompanhá-la.
A
última vez que Harry vira Hermione com tanta raiva assim, ela metera a mão na
cara de Draco Malfoy.
— E
Hagrid não vai se esconder mais! Ele nunca deveria ter deixado aquela imitação
de ser humano o perturbar! Andem!
Desatando
a correr, ela levou os garotos de volta à estrada, cruzou os portões ladeados
por javalis alados e atravessou os jardins até a cabana de Hagrid. As cortinas
ainda estavam corridas, mas eles ouviram os latidos de Canino quando se
aproximaram.
—
Hagrid! — chamou Hermione, batendo com força na porta da frente — Hagrid, pode
parar com isso! Sabemos que você está aí dentro! Ninguém liga a mínima se sua
mãe era uma giganta, Hagrid! Você não pode deixar aquela Skeeter nojenta fazer
isso com você! Hagrid, vem aqui fora, você está sendo...
A
porta se abriu.
Hermione
disse:
— Já
não era...! — e se calou, de repente porque se viu cara a cara, não com Hagrid,
mas com Alvo Dumbledore.
— Boa
tarde! — disse ele agradavelmente, sorrindo para os garotos.
—
Nós... hum... nós gostaríamos de ver o Hagrid — disse Hermione baixinho.
—
Claro, imaginei isso — disse Dumbledore, os olhos cintilando — Por que não
entram?
—
Ah... hum... ok...
Ela,
Rony e Harry entraram na cabana.
Canino
se atirou sobre Harry no instante em que o garoto entrou, latindo feito louco e
tentando lamber as orelhas dele. Harry afastou Canino e olhou à volta.
Hagrid
estava sentado à mesa, onde havia duas canecas de chá. Estava pavoroso. O rosto
manchado, os olhos inchados e tinha passado ao outro extremo em termos de
cabelos, em lugar de tentar amansá-los, deixara-os agora parecidos com uma
peruca de arame embaraçado.
— Oi,
Hagrid — disse Harry.
Hagrid
ergueu os olhos.
— Alô
— disse ele, com a voz rouca.
—
Mais chá, acho — disse Dumbledore, que fechou a porta depois que Harry, Rony e
Hermione entraram, puxou a varinha e girou-a, apareceu no ar uma bandeja
giratória de chá acompanhado por um prato de bolos.
Ainda
por magia, Dumbledore levou a bandeja até a mesa e todos se sentaram. Houve uma
ligeira pausa e então o diretor disse:
—
Você por acaso ouviu o que a Srta. Granger estava gritando, Hagrid?
Hermione
corou ligeiramente, mas Dumbledore sorriu para ela e continuou.
—
Hermione, Harry e Rony parecem que ainda querem continuar a conhecer você, a
julgar pela maneira com que tentavam derrubar a porta.
—
Claro que ainda queremos conhecer você! — exclamou Harry fitando Hagrid — Você
não acha que alguma coisa que aquela vaca da Skeeter... desculpe professor —
acrescentou ele depressa, olhando para Dumbledore.
—
Fiquei temporariamente surdo e não faço idéia do que foi que você disse, Harry
— disse Dumbledore, girando os polegares e olhando para o teto.
—
Hum... certo — disse Harry envergonhado — Eu só quis dizer, Hagrid, como é que
você pôde pensar que ligaríamos para o que aquela “mulher” escreveu sobre você?
Duas
grossas lágrimas saltaram dos olhos de Hagrid, negros como besouros, e caíram
lentamente sobre sua barba desgrenhada.
— A
prova viva do que estive lhe dizendo, Hagrid — disse Dumbledore, ainda
contemplando atentamente o teto — Já lhe mostrei as cartas dos inúmeros pais
que se lembram de você do tempo em que estiveram aqui, dizendo em termos
bastante claros que se eu o despedisse eles não iriam ficar calados...
— Nem
todos — disse Hagrid rouco — Nem todos querem que eu fique...
—
Francamente, Hagrid, se você está esperando obter aprovação universal, receio
que vá ficar trancado na cabana muito tempo — disse o diretor, agora olhando
severamente por cima dos oclinhos de meia-lua — Ainda não houve uma semana,
desde que me tornei diretor desta escola, em que eu não recebesse ao menos uma
coruja reclamando da maneira com que eu a dirijo. Mas o que é que eu deveria
fazer? Me entrincheirar no escritório e me recusar a falar com as pessoas?
—
Mas... mas o senhor não é meio-gigante! — crocitou Hagrid.
—
Hagrid, olha só quem são os meus parentes! — disse Harry furioso — Olha só os
Dursley!
—
Muito bem lembrado! — disse o diretor — Meu próprio irmão, Aberforth, foi
acusado de praticar feitiços impróprios em um bode. Apareceu em todos os
jornais, mas ele se escondeu? Não, não se escondeu! Manteve a cabeça erguida e
continuou a trabalhar como sempre! Naturalmente, não tenho muita certeza de que
ele saiba ler, por isso talvez não tenha tido tanta coragem assim...
—
Volte a ensinar, Hagrid — disse Hermione em voz baixa — Por favor, volte, nós
realmente sentimos sua falta.
Hagrid
engoliu em seco. Mais lágrimas escorreram por suas bochechas e penetraram a
barba embaraçada.
Dumbledore
se levantou.
— Eu
me recuso a aceitar o seu pedido de demissão, Hagrid, e espero que esteja de
volta ao trabalho na Segunda-Feira — disse ele — Você tomará café em minha
companhia às oito e meia no Salão Principal. Nada de desculpas. Boa tarde para
todos vocês.
Dumbledore
se retirou da cabana, parando apenas para dar uma coçada atrás da orelha de
Canino.
Quando
a porta se fechou atrás dele, Hagrid começou a soluçar com o rosto nas mãos do
tamanho de uma tampa de lata de lixo.
Hermione
deu palmadinhas em seu braço e finalmente Hagrid ergueu a cabeça, os olhos de
fato muito vermelhos e disse:
— Um
grande homem o Dumbledore...
—
Grande homem... — concordou Rony — Posso comer um desses bolos, Hagrid?
—
Sirva-se — disse ele, enxugando os olhos nas costas da mão — Arre, ele tem
razão, é claro, vocês têm razão... tenho sido idiota... meu velho pai teria se
envergonhado do meu comportamento nesses últimos dias...
Mais
lágrimas escorreram, mas ele as enxugou com mais firmeza e continuou:
—
Nunca mostrei a vocês uma foto do meu velho pai, não é? Olhem...
Hagrid
se levantou, foi até a cômoda, abriu a gaveta e tirou uma foto de um bruxo
baixinho com os mesmos olhos negros rodeados de rugas do filho, sentado
sorridente no ombro dele. Hagrid tinha bem uns dois metros mais do que o pai, a
julgar pela macieira ao lado deles, mas seu rosto era imberbe, jovem, redondo e
liso, parecia não ter mais que uns onze anos de idade.
— Foi
tirada logo depois que vim para Hogwarts — disse Hagrid rouco — Papai morreu
muito feliz... achava que eu talvez não fosse bruxo, entende, porque mamãe....
bem, em todo o caso... claro que, sinceramente, nunca fui grande coisa em
magia... mas pelo menos ele não me viu ser expulso. Morreu, entende, eu estava
no segundo ano... Dumbledore foi quem me apoiou depois que meu pai morreu. Me
arranjou o lugar de guarda caça... confia nas pessoas, ele. Dá uma segunda
oportunidade... é isso que diferencia ele de outros diretores, entendem. Aceita
qualquer pessoa em Hogwarts, que tenha talento. Sabe que as pessoas podem ser
legais mesmo que as famílias delas não tenham sido... bem... tão respeitáveis
assim. Mas tem gente que não entende isso. Tem gente que sempre usa a família
contra a pessoa... tem até gente que finge que tem ossos grandes em lugar de se
levantar e dizer “eu sou o que sou e não me envergonho disso”. “Nunca se
envergonhe”, meu velho pai costumava dizer, “tem gente que vai usar isso contra
você, mas não vale a pena se preocupar com eles”. E ele tinha razão. Fui um
idiota. Não vou me incomodar mais com ela, prometo a vocês. Ossos graúdos, eu
vou mostrar a ela os ossos graúdos.
Harry,
Rony e Hermione se entreolharam nervosos, Harry preferia levar cinqüenta
explosivins para passear do que admitir para Hagrid que entreouvira a conversa
dele com Madame Maxime, mas Hagrid continuava falando, aparentemente
inconsciente de que tivesse dito alguma coisa estranha.
—
Sabe de uma coisa, Harry? — disse ele tirando os olhos da foto do pai, os olhos
muito brilhantes — Quando o conheci, você me lembrou um pouco de mim. Mãe e pai
desaparecidos e você sentindo que não ia se adaptar a Hogwarts, lembra? Não
tinha muita certeza de que estava à altura... e agora, olha só você, Harry!
Campeão da escola!
Ele
fitou o garoto um instante e então disse, muito sério:
—
Sabe o que eu adoraria, Harry? Eu adoraria ver você vencer, realmente adoraria.
Você iria mostrar a eles todos... não é preciso ser puro-sangue para fazer
isso. Você não tem que se envergonhar do que é. Mostraria a eles que Dumbledore
é quem tem razão quando deixa qualquer um entrar desde que seja capaz de fazer
mágica. Como é que você está indo com aquele ovo, Harry?
—
Ótimo — disse Harry — Realmente ótimo.
O
rosto infeliz de Hagrid se abriu num grande sorriso lacrimoso.
— O
meu garoto... mostre a eles, Harry, mostre a eles. Derrote eles todos.
Mentir
para Hagrid não era bem o mesmo que mentir para outras pessoas.
Harry
voltou para o castelo mais no finzinho da tarde com Rony e Hermione, sem ter
coragem de varrer a expressão de felicidade do rosto barbudo de Hagrid ao
imaginá-lo vencendo o torneio.
O ovo
incompreensível pesou mais que nunca na consciência de Harry naquela noite, e
quando finalmente se deitou já tomara uma decisão: estava na hora de guardar o
orgulho na prateleira e ver se a dica de Cedrico valia alguma coisa.
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