— CAPÍTULO DEZENOVE —
O Rabo-Córneo Húngaro
A PERSPECTIVA DE
CONVERSAR CARA A CARA COM SIRIUS foi só o que sustentou Harry nos quinze dias
seguintes, o único ponto luminoso em um horizonte que nunca lhe parecera mais
escuro. O choque de se ver no papel de campeão da escola agora já diminuíra um
pouquinho, e o medo do que o aguardava estava começando a penetrar fundo em sua
mente.
A
Primeira Tarefa se aproximava, o garoto tinha a sensação de que ela estava de
tocaia logo ali, como um monstro aterrorizante, barrando o seu avanço. Nunca se
sentira tão nervoso, ultrapassava muito qualquer sentimento que tinha
experimentado antes de uma partida de Quadribol, até mesmo a última contra a
Sonserina, que decidira quem ganharia a Taça de Quadribol. Harry estava achando
difícil pensar no futuro, sentia que a sua vida inteira o conduzira à Primeira
Tarefa e nela terminaria...
Assim
sendo, não via como Sirius ia fazê-lo se sentir melhor com relação à realização
de uma tarefa mágica difícil e perigosa, diante de centenas de pessoas, mas a
simples visão de um rosto amigo já seria alguma coisa neste momento.
Harry
respondeu a Sirius, dizendo que estaria ao pé da lareira da Sala Comunal à hora
que o padrinho sugerira, e que ele e Hermione tinham passado muito tempo
revendo planos para obrigar os retardatários a abandonar a sala na noite em
questão. Na pior das hipóteses, iam detonar um pacote de bombas de bosta, mas
esperavam não ter recorrer a isso, Filch os esfolaria vivos.
Entrementes,
a vida se tornou ainda pior para Harry dentro dos limites do castelo, pois Rita
Skeeter publicara seu artigo sobre o Torneio Tribruxo, que afinal não fora
tanto uma notícia sobre o torneio, mas uma versão da vida de Harry extremamente
pitoresca.
Quase
toda a primeira página fora ocupada por uma foto de Harry, o artigo (que
continuava nas páginas dois, seis e sete) só falava no garoto, os nomes dos
campeões da Beauxbatons e Durmstrang (errados) tinham sido espremidos na última
linha do artigo, e Cedrico sequer fora mencionado. O artigo saíra havia dez
dias e Harry ainda era assaltado por uma ardência de náusea e vergonha no
estômago todas as vezes que pensava nele. Rita Skeeter pusera em sua boca uma
porção de coisas que ele sequer lembrava ter dito na vida, muito menos no
armário de vassouras.
“Acho
que herdo a minha força dos meus pais, sei que eles teriam muito orgulho de mim
se me vissem agora... é, às vezes à noite ainda choro a perda deles, não tenho
vergonha de admitir... que nada me acontecerá de mal durante o torneio, porque
eles estarão me protegendo...”
Mas
Rita fizera mais do que transformar os “hums” dele em frases longas e piegas,
entrevistara outras pessoas para saber o que pensavam dele.
“Harry
finalmente encontrou carinho em Hogwarts. Seu amigo íntimo, Colin Creevey diz
que o garoto raramente é visto sem companhia de Hermione Granger, uma linda
menina nascida trouxa que, como Harry, é uma das primeiras alunas da escola”.
Do
momento em que o artigo apareceu, Harry teve que aturar colegas, principalmente
os da Sonserina, que o citavam, caçoando, quando ele passava.
—
Quer um lencinho, Potter, caso comece a chorar na aula de Transfiguração?
—
Desde quando você é um dos primeiros alunos da escola, Potter? Ou será que a
escola é uma escola que você e o Longbottom fundaram?
—
Ei... Harry!
— É,
verdade, sim — Harry viu-se gritando, ao se virar no corredor, já cheio — Morri
de chorar pela morte da minha mamãezinha, e estou indo chorar um pouco mais...
—
Não... foi só que... você deixou cair a pena.
Era
Cho.
Harry
sentiu o rosto corar.
— Ah...
certo... desculpe — murmurou recebendo a pena.
—
Hum... boa sorte na Terça-Feira — disse a garota — Espero sinceramente que você
se dê bem.
O que
fez Harry se sentir extremamente idiota.
Hermione
também ganhara sua quota de aborrecimentos, mas ainda não começara a berrar com
gente inocente, de fato, Harry enchia-se de admiração pela maneira com que a
amiga estava enfrentando a situação.
—
Linda? Ela?— gritara Pansy Parkinson com a voz esganiçada, a primeira vez que
encontrou Hermione, depois que o artigo da Rita Skeeter fora publicado — Qual
foi o padrão de beleza, um esquilo?
— Não
liga — disse Hermione com dignidade, erguendo a cabeça no ar e passando pelas
garotas da Sonserina que zombavam, como se não as ouvisse — Simplesmente não
liga, Harry.
Mas
Harry não conseguia se desligar. Rony não falara com ele desde o dia do recado
sobre as detenções de Snape. Harry alimentara uma certa esperança de que
fizessem as pazes durante as duas horas em que foram forçados a preparar
conservas de miolos de ratos na masmorra, mas isto fora no dia em que o artigo
de Rita Skeeter aparecera, o que parecia confirmar a crença de Rony de que
Harry estava realmente gostando de toda aquela atenção.
Hermione
estava furiosa com os dois, ia de um para outro, tentando forçá-los a se
falarem, mas Harry permanecia inflexível, só voltaria a falar com Rony se o
amigo admitisse que ele não pusera o nome no Cálice de Fogo, e pedisse
desculpas por tê-lo chamado de mentiroso.
— Não
fui eu que comecei — disse Harry teimosamente — O problema é dele.
—
Você sente falta dele! — tornou Hermione impaciente — E eu sei que ele sente
falta de você...
—
Sinto falta dele? Eu não sinto falta dele...
Mas
isto era uma mentira deslavada.
Harry
gostava muito de Hermione, mas ela não era o mesmo que Rony. Havia muito menos
risos e muito mais visitas à Biblioteca quando Hermione era sua melhor amiga.
Harry ainda não conseguira dominar os Feitiços Convocatórios, parecia ter
desenvolvido uma espécie de bloqueio com relação a eles, e Hermione insistia
que aprender a teoria ajudaria. Conseqüentemente, passavam mais tempo lendo
livros durante a hora do almoço.
Vítor
Krum passava um tempão na Biblioteca também, e Harry ficava imaginando o que é
que ele andava fazendo. Estaria estudando ou procurando coisas que o ajudassem
na Primeira Tarefa? Hermione muitas vezes se queixava de Krum estar ali, não
que ele jamais os incomodasse, mas porque aparecia sempre um grupo de garotas
dando risadinhas bobas para espioná-lo atrás das estantes, e Hermione achava
que aquele barulho a distraía.
— Ele
nem ao menos é bonito! — murmurava ela aborrecida, mirando de cara amarrada o
perfil adunco de Krum — Elas só gostam dele porque é famoso! Não olhariam duas
vezes se ele não fosse capaz de fazer aquele tal de Fingimento Wonky...
—
Finta de Wronski — corrigiu Harry entre dentes. Sem contar que o garoto gostava
que dissessem corretamente os termos do Quadribol, sentia uma pontada só de
imaginar a expressão de Rony se ele pudesse ouvir Hermione falando de
Fingimento Wonky.
É uma
coisa estranha, mas quando se está com medo de alguma coisa, e se daria tudo
para retardar o tempo, ele tem o mau hábito de correr.
Os
dias que faltavam para a Primeira Tarefa pareciam passar como se alguém tivesse
ajustado os relógios para trabalharem em velocidade dobrada. A sensação de
pânico mal controlado que Harry tinha acompanhava-o para onde fosse, sempre
presente como os comentários depreciativos sobre o artigo do Profeta Diário.
No
Sábado que antecedeu a Primeira Tarefa, todos os estudantes do terceiro ano, e
acima, tiveram permissão para visitar o povoado de Hogsmeade. Hermione disse a
Harry que lhe faria bem sair um pouco do castelo e o garoto não precisou de
muita persuasão.
— Mas
e o Rony? Você não quer ir com ele?
—
Ah... bem... — Hermione ficou ligeiramente vermelha — Pensei que a gente podia
se encontrar com ele no Três Vassouras...
— Não
— disse Harry em tom definitivo.
— Ah,
Harry, isso é tão bobo...
— Eu
vou, mas não quero me encontrar com o Rony, e vou usar a minha Capa da
Invisibilidade.
— Ah,
tudo bem, então... — retorquiu Hermione — Mas odeio falar com você naquela
capa, nunca sei se estou olhando para você ou não.
Então
Harry vestiu a Capa da Invisibilidade no dormitório e tornou a descer e,
juntos, ele e a amiga seguiram para Hogsmeade.
Harry
se sentiu maravilhosamente livre sob a Capa, observou os estudantes que
passavam por eles na entrada do povoado, a maioria usando distintivos “Apóie
CEDRICO DIGGORY”, mas, para variar, ninguém atirou piadas horríveis
para ele nem citou aquele artigo idiota.
— As
pessoas não param de olhar para mim agora — reclamou Hermione, ao saírem mais
tarde da Dedosdemel, comendo uma grande quantidade de bombons recheados de
creme — Acham que estou falando sozinha.
—
Então não mexa tanto os lábios.
— Ah
vai, por favor, tira um pouco a sua Capa. Ninguém vai incomodar você aqui.
— Ah,
é? Então olha para trás.
Rita
Skeeter e seu amigo fotógrafo acabavam de sair do bar Três Vassouras.
Conversavam em voz baixa e passaram por Hermione sem olhar para a garota. Harry
se encostou à parede da Dedosdemel para evitar que Rita Skeeter batesse nele
com a bolsa de crocodilo.
Quando
os dois se afastaram, Harry comentou:
— Ela
está hospedada no povoado. Aposto como vai assistir à Primeira Tarefa.
Ao
dizer isso, seu estômago foi inundado por uma onda de pânico derretido. Mas não
disse nada, ele e Hermione não tinham discutido muito o que o aguardava na
Primeira Tarefa, tinha a sensação de que a amiga não queria pensar no assunto.
— Ela
já foi embora — disse Hermione olhando através de Harry em direção à Rua
Principal — Por que não vamos tomar uma cerveja amanteigada no Três Vassouras?
Está um pouco frio, não está? Você não precisa falar com o Rony! — acrescentou
com irritação, interpretando corretamente o silêncio dele.
O
Três Vassouras estava lotado, principalmente com alunos de Hogwarts que
aproveitavam a tarde livre, mas também com uma variedade de gente mágica que
Harry raramente via em outro lugar. Ele imaginava que sendo Hogsmeade o único
povoado inteiramente mágico da Grã-Bretanha constituía uma espécie de refúgio
para gente como as bruxas, que não gostavam tanto de se disfarçar quanto os
bruxos.
Era
difícil caminhar entre muita gente com a Capa da Invisibilidade, pois se
pisasse em alguém sem querer, poderia provocar perguntas embaraçosas. Harry
dirigiu-se com cautela a uma mesa vazia a um canto e Hermione foi comprar as
bebidas. Quando atravessava o bar, Harry viu Rony sentado com Fred, Jorge e
Lino Jordan. Resistindo ao impulso de dar um bom tranco na cabeça de Rony, ele
finalmente chegou à mesa escolhida e se sentou. Hermione não demorou a se
juntar a ele e lhe passou a cerveja por baixo da capa.
—
Pareço uma idiota sentada aqui sozinha — resmungou ela — Por sorte trouxe
alguma coisa para fazer.
E a
garota puxou um caderno em que andava mantendo um registro dos participantes do
F.A.L.E. Harry viu os nomes dele e de Rony no alto de uma pequena lista.
Parecia que fora há muito tempo que tinham se sentado para fazer aquelas
predições, juntos, e Hermione aparecera e os nomeara secretário e tesoureiro.
—
Sabe, talvez eu deva tentar fazer alguns habitantes do povoado participarem do
F.A.L.E. — disse Hermione pensativa, dando uma olhada no bar.
— É,
certo — Harry tomou um gole da cerveja amanteigada embaixo da capa — Hermione
quando é que você vai desistir dessa história de F.A.L.E.?
—
Quando os elfos domésticos tiverem salários decentes e condições de trabalho! —
sibilou ela em resposta — Sabe, eu estou começando a achar que chegou a hora de
partir para uma abordagem mais direta. Como será que a gente chega à cozinha da
escola?
— Não
faço ideia, pergunte ao Fred e ao Jorge — disse Harry.
Hermione
mergulhou num silêncio pensativo, enquanto Harry bebia a cerveja amanteigada,
observando as pessoas no bar. Todas pareciam animadas e descontraídas.
Ernesto
Macmillan e Ana Abbott trocavam figurinhas dos Sapos de Chocolate em uma mesa
próxima, os dois usando os distintivos “Apoie CEDRICO DIGGORY” nas capas.
Perto da porta, Harry viu Cho e um grande grupo das colegas da Corvinal. Mas
ela não usava o distintivo... isto o animou um pouquinho... o que ele não daria
para ser uma daquelas pessoas que riam e conversavam, sem nenhuma preocupação
no mundo exceto o dever de casa!
Imaginou
como estaria se sentindo ali se o seu nome não tivesse sido escolhido pelo Cálice
de Fogo. Primeiro não estaria usando a Capa da Invisibilidade, segundo, Rony
estaria sentado com ele. Os três provavelmente estariam felizes imaginando que
tarefa mortalmente perigosa os campeões das escolas iriam enfrentar na
Terça-Feira. Ele estaria realmente ansioso para chegar a hora de assistir ao
que quer que fosse... torcendo por Cedrico com todos os outros, sentado são e
salvo no alto das arquibancadas...
Harry
ficou imaginando como estariam se sentindo os outros campeões.
Todas
as vezes que via Cedrico ultimamente, o garoto estava cercado de admiradores e
parecia nervoso, mas excitado. De vez em quando Harry via Fleur Delacour de
relance nos corredores, tinha a mesma aparência de sempre, arrogante e
imperturbável. E Krum simplesmente ficava sentado na Biblioteca, examinando
livros.
Harry
pensou em Sirius, e o nó apertado e tenso em seu peito pareceu afrouxar um
pouquinho. Estaria falando com o padrinho em pouco mais de doze horas, pois
aquela era a noite em que iam se encontrar na Sala Comunal, presumindo que nada
saísse errado, como tudo o mais ultimamente...
—
Olha, é Hagrid! — disse Hermione.
As
costas da enorme cabeça peluda de Hagrid, graças a Deus ele abandonara o novo
penteado, sobressaía na aglomeração. Harry se perguntou por que não o teria
visto logo, já que seu amigo era tão grande, mas se levantando cautelosamente,
viu que Hagrid estivera curvado, conversando com o Prof. Moody. Tinha o
costumeiro canecão diante dele, mas Moody bebia da garrafa de bolso. Madame
Rosmerta, a bonita dona do bar, não parecia estar gostando muito disso, olhava
enviesado para Moody enquanto recolhia os copos das mesas ao redor dos dois
homens. Talvez achasse que aquilo era um insulto ao seu quentão, mas Harry
sabia a explicação.
Moody
contara à turma na última aula de Defesa Contra as Artes das Trevas que ele
sempre preferia preparar sua comida e bebida, pois era muito fácil para bruxos
das trevas envenenarem um copo momentaneamente descuidado.
Enquanto
Harry observava, viu Hagrid e Moody se levantarem para sair. Ele acenou, depois
se lembrou de que o amigo não podia vê-lo.
Moody,
porém, parou, seu olho mágico virado para o canto em que Harry estava. Ele deu
um tapinha no meio das costas de Hagrid (não conseguindo alcançar seu ombro),
murmurou alguma coisa e, em seguida, os dois tornaram a atravessar o bar em
direção à mesa de Harry e Hermione.
—
Tudo bem, Hermione? — disse Hagrid em voz alta.
— Olá
— respondeu a garota sorrindo.
Moody
contornou a mesa mancando e se abaixou. Harry pensou que ele estava lendo o caderno
do F.A.L.E., até ele murmurar:
—
Bela capa, Potter.
Harry
encarou-o espantado. O pedaço que faltava do nariz de Moody era particularmente
visível à curta distância.
Moody
sorriu.
— O
seu olho... quero dizer, o senhor pode...?
—
Claro, ele vê através de Capas da Invisibilidade — disse Moody baixinho — E, às
vezes, isso me tem sido útil, pode acreditar.
Hagrid
estava sorrindo para Harry, também. Este sabia que o amigo não podia vê-lo, mas
Moody obviamente dissera a Hagrid que o garoto estava ali. Hagrid se abaixou
sob o pretexto de ler o caderno do F.A.L.E. também, e disse num sussurro tão
baixo que somente Harry pôde ouvir.
—
Harry, me encontre hoje à meia-noite na minha cabana. Use a capa.
Erguendo-se,
falou em voz alta:
— Que
bom ver você, Hermione — piscou e saiu.
Moody
acompanhou-o.
— Por
que será que ele quer que eu vá encontrá-lo à meia-noite? — perguntou Harry
muito surpreso.
— Ele
quer? — disse Hermione parecendo espantada — Que será que ele está aprontando?
Não sei se você deve ir, Harry... — ela espiou para os lados nervosamente e
sibilou — Talvez você se atrase para ver Sirius.
Era
verdade que descer pelos jardins à meia-noite até a casa de Hagrid significava
voltar em cima da hora para o encontro com Sirius, Hermione sugeriu que ele
mandasse Edwiges a Hagrid para dizer que não podia ir, sempre supondo que a
coruja consentisse em levar o bilhete, é claro, Harry, porém, achou melhor ir
ver rapidamente o que o amigo queria. Estava muito curioso com o que poderia
ser, Hagrid nunca pedira a Harry para visitá-lo tão tarde da noite.
* * *
Ás onze e meia daquela
noite, Harry, que fingira ir se deitar mais cedo, jogou a Capa da
Invisibilidade por cima do corpo e saiu sorrateiramente pela Sala Comunal.
Ainda
havia muitos colegas lá. Os irmãos Creevey tinham conseguido pôr as mãos em uma
pilha de distintivos “Apóie CEDRICO DIGGORY” e estavam
tentando enfeitiçá-los para fazê-los dizer, ao invés, “Apóie HARRY POTTER”. Até
ali, porém, só tinham conseguido fazer os distintivos enguiçarem em “POTTER
FEDE”.
Harry
passou por eles em direção ao buraco do retrato e esperou um minuto mais ou
menos, de olho no relógio. Depois, Hermione abriu a Mulher Gorda pelo lado de
fora conforme tinham planejado. Ele passou pela amiga murmurando “Obrigado!”, e
saiu pelo castelo.
Os
jardins estavam muito escuros. Harry desceu os gramados em direção às luzes que
brilhavam na cabana de Hagrid. O interior da enorme carruagem da Beauxbatons
também estava aceso, Harry podia ouvir Madame Maxime falando lá dentro, quando
bateu na porta de Hagrid.
— É
você aí, Harry? — sussurrou Hagrid, abrindo a porta e espiando para os lados.
— Sou
— disse Harry, entrando na cabana e tirando a capa de cima da cabeça — Que é
que está havendo?
—
Tenho uma coisa para lhe mostrar.
Havia
um ar de enorme excitação em Hagrid. Ele usava uma flor que lembrava uma
alcachofra exagerada na botoeira. Parecia que tinha abandonado o uso da graxa
de eixo, mas certamente tentara pentear os cabelos, dava para Harry ver os
dentes partidos do pente presos neles.
— Que
é que você vai me mostrar? — disse Harry cauteloso, se perguntando se os
explosivins teriam posto ovos ou se Hagrid teria conseguido comprar outro
enorme cão de três cabeças de algum estranho no bar.
—
Venha comigo, fique quieto e coberto com a capa — disse Hagrid — Não vamos
levar Canino, ele não vai gostar...
—
Olhe, Hagrid, não posso demorar... tenho que estar de volta no castelo porque à
uma hora...
Mas
Hagrid não estava ouvindo, estava abrindo a porta da cabana e saindo.
Harry
correu para acompanhá-lo, mas descobriu, para sua grande surpresa, que Hagrid o
levava para a carruagem da Beauxbatons.
—
Hagrid que...?
—
Psiu! — disse ele ao bater três vezes na porta com varinhas de ouro cruzadas.
Madame
Maxime abriu-a. Usava um xale de seda envolvendo os ombros maciços. Ela sorriu
quando viu Hagrid.
— Ah, Agrrid... já está na horra?
— Bom
suar — disse Hagrid, sorrindo para ela e estendendo a mão para ajudá-la a
descer os degraus dourados.
Madame
Maxime fechou a porta, Hagrid lhe ofereceu o braço, e os dois saíram contornando
o picadeiro que guardava os gigantescos cavalos alados de Madame Maxime, e
Harry totalmente perplexo, correu para acompanhá-los.
Será
que Hagrid queria lhe mostrar Madame Maxime? Poderia vê-la quando quisesse...
ela não era exatamente uma pessoa que passasse despercebida... mas parecia que
Madame Maxime ia ter a mesma surpresa que Harry porque, passado algum tempo,
ela disse em tom de brincadeira:
— Aonde é que você está me levando, Agrid?
—
Você vai gostar — disse Hagrid rouco — Vale a pena ver, confie em mim. Só que
não pode sair por aí contando que eu lhe mostrei, certo? Não era para ninguém
saber.
— Claro que nom — disse Madame Maxime,
batendo as longas pestanas negras.
E
eles continuavam a caminhar, Harry cada vez mais irritado enquanto corria no
encalço dos dois, consultando o relógio de quando em quando. Hagrid tinha algum
plano biruta em mente, que talvez o fizesse perder o encontro com Sirius. Se
não chegassem depressa aonde iam, ele ia dar meia-volta e rumar direto para o
castelo, deixando Hagrid aproveitar o passeio ao luar com Madame Maxime...
Mas
então, quando tinham se distanciado tanto ao longo da perímetro da Floresta que
o castelo e o lago desapareceram de vista, Harry ouviu alguma coisa.
Havia
homens gritando adiante...
Depois
ouviram um rugido ensurdecedor, de rachar os tímpanos...
Hagrid
fez Madame Maxime dar a volta a um arvoredo e parou. Harry correu a se juntar
aos dois, por uma fração de segundo achou que estava vendo fogueiras e homens
que corriam em torno delas, então seu queixo caiu.
Dragões.
Quatro
dragões adultos, enormes, de aspecto feroz empinavam-se nas patas traseiras,
dentro de um cercado feito com grossa pranchas de madeira, rugindo e bufando,
torrentes de fogo erguiam quinze metros para o céu escuro de suas bocas abertas
cheias de dentes, no alto de pescoços esticados. Havia um azul prateado com
chifres longos e pontiagudos, que rosnava para os bruxos no chão e tentava
mordê-los; outro de escamas lisas e verdes, que se contorcia e batia as patas
com toda a força; um vermelho, com uma estranha franja de belas pontas de ouro
ao redor do focinho, que soprava para o ar nuvens de fogo em forma de cogumelo;
e um último, negro e gigantesco, mais parecido com um lagarto do que os demais,
que era o mais próximo.
No
mínimo uns trinta bruxos, sete ou oito para cada dragão, tentavam controlá-los,
puxando correntes presas a grossas tiras de couro em volta dos pescoços e das
pernas dos bichos. Hipnotizado, Harry olhou bem para o alto e viu os olhos do
dragão negro, com pupilas verticais como as de um gato, arregalados de medo ou
de fúria, não saberia dizer qual... fazia um barulho terrível, um uivo
penetrante...
—
Fique aí, Hagrid! — berrou um bruxo junto à cerca, puxando com força a corrente
que segurava — Eles podem cuspir fogo a uma distância de seis metros, sabe! Já
vi este Rabo-Córneo chegar a doze!
— Ele
não é lindo? — perguntou Hagrid baixinho.
— Não
adianta! — berrou outro bruxo — Feitiço Estuporante quando eu contar três!
Harry
viu cada um dos guardadores de dragões puxar a varinha.
— Estupore! — gritaram eles em uníssono, e
os feitiços dispararam pela escuridão como foguetes chamejantes, explodindo em
chuvas de estrelas sobre os couros escamosos dos dragões...
Harry
observou o mais próximo deles balançar nas pernas traseiras, as mandíbulas se
escancararam em um súbito uivo silencioso, as narinas subitamente se apagaram,
embora ainda fumegassem, depois, muito lentamente, o bicho caiu, várias
toneladas de dragão negro, musculoso, coberto de escamas, desabaram no chão com
um baque que, Harry poderia jurar, fizera as árvores atrás dele estremecerem.
Os
guardadores de dragões baixaram as varinhas e avançaram até os bichos caídos,
cada um destes do tamanho de um morro. Os bruxos se apressaram a esticar as
correntes e a prendê-las firmemente em estacas de ferro, que eles enterraram
bem fundo no chão, com suas varinhas.
—
Quer dar uma olhada de perto? — Hagrid perguntou excitado à Madame Maxime.
Os
dois se aproximaram da cerca e Harry os acompanhou.
O
bruxo que alertara Hagrid para não se aproximar se virou e Harry viu quem era,
Carlinhos Weasley.
—
Tudo bem, Hagrid? — ofegou ele, aproximando-se para falar — Devem estar ok
agora, demos a eles uma poção para dormir durante a viagem, achei que seria
melhor acordarem quando estivesse escuro e tranquilo, mas, como você viu, eles
não ficaram felizes, não ficaram nada felizes...
— Que
raças você tem aqui, Carlinhos? — perguntou Hagrid, examinando o dragão mais
próximo, o negro, com uma atitude próxima à reverência.
Os
olhos do bicho ainda estavam ligeiramente abertos. Harry pôde ver um risco
amarelo e brilhante sob a pálpebra enrugada e escura.
— É
um Rabo-Córneo Húngaro — informou Carlinhos — Tem um Verde-Galês Comum lá
adiante, o menor deles, um Focinho Curto Sueco, aquele cinzento azulado e o Meteoro-Chinês,
aquele outro vermelho.
Carlinhos
olhou para o lado, Madame Maxime estava caminhando ao longo do cercado,
examinando os dragões estuporados.
— Eu
não sabia que você ia trazer ela, Hagrid — disse Carlinhos franzindo a testa —
Os Campeões não podem saber o que os espera, ela com certeza vai contar à
campeã de Beauxbatons, não vai?
— Só
achei que ela gostaria de ver os dragões — respondeu Hagrid encolhendo os
ombros, ainda contemplando embevecido os dragões.
— Um
encontro realmente romântico, Hagrid — comentou Carlinhos balançando a cabeça.
—
Quatro... — contou Hagrid — Então é um para cada campeão? Que é que eles vão
ter de fazer, lutar com eles?
— Só
passar por eles, acho. Estaremos por perto se a coisa ficar feia, prontos para
lançar Feitiços de Extinção. Pediram dragões em época de nidificação, não sei o
porquê... mas vou lhe dizer uma coisa, eu não invejo o campeão que pegar o
Rabo-Córneo. Bicho feroz. A extremidade de trás é tão perigosa quanto a da
frente, olha — Carlinhos apontou para o rabo do dragão e Harry viu que, em
intervalos de uns poucos centímetros, havia chifrinhos compridos cor de bronze.
Cinco
dos colegas guardadores de Carlinhos cambaleavam até o Rabo-Córneo naquele
momento, transportando, juntos, uma ninhada de ovos em um cobertor. Depositaram
sua carga, cuidadosamente, do lado do Rabo-Córneo.
Hagrid
deixou escapar um gemido de saudade.
— Eu
contei todos, Hagrid — disse Carlinhos com severidade. Depois perguntou — Como
vai o Harry?
—
Ótimo — respondeu Hagrid.
Continuava
a admirar os ovos.
—
Faço votos de que continue ótimo depois de enfrentar esses bichos — disse
Carlinhos muito sério, contemplando o cercado dos dragões — Não tive coragem de
contar à mamãe qual vai ser a Primeira Tarefa dele, ela já está tendo gatinhos
por antecipação... — Carlinhos imitou a voz ansiosa da mãe — “Como eles puderam
deixá-lo entrar nesse torneio, ele é criança demais! Pensei que estivessem
todos seguros, pensei que ia haver um limite de idade!” Ela está se acabando de
chorar por causa daquele artigo do Profeta Diário. “Ele ainda chora a perda dos
pais! Ah, que Deus o abençoe, eu não sabia!”
Para
Harry já era o bastante. Confiando que Hagrid não sentiria falta dele, com os
dragões e Madame Maxime para ocupar sua atenção, ele se virou silenciosamente e
começou a caminhar de volta ao castelo.
Não
sabia se estava ou não contente de ter visto o que o esperava. Talvez assim
fosse melhor. O primeiro choque passara agora. Talvez se visse os dragões pela
primeira vez na Terça-Feira, tivesse caído duro diante de toda a escola... mas
quem sabe desmaiaria assim mesmo... estaria armado com a varinha, que neste
momento lhe parecia apenas uma ripinha de madeira, contra um dragão de quinze
metros de altura, coberto de escamas e chifres, que cuspia fogo. E precisava passar
pelo bicho. Com todo mundo olhando. Como?
Harry
se apressou, contornando a orla da floresta, tinha menos de quinze minutos para
chegar à lareira e falar com Sirius, e não se lembrava de ter jamais sentido
maior vontade de falar com alguém do que naquele momento, quando, sem aviso,
bateu em alguma coisa muito sólida.
Harry
caiu de costas, os óculos tortos, apertando a capa em torno do corpo.
Uma
voz próxima exclamou:
— Ai!
Quem está aí?
Harry
verificou depressa se a capa o cobria inteiramente e ficou imóvel, olhando
espantado para a silhueta do bruxo com quem colidira. Reconheceu a barbicha...
Era
Karkaroff.
—
Quem está aí? — tornou a perguntar Karkaroff, olhando muito desconfiado para os
lados, no escuro.
Harry
continuou imóvel e calado. Passado pouco mais de um minuto, Karkaroff pareceu
ter concluído que batera em algum bicho, olhava para baixo da cintura, como se
esperasse ver um cachorro. Depois tornou a procurar, sorrateiramente, a sombra
das árvores, e rumou para o local em que se encontravam os dragões.
Muito
lenta e cautelosamente, Harry se levantou e continuou seu caminho, o mais
rápido que pôde, sem fazer muito barulho, correndo pela escuridão de volta a
Hogwarts.
Não
tinha a menor dúvida do que Karkaroff ia fazer. Tinha saído escondido do navio
para tentar descobrir qual seria a Primeira Tarefa. Talvez até tivesse visto
Hagrid e Madame Maxime rumando para a Floresta juntos, não era nada difícil
identificá-los à distância... e agora só o que Karkaroff precisava fazer era
seguir o ruído das vozes e ele, tal como Madame Maxime, saberia o que aguardava
os campeões.
Pelo
jeito, o único campeão que ia enfrentar o desconhecido na Terça-Feira era
Cedrico.
Harry
alcançou o castelo, passou despercebido pelas portas de entrada e começou a
subir os degraus de mármore, estava muito ofegante, mas não se atrevia a
diminuir o passo... tinha menos de cinco minutos para chegar à lareira...
— Asnice! — ofegou ele para a Mulher
Gorda, que tirava um cochilo na moldura do quadro que encobria o buraco.
— Se
você assim diz — murmurou ela sonolenta, sem abrir os olhos, e o quadro girou
para frente para admitir o garoto.
Harry
entrou.
A
Sala Comunal estava deserta e, a julgar pelo fato de que tinha o cheiro de
sempre, Hermione não precisara soltar nenhuma bomba de bosta para garantir que
ele e Sirius tivessem alguma privacidade.
Harry
tirou a Capa da Invisibilidade e se largou em uma poltrona diante da lareira. A
sala estava na penumbra e as chamas eram a única fonte de luz. Próximo, sobre
uma mesa, os distintivos “Apóie CEDRICO DIGGORY” que os
Creevey tinham tentado melhorar brilhavam à claridade da lareira. Agora diziam
“POTTER REALMENTE FEDE”.
Harry
tornou a voltar sua atenção para chamas e levou um susto.
A
cabeça de Sirius flutuava sobre as chamas. Se Harry não tivesse visto o Sr.
Diggory fazer exatamente o mesmo na cozinha do Weasley, teria se apavorado. Em
vez disso, seu rosto se iluminou com o primeiro sorriso que dava em dias, ele
deixou a poltrona, foi se agachar diante da lareira e disse:
—
Sirius, como é que você vai indo?
Sirius
tinha a aparência diferente da que Harry se lembrava. Da outra vez, quando se
despediram, o rosto do padrinho estava magérrimo e fundo, emoldurado por uma
juba de cabelos compridos, negros e embaraçados. Mas seus cabelos estavam
curtos e limpos agora, o rosto mais cheio e ele parecia mais jovem, e mais
semelhante à única fotografia que Harry tinha dele, e que fora tirada no
casamento dos Potter.
— Eu
não sou importante, como vai você? — perguntou Sirius sério.
—
Estou...
Por
um segundo, Harry tentou dizer “ótimo”, mas não conseguiu. Antes que pudesse se
refrear, estava falando mais do que falara em dias: que ninguém acreditava que
não tinha se inscrito no torneio voluntariamente, que Rita Skeeter publicara
mentiras sobre ele no Profeta Diário, que não podia andar pelos corredores sem
caçoarem dele, e que seu amigo Rony não acreditava nele, e tinha ciúmes...
—...
e agora Hagrid acabou de me mostrar qual vai ser a Primeira Tarefa, e são
dragões, Sirius, e estou perdido — terminou ele desesperado.
Sirius
observava o garoto com os olhos cheios de preocupação, que ainda conservavam a
expressão que Azkaban lhes dera, aquela expressão fantasmagórica e mortiça.
Deixara Harry terminar de falar sem interrupção, mas agora disse:
—
Dragões a gente pode dar um jeito, Harry, mas falaremos disso em um minuto, não
posso me demorar muito aqui... arrombei uma casa de bruxos para usar a lareira,
mas eles podem voltar a qualquer momento. Tem coisas de que preciso alertá-lo.
—
Quais? — perguntou Harry, sentindo seu ânimo afundar alguns pontos...
Com
certeza não poderia haver nada pior do que dragões à espera?
—
Karkaroff — disse Sirius — Harry, ele era um dos Comensais da Morte. Você sabe
o que é isso, não sabe?
—
Sei, ele... quê?
— Ele
foi apanhado, esteve em Azkaban comigo, mas foi libertado. Aposto o que quiser
que foi essa a razão de Dumbledore querer ter um auror em Hogwarts este ano,
para ficar de olho nele. Moody foi quem pegou Karkaroff. Foi o primeiro que
trancafiou em Azkaban.
—
Karkaroff foi libertado? — perguntou o garoto lentamente, seu cérebro parecia
estar lutando para absorver mais uma informação chocante — Por que foi que
libertaram ele?
— Ele
fez um acordo com o Ministério da Magia — disse Sirius amargurado — Ele fez uma
declaração admitindo que errara e então revelou nomes... e mandou uma porção de
outras pessoas para Azkaban em lugar dele... ele não é muito popular por lá,
isso eu posso afirmar. E desde que saiu, pelo que sei, tem ensinado Artes das
Trevas a cada estudante que passa pela escola dele. Por isso tenha cuidado com
o campeão de Durmstrang também.
— Ok
— disse Harry devagar — Mas... você está dizendo que Karkaroff pôs meu nome no
Cálice? Porque se fez isso, ele é realmente um bom ator. Parecia furioso com o
acontecido. Queria me impedir de competir.
—
Sabemos que ele é um bom ator — respondeu Sirius — Porque convenceu o
Ministério da Magia a libertá-lo, não é? Agora, tenho acompanhado o Profeta
Diário, Harry...
—
Você e o resto do mundo — disse o garoto com amargura.
—...
E lendo nas entrelinhas do artigo que aquela tal de Skeeter publicou no mês
passado, Moody foi atacado na véspera de se apresentar para trabalhar em
Hogwarts. É, sei que ela diz que foi mais um alarme falso — acrescentou Sirius
depressa, ao ver Harry fazer menção de falar — Mas tenho a impressão de que não
foi. Acho que alguém tentou impedi-lo de chegar a Hogwarts. Acho que alguém
sabia que seria muito mais difícil agir com ele por perto. E ninguém vai
investigar muito. Olho-Tonto andou ouvindo estranhos, vezes demais. Mas isto não
significa que tenha se tornado incapaz de identificar a coisa verdadeira. Moody
foi o melhor auror que o Ministério já teve.
—
Então... que é que você está me dizendo? — perguntou o garoto hesitante —
Karkaroff vai tentar me matar? Mas... por quê?
Sirius
hesitou.
—
Tenho ouvido coisas muito estranhas — disse pausadamente — Os Comensais da
Morte parecem andar um pouco mais ativos do que o normal ultimamente.
Mostraram-se publicamente na Copa Mundial de Quadribol, não foi? Alguém
projetou a Marca Negra no céu... e, além disso, você ouviu falar na bruxa do
Ministério da Magia que está desaparecida?
—
Berta Jorkins?
—
Exatamente... ela desapareceu na Albânia, e sem dúvida foi lá que diziam ter
visto Voldemort pela última vez... e ela saberia que ia haver um Torneio
Tribruxo, não é?
— É,
mas... não é muito provável que ela tivesse dado de cara com Voldemort, ou é?
—
Ouça, eu conheci Berta Jorkins — disse Sirius sério — Esteve em Hogwarts no meu
tempo, alguns anos mais adiantada do que seu pai e eu. E era uma idiota. Muito
bisbilhoteira, mas completamente desmiolada. Não é uma boa combinação, Harry.
Eu diria que ela poderia ser facilmente atraída para uma arapuca.
—
Então... então Voldemort poderia ter descoberto tudo sobre o Torneio? É isso
que você quer dizer? Você acha que Karkaroff poderia estar aqui por ordem dele?
— Não
sei — disse Sirius lentamente — Não sei... Karkaroff não me parece o tipo que
voltaria para Voldemort a não ser que soubesse que o Lorde teria poder
suficiente para protegê-lo. Mas quem pôs o seu nome no Cálice de Fogo fez isso
de caso pensado, e não posso deixar de achar que o Torneio seria uma boa
ocasião para atacar você e fazer parecer que foi um acidente.
— Até
onde posso ver, parece um plano muito bom — disse Harry desolado — Só precisam
sentar-se e esperar que os dragões façam o serviço por eles.
—
Certo... esses dragões — disse Sirius, falando agora muito rapidamente — Tem um
jeito, Harry. Não ceda à tentação de usar um Feitiço Estuporante, os dragões
são fortes, e têm demasiado poder mágico para serem nocauteados por um único
feitiço. É preciso meia dúzia de bruxos para dominar um dragão...
— É,
eu sei, acabei de ver — disse Harry.
— Mas
você pode dar conta sozinho — disse Sirius — Tem um jeito e só precisa de um
feitiço simples. Basta...
Mas
Harry ergueu a mão para silenciá-lo, seu coração disparara subitamente como se
quisesse explodir. Ouvira passos que desciam a escada circular às costas dele.
— Vá!
— sibilou Sirius — Vá! Tem alguém chegando!
Harry
levantou-se depressa, escondendo as chamas com o corpo, se alguém visse o rosto
de Sirius entre as paredes de Hogwarts, faria um estardalhaço dos diabos, o
Ministério seria chamado, ele, Harry, seria interrogado sobre o paradeiro de
Sirius...
O
garoto ouviu um estalido nas chamas atrás dele e soube que Sirius se fora,
observou a escada circular: quem teria resolvido dar um passeio a uma hora da
manhã e impedira Sirius de lhe dizer como passar por um dragão?
Era
Rony. Vestido com seu pijama marrom estampado de plumas, ele parou de chofre ao
ver Harry do lado oposto da sala e olhou para os lados.
— Com
quem você estava falando? — perguntou.
— E
isso é da sua conta? — rosnou Harry — Que é que você está fazendo aqui embaixo
a essa hora da noite?
—
Fiquei imaginando onde você... — e parou, encolhendo os ombros — Nada, vou
voltar para a cama.
—
Achou que poderia vir bisbilhotar, não foi? — gritou Harry. Ele sabia que Rony
sequer fazia idéia do que encontraria, sabia que não fizera de propósito, mas
não estava ligando, naquele momento ele odiou tudo em Rony, até o pedaço de
tornozelo que aparecia por baixo das calças do pijama.
—
Sinto muito — disse Rony, ficando vermelho de raiva — Eu devia ter percebido
que você não queria ser perturbado. Vou deixar você continuar praticando em paz
para a próxima entrevista.
Harry
apanhou um dos distintivos “POTTER REALMENTE FEDE” da mesa e
atirou-o com toda a força para o outro lado da sala. O distintivo acertou Rony
na testa e ele cambaleou.
—
Toma — disse Harry — Uma coisa para você usar na Terça-Feira. Quem sabe você
até arranja uma cicatriz agora, se tiver sorte... é o que você quer, não é?
E
atravessou a sala, decidido, em direção à escada. De certa forma esperou que
Rony o detivesse, teria até gostado que ele lhe tivesse dado um soco, mas ele
ficou parado ali naquele pijama demasiado pequeno e Harry, tendo subido a
escada furioso, ficou deitado na cama sem dormir, por muito tempo, mas não
ouviu Rony vir se deitar.
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