quinta-feira, 31 de maio de 2012

Harry Potter e o Cálice de Fogo - Capítulo 6





— CAPÍTULO SEIS —
A Chave do Portal



HARRY TEVE A SENSAÇÃO de que acabara de se deitar para dormir no quarto de Rony quando foi acordado pela Sra. Weasley.
— Hora de levantar, Harry, querido — sussurrou ela, se afastando para acordar Rony.
Harry tateou a procura dos óculos, colocou-os e se sentou. Ainda estava escuro lá fora. Rony resmungou alguma coisa quando a mãe o acordou. Aos pés do seu colchão, Harry viu duas formas grandes e desgrenhadas emergindo de um emaranhado de cobertas.
— Já está na hora? — exclamou Fred tonto de sono.
Os garotos se vestiram em silêncio, demasiados sonolentos para falar, depois, bocejando e se espreguiçando, os quatro desceram as escadas rumo à cozinha.
A Sra. Weasley estava mexendo o conteúdo de um grande tacho em cima do fogão, enquanto o Sr. Weasley, sentado à mesa, verificava um maço de grandes bilhetes de entrada em pergaminho. Ergueu os olhos quando os garotos chegaram e abriu os braços para eles poderem ver melhor suas roupas. Vestia algo que parecia um suéter de golfe e jeans muito velhas, ligeiramente grandes para ele, seguras por um grosso cinto de couro.
— Que é que vocês acham? — perguntou ansioso — Temos que ir incógnitos: estou parecendo um trouxa, Harry?
— Está — aprovou Harry sorrindo — Muito bom.
— Onde estão Gui, Carlinhos e Per-Per-Percy? — perguntou Jorge, incapaz de reprimir um enorme bocejo.
— Ora, eles vão aparatar, certo? — disse a Sra. Weasley, carregando um panelão para cima da mesa e começando a servir o mingau de aveia nos pratos fundos — Logo, eles podem dormir mais um pouco.
Harry sabia que aparatar era muito difícil; significava desaparecer de um lugar e reaparecer quase instantaneamente em outro.
— Então eles ainda estão na cama? — concluiu Fred mal-humorado, puxando um prato de mingau para perto — Por que não podemos aparatar também?
— Porque ainda são menores e ainda não prestaram o exame — respondeu a Sra. Weasley — E onde foi que se meteram essas meninas?
Ela saiu apressada da cozinha e todos a ouviram subir as escadas.
— A pessoa tem que prestar um exame para poder aparatar? — perguntou Harry.
— Ah, tem — respondeu o Sr. Weasley, guardando as entradas cuidadosamente no bolso traseiro da jeans — O Departamento de Transportes Mágicos teve que multar umas pessoas, ainda outro dia, por aparatarem sem licença. Não é fácil aparatar e quando não se faz corretamente pode acarretar complicações desagradáveis. Esses dois que estou falando racharam ao meio.
Todos ao redor da mesa fizeram uma careta, menos Harry.
— Hum... racharam? — admirou-se Harry.
— Deixaram metade do corpo para trás — explicou o Sr. Weasley, agora acrescentando várias colheradas de caramelo ao mingau — E, é claro, ficaram entalados. Não conseguiram avançar nem retroceder. Tiveram que esperar pelo Esquadrão de Reversão de Feitiços Acidentais para resolver o problema. E vou dizer mais, foi preciso preencher uma enorme papelada, por causa dos trouxas que encontraram as partes do corpo que eles deixaram para trás...
Harry teve uma súbita visão de um par de pernas e um olho abandonados na calçada da Rua dos Alfeneiros.
— E eles ficaram ok ? — perguntou o garoto, assustado.
— Ah, claro — respondeu o Sr. Weasley factualmente — Mas receberam uma multa pesada e acho que não vão tentar fazer isso outra vez quando estiverem com pressa. Não se brinca com aparatação. Há muitos bruxos adultos que nem experimentam. Preferem vassouras, mais lentas, porém mais seguras.
— Mas Gui, Carlinhos e Percy, todos sabem aparatar?
— Carlinhos teve que prestar exame duas vezes — disse Fred sorrindo — Levou bomba na primeira vez, aparatou a oitenta quilômetros do ponto que queria, bem em cima de uma pobre velhinha que estava fazendo compras, lembram?
— Foi, mas ele passou da segunda vez — disse a Sra. Weasley, voltando à cozinha em meio a gostosas risadas.
— Percy só passou há duas semanas — disse Jorge — Desde esse dia tem aparatado todas as manhãs aqui em baixo, para provar que sabe.
Ouviram-se passos no corredor, e Hermione e Gina entraram na cozinha, as duas pálidas e cheias de preguiça.
— Por que temos que levantar tão cedo? — perguntou Gina, esfregando os olhos e se sentando a mesa.
— Temos que andar um bom pedaço — respondeu o Sr. Weasley.
— Andar? — espantou-se Harry — O quê, vamos a pé para a Copa Mundial?
— Não, não, a Copa vai ser a quilômetros daqui — disse o Sr. Weasley, sorrindo — Só precisamos andar um pedacinho. É que é muito difícil um grande número de bruxos se reunir sem chamar a atenção dos trouxas. Temos que tomar muito cuidado com o modo de viajar até em tempos normais e numa ocasião grandiosa como a Copa Mundial de Quadribol...
— Jorge! — chamou a Sra. Weasley rispidamente e todos se assustaram.
— Quê? — perguntou Jorge, num tom de inocência que não enganou ninguém.
— Que é isso no seu bolso?
— Nada!
— Não minta para mim!
A Sra. Weasley apontou a varinha para o bolso de Jorge e disse:
Accio!
Vários objetos pequenos e vivamente coloridos dispararam para fora do bolso de Jorge; o garoto tentou segurá-los, mas não conseguiu, e eles foram parar direto na mão estendida da Sra. Weasley.
— Mandamos vocês destruírem isso! — disse ela furiosa mostrando indiscutíveis Caramelos Incha-Língua — Mandamos vocês se desfazerem de todos. Esvaziem os bolsos, vamos, os dois!
Foi uma cena desagradável; os gêmeos evidentemente tinham tentado contrabandear o maior número possível de caramelos para fora da casa e somente usando um Feitiço Convocatório a Sra. Weasley conseguiu encontrar todos.
Accio! Accio! Accio! — gritava ela e os caramelos voavam dos lugares mais improváveis, inclusive do forro da jaqueta de Jorge e das barras do jeans de Fred.
— Gastamos seis meses para inventar esses caramelos — gritou Fred para a mãe, quando ela os jogou no lixo.
— Que bela maneira de gastar seis meses! — guinchou a mãe — Não admira que não tivessem obtido mais N.O.M.s!
No todo, o clima não estava muito simpático quando eles partiram. A Sra. Weasley continuava enfurecida quando beijou o rosto do marido, mas não tanto quanto os gêmeos, que tinham posto as mochilas às costas e saído sem dizer uma palavra à mãe.
— Bom, divirtam-se — desejou a Sra. Weasley — E se comportem — gritou para os gêmeos que se afastavam, mas eles não se viraram nem responderam — Vou mandar Gui, Carlinhos e Percy por volta do meio-dia — avisou a Sra. Weasley ao marido quando ele, Harry, Rony, Hermione e Gina começaram a atravessar o gramado escuro atrás de Fred e Jorge.
Fazia frio e a lua ainda estava no céu. Apenas um esverdeado-claro no horizonte, à direita deles, denunciava que em breve amanheceria. Harry, que andara pensando nos milhares de bruxos que rumavam apressados para a Copa Mundial de Quadribol, acelerou o passo para caminhar com o Sr. Weasley.
— Então como é que todo o mundo chega lá sem os trouxas repararem? — perguntou ele.
— Foi um enorme problema de organização — suspirou o Sr. Weasley — O caso é que vêm uns cem mil bruxos para a Copa Mundial e, é claro, não temos nenhum local mágico grande bastante para acomodar todos. Há lugares em que os trouxas não conseguem penetrar, mas imagine tentar acomodar cem mil bruxos no Beco Diagonal ou na Plataforma Nove e Meia. Então tivemos que encontrar uma charneca deserta que servisse e instalar o máximo de precauções antitrouxas possível. O Ministério inteiro vem trabalhando nisso há meses. Primeiro, é claro, tivemos que escalonar as chegadas. Quem comprou entradas mais baratas teve que chegar duas semanas antes. Um número limitado tem usado os transportes dos trouxas, mas não podemos ter gente demais entupindo os ônibus e trens deles, lembre que temos bruxos chegando de todo o mundo. Alguns aparatam, naturalmente, mas temos que escolher pontos seguros para eles aparecerem, bem longe dos trouxas. Acho que há uma floresta próxima que eles estão usando para aparatar. Para os que não querem aparatar, ou não podem, usamos os portais. São objetos para o transporte de bruxos de um lugar para outro em horas certas. Pode-se atender a grandes grupos de cada vez se for preciso. Foram instalados duzentos portais em pontos estratégicos da Grã-Bretanha, e o mais próximo da nossa casa é no alto do Morro Stoarshead, por isso é que estamos indo para lá.
O Sr. Weasley apontou para uma grande massa escura que se erguia à frente, para além do povoado de Ottery St. Catchpole.
— Que tipo de objetos são esses portais? — perguntou Harry curioso.
— Podem ser qualquer coisa — respondeu o Sr. Weasley — Coisas discretas, obviamente, para os trouxas não as pegarem e saírem brincando com elas... coisas que eles simplesmente considerem lixo...
O grupo caminhava pela vereda escura e úmida que levava ao povoado, o silêncio quebrado apenas pelo eco de seus passos. O céu foi clareando muito devagarinho quando eles atravessaram o povoado, o azul-tinta se dissolvendo em azul-escuro.
As mãos e os pés de Harry estavam congelados. O Sr. Weasley não parava de consultar o relógio. Eles já estavam sem fôlego para conversar quando começaram a subir o morro Stoatshead, tropeçavam ocasionalmente em tocas de coelho escondidas, escorregavam em grossos tufos de grama escura. Cada vez que Harry inspirava sentia o peito arder e suas pernas já começavam a se recusar a andar quando finalmente seus pés pisaram em terreno nivelado.
— Ufa! — ofegou o Sr. Weasley, tirando os óculos e secando-os no suéter — Bom, fizemos um bom tempo, ainda temos dez minutos...
Hermione foi à última a aparecer na crista do morro, apertando uma cãibra do lado do corpo.
— Agora só precisamos da Chave de Portal — disse o Sr. Weasley repondo os óculos e apurando a vista para esquadrinhar o terreno — Não deve ser grande... vamos...
Eles se espalharam para procurá-la. E estavam nisso havia poucos minutos, quando um grito cortou o ar parado.
— Aqui, Arthur! Aqui, filho, achamos!
Dois vultos altos surgiram recortados contra o céu estrelado, do outro lado do cume do morro.
— Amos! — exclamou o Sr. Weasley, encaminhando-se sorridente para o homem que gritara.
Os garotos o acompanharam.
O Sr. Weasley apertou as mãos de um bruxo de rosto corado, com uma barba castanha e curta, que segurava em uma das mãos uma bota velha de aparência mofada.
— Este é Amos Diggory, pessoal — apresentou-o o Sr. Weasley — Trabalha no Departamento para Regulamentação e Controle das Criaturas Mágicas. E acho que vocês conhecem o filho dele, Cedrico?
Cedrico Diggory era um rapaz muito bonito de uns dezessete anos. Era capitão e apanhador do time de Quadribol da Lufa-Lufa, em Hogwarts.
— Oi — disse Cedrico olhando para os garotos.
Todos retribuíram o “Oi”, exceto Fred e Jorge, que apenas acenaram com a cabeça. Eles nunca haviam perdoado Cedrico por derrotar o time da Grifinória, no primeiro jogo de Quadribol do ano anterior.
— Uma longa caminhada, Arthur? — perguntou o pai de Cedrico.
— Não foi tão ruim assim — respondeu o Sr. Weasley — Moramos logo ali do outro lado do povoado. E você?
— Tivemos que nos levantar as duas, não foi, Ced? Confesso que vou ficar satisfeito quando ele passar no exame de aparatação. Mas... não estou me queixando... a Copa Mundial de Quadribol, eu não a perderia nem por um saco de galeões, e é mais ou menos quanto custam as entradas. Mas, pelo visto, parece que me saiu barato...
Amos Diggory mirou bem-humorado os três garotos Weasley, Harry, Hermione e Gina.
— São todos seus, Arthur?
— Ah, não, só os ruivos — esclareceu o Sr. Weasley apontando os filhos — Esta é Hermione, amiga de Rony, e Harry, outro amigo...
— Pelas barbas de Merlin! — exclamou Amos Diggory arregalando os olhos — Harry? Harry Potter?
— Hum... é — respondeu o garoto.
Harry estava habituado às pessoas o olharem curiosas quando o conheciam, habituado à corrida instantânea do olhar delas a cicatriz em forma de raio em sua testa, mas isto sempre o constrangia.
— Ced nos falou de você, naturalmente — disse Amos Diggory — Nos contou tudo sobre a partida que jogaram com vocês no ano passado... eu disse a ele: Ced, isto vai ser uma história para contar aos seus netos, ah, vai... você derrotou Harry Potter!
Harry não conseguiu pensar em nenhuma resposta a esse comentário, por isso ficou calado. Fred e Jorge amarraram a cara outra vez. Cedrico pareceu ligeiramente encabulado.
— Harry caiu da vassoura, papai — murmurou ele — Contei a você... foi um acidente...
— É, mas você não caiu, não é mesmo? — rugiu Amos jovialmente, dando uma palmada nas costas do filho — Sempre modesto, o nosso Ced, sempre cavalheiro... mas venceu o melhor, tenho certeza de que Harry diria o mesmo, não é? Um cai da vassoura, um continua montado, não é preciso ser gênio para saber quem voa melhor!
— Deve estar quase na hora — disse o Sr. Weasley depressa, puxando o relógio do bolso mais uma vez — Você sabe se temos que esperar mais alguém?
— Não, os Lovegood já estão lá há uma semana e os Fawcett não conseguiram entradas — disse o Sr. Diggory — Não tem mais gente nossa na área?
— Não que eu saiba. Só falta um minuto... é melhor nos prepararmos...
Ele olhou para Harry e Hermione.
— Vocês só precisam tocar na Chave de Portal, só isso, basta um dedo...
Com dificuldade, por causa das volumosas mochilas, os nove se agruparam em torno da velha bota que Amos Diggory segurava. Todos ficaram parados ali, num circulo fechado, sentindo a brisa gélida que varria o cume do morro. Ninguém falava. De repente ocorreu a Harry como pareceria estranho se um trouxa subisse até ali naquele momento... nove pessoas, dois adultos, segurando uma bota velha de pano, esperando...
— Três... — murmurou o Sr. Weasley, com o olho ainda no relógio — Dois... Um...
Aconteceu instantaneamente.
Harry teve a sensação de que um gancho dentro do seu umbigo fora irresistivelmente puxado para frente. Seus pés deixaram o chão, ele sentiu Rony e Hermione de cada lado, os ombros se tocando, todos avançavam vertiginosamente em meio ao uivo do vento e ao rodopio de cores, seu dedo indicador estava grudado na bota como se esta o atraísse magneticamente para frente, e então... seus pés bateram no chão, Rony deu um encontrão nele e caiu, a Chave de Portal despencou no chão do lado da cabeça dele com um baque forte.
Harry ergueu os olhos.
O Sr. Weasley, o Sr. Diggory e Cedrico continuavam parados, embora com a aparência de terem sido varridos pelo vento, os demais estavam caídos no chão.
— O sete e cinco chegando do Morro Stoatshead — anunciou uma voz.










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