— CAPÍTULO SEIS —
Garras e Folhas de Chá
QUANDO HARRY, RONY E
HERMIONE entraram no Salão Principal para tomar café, na manhã seguinte, a
primeira coisa que viram foi Draco Malfoy, que parecia estar entretendo um
grande grupo de alunos da Sonserina com uma história muito engraçada. Quando os
três passaram, Malfoy fez uma imitação ridícula de um desmaio que provocou
grandes gargalhadas.
— Não
ligue para ele — disse Hermione, que vinha logo atrás de Harry — Não dê bola
para ele, não vale a pena...
— Ei,
Potter! — chamou esganiçada Pansy Parkinson, uma garota da Sonserina com cara
de buldogue — Potter! Os dementadores estão chegando. Potter! Uuuuuuuuuuuu!
Harry
se largou numa cadeira à mesa da Grifinória, ao lado de Jorge Weasley.
—
Novos horários de aulas para os alunos do terceiro ano — disse Jorge,
distribuindo-os — Que é que há com você, Harry?
—
Malfoy — informou Rony, sentando-se do outro lado de Jorge e olhando feio para
a mesa da Sonserina.
Jorge
ergueu os olhos na hora em que Malfoy fingia desmaiar de terror outra vez.
—
Aquele debilóide! — disse calmamente — Ele não estava tão exibido ontem à noite
quando os dementadores revistaram o nosso lado do trem. Entrou correndo na
nossa cabine, não foi, Fred?
—
Quase fez xixi nas calças — disse Fred, lançando a Draco um olhar de desprezo.
— Nem
eu fiquei muito feliz — comentou Jorge — Eles são um horror, aqueles
dementadores...
—
Meio que congelam a gente por dentro, não acha? — disse Fred.
— Mas
você não desmaiou, desmaiou? — perguntou Harry em voz baixa.
— Esquece
isso, Harry — disse Jorge para animá-lo — Papai teve que ir a Azkaban uma vez,
lembra, Fred? E comentou que foi o pior lugar em que esteve na vida, voltou de
lá fraco e abalado... eles sugam a felicidade do lugar, esses dementadores. A
maioria dos prisioneiros acaba endoidando.
— Em
todo caso, vamos ver se Draco vai continuar tão felizinho depois do primeiro
jogo de Quadribol — disse Fred — Grifinória contra Sonserina, primeiro jogo da
temporada, está lembrado?
A
única vez em que Harry e Draco tinham se enfrentado em uma partida de
Quadribol, Draco decididamente tinha levado a pior. Sentindo-se um pouquinho
mais animado, Harry se serviu de salsichas e tomates fritos.
Hermione
examinava seu novo horário.
— Ah,
que ótimo, estamos começando matérias novas hoje — comentou satisfeita.
—
Hermione — disse Rony, franzindo a testa ao olhar por cima do ombro da amiga —
Bagunçaram o seu horário. Veja só: dez aulas por dia. Não existe tempo para
tudo isso.
— Eu
me arranjo. Já combinei tudo com a Profª. McGonagall.
— Mas
olha aqui — continuou Rony, rindo-se — Está vendo hoje de manhã? Nove horas,
Adivinhação. E embaixo, Nove Horas, Estudo dos Trouxas. E... — o menino se
curvou para olhar o horário, mas de perto, incrédulo — Olha, embaixo tem
Aritmancia, Nove Horas. Quero dizer, eu sei que você é boa, Mione, mas ninguém
é tão bom assim. Como é que você vai poder assistir a três aulas ao mesmo
tempo?
— Não
seja bobo — disse Hermione com rispidez — É claro que não vou assistir a três
aulas ao mesmo tempo.
—
Bom, então...
—
Passe a geléia — pediu Hermione.
—
Mas...
— Ah,
Rony, é da sua conta se o meu horário ficou um pouco cheio demais? — perguntou
a menina em tom zangado — Já disse que combinei tudo com a Profª. McGonagall.
Nesse
instante Hagrid entrou no Salão Principal. Estava usando o casaco de pele de
toupeira e distraidamente balançava um gambá na mão enorme.
—
Tudo bem? — perguntou ele, ansioso, parando a caminho da mesa dos professores —
Vocês vão assistir à primeira aula da minha vida! Logo depois do almoço! Estou
acordado desde as cinco horas aprontando tudo... espero que dê certo... eu,
professor... sinceramente...
E
dando um grande sorriso para os garotos foi para sua mesa, ainda balançando o
gambá.
— O
que será que ele andou aprontando? — comentou Rony, com uma nota de ansiedade
na voz.
O
salão começou a se esvaziar à medida que as pessoas saíam para a primeira aula.
Rony
verificou seu horário.
— É
melhor irmos andando, olha, Adivinhação é no alto da Torre Norte. Vamos levar
uns dez minutos para chegar lá...
Os garotos
terminaram o café apressados, se despediram de Fred e Jorge, e foram saindo
para o saguão. Ao passarem pela mesa da Sonserina, Draco tornou a fazer a
imitação do desmaio. As gargalhadas acompanharam Harry até a entrada do saguão.
A
viagem pelo castelo até a Torre Norte era longa. Dois anos em Hogwarts não
tinham ensinado aos meninos tudo sobre o lugar, e nunca tinham ido à Torre
Norte antes.
—
Tem... que... ter... um... atalho —
ofegava Rony ao subirem a sétima longa escada e chegarem a um patamar desconhecido,
onde não havia nada exceto um grande quadro de um campo relvado pendurado na
parede de pedra.
—
Acho que é por aqui — disse Hermione, espiando o corredor vazio à direita.
— Não
pode ser — discordou Rony — Aí é sul, olha, dá para, ver um pedacinho do lago
pela janela...
Harry
parou para examinar o quadro.
Um
gordo pônei cinza malhado pisou lentamente na relva e começou a pastar sem
muito entusiasmo. Harry estava acostumado aos personagens dos quadros de
Hogwarts andarem e até saírem pela moldura para visitar uns aos outros, mas
sempre gostava de apreciar esse movimento. No instante seguinte, um cavaleiro
baixo e atarracado, vestindo armadura, entrou retinindo pelo quadro à procura
do seu pônei. Pelas manchas de grama nas joelheiras metálicas, ele acabara de
cair do cavalo.
—
Ah-ah! — berrou, vendo Harry, Rony e Hermione — Quem são esses vilões que
invadem as minhas terras! Porventura vieram zombar da minha queda? Desembainhem as espadas, seus velhacos,
seus cães!
Os
meninos observaram, espantados, o cavaleiro nanico puxar a espada da bainha e
começar a brandi-la com violência, saltando para aqui e para ali enraivecido.
Mas a espada era demasiado comprida para ele, um golpe particularmente
exagerado desequilibrou-o e ele caiu de cara na grama.
— O senhor
está bem? — perguntou Harry, aproximando-se do quadro.
—
Afaste-se, fanfarrão desprezível! Para trás, patife!
O
cavaleiro retomou a espada e usou-a para se reerguer, mas a lâmina penetrou
fundo na terra e, embora ele a puxasse com toda a força, não conseguiu
retirá-la. Finalmente, teve que se largar outra vez no chão e levantar a
viseira para enxugar o rosto coberto de suor.
—
Escuta aqui — disse Harry, se aproveitando da exaustão do cavaleiro — Estamos
procurando a Torre Norte. O senhor conhece o caminho, não?
— Uma
expedição! — a raiva do cavaleiro pareceu sumir instantaneamente. Levantou-se
retinindo a armadura e gritou — Sigam-me, caros amigos, alcançaremos o nosso
objetivo ou pereceremos corajosamente na peleja!
Ele
deu mais um puxão inútil na espada, tentou, mas não conseguiu montar o gordo
pônei e gritou:
— A
pé, então, dignos senhores e gentil senhora! Avante! Avante!
E
saiu correndo, a armadura fazendo grande estrépito, passou pelo lado esquerdo
da moldura e desapareceu de vista.
Os
garotos se precipitaram atrás dele pelo corredor, seguindo o barulho da
armadura. De vez em quando o avistavam passando para o quadro seguinte.
—
Sejam fortes, o pior ainda está por vir! — berrou o cavaleiro e os três o viram
reaparecer diante de um grupo assustado de mulheres vestindo anáguas de
crinolina, cujo quadro fora pendurado na parede de uma estreita escada
circular.
Ofegando
ruidosamente, Harry, Rony e Hermione subiram os estreitos degraus em caracol,
sentindo-se cada vez mais tontos, até que finalmente ouviram o murmúrio de
vozes no alto e perceberam que tinham chegado à sala de aula.
—
Adeus! — gritou o cavaleiro, enfiando de repente a cabeça no quadro de uns
monges de aspecto sinistro — Adeus, meus camaradas de armas! Se um dia
precisarem de um coração nobre e fibra de aço, chamem Sir Cadogan!
— Ah,
sim, chamaremos — murmurou Rony quando o cavaleiro foi sumindo de vista — Mas
se um dia precisarmos de um maluco.
Os
garotos subiram os últimos degraus e chegaram a um minúsculo patamar, onde a
maioria dos colegas já estava reunida. Não havia portas no patamar, mas Rony
cutucou Harry indicando-lhe o teto, onde havia um alçapão circular com uma
placa de latão.
— Sibila
Trelawney, Professora de Adivinhação — leu Harry — E como é que esperam que a
gente chegue lá em cima?
Como
se respondesse à sua pergunta, o alçapão se abriu inesperadamente e uma escada
prateada desceu aos seus pés.
Todos
se calaram.
—
Primeiro você — disse Rony sorrindo, e Harry subiu a escada.
Chegou
à sala de aula mais esquisita que já vira. Na realidade, sequer parecia uma
sala de aula, e, sim, um cruzamento de sótão com salão de chá antigo. Havia, no
mínimo, vinte mesinhas circulares juntas ali, rodeadas por cadeiras forradas de
chintz e pequenos pufes estufados. O ambiente era iluminado por uma fraca luz
avermelhada, as cortinas das janelas estavam fechadas e os vários abajures,
cobertos com xales vermelho-escuros. O calor sufocava e a lareira acesa sob um
console cheio de objetos desprendia um perfume denso, enjoativo e doce ao
aquecer uma grande chaleira de cobre. As prateleiras em torno das paredes
circulares estavam cheias de penas empoeiradas, tocos de velas, baralhos de
cartas em tiras, incontáveis bolas de cristal e uma imensa coleção de xícaras
de chá.
Rony
espiou por cima do ombro de Harry enquanto os colegas se reuniam à volta deles,
todos falando aos cochichos.
— E
onde está a professora? — perguntou Rony.
Uma
voz saiu subitamente das sombras, uma voz suave, meio etérea.
—
Sejam bem-vindos. Que bom ver vocês no mundo físico, finalmente.
A
impressão imediata de Harry foi a de estar vendo um enorme inseto cintilante.
A
Profª. Sibila Trelawney saiu das sombras e, à luz da lareira, os garotos viram
que era muito magra, uns óculos imensos aumentavam seus olhos várias vezes, e
ela vestia um xale diáfano, salpicado de lantejoulas. Em volta do pescoço fino,
usava inúmeras correntes e colares de contas, e seus braços e mãos estavam
cobertos de pulseiras e anéis.
—
Sentem-se, crianças, sentem-se — disse, e todos subiram desajeitados nas
cadeiras ou se afundaram nos pufes.
Harry,
Rony e Hermione se sentaram a uma mesa redonda.
—
Bem-vindos à aula de Adivinhação — disse a professora, que se acomodara em uma
bergêre[1]
diante da lareira — Sou a Profª. Sibila Trelawney. Talvez vocês nunca tenham me
visto antes, acho que me misturar com frequência à roda-viva da escola
principal anuvia minha visão interior.
[1] Bergêre é uma poltrona, ou seja, uma cadeira almofadada, que geralmente fica na sala de uma casa, e faz conjunto com um sofá.
Ninguém
fez nenhum comentário a tão extraordinária declaração. A professora rearrumou
delicadamente o xale e continuou:
—
Então vocês optaram por estudar Adivinhação, a mais difícil das artes mágicas.
Devo alertá-los logo de início que se não possuírem clarividência, terei muito
pouco a ensinar a vocês. Os livros só podem levá-los até certo ponto neste
campo...
Ao
ouvirem isso, Harry e Rony olharam, sorrindo, para Hermione, que pareceu
assustada com a notícia de que os livros não ajudariam nessa matéria.
—
Muitos bruxos e bruxas, embora talentosos para ruídos, cheiros e
desaparecimentos instantâneos, permanecem, ainda assim, incapazes de penetrar
nos mistérios do futuro.
A
Profª. Trelawney continuou a falar, seus enormes olhos brilhantes iam de um
rosto nervoso a outro.
— É
um dom concedido a poucos. Você, menino — disse ela de repente a Neville, que
quase caiu do pufe — Sua avó vai bem?
—
Acho que vai — respondeu Neville trêmulo.
— Eu
não teria tanta certeza se fosse você, querido — disse a professora, enquanto a
luz das chamas fazia faiscarem seus longos brincos de esmeraldas.
Neville
engoliu em seco.
Sibila
continuou tranquilamente.
—
Vamos cobrir os métodos básicos de Adivinhação este ano. O primeiro trimestre
letivo será dedicado à leitura das folhas de chá. No próximo, abordaremos a
quiromancia. A propósito, minha querida — disparou ela de repente para Parvati
Patil — Tenha cuidado com um homem de cabelos ruivos.
Parvati
lançou um olhar assustado a Rony, que se sentara logo atrás dela, e puxou a
cadeira devagarinho para longe dele.
— No
segundo trimestre — continuou a professora — Vamos estudar a bola de cristal,
isto é, se conseguirmos terminar os presságios do fogo. Infelizmente, as aulas
serão perturbadas em Fevereiro por uma forte epidemia de gripe. Eu própria vou
perder a voz. E, na altura da Páscoa, alguém aqui vai deixar o nosso convívio para sempre.
Seguiu-se
um silêncio muito tenso a essa predição, mas a Profª. Trelawney pareceu não
tomar conhecimento.
—
Será, querida... — dirigiu-se ela a Lilá Brown, que estava mais próxima e se
encolheu na cadeira — Que você poderia me passar o bule de prata maior?
Lilá,
com um ar de alívio, se levantou, apanhou um enorme bule na prateleira e
pousou-o na mesa diante da mestra.
—
Obrigada, querida. A propósito, essa coisa que você receia vai acontecer na Sexta-Feira, dezesseis de Outubro.
Lilá
estremeceu.
—
Agora quero que vocês formem pares. Apanhem uma xícara de chá na prateleira e
tragam-na aqui para eu encher. Depois se sentem e bebam, bebam até restar
somente a borra. Sacudam a xícara três vezes com a mão esquerda, depois
virem-na, de borda para baixo, no pires, esperem até cair a última gota de chá
e entreguem-na ao seu par para ele a ler. Vocês vão interpretar os desenhos
formados, comparando-os com os das páginas cinco e seis de Esclarecendo o
Futuro. Vou andar pela sala para ajudar e ensinar a cada par. Ah, e querido —
ela segurou o braço de Neville quando ele fez menção de se levantar — Depois
que você quebrar a primeira xícara, por favor, escolha uma com desenhos azuis,
gosto muito das de desenhos rosa.
Não
deu outra, Neville mal chegara à prateleira de xícaras quando se ouviu um
tilintar de porcelana que se quebrava. A professora deslizou até ele levando
uma pá e uma escova e disse:
— Uma
das azuis, então, querido, se não se importa... obrigada...
Depois
que Harry e Rony levaram as xícaras para encher, voltaram à mesa e tentaram
beber rapidamente o chá pelando. Sacudiram a borra conforme a professora
mandara, depois viraram as xícaras e as trocaram entre si.
—
Certo — disse Rony depois de abrirem os livros nas páginas cinco e seis — Que é
que você vê na minha?
— Um
monte de borra marrom — disse Harry.
A
fumaça intensamente perfumada da sala o estava deixando sonolento e burro.
—
Abram suas mentes, meus queridos, e deixem os olhos verem além do que é
mundano! — gritou a Profª. Trelawney na penumbra.
Harry
tentou se controlar.
—
Certo, você tem uma espécie de cruz torta... — ele consultou o livro Esclarecendo o Futuro — Isto significa
que você vai ter sofrimentos e provações... sinto muito... mas tem uma coisa
que podia ser o sol... espere ai... que significa “grande felicidade”... então
você vai sofrer, mas vai ser muito feliz...
—
Você precisa mandar examinar a sua visão interior — disse Rony, e os dois
precisaram sufocar o riso quando a professora olhou na direção deles — Minha
vez... — Rony examinou a xícara de Harry, a testa franzida com o esforço — Tem
uma pelota que lembra um pouco um chapéu-coco. Vai ver você vai trabalhar no
Ministério da Magia...
Rony
girou a xícara para cima.
— Mas
desse outro lado as folhas parecem mais uma bolota de carvalho... que será
isso?
O
garoto consultou seu exemplar de Esclarecendo o Futuro.
— Uma
sorte inesperada, ganhos de ouro. Que ótimo, você pode me emprestar algum... e
tem outra coisa aqui — ele tornou a girar a xícara — Que parece um animal... é,
se isso fosse a cabeça... podia parecer um hipopótamo... não, um carneiro...
A
Profª. Trelawney se virou quando Harry deixou escapar um ronco de riso.
—
Deixe-me ver isso, querido — disse ela em tom de censura a Rony, aproximando-se
num ímpeto e tirando a xícara de Harry da mão do colega.
Todos
se calaram para observar. A professora examinou a xícara, e girou-a no sentido
anti-horário.
— O
falcão... meu querido, você tem um inimigo mortal.
— Mas
todos sabem disso — comentou Hermione num cochicho audível.
A
professora encarou-a.
—
Verdade, todos sabem — repetiu a garota — Todos sabem da inimizade entre Harry
e Você-Sabe-Quem.
Harry
e Rony a olharam com uma mescla de surpresa e admiração. Nunca tinham ouvido
Hermione falar com uma professora daquele jeito.
Trelawney
preferiu não responder. Tornou a abaixar seus enormes olhos para a xícara de
Harry e continuou a girá-la.
— O
bastão... um ataque. Ai, ai, ai, não é uma xícara feliz...
—
Achei que isso era um chapéu-coco — disse Rony sem graça.
— O
crânio... perigo em seu caminho, querido...
Todos
observavam, hipnotizados, a professora, que deu um último giro na xícara,
ofegou e soltou um berro. Ouviu-se uma nova onda de porcelanas que se partiam
tilintando, Neville destruíra sua segunda xícara. A professora afundou em uma
cadeira vazia, a mão faiscante de anéis ao peito e os olhos fechados.
— Meu
pobre garoto... meu pobre garoto querido... não... é mais caridoso não dizer...
não... não me pergunte...
— Que
foi professora? — perguntou Dino Thomas na mesma hora.
Todos
tinham se levantado e aos poucos se amontoaram em torno da mesa de Harry e Rony,
aproximando-se da cadeira de Trelawney para dar uma boa olhada na xícara de
Harry.
— Meu
querido — os olhos da professora se abriram teatralmente — Você tem o Sinistro.
— O
quê? — perguntou Harry.
Ele
percebeu que não era o único que não entendera, Dino Thomas sacudiu os ombros
para ele e Lilá Brown fez cara de intrigada, mas quase todos os outros levaram
a mão à boca horrorizados.
— O
Sinistro, meu querido, o Sinistro! — exclamou a professora, que parecia chocada
com o fato de Harry não ter entendido — O cão gigantesco e espectral que
assombra os cemitérios! Meu querido menino, é um mau agouro, o pior de todos,
agouro de morte!
Harry
sentiu o estômago afundar. O cão na capa do livro Presságios de Morte na Floreios
e Borrões, o cão nas sombras da Rua Magnólia...
Lilá
Brown levou as mãos à boca também. Todos tinham os olhos fixos em Harry, todos
exceto Hermione, que se levantara e procurava chegar às costas da cadeira da
professora.
— Eu
não acho que isso pareça um Sinistro — disse com firmeza.
A
Profª. Trelawney mirou a menina atentamente e com crescente desagrado.
—
Desculpe-me dizer isso, minha querida, mas não percebo muita aura ao seu redor.
Pouquíssima receptividade às ressonâncias do futuro.
Simas
Finnigan inclinou a cabeça de um lado para o outro.
—
Parece um Sinistro se a gente fizer assim — disse com os olhos quase fechados —
Mas parece muito mais um burro quando a gente olha de outro ângulo — disse ele,
inclinando-se para a esquerda.
—
Quando vão terminar de resolver se eu vou morrer ou não? — perguntou Harry,
surpreendendo até a si mesmo.
Agora
parecia que ninguém queria olhar para ele.
—
Acho que vamos encerrar a aula por hoje — disse a professora no tom mais etéreo
possível — E... por favor, guardem suas coisas...
Em
silêncio a classe devolveu as xícaras à professora, guardou os livros e fechou
as mochilas. Até mesmo Rony evitava o olhar de Harry.
— Até
que tornemos a nos encontrar — disse Trelawney com uma voz fraca — Que a sorte
lhes seja favorável. Ah, e querido — disse apontando para Neville — Você vai se
atrasar da próxima vez, portanto trate de trabalhar muito para recuperar o
tempo perdido.
Harry,
Rony e Hermione desceram a escada da Profª. Trelawney e a escada em caracol em
silêncio, e seguiram para a aula de Transfiguração da Profª. McGonagall.
Levaram tanto tempo para encontrar a sala de aula que, por mais cedo que
tivessem saído da aula de Adivinhação, acabaram chegando em cima da hora.
Harry
escolheu um lugar no fundo da sala, sentindo-se como se estivesse sentado sob
um holofote: o resto da classe não parou de lhe lançar olhares furtivos, como
se ele estivesse prestes a cair morto a qualquer momento. Ele mal conseguiu
ouvir o que a professora dizia sobre Animagos (bruxos que podiam se transformar
à vontade em animais), e sequer estava olhando quando ela própria se
transformou, diante dos olhos deles, em um gato malhado com marcas de óculos em
torno dos olhos.
—
Francamente, o que foi que aconteceu com os senhores hoje? — perguntou a Profª.
McGonagall, voltando a ser ela mesma, com um estalinho, e encarando a classe
toda — Não que faça diferença, mas é a primeira vez que a minha transformação
não arranca aplausos de uma turma.
Todas
as cabeças tornaram a se virar para Harry, mas ninguém falou.
Então
Hermione ergueu a mão.
— Com
licença, professora, acabamos de ter a nossa primeira aula de Adivinhação,
estivemos lendo folhas de chá e...
— Ah,
naturalmente — comentou McGonagall, fechando a cara de repente — Não precisa me
dizer mais nada, Srta. Granger. Me diga qual dos senhores vai morrer este ano?
Todos
olharam para ela.
— Eu
— disse, por fim, Harry.
—
Entendo — disse a Profª. McGonagall, fixando em Harry seus olhos de contas —
Então, Potter, é melhor saber que Sibila Trelawney tem predito a morte de um
aluno por ano desde que chegou a esta escola. Nenhum deles morreu ainda. Ver agouros de morte é a maneira com que
ela gosta de dar boas-vindas a uma nova classe. Não fosse o fato de que nunca
falo mal dos meus colegas...
A
professora se calou, mas todos viram que suas narinas tinham embranquecido de
cólera. Ela continuou, mais calma:
— A
Adivinhação é um dos ramos mais imprecisos da magia. Não vou ocultar dos
senhores que tenho muito pouca paciência com esse assunto. Os verdadeiros videntes são muito raros e a
Profª. Trelawney...
Ela
parou uma segunda vez, e em seguida disse, num tom despido de emoção:
—
Para mim o senhor parece estar gozando de excelente saúde, Potter, por isso me
desculpe, mas não vou dispensá-lo do dever de casa, hoje. Mas fique descansado,
se o senhor morrer, não precisa entregá-lo.
Hermione
riu com gosto. Harry se sentiu um pouco melhor. Era mais difícil sentir medo de
folhas de chá longe daquela sala fracamente iluminada por luzes vermelhas, que
recendia ao perfume atordoante da Profª. Trelawney. Ainda assim, nem todos ficaram
convencidos. Rony continuava com a expressão preocupada e Lilá cochichou:
— E a
xícara de Neville?
Quando
a aula de Transfiguração terminou, eles se reuniram ao resto dos alunos que
atroavam a escola em direção ao Salão Principal para almoçar.
—
Anime-se, Rony — falou Hermione, empurrando uma travessa de ensopado para o
amigo — Você ouviu o que a Profª. McGonagall disse.
Rony
se serviu do ensopado e apanhou o garfo, mas não começou a comer.
—
Harry — perguntou ele, em tom baixo, com ar sério — Você não viu um canzarrão
preto em algum lugar, viu?
— Vi,
sim. Na noite em que saí da casa dos Dursley.
Rony
deixou o garfo cair com estrépito.
—
Provavelmente um cão sem dono — comentou Hermione calmamente.
O
garoto olhou para Hermione como se ela tivesse enlouquecido.
—
Mione, se Harry viu um Sinistro, isso é... é
ruim. Meu Tio Abílio viu um e... e morreu vinte e quatro horas depois!
—
Coincidência — replicou Hermione dignamente, servindo-se de suco de abóbora.
—
Você não sabe o que está falando! — disse Rony, começando a se zangar — Os
Sinistros deixam a maioria dos bruxos mortos de medo!
—
Então é isso — retrucou a garota em tom superior — Eles veem o Sinistro e
morrem de medo. O Sinistro não é um agouro, é a causa da morte! E Harry
continua conosco porque não é burro de ver um Sinistro e pensar: “Certo, muito bem, então é melhor eu bater
as botas!”.
Rony
fez protestos para Hermione, que abriu a mochila, tirou o novo livro de
Aritmancia e apoiou-o na jarra de suco.
—
Acho que Adivinhação é uma coisa meio confusa — disse, procurando a página que
queria — É muita adivinhação, se querem saber a minha opinião.
— Não
houve nada confuso com o Sinistro naquela xícara! — retrucou Rony
acaloradamente.
—
Você não me pareceu tão confiante quando disse ao Harry que era um carneiro —
respondeu a menina sem se alterar.
— A
Profª. Trelawney disse que você não tinha a aura necessária! Você não gosta é
de ser ruim em uma matéria para variar!
Ele
acabara de tocar num ponto sensível.
Hermione
bateu com o livro de Aritmancia na mesa com tanta força que voaram pedacinhos
de carne e cenoura para todo lado.
— Se
ser boa em Adivinhação é ter que fingir que estou vendo agouros de morte em
borras de folhas de chá, não tenho certeza se quero continuar a estudar essa
matéria por muito mais tempo! Aquela aula foi uma idiotice completa se
comparada à minha aula de Aritmancia!
E,
agarrando a mochila, a menina se retirou.
Rony
franziu a testa acompanhando com os olhos a amiga se afastando.
— Do
que é que ela estava falando? — perguntou a Harry — Ela ainda não assistiu a
nenhuma aula de Aritmancia.
* * *
Harry ficou contente de
sair do castelo depois do almoço. A chuva do dia anterior parara, o céu estava
claro, cinza-pálido e a grama parecia elástica e úmida sob os pés quando os
garotos rumaram para a primeiríssima aula de Trato das Criaturas Mágicas.
Rony
e Hermione não estavam se falando. Harry caminhava ao lado dos dois em silêncio
enquanto desciam os gramados em direção à cabana de Hagrid, na orla da Floresta
Proibida.
Somente
quando identificaram três costas muito conhecidas à frente é que se deram conta
de que iriam compartilhar as aulas com os alunos da Sonserina. Draco, falava
animadamente com Crabbe e Goyle, que riam com gosto. Harry tinha quase certeza
de qual era o assunto da conversa.
Hagrid
já estava à espera dos alunos à porta da cabana. Vestia o casaco de pele de
toupeira, com Canino, o cão de caçar javalis, nos calcanhares, e parecia
impaciente para começar.
—
Vamos, andem depressa! — falou quando os alunos se aproximaram — Tenho uma
coisa ótima para vocês hoje! Vai ser uma grande aula! Estão todos aqui? Certo,
então me acompanhem!
Por
um momento de apreensão, Harry pensou que Hagrid os levaria para a Floresta
Proibida, o menino já tivera suficientes experiências desagradáveis ali para a
vida inteira. No entanto, o guarda-caça contornou a orla das árvores e cinco
minutos depois eles estavam diante de uma espécie de picadeiro. Não havia nada
ali.
—
Todos se agrupem em volta dessa cerca! — mandou ele — Isso... procurem garantir
uma boa visibilidade... agora, a primeira coisa que vão precisar fazer é abrir
os livros...
—
Como? — perguntou a voz fria e arrastada de Draco Malfoy.
— Que
foi? — perguntou Hagrid.
—
Como é que vamos abrir os livros? — repetiu o menino.
Ele
retirou da mochila seu exemplar de O Livro Monstruoso dos Monstros, amarrado
com um pedaço de corda. Outros alunos fizeram o mesmo, alguns, como Harry,
tinham fechado o livro com um cinto, outros os tinham enfiado em sacos justos
ou fechado os livros com grampos.
—
Será... será que ninguém conseguiu abrir o livro? — perguntou Hagrid, com ar de
desapontamento.
Todos
os alunos sacudiram negativamente as cabeças.
—
Vocês têm que fazer carinho neles — falou o novo professor como se isso fosse a
coisa mais óbvia do mundo — Olhem aqui...
Ele
apanhou o livro de Hermione e rasgou a fita adesiva que o prendia. O livro
tentou morder, mas Hagrid passou seu gigantesco dedo indicador pela lombada, o
livro estremeceu, se abriu e permaneceu quieto em sua mão.
— Ah,
mas que bobeira a nossa! — caçoou Draco — Devíamos ter feito carinho no livro!
Como foi que não adivinhamos!
—
Eu... eu achei que eles eram engraçados — disse Hagrid, inseguro, para
Hermione.
— Ah,
engraçadíssimos! — comentou Draco — Uma ideia realmente espirituosa, nos dar
livros que tentam arrancar nossa mão.
—
Cala a boca, Malfoy — advertiu-o Harry baixinho.
Hagrid
parecia arrasado, e o garoto queria que aquela primeira aula do seu amigo fosse
um sucesso.
—
Certo, então — continuou Hagrid, que pelo jeito perdera o fio do pensamento —...
Então vocês já têm os livros e... e... agora faltam as criaturas mágicas. É.
Então vou buscá-las. Esperem um pouco...
Ele
se afastou na direção da floresta e desapareceu de vista.
—
Nossa, essa escola está indo para o brejo! — falou Draco em voz alta — Esse
pateta dando aulas, meu pai vai ter um acesso quando eu contar...
—
Cala a boca, Malfoy — repetiu Harry.
—
Cuidado, Potter, tem um dementador atrás de você...
—
Aaaaaaah! — guinchou Lilá Brown, apontando para o lado oposto do picadeiro.
Trotavam
em direção aos garotos mais ou menos uma dezena dos bichos mais bizarros que
Harry já vira na vida. Tinham os corpos, as pernas traseiras e as caudas de
cavalo, mas as pernas dianteiras, as asas e a cabeça de uma coisa que lembrava
águias gigantescas, com bicos cruéis cinza-metálico e enormes olhos
laranja-vivos. As garras das pernas dianteiras tinham uns quinze centímetros de
comprimento e um aspecto letal. Cada um dos bichos trazia uma grossa coleira de
couro ao pescoço engatada em uma longa corrente, cujas pontas estavam presas
nas imensas mãos de Hagrid, que entrou correndo no picadeiro atrás dos bichos.
—
Upa! Upa! AÍ! — bradou ele, sacudindo as correntes e incitando os bichos na
direção da cerca onde se agrupavam os alunos.
Todos
recuaram, instintivamente, quando Hagrid chegou bem perto e amarrou os bichos
na cerca.
—
Hipogrifos! — bradou Hagrid alegremente, acenando para eles — Lindos, não
acham?
Harry
conseguiu entender mais ou menos o que Hagrid quis dizer. Depois que se supera
o primeiro choque de ver uma coisa que é metade cavalo, metade ave, a pessoa
começava a apreciar a pelagem luzidia dos hipogrifos, que mudava suavemente de
pena para pêlo, cada animal de uma cor diferente: cinza-chuva, bronze, rosado,
castanho brilhante e nanquim.
—
Então — disse Hagrid, esfregando as mãos e sorrindo para todos — Se vocês
quiserem chegar mais perto...
Ninguém
pareceu querer.
Harry,
Rony e Hermione, porém, se aproximaram cautelosamente da cerca.
—
Agora, a primeira coisa que vocês precisam saber sobre os hipogrifos é que são
orgulhosos — explicou Hagrid — Se ofendem com facilidade, os hipogrifos. Nunca
insultem um bicho desses, porque pode ser a última coisa que vão fazer na vida.
Malfoy,
Crabbe e Goyle não estavam prestando atenção; falavam aos cochichos e Harry teve
o mau pressentimento de que estavam combinando a melhor maneira de estragar a
aula.
—
Vocês sempre esperam o hipogrifo fazer o primeiro movimento — continuou Hagrid
— É uma questão de cortesia, entendem? Vocês vão até eles, fazem uma reverência
e aí esperam. Se o bicho retribuir o cumprimento, vocês podem tocar nele. Se
não retribuir, então saiam de perto bem depressinha, porque essas garras
machucam feio. Certo, quem quer ser o primeiro?
Em
resposta, a maioria dos alunos recuou mais um pouco. Até Harry, Rony e Hermione
se sentiram apreensivos. Os hipogrifos balançavam as cabeças de aspecto feroz e
flexionavam as fortes asas; não pareciam gostar de estar presos daquele jeito.
—
Ninguém? — disse Hagrid, com um olhar suplicante.
— Eu
vou — disse Harry.
Ouviu-se
gente ofegar atrás dele e Lilá e Parvati murmuraram a mesma coisa:
—
Aaah, não, Harry, lembra das folhas de chá!
Harry
não deu ouvido às meninas. Trepou pela cerca do picadeiro.
— É
assim que se faz, Harry! — gritou Hagrid — Certo, então... vamos ver como você
se entende com o Bicuço.
E,
dizendo isso, soltou uma das correntes, separou o hipogrifo cinzento dos
restantes e retirou a coleira de couro.
A
turma do outro lado da cerca parecia estar prendendo a respiração.
Os
olhos de Draco se estreitaram maliciosamente.
—
Calma, agora, Harry — disse Hagrid em voz baixa — Você fez contato com os
olhos, agora tente não piscar... os hipogrifos não confiam na pessoa que pisca
demais...
Os
olhos de Harry imediatamente começaram a se encher de água, mas ele não os fechou.
Bicuço
virava a cabeçorra alerta e fixava um cruel olho laranja em Harry.
—
Isso mesmo — disse Hagrid — Isso mesmo, Harry... agora faça a reverência...
Harry
não se sentia nada animado a expor a nuca a Bicuço, mas fez o que era mandado.
Curvou-se brevemente e ergueu os olhos.
O
hipogrifo continuava a fixá-lo com altivez. Nem se mexeu.
— Ah
— exclamou Hagrid, parecendo preocupado — Certo... recue, agora, Harry,
devagarinho...
Mas
nesse instante, para enorme surpresa de Harry, o hipogrifo inesperadamente
dobrou os escamosos joelhos dianteiros e afundou o corpo em uma inconfundível
reverência.
—
Muito bem, Harry! — aplaudiu Hagrid, extasiado — Certo... pode tocá-lo!
Acaricie o bico dele, vamos!
Com a
impressão de que recuar teria sido uma recompensa melhor, Harry avançou
devagarinho para o hipogrifo e estendeu a mão. Acariciou seu bico várias vezes
e o bicho fechou os olhos demoradamente, como se estivesse gostando.
A
turma prorrompeu em aplausos, a exceção de Malfoy, Crabbe e Goyle, que pareciam
profundamente desapontados.
—
Certo então, Harry — falou Hagrid — Acho que ele até deixaria você montar nele!
Isto
era mais do que o toma lá dá cá proposto por Harry... ele estava acostumado a
montar vassouras; mas não tinha muita certeza se um hipogrifo seria a mesma
coisa.
—
Isso, suba ali, logo atrás da articulação das asas — mandou Hagrid — E cuidado
para não arrancar nenhuma pena, ele
não vai gostar nem um pouco...
Harry
pisou no alto da asa de Bicuço e se içou para cima das costas do bicho, o bicho
se ergueu. Harry não tinha muita certeza de onde deveria se agarrar; à sua
frente tudo era coberto de penas.
—
Pode ir, então! — bradou Hagrid, dando uma palmada nos quartos do hipogrifo.
Sem
aviso, as asas de quase quatro metros se abriram a cada lado de Harry, ele só
teve tempo de se agarrar ao pescoço do hipogrifo e já estava voando para o
alto. Não foi nada semelhante a uma vassoura e Harry soube na hora qual dos
dois preferia: as asas do hipogrifo adejavam desconfortavelmente dos lados,
batendo por baixo de suas pernas e dando-lhe a sensação de que estava prestes a
ser jogado no ar. As penas acetinadas escorregavam dos seus dedos e o garoto
não se atrevia a se agarrar com mais força; em vez do vôo suave da Nimbus 2000,
ele agora balançava para frente e para trás quando os quartos do hipogrifo
subiam e desciam acompanhando o movimento das asas.
Bicuço
deu uma volta por cima do picadeiro e em seguida embicou para o chão, essa foi
a parte que Harry teve receio, ele jogou o corpo para trás, à medida que o
pescoço liso do bicho abaixava, achando que ia escorregar por cima do bico,
então, sentiu um baque quando os quatro membros desparelhados do bicho tocaram
o chão. Por milagre, conseguiu se segurar e tornar a se endireitar.
— Bom
trabalho, Harry! — berrou Hagrid enquanto todos, exceto Malfoy, Crabbe e Goyle,
aplaudiam — Muito bem, quem mais quer experimentar?
Encorajados
pelo sucesso, os outros alunos subiram, cautelosos, pela cerca do picadeiro.
Hagrid soltou os hipogrifos, um a um, e logo os garotos, nervosos, começaram a
fazer reverências por todo o picadeiro. Neville fugiu várias vezes do dele,
pois o bicho não estava com jeito de querer dobrar os joelhos. Rony e Hermione
praticaram no hipogrifo castanho, enquanto Harry observava.
Malfoy,
Crabbe e Goyle ficaram com Bicuço. Ele acabara de retribuir a reverência de
Malfoy, que agora lhe acariciava o bico, com um ar desdenhoso.
—
Isso é moleza — disse Draco com a voz arrastada, suficientemente alta para
Harry ouvir — Só podia ser, se o Potter conseguiu fazer... aposto que você não
tem nada de perigoso, tem? — disse ao hipogrifo — Tem, seu brutamontes feioso?
Aconteceu
num breve movimento das garras de aço. Draco soltou um berro agudo e no momento
seguinte, Hagrid estava pelejando para enfiar a coleira em Bicuço, enquanto o
bicho fazia força para avançar no garoto, que caíra dobrado na relva, o sangue
aflorando em suas vestes.
—
Estou morrendo! — gritou Malfoy enquanto a turma entrava em pânico — Estou
morrendo, olhem só para mim! Ele me matou!
—
Você não está morrendo! — disse Hagrid, que ficara muito pálido — Alguém me
ajude... preciso tirar ele daqui...
Hermione
correu para abrir o portão enquanto Hagrid erguia Malfoy nos braços, sem
esforço. Quando os dois passaram, Harry observou que havia um corte grande e
fundo no braço de Draco, o sangue pingava no gramado e o guarda-caça, com o
garoto ao colo, subiu correndo a encosta em direção ao castelo.
Muito
abalados, os alunos da aula de Trato das Criaturas Mágicas os seguiram
caminhando normalmente.
Os
alunos da Sonserina gritavam contra Hagrid.
—
Deviam despedir ele, imediatamente! — disse Pansy Parkinson, que estava às
lágrimas.
— Foi
culpa do Draco! — replicou Dino Thomas com rispidez.
Crabbe
e Goyle flexionavam os braços, ameaçadores.
Os
garotos subiram os degraus de pedra para o saguão deserto.
— Vou
ver se ele está bem! — disse Pansy, e os outros ficaram observando-a subir de
corrida a escadaria de mármore.
Os
alunos da Sonserina, ainda murmurando contra Hagrid, rumaram para sua Sala
Comunal, em uma masmorra.
Harry,
Rony e Hermione subiram as escadas para a Torre da Grifinória.
—
Vocês acham que ele vai ficar bem? — perguntou Hermione, nervosa.
—
Claro que vai. Madame Pomfrey cura cortes em um segundo — disse Harry, que já
tivera ferimentos muito mais sérios curados magicamente pela enfermeira.
— Foi
realmente ruim acontecer isso na primeira aula de Hagrid, vocês não acham? —
comentou Rony, parecendo preocupado.
—
Sempre se pode contar com o Draco para estragar as coisas para o Hagrid...
Os
três foram os primeiros a chegar ao Salão Principal para jantar, na esperança
de verem Hagrid, mas o amigo não estava lá.
— Não
iriam despedir ele, vocês acham que sim? — perguntou Hermione aflita, sem tocar
no pudim de carne e rins.
— É
melhor não — replicou Rony, que também não estava comendo.
Harry
ficou observando a mesa da Sonserina. Um grande grupo, que incluía Crabbe e
Goyle, estava reunido, absorto em conversas. Harry teve certeza de que estavam
inventando a própria versão para o ferimento de Draco.
—
Bem, não se pode dizer que não foi um primeiro dia de aula interessante —
comentou Rony, deprimido.
Os
três subiram para o Salão Comunal da Grifinória depois do jantar e tentaram
fazer o dever de casa que a Profª. McGonagall passara, mas ficaram o tempo todo
interrompendo-o para espiar pela janela.
— Tem
luz na janela de Hagrid — disse Harry de repente.
Rony
consultou o relógio.
— Se
a gente andar depressa, pode descer para ver ele. Ainda é cedo...
— Não
sei — disse Hermione, lentamente, e Harry viu que a amiga o olhava.
— Eu
tenho permissão para andar pela propriedade — disse o garoto incisivamente —
Sirius Black ainda não passou pelos dementadores ou passou?
Então
eles guardaram o material de estudo e se dirigiram ao buraco do retrato,
felizes por não encontrar ninguém no caminho até a Porta Principal, porque não
tinham tanta certeza assim de que podiam sair.
O
gramado ainda estava úmido e parecia quase negro à luz das estrelas. Quando
chegaram à cabana de Hagrid, bateram e uma voz resmungou rouca:
—
Pode entrar.
Hagrid
estava sentado em mangas de camisa à mesa de madeira escovada. O cachorro,
Canino, tinha a cabeça no colo dele. Ao primeiro olhar, os garotos perceberam
que o amigo andara bebendo muito, havia uma caneca de alpaca quase do tamanho
de um balde diante dele e parecia ter dificuldade para focalizá-los.
—
Imagino que seja um recorde — disse com a voz pastosa, quando os reconheceu —
Calculo que nunca tiveram um professor que só durasse um dia.
—
Você não foi despedido, Hagrid! — ofegou Hermione.
—
Ainda não — respondeu ele, infeliz, tomando um grande gole do que havia na
caneca — Mas é só uma questão de tempo, não depois que Malfoy...
—
Como é que ele está? — perguntou Rony enquanto se sentavam — Não foi grave,
foi?
—
Madame Pomfrey fez o melhor que pôde — disse Hagrid num tom inexpressivo — Mas
ele diz que continua doendo muito... todo enfaixado... gemendo...
— Ele
está fingindo — disse Harry na mesma hora — Madame Pomfrey sabe curar qualquer
coisa. Ela fez crescer metade dos meus ossos no ano passado. Pode contar que
Draco vai se aproveitar o máximo que puder do acidente.
— Os
conselheiros da escola foram informados, é claro — disse Hagrid, infeliz —
Acham que comecei muito grande. Devia ter deixado os hipogrifos para mais
tarde... que estudasse vermes ou outra coisa pequena... só quis fazer uma
primeira aula boa... então a culpa é minha...
— É
tudo culpa do Malfoy, Hagrid! — disse Hermione, séria.
—
Somos testemunhas — acrescentou Harry — Você avisou que os hipogrifos atacam
quando são insultados. O problema é do Malfoy se ele não estava prestando
atenção. Vamos contar ao Dumbledore o que realmente aconteceu.
—
Vamos, sim, não se preocupe, Hagrid, vamos confirmar sua história — disse Rony.
Lágrimas
saltaram dos cantos enrugados dos olhos de Hagrid, negros como besouros. Ele
puxou Harry e Rony e lhes deu um abraço de quebrar as costelas.
—
Acho que você já bebeu o suficiente, Hagrid — falou Hermione com firmeza.
E
apanhou a caneca na mesa e saiu da cabana para esvaziá-la.
— Ah,
talvez ela tenha razão — reconheceu Hagrid, soltando Harry e Rony, que recuaram
cambaleando e massageando as costelas.
O
guarda-caça levantou-se com esforço da cadeira e seguiu Hermione até o lado de
fora, com o andar vacilante.
Os
garotos ouviram barulho de água caindo.
— Que
foi que ele fez? — perguntou Harry, nervoso, quando Hermione voltou trazendo a
caneca vazia.
—
Meteu a cabeça no barril de água — respondeu Hermione, guardando a caneca.
Hagrid
voltou, os cabelos e barbas longas empapados, enxugando a água dos olhos.
—
Assim está melhor — falou, sacudindo a cabeça como um cachorro e molhando os
garotos — Escutem, foi muita bondade vocês terem vindo me ver, eu realmente...
Hagrid
parou de repente, encarando Harry como se tivesse acabado de perceber que ele
estava ali.
— QUE
É QUE VOCÊ ACHA QUE ESTÁ FAZENDO, HEIN? — bradou, tão inesperadamente que os
garotos deram um pulo de mais de um palmo — VOCÊ NÃO PODE SAIR ANDANDO POR AÍ
DEPOIS DO ANOITECER, HARRY! E VOCÊS DOIS! DEIXARAM-NO SAIR!
Hagrid
foi até Harry agarrou-o pelo braço e puxou-o para a porta.
—
Vamos! — disse aborrecido — Vou levar vocês de volta à escola, e não quero
pegar ninguém saindo para me ver depois do anoitecer. Eu não valho o risco!
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