terça-feira, 8 de maio de 2012

Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban - Capítulo 6







— CAPÍTULO SEIS —
Garras e Folhas de Chá



QUANDO HARRY, RONY E HERMIONE entraram no Salão Principal para tomar café, na manhã seguinte, a primeira coisa que viram foi Draco Malfoy, que parecia estar entretendo um grande grupo de alunos da Sonserina com uma história muito engraçada. Quando os três passaram, Malfoy fez uma imitação ridícula de um desmaio que provocou grandes gargalhadas.
— Não ligue para ele — disse Hermione, que vinha logo atrás de Harry — Não dê bola para ele, não vale a pena...
— Ei, Potter! — chamou esganiçada Pansy Parkinson, uma garota da Sonserina com cara de buldogue — Potter! Os dementadores estão chegando. Potter! Uuuuuuuuuuuu!
Harry se largou numa cadeira à mesa da Grifinória, ao lado de Jorge Weasley.
— Novos horários de aulas para os alunos do terceiro ano — disse Jorge, distribuindo-os — Que é que há com você, Harry?
— Malfoy — informou Rony, sentando-se do outro lado de Jorge e olhando feio para a mesa da Sonserina.
Jorge ergueu os olhos na hora em que Malfoy fingia desmaiar de terror outra vez.
— Aquele debilóide! — disse calmamente — Ele não estava tão exibido ontem à noite quando os dementadores revistaram o nosso lado do trem. Entrou correndo na nossa cabine, não foi, Fred?
— Quase fez xixi nas calças — disse Fred, lançando a Draco um olhar de desprezo.
— Nem eu fiquei muito feliz — comentou Jorge — Eles são um horror, aqueles dementadores...
— Meio que congelam a gente por dentro, não acha? — disse Fred.
— Mas você não desmaiou, desmaiou? — perguntou Harry em voz baixa.
— Esquece isso, Harry — disse Jorge para animá-lo — Papai teve que ir a Azkaban uma vez, lembra, Fred? E comentou que foi o pior lugar em que esteve na vida, voltou de lá fraco e abalado... eles sugam a felicidade do lugar, esses dementadores. A maioria dos prisioneiros acaba endoidando.
— Em todo caso, vamos ver se Draco vai continuar tão felizinho depois do primeiro jogo de Quadribol — disse Fred — Grifinória contra Sonserina, primeiro jogo da temporada, está lembrado?
A única vez em que Harry e Draco tinham se enfrentado em uma partida de Quadribol, Draco decididamente tinha levado a pior. Sentindo-se um pouquinho mais animado, Harry se serviu de salsichas e tomates fritos.
Hermione examinava seu novo horário.
— Ah, que ótimo, estamos começando matérias novas hoje — comentou satisfeita.
— Hermione — disse Rony, franzindo a testa ao olhar por cima do ombro da amiga — Bagunçaram o seu horário. Veja só: dez aulas por dia. Não existe tempo para tudo isso.
— Eu me arranjo. Já combinei tudo com a Profª. McGonagall.
— Mas olha aqui — continuou Rony, rindo-se — Está vendo hoje de manhã? Nove horas, Adivinhação. E embaixo, Nove Horas, Estudo dos Trouxas. E... — o menino se curvou para olhar o horário, mas de perto, incrédulo — Olha, embaixo tem Aritmancia, Nove Horas. Quero dizer, eu sei que você é boa, Mione, mas ninguém é tão bom assim. Como é que você vai poder assistir a três aulas ao mesmo tempo?
— Não seja bobo — disse Hermione com rispidez — É claro que não vou assistir a três aulas ao mesmo tempo.
— Bom, então...
— Passe a geléia — pediu Hermione.
— Mas...
— Ah, Rony, é da sua conta se o meu horário ficou um pouco cheio demais? — perguntou a menina em tom zangado — Já disse que combinei tudo com a Profª. McGonagall.
Nesse instante Hagrid entrou no Salão Principal. Estava usando o casaco de pele de toupeira e distraidamente balançava um gambá na mão enorme.
— Tudo bem? — perguntou ele, ansioso, parando a caminho da mesa dos professores — Vocês vão assistir à primeira aula da minha vida! Logo depois do almoço! Estou acordado desde as cinco horas aprontando tudo... espero que dê certo... eu, professor... sinceramente...
E dando um grande sorriso para os garotos foi para sua mesa, ainda balançando o gambá.
— O que será que ele andou aprontando? — comentou Rony, com uma nota de ansiedade na voz.
O salão começou a se esvaziar à medida que as pessoas saíam para a primeira aula.
Rony verificou seu horário.
— É melhor irmos andando, olha, Adivinhação é no alto da Torre Norte. Vamos levar uns dez minutos para chegar lá...
Os garotos terminaram o café apressados, se despediram de Fred e Jorge, e foram saindo para o saguão. Ao passarem pela mesa da Sonserina, Draco tornou a fazer a imitação do desmaio. As gargalhadas acompanharam Harry até a entrada do saguão.
A viagem pelo castelo até a Torre Norte era longa. Dois anos em Hogwarts não tinham ensinado aos meninos tudo sobre o lugar, e nunca tinham ido à Torre Norte antes.
— Tem... que... ter... um... atalho — ofegava Rony ao subirem a sétima longa escada e chegarem a um patamar desconhecido, onde não havia nada exceto um grande quadro de um campo relvado pendurado na parede de pedra.
— Acho que é por aqui — disse Hermione, espiando o corredor vazio à direita.
— Não pode ser — discordou Rony — Aí é sul, olha, dá para, ver um pedacinho do lago pela janela...
Harry parou para examinar o quadro.
Um gordo pônei cinza malhado pisou lentamente na relva e começou a pastar sem muito entusiasmo. Harry estava acostumado aos personagens dos quadros de Hogwarts andarem e até saírem pela moldura para visitar uns aos outros, mas sempre gostava de apreciar esse movimento. No instante seguinte, um cavaleiro baixo e atarracado, vestindo armadura, entrou retinindo pelo quadro à procura do seu pônei. Pelas manchas de grama nas joelheiras metálicas, ele acabara de cair do cavalo.
— Ah-ah! — berrou, vendo Harry, Rony e Hermione — Quem são esses vilões que invadem as minhas terras! Porventura vieram zombar da minha queda? Desembainhem as espadas, seus velhacos, seus cães!
Os meninos observaram, espantados, o cavaleiro nanico puxar a espada da bainha e começar a brandi-la com violência, saltando para aqui e para ali enraivecido. Mas a espada era demasiado comprida para ele, um golpe particularmente exagerado desequilibrou-o e ele caiu de cara na grama.
— O senhor está bem? — perguntou Harry, aproximando-se do quadro.
— Afaste-se, fanfarrão desprezível! Para trás, patife!
O cavaleiro retomou a espada e usou-a para se reerguer, mas a lâmina penetrou fundo na terra e, embora ele a puxasse com toda a força, não conseguiu retirá-la. Finalmente, teve que se largar outra vez no chão e levantar a viseira para enxugar o rosto coberto de suor.
— Escuta aqui — disse Harry, se aproveitando da exaustão do cavaleiro — Estamos procurando a Torre Norte. O senhor conhece o caminho, não?
— Uma expedição! — a raiva do cavaleiro pareceu sumir instantaneamente. Levantou-se retinindo a armadura e gritou — Sigam-me, caros amigos, alcançaremos o nosso objetivo ou pereceremos corajosamente na peleja!
Ele deu mais um puxão inútil na espada, tentou, mas não conseguiu montar o gordo pônei e gritou:
— A pé, então, dignos senhores e gentil senhora! Avante! Avante!
E saiu correndo, a armadura fazendo grande estrépito, passou pelo lado esquerdo da moldura e desapareceu de vista.
Os garotos se precipitaram atrás dele pelo corredor, seguindo o barulho da armadura. De vez em quando o avistavam passando para o quadro seguinte.
— Sejam fortes, o pior ainda está por vir! — berrou o cavaleiro e os três o viram reaparecer diante de um grupo assustado de mulheres vestindo anáguas de crinolina, cujo quadro fora pendurado na parede de uma estreita escada circular.
Ofegando ruidosamente, Harry, Rony e Hermione subiram os estreitos degraus em caracol, sentindo-se cada vez mais tontos, até que finalmente ouviram o murmúrio de vozes no alto e perceberam que tinham chegado à sala de aula.
— Adeus! — gritou o cavaleiro, enfiando de repente a cabeça no quadro de uns monges de aspecto sinistro — Adeus, meus camaradas de armas! Se um dia precisarem de um coração nobre e fibra de aço, chamem Sir Cadogan!
— Ah, sim, chamaremos — murmurou Rony quando o cavaleiro foi sumindo de vista — Mas se um dia precisarmos de um maluco.
Os garotos subiram os últimos degraus e chegaram a um minúsculo patamar, onde a maioria dos colegas já estava reunida. Não havia portas no patamar, mas Rony cutucou Harry indicando-lhe o teto, onde havia um alçapão circular com uma placa de latão.
— Sibila Trelawney, Professora de Adivinhação — leu Harry — E como é que esperam que a gente chegue lá em cima?
Como se respondesse à sua pergunta, o alçapão se abriu inesperadamente e uma escada prateada desceu aos seus pés.
Todos se calaram.
— Primeiro você — disse Rony sorrindo, e Harry subiu a escada.
Chegou à sala de aula mais esquisita que já vira. Na realidade, sequer parecia uma sala de aula, e, sim, um cruzamento de sótão com salão de chá antigo. Havia, no mínimo, vinte mesinhas circulares juntas ali, rodeadas por cadeiras forradas de chintz e pequenos pufes estufados. O ambiente era iluminado por uma fraca luz avermelhada, as cortinas das janelas estavam fechadas e os vários abajures, cobertos com xales vermelho-escuros. O calor sufocava e a lareira acesa sob um console cheio de objetos desprendia um perfume denso, enjoativo e doce ao aquecer uma grande chaleira de cobre. As prateleiras em torno das paredes circulares estavam cheias de penas empoeiradas, tocos de velas, baralhos de cartas em tiras, incontáveis bolas de cristal e uma imensa coleção de xícaras de chá.
Rony espiou por cima do ombro de Harry enquanto os colegas se reuniam à volta deles, todos falando aos cochichos.
— E onde está a professora? — perguntou Rony.
Uma voz saiu subitamente das sombras, uma voz suave, meio etérea.
— Sejam bem-vindos. Que bom ver vocês no mundo físico, finalmente.
A impressão imediata de Harry foi a de estar vendo um enorme inseto cintilante.
A Profª. Sibila Trelawney saiu das sombras e, à luz da lareira, os garotos viram que era muito magra, uns óculos imensos aumentavam seus olhos várias vezes, e ela vestia um xale diáfano, salpicado de lantejoulas. Em volta do pescoço fino, usava inúmeras correntes e colares de contas, e seus braços e mãos estavam cobertos de pulseiras e anéis.
— Sentem-se, crianças, sentem-se — disse, e todos subiram desajeitados nas cadeiras ou se afundaram nos pufes.
Harry, Rony e Hermione se sentaram a uma mesa redonda.
— Bem-vindos à aula de Adivinhação — disse a professora, que se acomodara em uma bergêre[1] diante da lareira — Sou a Profª. Sibila Trelawney. Talvez vocês nunca tenham me visto antes, acho que me misturar com frequência à roda-viva da escola principal anuvia minha visão interior.

[1] Bergêre é uma poltrona, ou seja, uma cadeira almofadada, que geralmente fica na sala de uma casa, e faz conjunto com um sofá.

Ninguém fez nenhum comentário a tão extraordinária declaração. A professora rearrumou delicadamente o xale e continuou:
— Então vocês optaram por estudar Adivinhação, a mais difícil das artes mágicas. Devo alertá-los logo de início que se não possuírem clarividência, terei muito pouco a ensinar a vocês. Os livros só podem levá-los até certo ponto neste campo...
Ao ouvirem isso, Harry e Rony olharam, sorrindo, para Hermione, que pareceu assustada com a notícia de que os livros não ajudariam nessa matéria.
— Muitos bruxos e bruxas, embora talentosos para ruídos, cheiros e desaparecimentos instantâneos, permanecem, ainda assim, incapazes de penetrar nos mistérios do futuro.
A Profª. Trelawney continuou a falar, seus enormes olhos brilhantes iam de um rosto nervoso a outro.
— É um dom concedido a poucos. Você, menino — disse ela de repente a Neville, que quase caiu do pufe — Sua avó vai bem?
— Acho que vai — respondeu Neville trêmulo.
— Eu não teria tanta certeza se fosse você, querido — disse a professora, enquanto a luz das chamas fazia faiscarem seus longos brincos de esmeraldas.
Neville engoliu em seco.
Sibila continuou tranquilamente.
— Vamos cobrir os métodos básicos de Adivinhação este ano. O primeiro trimestre letivo será dedicado à leitura das folhas de chá. No próximo, abordaremos a quiromancia. A propósito, minha querida — disparou ela de repente para Parvati Patil — Tenha cuidado com um homem de cabelos ruivos.
Parvati lançou um olhar assustado a Rony, que se sentara logo atrás dela, e puxou a cadeira devagarinho para longe dele.
— No segundo trimestre — continuou a professora — Vamos estudar a bola de cristal, isto é, se conseguirmos terminar os presságios do fogo. Infelizmente, as aulas serão perturbadas em Fevereiro por uma forte epidemia de gripe. Eu própria vou perder a voz. E, na altura da Páscoa, alguém aqui vai deixar o nosso convívio para sempre.
Seguiu-se um silêncio muito tenso a essa predição, mas a Profª. Trelawney pareceu não tomar conhecimento.
— Será, querida... — dirigiu-se ela a Lilá Brown, que estava mais próxima e se encolheu na cadeira — Que você poderia me passar o bule de prata maior?
Lilá, com um ar de alívio, se levantou, apanhou um enorme bule na prateleira e pousou-o na mesa diante da mestra.
— Obrigada, querida. A propósito, essa coisa que você receia vai acontecer na Sexta-Feira, dezesseis de Outubro.
Lilá estremeceu.
— Agora quero que vocês formem pares. Apanhem uma xícara de chá na prateleira e tragam-na aqui para eu encher. Depois se sentem e bebam, bebam até restar somente a borra. Sacudam a xícara três vezes com a mão esquerda, depois virem-na, de borda para baixo, no pires, esperem até cair a última gota de chá e entreguem-na ao seu par para ele a ler. Vocês vão interpretar os desenhos formados, comparando-os com os das páginas cinco e seis de Esclarecendo o Futuro. Vou andar pela sala para ajudar e ensinar a cada par. Ah, e querido — ela segurou o braço de Neville quando ele fez menção de se levantar — Depois que você quebrar a primeira xícara, por favor, escolha uma com desenhos azuis, gosto muito das de desenhos rosa.
Não deu outra, Neville mal chegara à prateleira de xícaras quando se ouviu um tilintar de porcelana que se quebrava. A professora deslizou até ele levando uma pá e uma escova e disse:
— Uma das azuis, então, querido, se não se importa... obrigada...
Depois que Harry e Rony levaram as xícaras para encher, voltaram à mesa e tentaram beber rapidamente o chá pelando. Sacudiram a borra conforme a professora mandara, depois viraram as xícaras e as trocaram entre si.
— Certo — disse Rony depois de abrirem os livros nas páginas cinco e seis — Que é que você vê na minha?
— Um monte de borra marrom — disse Harry.
A fumaça intensamente perfumada da sala o estava deixando sonolento e burro.
— Abram suas mentes, meus queridos, e deixem os olhos verem além do que é mundano! — gritou a Profª. Trelawney na penumbra.
Harry tentou se controlar.
— Certo, você tem uma espécie de cruz torta... — ele consultou o livro Esclarecendo o Futuro — Isto significa que você vai ter sofrimentos e provações... sinto muito... mas tem uma coisa que podia ser o sol... espere ai... que significa “grande felicidade”... então você vai sofrer, mas vai ser muito feliz...
— Você precisa mandar examinar a sua visão interior — disse Rony, e os dois precisaram sufocar o riso quando a professora olhou na direção deles — Minha vez... — Rony examinou a xícara de Harry, a testa franzida com o esforço — Tem uma pelota que lembra um pouco um chapéu-coco. Vai ver você vai trabalhar no Ministério da Magia...
Rony girou a xícara para cima.
— Mas desse outro lado as folhas parecem mais uma bolota de carvalho... que será isso?
O garoto consultou seu exemplar de Esclarecendo o Futuro.
— Uma sorte inesperada, ganhos de ouro. Que ótimo, você pode me emprestar algum... e tem outra coisa aqui — ele tornou a girar a xícara — Que parece um animal... é, se isso fosse a cabeça... podia parecer um hipopótamo... não, um carneiro...
A Profª. Trelawney se virou quando Harry deixou escapar um ronco de riso.
— Deixe-me ver isso, querido — disse ela em tom de censura a Rony, aproximando-se num ímpeto e tirando a xícara de Harry da mão do colega.
Todos se calaram para observar. A professora examinou a xícara, e girou-a no sentido anti-horário.
— O falcão... meu querido, você tem um inimigo mortal.
— Mas todos sabem disso — comentou Hermione num cochicho audível.
A professora encarou-a.
— Verdade, todos sabem — repetiu a garota — Todos sabem da inimizade entre Harry e Você-Sabe-Quem.
Harry e Rony a olharam com uma mescla de surpresa e admiração. Nunca tinham ouvido Hermione falar com uma professora daquele jeito.
Trelawney preferiu não responder. Tornou a abaixar seus enormes olhos para a xícara de Harry e continuou a girá-la.
— O bastão... um ataque. Ai, ai, ai, não é uma xícara feliz...
— Achei que isso era um chapéu-coco — disse Rony sem graça.
— O crânio... perigo em seu caminho, querido...
Todos observavam, hipnotizados, a professora, que deu um último giro na xícara, ofegou e soltou um berro. Ouviu-se uma nova onda de porcelanas que se partiam tilintando, Neville destruíra sua segunda xícara. A professora afundou em uma cadeira vazia, a mão faiscante de anéis ao peito e os olhos fechados.
— Meu pobre garoto... meu pobre garoto querido... não... é mais caridoso não dizer... não... não me pergunte...
— Que foi professora? — perguntou Dino Thomas na mesma hora.
Todos tinham se levantado e aos poucos se amontoaram em torno da mesa de Harry e Rony, aproximando-se da cadeira de Trelawney para dar uma boa olhada na xícara de Harry.
— Meu querido — os olhos da professora se abriram teatralmente — Você tem o Sinistro.
— O quê? — perguntou Harry.
Ele percebeu que não era o único que não entendera, Dino Thomas sacudiu os ombros para ele e Lilá Brown fez cara de intrigada, mas quase todos os outros levaram a mão à boca horrorizados.
— O Sinistro, meu querido, o Sinistro! — exclamou a professora, que parecia chocada com o fato de Harry não ter entendido — O cão gigantesco e espectral que assombra os cemitérios! Meu querido menino, é um mau agouro, o pior de todos, agouro de morte!
Harry sentiu o estômago afundar. O cão na capa do livro Presságios de Morte na Floreios e Borrões, o cão nas sombras da Rua Magnólia...
Lilá Brown levou as mãos à boca também. Todos tinham os olhos fixos em Harry, todos exceto Hermione, que se levantara e procurava chegar às costas da cadeira da professora.
— Eu não acho que isso pareça um Sinistro — disse com firmeza.
A Profª. Trelawney mirou a menina atentamente e com crescente desagrado.
— Desculpe-me dizer isso, minha querida, mas não percebo muita aura ao seu redor. Pouquíssima receptividade às ressonâncias do futuro.
Simas Finnigan inclinou a cabeça de um lado para o outro.
— Parece um Sinistro se a gente fizer assim — disse com os olhos quase fechados — Mas parece muito mais um burro quando a gente olha de outro ângulo — disse ele, inclinando-se para a esquerda.
— Quando vão terminar de resolver se eu vou morrer ou não? — perguntou Harry, surpreendendo até a si mesmo.
Agora parecia que ninguém queria olhar para ele.
— Acho que vamos encerrar a aula por hoje — disse a professora no tom mais etéreo possível — E... por favor, guardem suas coisas...
Em silêncio a classe devolveu as xícaras à professora, guardou os livros e fechou as mochilas. Até mesmo Rony evitava o olhar de Harry.
— Até que tornemos a nos encontrar — disse Trelawney com uma voz fraca — Que a sorte lhes seja favorável. Ah, e querido — disse apontando para Neville — Você vai se atrasar da próxima vez, portanto trate de trabalhar muito para recuperar o tempo perdido.
Harry, Rony e Hermione desceram a escada da Profª. Trelawney e a escada em caracol em silêncio, e seguiram para a aula de Transfiguração da Profª. McGonagall. Levaram tanto tempo para encontrar a sala de aula que, por mais cedo que tivessem saído da aula de Adivinhação, acabaram chegando em cima da hora.
Harry escolheu um lugar no fundo da sala, sentindo-se como se estivesse sentado sob um holofote: o resto da classe não parou de lhe lançar olhares furtivos, como se ele estivesse prestes a cair morto a qualquer momento. Ele mal conseguiu ouvir o que a professora dizia sobre Animagos (bruxos que podiam se transformar à vontade em animais), e sequer estava olhando quando ela própria se transformou, diante dos olhos deles, em um gato malhado com marcas de óculos em torno dos olhos.
— Francamente, o que foi que aconteceu com os senhores hoje? — perguntou a Profª. McGonagall, voltando a ser ela mesma, com um estalinho, e encarando a classe toda — Não que faça diferença, mas é a primeira vez que a minha transformação não arranca aplausos de uma turma.
Todas as cabeças tornaram a se virar para Harry, mas ninguém falou.
Então Hermione ergueu a mão.
— Com licença, professora, acabamos de ter a nossa primeira aula de Adivinhação, estivemos lendo folhas de chá e...
— Ah, naturalmente — comentou McGonagall, fechando a cara de repente — Não precisa me dizer mais nada, Srta. Granger. Me diga qual dos senhores vai morrer este ano?
Todos olharam para ela.
— Eu — disse, por fim, Harry.
— Entendo — disse a Profª. McGonagall, fixando em Harry seus olhos de contas — Então, Potter, é melhor saber que Sibila Trelawney tem predito a morte de um aluno por ano desde que chegou a esta escola. Nenhum deles morreu ainda. Ver agouros de morte é a maneira com que ela gosta de dar boas-vindas a uma nova classe. Não fosse o fato de que nunca falo mal dos meus colegas...
A professora se calou, mas todos viram que suas narinas tinham embranquecido de cólera. Ela continuou, mais calma:
— A Adivinhação é um dos ramos mais imprecisos da magia. Não vou ocultar dos senhores que tenho muito pouca paciência com esse assunto. Os verdadeiros videntes são muito raros e a Profª. Trelawney...
Ela parou uma segunda vez, e em seguida disse, num tom despido de emoção:
— Para mim o senhor parece estar gozando de excelente saúde, Potter, por isso me desculpe, mas não vou dispensá-lo do dever de casa, hoje. Mas fique descansado, se o senhor morrer, não precisa entregá-lo.
Hermione riu com gosto. Harry se sentiu um pouco melhor. Era mais difícil sentir medo de folhas de chá longe daquela sala fracamente iluminada por luzes vermelhas, que recendia ao perfume atordoante da Profª. Trelawney. Ainda assim, nem todos ficaram convencidos. Rony continuava com a expressão preocupada e Lilá cochichou:
— E a xícara de Neville?
Quando a aula de Transfiguração terminou, eles se reuniram ao resto dos alunos que atroavam a escola em direção ao Salão Principal para almoçar.
— Anime-se, Rony — falou Hermione, empurrando uma travessa de ensopado para o amigo — Você ouviu o que a Profª. McGonagall disse.
Rony se serviu do ensopado e apanhou o garfo, mas não começou a comer.
— Harry — perguntou ele, em tom baixo, com ar sério — Você não viu um canzarrão preto em algum lugar, viu?
— Vi, sim. Na noite em que saí da casa dos Dursley.
Rony deixou o garfo cair com estrépito.
— Provavelmente um cão sem dono — comentou Hermione calmamente.
O garoto olhou para Hermione como se ela tivesse enlouquecido.
— Mione, se Harry viu um Sinistro, isso é... é ruim. Meu Tio Abílio viu um e... e morreu vinte e quatro horas depois!
— Coincidência — replicou Hermione dignamente, servindo-se de suco de abóbora.
— Você não sabe o que está falando! — disse Rony, começando a se zangar — Os Sinistros deixam a maioria dos bruxos mortos de medo!
— Então é isso — retrucou a garota em tom superior — Eles veem o Sinistro e morrem de medo. O Sinistro não é um agouro, é a causa da morte! E Harry continua conosco porque não é burro de ver um Sinistro e pensar: “Certo, muito bem, então é melhor eu bater as botas!”.
Rony fez protestos para Hermione, que abriu a mochila, tirou o novo livro de Aritmancia e apoiou-o na jarra de suco.
— Acho que Adivinhação é uma coisa meio confusa — disse, procurando a página que queria — É muita adivinhação, se querem saber a minha opinião.
— Não houve nada confuso com o Sinistro naquela xícara! — retrucou Rony acaloradamente.
— Você não me pareceu tão confiante quando disse ao Harry que era um carneiro — respondeu a menina sem se alterar.
— A Profª. Trelawney disse que você não tinha a aura necessária! Você não gosta é de ser ruim em uma matéria para variar!
Ele acabara de tocar num ponto sensível.
Hermione bateu com o livro de Aritmancia na mesa com tanta força que voaram pedacinhos de carne e cenoura para todo lado.
— Se ser boa em Adivinhação é ter que fingir que estou vendo agouros de morte em borras de folhas de chá, não tenho certeza se quero continuar a estudar essa matéria por muito mais tempo! Aquela aula foi uma idiotice completa se comparada à minha aula de Aritmancia!
E, agarrando a mochila, a menina se retirou.
Rony franziu a testa acompanhando com os olhos a amiga se afastando.
— Do que é que ela estava falando? — perguntou a Harry — Ela ainda não assistiu a nenhuma aula de Aritmancia.

* * *

Harry ficou contente de sair do castelo depois do almoço. A chuva do dia anterior parara, o céu estava claro, cinza-pálido e a grama parecia elástica e úmida sob os pés quando os garotos rumaram para a primeiríssima aula de Trato das Criaturas Mágicas.
Rony e Hermione não estavam se falando. Harry caminhava ao lado dos dois em silêncio enquanto desciam os gramados em direção à cabana de Hagrid, na orla da Floresta Proibida.
Somente quando identificaram três costas muito conhecidas à frente é que se deram conta de que iriam compartilhar as aulas com os alunos da Sonserina. Draco, falava animadamente com Crabbe e Goyle, que riam com gosto. Harry tinha quase certeza de qual era o assunto da conversa.
Hagrid já estava à espera dos alunos à porta da cabana. Vestia o casaco de pele de toupeira, com Canino, o cão de caçar javalis, nos calcanhares, e parecia impaciente para começar.
— Vamos, andem depressa! — falou quando os alunos se aproximaram — Tenho uma coisa ótima para vocês hoje! Vai ser uma grande aula! Estão todos aqui? Certo, então me acompanhem!
Por um momento de apreensão, Harry pensou que Hagrid os levaria para a Floresta Proibida, o menino já tivera suficientes experiências desagradáveis ali para a vida inteira. No entanto, o guarda-caça contornou a orla das árvores e cinco minutos depois eles estavam diante de uma espécie de picadeiro. Não havia nada ali.
— Todos se agrupem em volta dessa cerca! — mandou ele — Isso... procurem garantir uma boa visibilidade... agora, a primeira coisa que vão precisar fazer é abrir os livros...
— Como? — perguntou a voz fria e arrastada de Draco Malfoy.
— Que foi? — perguntou Hagrid.
— Como é que vamos abrir os livros? — repetiu o menino.
Ele retirou da mochila seu exemplar de O Livro Monstruoso dos Monstros, amarrado com um pedaço de corda. Outros alunos fizeram o mesmo, alguns, como Harry, tinham fechado o livro com um cinto, outros os tinham enfiado em sacos justos ou fechado os livros com grampos.
— Será... será que ninguém conseguiu abrir o livro? — perguntou Hagrid, com ar de desapontamento.
Todos os alunos sacudiram negativamente as cabeças.
— Vocês têm que fazer carinho neles — falou o novo professor como se isso fosse a coisa mais óbvia do mundo — Olhem aqui...
Ele apanhou o livro de Hermione e rasgou a fita adesiva que o prendia. O livro tentou morder, mas Hagrid passou seu gigantesco dedo indicador pela lombada, o livro estremeceu, se abriu e permaneceu quieto em sua mão.
— Ah, mas que bobeira a nossa! — caçoou Draco — Devíamos ter feito carinho no livro! Como foi que não adivinhamos!
— Eu... eu achei que eles eram engraçados — disse Hagrid, inseguro, para Hermione.
— Ah, engraçadíssimos! — comentou Draco — Uma ideia realmente espirituosa, nos dar livros que tentam arrancar nossa mão.
— Cala a boca, Malfoy — advertiu-o Harry baixinho.
Hagrid parecia arrasado, e o garoto queria que aquela primeira aula do seu amigo fosse um sucesso.
— Certo, então — continuou Hagrid, que pelo jeito perdera o fio do pensamento —... Então vocês já têm os livros e... e... agora faltam as criaturas mágicas. É. Então vou buscá-las. Esperem um pouco...
Ele se afastou na direção da floresta e desapareceu de vista.
— Nossa, essa escola está indo para o brejo! — falou Draco em voz alta — Esse pateta dando aulas, meu pai vai ter um acesso quando eu contar...
— Cala a boca, Malfoy — repetiu Harry.
— Cuidado, Potter, tem um dementador atrás de você...
— Aaaaaaah! — guinchou Lilá Brown, apontando para o lado oposto do picadeiro.
Trotavam em direção aos garotos mais ou menos uma dezena dos bichos mais bizarros que Harry já vira na vida. Tinham os corpos, as pernas traseiras e as caudas de cavalo, mas as pernas dianteiras, as asas e a cabeça de uma coisa que lembrava águias gigantescas, com bicos cruéis cinza-metálico e enormes olhos laranja-vivos. As garras das pernas dianteiras tinham uns quinze centímetros de comprimento e um aspecto letal. Cada um dos bichos trazia uma grossa coleira de couro ao pescoço engatada em uma longa corrente, cujas pontas estavam presas nas imensas mãos de Hagrid, que entrou correndo no picadeiro atrás dos bichos.
— Upa! Upa! AÍ! — bradou ele, sacudindo as correntes e incitando os bichos na direção da cerca onde se agrupavam os alunos.
Todos recuaram, instintivamente, quando Hagrid chegou bem perto e amarrou os bichos na cerca.
— Hipogrifos! — bradou Hagrid alegremente, acenando para eles — Lindos, não acham?
Harry conseguiu entender mais ou menos o que Hagrid quis dizer. Depois que se supera o primeiro choque de ver uma coisa que é metade cavalo, metade ave, a pessoa começava a apreciar a pelagem luzidia dos hipogrifos, que mudava suavemente de pena para pêlo, cada animal de uma cor diferente: cinza-chuva, bronze, rosado, castanho brilhante e nanquim.
— Então — disse Hagrid, esfregando as mãos e sorrindo para todos — Se vocês quiserem chegar mais perto...
Ninguém pareceu querer.
Harry, Rony e Hermione, porém, se aproximaram cautelosamente da cerca.
— Agora, a primeira coisa que vocês precisam saber sobre os hipogrifos é que são orgulhosos — explicou Hagrid — Se ofendem com facilidade, os hipogrifos. Nunca insultem um bicho desses, porque pode ser a última coisa que vão fazer na vida.
Malfoy, Crabbe e Goyle não estavam prestando atenção; falavam aos cochichos e Harry teve o mau pressentimento de que estavam combinando a melhor maneira de estragar a aula.
— Vocês sempre esperam o hipogrifo fazer o primeiro movimento — continuou Hagrid — É uma questão de cortesia, entendem? Vocês vão até eles, fazem uma reverência e aí esperam. Se o bicho retribuir o cumprimento, vocês podem tocar nele. Se não retribuir, então saiam de perto bem depressinha, porque essas garras machucam feio. Certo, quem quer ser o primeiro?
Em resposta, a maioria dos alunos recuou mais um pouco. Até Harry, Rony e Hermione se sentiram apreensivos. Os hipogrifos balançavam as cabeças de aspecto feroz e flexionavam as fortes asas; não pareciam gostar de estar presos daquele jeito.
— Ninguém? — disse Hagrid, com um olhar suplicante.
— Eu vou — disse Harry.
Ouviu-se gente ofegar atrás dele e Lilá e Parvati murmuraram a mesma coisa:
— Aaah, não, Harry, lembra das folhas de chá!
Harry não deu ouvido às meninas. Trepou pela cerca do picadeiro.
— É assim que se faz, Harry! — gritou Hagrid — Certo, então... vamos ver como você se entende com o Bicuço.
E, dizendo isso, soltou uma das correntes, separou o hipogrifo cinzento dos restantes e retirou a coleira de couro.
A turma do outro lado da cerca parecia estar prendendo a respiração.
Os olhos de Draco se estreitaram maliciosamente.
— Calma, agora, Harry — disse Hagrid em voz baixa — Você fez contato com os olhos, agora tente não piscar... os hipogrifos não confiam na pessoa que pisca demais...
Os olhos de Harry imediatamente começaram a se encher de água, mas ele não os fechou.
Bicuço virava a cabeçorra alerta e fixava um cruel olho laranja em Harry.
— Isso mesmo — disse Hagrid — Isso mesmo, Harry... agora faça a reverência...
Harry não se sentia nada animado a expor a nuca a Bicuço, mas fez o que era mandado. Curvou-se brevemente e ergueu os olhos.
O hipogrifo continuava a fixá-lo com altivez. Nem se mexeu.
— Ah — exclamou Hagrid, parecendo preocupado — Certo... recue, agora, Harry, devagarinho...
Mas nesse instante, para enorme surpresa de Harry, o hipogrifo inesperadamente dobrou os escamosos joelhos dianteiros e afundou o corpo em uma inconfundível reverência.
— Muito bem, Harry! — aplaudiu Hagrid, extasiado — Certo... pode tocá-lo! Acaricie o bico dele, vamos!
Com a impressão de que recuar teria sido uma recompensa melhor, Harry avançou devagarinho para o hipogrifo e estendeu a mão. Acariciou seu bico várias vezes e o bicho fechou os olhos demoradamente, como se estivesse gostando.
A turma prorrompeu em aplausos, a exceção de Malfoy, Crabbe e Goyle, que pareciam profundamente desapontados.
— Certo então, Harry — falou Hagrid — Acho que ele até deixaria você montar nele!
Isto era mais do que o toma lá dá cá proposto por Harry... ele estava acostumado a montar vassouras; mas não tinha muita certeza se um hipogrifo seria a mesma coisa.
— Isso, suba ali, logo atrás da articulação das asas — mandou Hagrid — E cuidado para não arrancar nenhuma pena, ele não vai gostar nem um pouco...
Harry pisou no alto da asa de Bicuço e se içou para cima das costas do bicho, o bicho se ergueu. Harry não tinha muita certeza de onde deveria se agarrar; à sua frente tudo era coberto de penas.
— Pode ir, então! — bradou Hagrid, dando uma palmada nos quartos do hipogrifo.
Sem aviso, as asas de quase quatro metros se abriram a cada lado de Harry, ele só teve tempo de se agarrar ao pescoço do hipogrifo e já estava voando para o alto. Não foi nada semelhante a uma vassoura e Harry soube na hora qual dos dois preferia: as asas do hipogrifo adejavam desconfortavelmente dos lados, batendo por baixo de suas pernas e dando-lhe a sensação de que estava prestes a ser jogado no ar. As penas acetinadas escorregavam dos seus dedos e o garoto não se atrevia a se agarrar com mais força; em vez do vôo suave da Nimbus 2000, ele agora balançava para frente e para trás quando os quartos do hipogrifo subiam e desciam acompanhando o movimento das asas.
Bicuço deu uma volta por cima do picadeiro e em seguida embicou para o chão, essa foi a parte que Harry teve receio, ele jogou o corpo para trás, à medida que o pescoço liso do bicho abaixava, achando que ia escorregar por cima do bico, então, sentiu um baque quando os quatro membros desparelhados do bicho tocaram o chão. Por milagre, conseguiu se segurar e tornar a se endireitar.
— Bom trabalho, Harry! — berrou Hagrid enquanto todos, exceto Malfoy, Crabbe e Goyle, aplaudiam — Muito bem, quem mais quer experimentar?
Encorajados pelo sucesso, os outros alunos subiram, cautelosos, pela cerca do picadeiro. Hagrid soltou os hipogrifos, um a um, e logo os garotos, nervosos, começaram a fazer reverências por todo o picadeiro. Neville fugiu várias vezes do dele, pois o bicho não estava com jeito de querer dobrar os joelhos. Rony e Hermione praticaram no hipogrifo castanho, enquanto Harry observava.
Malfoy, Crabbe e Goyle ficaram com Bicuço. Ele acabara de retribuir a reverência de Malfoy, que agora lhe acariciava o bico, com um ar desdenhoso.
— Isso é moleza — disse Draco com a voz arrastada, suficientemente alta para Harry ouvir — Só podia ser, se o Potter conseguiu fazer... aposto que você não tem nada de perigoso, tem? — disse ao hipogrifo — Tem, seu brutamontes feioso?
Aconteceu num breve movimento das garras de aço. Draco soltou um berro agudo e no momento seguinte, Hagrid estava pelejando para enfiar a coleira em Bicuço, enquanto o bicho fazia força para avançar no garoto, que caíra dobrado na relva, o sangue aflorando em suas vestes.
— Estou morrendo! — gritou Malfoy enquanto a turma entrava em pânico — Estou morrendo, olhem só para mim! Ele me matou!
— Você não está morrendo! — disse Hagrid, que ficara muito pálido — Alguém me ajude... preciso tirar ele daqui...
Hermione correu para abrir o portão enquanto Hagrid erguia Malfoy nos braços, sem esforço. Quando os dois passaram, Harry observou que havia um corte grande e fundo no braço de Draco, o sangue pingava no gramado e o guarda-caça, com o garoto ao colo, subiu correndo a encosta em direção ao castelo.
Muito abalados, os alunos da aula de Trato das Criaturas Mágicas os seguiram caminhando normalmente.
Os alunos da Sonserina gritavam contra Hagrid.
— Deviam despedir ele, imediatamente! — disse Pansy Parkinson, que estava às lágrimas.
— Foi culpa do Draco! — replicou Dino Thomas com rispidez.
Crabbe e Goyle flexionavam os braços, ameaçadores.
Os garotos subiram os degraus de pedra para o saguão deserto.
— Vou ver se ele está bem! — disse Pansy, e os outros ficaram observando-a subir de corrida a escadaria de mármore.
Os alunos da Sonserina, ainda murmurando contra Hagrid, rumaram para sua Sala Comunal, em uma masmorra.
Harry, Rony e Hermione subiram as escadas para a Torre da Grifinória.
— Vocês acham que ele vai ficar bem? — perguntou Hermione, nervosa.
— Claro que vai. Madame Pomfrey cura cortes em um segundo — disse Harry, que já tivera ferimentos muito mais sérios curados magicamente pela enfermeira.
— Foi realmente ruim acontecer isso na primeira aula de Hagrid, vocês não acham? — comentou Rony, parecendo preocupado.
— Sempre se pode contar com o Draco para estragar as coisas para o Hagrid...
Os três foram os primeiros a chegar ao Salão Principal para jantar, na esperança de verem Hagrid, mas o amigo não estava lá.
— Não iriam despedir ele, vocês acham que sim? — perguntou Hermione aflita, sem tocar no pudim de carne e rins.
— É melhor não — replicou Rony, que também não estava comendo.
Harry ficou observando a mesa da Sonserina. Um grande grupo, que incluía Crabbe e Goyle, estava reunido, absorto em conversas. Harry teve certeza de que estavam inventando a própria versão para o ferimento de Draco.
— Bem, não se pode dizer que não foi um primeiro dia de aula interessante — comentou Rony, deprimido.
Os três subiram para o Salão Comunal da Grifinória depois do jantar e tentaram fazer o dever de casa que a Profª. McGonagall passara, mas ficaram o tempo todo interrompendo-o para espiar pela janela.
— Tem luz na janela de Hagrid — disse Harry de repente.
Rony consultou o relógio.
— Se a gente andar depressa, pode descer para ver ele. Ainda é cedo...
— Não sei — disse Hermione, lentamente, e Harry viu que a amiga o olhava.
— Eu tenho permissão para andar pela propriedade — disse o garoto incisivamente — Sirius Black ainda não passou pelos dementadores ou passou?
Então eles guardaram o material de estudo e se dirigiram ao buraco do retrato, felizes por não encontrar ninguém no caminho até a Porta Principal, porque não tinham tanta certeza assim de que podiam sair.
O gramado ainda estava úmido e parecia quase negro à luz das estrelas. Quando chegaram à cabana de Hagrid, bateram e uma voz resmungou rouca:
— Pode entrar.
Hagrid estava sentado em mangas de camisa à mesa de madeira escovada. O cachorro, Canino, tinha a cabeça no colo dele. Ao primeiro olhar, os garotos perceberam que o amigo andara bebendo muito, havia uma caneca de alpaca quase do tamanho de um balde diante dele e parecia ter dificuldade para focalizá-los.
— Imagino que seja um recorde — disse com a voz pastosa, quando os reconheceu — Calculo que nunca tiveram um professor que só durasse um dia.
— Você não foi despedido, Hagrid! — ofegou Hermione.
— Ainda não — respondeu ele, infeliz, tomando um grande gole do que havia na caneca — Mas é só uma questão de tempo, não depois que Malfoy...
— Como é que ele está? — perguntou Rony enquanto se sentavam — Não foi grave, foi?
— Madame Pomfrey fez o melhor que pôde — disse Hagrid num tom inexpressivo — Mas ele diz que continua doendo muito... todo enfaixado... gemendo...
— Ele está fingindo — disse Harry na mesma hora — Madame Pomfrey sabe curar qualquer coisa. Ela fez crescer metade dos meus ossos no ano passado. Pode contar que Draco vai se aproveitar o máximo que puder do acidente.
— Os conselheiros da escola foram informados, é claro — disse Hagrid, infeliz — Acham que comecei muito grande. Devia ter deixado os hipogrifos para mais tarde... que estudasse vermes ou outra coisa pequena... só quis fazer uma primeira aula boa... então a culpa é minha...
— É tudo culpa do Malfoy, Hagrid! — disse Hermione, séria.
— Somos testemunhas — acrescentou Harry — Você avisou que os hipogrifos atacam quando são insultados. O problema é do Malfoy se ele não estava prestando atenção. Vamos contar ao Dumbledore o que realmente aconteceu.
— Vamos, sim, não se preocupe, Hagrid, vamos confirmar sua história — disse Rony.
Lágrimas saltaram dos cantos enrugados dos olhos de Hagrid, negros como besouros. Ele puxou Harry e Rony e lhes deu um abraço de quebrar as costelas.
— Acho que você já bebeu o suficiente, Hagrid — falou Hermione com firmeza.
E apanhou a caneca na mesa e saiu da cabana para esvaziá-la.
— Ah, talvez ela tenha razão — reconheceu Hagrid, soltando Harry e Rony, que recuaram cambaleando e massageando as costelas.
O guarda-caça levantou-se com esforço da cadeira e seguiu Hermione até o lado de fora, com o andar vacilante.
Os garotos ouviram barulho de água caindo.
— Que foi que ele fez? — perguntou Harry, nervoso, quando Hermione voltou trazendo a caneca vazia.
— Meteu a cabeça no barril de água — respondeu Hermione, guardando a caneca.
Hagrid voltou, os cabelos e barbas longas empapados, enxugando a água dos olhos.
— Assim está melhor — falou, sacudindo a cabeça como um cachorro e molhando os garotos — Escutem, foi muita bondade vocês terem vindo me ver, eu realmente...
Hagrid parou de repente, encarando Harry como se tivesse acabado de perceber que ele estava ali.
— QUE É QUE VOCÊ ACHA QUE ESTÁ FAZENDO, HEIN? — bradou, tão inesperadamente que os garotos deram um pulo de mais de um palmo — VOCÊ NÃO PODE SAIR ANDANDO POR AÍ DEPOIS DO ANOITECER, HARRY! E VOCÊS DOIS! DEIXARAM-NO SAIR!
Hagrid foi até Harry agarrou-o pelo braço e puxou-o para a porta.
— Vamos! — disse aborrecido — Vou levar vocês de volta à escola, e não quero pegar ninguém saindo para me ver depois do anoitecer. Eu não valho o risco!










______________________________


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe seu comentário para elogiar ou criticar o T.World. Somente com seu apoio e ajuda, o T.World pode se tornar ainda melhor.