— CAPÍTULO DEZESSETE —
Gato, Rato e Cão
A CABEÇA DE HARRY SE
ESVAZIOU COM O CHOQUE. Os três garotos ficaram paralisados de horror sob a Capa
da Invisibilidade. Os últimos raios do sol poente lançavam uma claridade
sangrenta sobre os imensos campos sombrios da escola. Então, atrás deles, os
garotos ouviram um uivo selvagem.
—
Hagrid — murmurou Harry.
E,
sem pensar no que estava fazendo, fez menção de dar meia-volta, mas Rony e
Hermione o seguraram pelos braços.
— Não
podemos — disse Rony, que estava branco como uma folha de papel — Hagrid vai
ficar numa situação muito pior se souberem que fomos à casa dele...
A
respiração de Hermione estava rasa e desigual.
—
Como... puderam... fazer... isso? — engasgou-se a garota — Como puderam?
—
Vamos — disse Rony, cujos dentes davam a impressão de estar batendo.
Os
três voltaram ao castelo, andando devagar, para se manter escondidos sob a
capa. A claridade ia desaparecendo depressa agora. Quando chegaram à área ajardinada,
a escuridão desceu, como por encanto, a toda volta.
—
Perebas, fica quieto — sibilou Rony, apertando a mão contra o peito.
O
rato se debatia, enlouquecido. Rony parou de repente, tentando empurrá-lo para
o fundo do bolso.
— Que
é que há com você, seu rato burro? Fica parado aí... AI! Ele me mordeu!
—
Rony, fica quieto! — cochichou Hermione com urgência — Fudge vai nos alcançar
em um minuto...
— Ele
não quer... ficar... parado...
Perebas
estava visivelmente aterrorizado. Contorcia-se com todas as suas forças,
tentando se desvencilhar da mão de Rony.
— Que
é que há com ele?
Mas
Harry acabara de ver, esquivando-se em direção ao grupo, o corpo colado no
chão, grandes olhos amarelos que brilhavam lugubremente no escuro, Bichento. Se
podia vê-los ou se estava seguindo os guinchos de Perebas, Harry não saberia
dizer.
—
Bichento! — gemeu Hermione — Não! Vai embora, Bichento! Vai embora!
Mas o
gato se aproximava sempre mais...
—
Perebas... NÃO!
Tarde
demais, o rato escorregou por entre os dedos apertados de Rony, bateu no chão e
fugiu precipitadamente. De um salto, Bichento saiu em seu encalço, e antes que
Harry ou Hermione pudessem detê-lo, Rony arrancara a Capa da Invisibilidade e
se arremessava pela escuridão.
—
Rony — gemeu Hermione.
Ela e
Harry se entreolharam e correram atrás do amigo, era impossível correr com
desenvoltura com a capa por cima, arrancaram-na e ela ficou voando para trás
como uma bandeira, quando os dois saíram desabalados atrás de Rony, ouviram os
passos dele à frente e seus gritos para Bichento.
—
Fique longe dele... fique longe... Perebas, volta aqui...
Ouviu-se
um baque sonoro.
— Te
peguei! Dá o fora, seu gato fedorento...
Harry
e Hermione quase caíram em cima de Rony; pararam derrapando diante dele. O
amigo estava esparramado no chão, mas Perebas já estava de volta ao bolso. Rony
apertava com as duas mãos um calombo trepidante.
—
Rony... vamos... volta para baixo da capa... — ofegou Hermione — Dumbledore...
o Ministro... eles vão voltar para o castelo já, já...
Mas
antes que pudessem se cobrir outra vez, antes que pudessem sequer recuperar o
fôlego, eles ouviram o ruído macio de patas gigantescas. Algo estava saltando
da escuridão em sua direção, um enorme cão negro de olhos claros.
Harry
tentou pegar a varinha, mas tarde demais, o cão investira dando um enorme
salto, e suas patas dianteiras atingiram o garoto no peito, Harry caiu para
trás num redemoinho de pelos, sentiu o hálito quente do animal, viu seu dente
de mais de dois centímetros...
Mas a
força do salto impelira o cão longe demais, ultrapassara Harry. Aturdido, com a
sensação de que suas costelas tinham quebrado, o garoto tentou se levantar,
ouviu o cão rosnar e derrapar se posicionando para um novo ataque.
Rony
estava de pé. Quando o cão saltou contra os dois, ele empurrou Harry para o
lado; e, em vez de Harry, as mandíbulas do bicho abocanharam o braço estendido
de Rony. Harry se atirou para cima dele, agarrou uma mão cheia de pelos do cão,
mas o bruto foi arrastando Rony para longe com a facilidade com que arrastaria
uma boneca de trapos...
Então,
ele não viu de onde, uma coisa atingiu seu rosto com tanta força que ele foi
novamente derrubado no chão. Harry ouviu Hermione gritar de dor e cair também.
O menino tateou à procura de sua varinha, piscando para limpar o sangue dos olhos...
— Lumos!— sussurrou.
A luz
produzida pela varinha mostrou-lhe um grosso tronco de árvore: tinham corrido
atrás de Perebas até a sombra do Salgueiro Lutador, cujos ramos estalavam como
se estivessem sendo açoitados por um forte vento, avançavam e recuavam para
impedir os garotos de se aproximarem.
E
ali, na base do tronco, o cão arrastava Rony para dentro de um grande buraco
entre as raízes, o garoto lutava furiosamente, mas sua cabeça e seu tronco
foram desaparecendo de vista...
—
Rony! — gritou Harry, tentando segui-lo, mas um pesado galho chicoteou
ameaçadoramente o ar e ele foi forçado a recuar.
Agora
estava visível apenas uma das pernas de Rony, que ele enganchara em torno de
uma raiz na tentativa de impedir o cão de arrastá-lo mais para o fundo da
terra, mas um estampido terrível cortou o ar feito um tiro, a perna de Rony se
partiu e um instante depois, seu pé desaparecera de vista.
—
Harry... temos que procurar ajuda... — gritou Hermione; ela também sangrava, o
salgueiro a cortara na altura dos ombros.
—
Não! Aquela coisa é bastante grande para comer Rony; não temos tempo...
—
Harry nunca vamos conseguir entrar sem ajuda...
Mais
um galho desceu como um chicote em sua direção, os raminhos curvados como
articulações de dedos.
— Se
aquele cão pôde entrar, nós também podemos — ofegou Harry, correndo para um
lado e para outro, tentando encontrar uma brecha entre os galhos que varriam
com violência o ar, mas não podia se aproximar nem mais um centímetro das
raízes da árvore sem ficar ao alcance dos golpes que ela desferia.
— Ah,
socorro, socorro — murmurava freneticamente Hermione, dançando no mesmo lugar —
Por favor...
Bichento
disparou adiante dos garotos. Deslizou por entre os galhos agressores como uma
cobra e colocou as patas dianteiras sobre um nó que havia no tronco.
Abruptamente,
como se a árvore tivesse se transformado em pedra, ela parou de se movimentar.
Sequer uma folha virava ou sacudia.
—
Bichento! — sussurrou Hermione insegura. Ela agora apertava o braço de Harry
com tanta força que provocava dor — Como é que ele sabia...?
— Ele
é amigo daquele cão — respondeu Harry, sombriamente — Já os vi juntos. Vamos...
e mantenha a varinha na mão...
Os
dois venceram a distância até o tronco em segundos, mas antes que pudessem
alcançar o buraco nas raízes, Bichento deslizara para dentro com um aceno do
seu rabo de escovinha. Harry entrou em seguida, avançou arrastando-se, a cabeça
à frente, e escorregou por uma descida de terra até o leito de um túnel muito
baixo.
Bichento
ia mais adiante, os olhos faiscando à luz da varinha de Harry. Segundos depois,
Hermione escorregou para junto do garoto.
—
Onde é que foi o Rony? — sussurrou ela com terror na voz.
— Por
ali — respondeu Harry, caminhando, curvado, atrás de Bichento.
—
Onde é que vai dar esse túnel? — perguntou Hermione, ofegante.
— Eu
não sei... está marcado no Mapa do Maroto, mas Fred e Jorge disseram que
ninguém nunca tinha entrado. Ele continua para fora do mapa, mas parecia que ia
em direção a Hogsmeade...
Os
garotos caminharam o mais rápido que puderam, quase dobrados em dois, à frente,
o rabo de Bichento entrava e saía do seu campo de visão. E a passagem não tinha
fim, dava a impressão de ser no mínimo tão longa quanto a que levava à
Dedosdemel. Harry só conseguia pensar em Rony e no que aquele canzarrão podia
estar fazendo com o seu amigo... ele respirava em arquejos curtos e dolorosos,
correndo agachado... e então o túnel começou a subir, momentos depois se virou
e Bichento tinha desaparecido.
Em
vez do gato, Harry viu um espaço mal iluminado por meio de uma pequena
abertura. Ele e Hermione pararam, procurando recuperar o fôlego, depois
avançaram cautelosamente. Os dois ergueram as varinhas para ver o que havia
além.
Era
um quarto, muito desarrumado e poeirento. O papel descascava das paredes, havia
manchas por todo o chão; cada móvel estava quebrado como se alguém o tivesse
atacado. As janelas estavam vedadas com tábuas.
Harry
olhou para Hermione, que parecia muito amedrontada, mas concordou com um aceno
de cabeça. Harry saiu pelo buraco, olhando para todos os lados. O quarto estava
deserto, mas havia uma porta aberta à direita, que levava a um corredor
sombrio. Hermione, de repente, tornou a agarrar o braço de Harry. Seus olhos
arregalados percorreram as janelas vedadas.
—
Harry — cochichou ela — Acho que estamos na Casa dos Gritos.
Harry
olhou a toda volta. Seus olhos se detiveram em uma cadeira de madeira, próxima.
Havia grande pedaços partidos; uma das pernas fora inteiramente arrancada.
—
Fantasmas não fazem isso — comentou ele calmamente.
Naquele
momento, os dois ouviram um rangido no alto. Alguma coisa se mexera no andar de
cima. Os dois olharam para o teto. Hermione apertava o braço de Harry com tanta
força que ele estava perdendo a sensibilidade nos dedos. O garoto ergueu as
sobrancelhas para ela, Hermione concordou outra vez e soltou-o.
O
mais silenciosamente que puderam, os dois saíram para o corredor e subiram uma
escada desmantelada. Tudo estava coberto por uma espessa camada de poeira,
exceto o chão, onde uma larga faixa brilhante fora aparentemente limpa por uma
coisa arrastada para o primeiro andar. Eles chegaram ao patamar escuro.
— Nox! — sussurraram ao mesmo tempo, e as
luzes nas pontas de suas varinhas se apagaram.
Havia
apenas uma porta aberta. Ao se esgueirarem nessa direção, ouviram um movimento
atrás da porta; um gemido baixo e em seguida um ronronar alto e grave. Eles
trocaram um último olhar e um último aceno de cabeça. A varinha empunhada com
firmeza à frente, Harry escancarou a porta com um chute.
Numa
imponente cama de colunas, com cortinas empoeiradas, encontrava-se Bichento,
que ronronou alto ao vê-los. No chão ao lado do gato, agarrando a perna
estendida num ângulo estranho, encontrava-se Rony.
Harry
e Hermione correram para o amigo.
—
Rony... você está bem?
—
Onde está o cão?
— Não
é um cão — gemeu Rony. Seus dentes rilhavam de dor — Harry é uma armadilha...
—
Que...
— Ele
é o cão... ele é um animago...
Rony
olhava fixamente por cima do ombro de Harry. Este se virou depressa. Com um
estalo, o homem nas sombras fechou a porta do quarto. Uma massa de cabelos
imundos e embaraçados caíam até seus cotovelos. Se seus olhos não estivessem
brilhando em órbitas fundas e escuras, ele poderia ser tomado por um cadáver. A
pele macilenta estava tão esticada sobre os ossos do rosto, que ele lembrava
uma caveira. Os dentes amarelos estavam arreganhados num sorriso.
Era
Sirius Black.
—
Expelliarmus! — disse com voz rouca, apontando a varinha de Rony para os
garotos.
As
varinhas de Harry e Hermione saíram voando de suas mãos e Black as recolheu.
Então se aproximou. Seus olhos estavam fixos em Harry.
—
Achei que você viria ajudar seu amigo — a voz dava a impressão de que havia
muito tempo ele perdera o hábito de usá-la — Seu pai teria feito o mesmo por
mim. Foi muita coragem não correr à procura de um professor. Fico agradecido...
vai tornar as coisas muito mais fáceis...
A
referência sarcástica ao seu pai ecoou nos ouvidos de Harry como se Black a
tivesse gritado. Um ódio escaldante explodiu em seu peito, não deixando lugar
para o medo. Pela primeira vez na vida ele desejou ter a varinha nas mãos, não
para se defender, mas para atacar... para matar.
Sem
saber o que estava fazendo, começou a avançar, mas percebeu um movimento
repentino de cada lado do seu corpo e dois pares de mãos o puxaram e o mantiveram
parado.
—
Não, Harry! — exclamou Hermione num sussurro petrificado.
Rony,
porém, se dirigiu a Black.
— Se
você quiser matar Harry, terá que nos matar também! — disse impetuosamente,
embora o esforço de ficar de pé tivesse acentuado sua palidez e ele oscilasse
um pouco ao falar.
Alguma
coisa brilhou nos olhos sombrios de Black.
—
Deite-se — disse brandamente a Rony — Você vai piorar a fratura nessa perna.
—
Você me ouviu? — disse Rony com a voz fraca, embora se apoiasse dolorosamente
em Harry para se manter de pé — Você vai ter que matar os três!
— Só
vai haver uma morte aqui hoje à noite — disse Black, e seu sorriso se alargou.
— Por
quê? — perguntou Harry com veemência, tentando se desvencilhar de Rony e
Hermione — Você não se importou com isso da última vez, não foi mesmo? Não se
importou de matar aqueles trouxas todos para atingir Pettigrew... que foi que
houve, amoleceu em Azkaban?
—
Harry! — choramingou Hermione — Fica quieto!
— ELE
MATOU MINHA MÃE E MEU PAI! — bradou Harry, com grande esforço, se desvencilhou
de Hermione e Rony que o retinham pelos braços, e avançou...
Harry
esquecera a magia, esquecera que era baixo e magricela e tinha treze anos,
enquanto Black era um homem alto e adulto, ele só sabia que queria ferir Black
da maneira mais horrível que pudesse e não se importava se fosse ferido
também...
Talvez
fosse o choque de ver Harry fazer uma coisa tão idiota, mas Black não ergueu as
varinhas em tempo. Uma das mãos de Harry segurou seu pulso magro, forçando as
pontas das varinhas para baixo; o punho de sua outra mão atingiu o lado da
cabeça de Black e os dois caíram de costas contra a parede...
Hermione
gritava, Rony berrava, houve um relâmpago ofuscante quando as varinhas na mão
de Black emitiram um jorro de fagulhas no ar que, por centímetros, não atingiu
o rosto de Harry. O garoto sentiu o braço magro sob seus dedos se torcer
furiosamente, mas continuou a segurá-lo, a outra mão socando cada parte do
corpo de Black que conseguia alcançar.
Mas a
mão livre de Black encontrou a garganta de Harry...
— Não
— sibilou ele — Esperei tempo demais...
Seus
dedos intensificaram o aperto, Harry ficou sem ar, seus óculos entortaram no
rosto. Então ele viu o pé de Hermione, vindo não sabia de onde, erguer-se no
ar. Black largou Harry com um gemido de dor, Rony se atirara sobre a mão com
que Black segurava as varinhas e Harry ouviu uma batida leve... ele lutou para
se livrar dos corpos embolados e viu sua varinha rolando pelo chão; atirou-se
para ela mas...
—
Arre!
Bichento
entrara na briga, o par dianteiro de garras se enterrou fundo no braço de
Harry, o garoto se soltou, mas agora o gato corria para sua varinha...
— NÃO
VAI NÃO! — berrou Harry, e mirou um pontapé no gato que o fez saltar para o
lado, bufando; o garoto agarrou a varinha, virou-se e... — Saiam da frente! —
gritou para Rony e Hermione.
Não
foi preciso falar duas vezes. Hermione, ofegante, a boca sangrando, atirou-se
para o lado, ao mesmo tempo em que recuperava as varinhas dela e de Rony. O
garoto arrastou-se até a cama de colunas e largou-se sobre ela, arquejante, o
rosto pálido agora se tingindo de verde, as mãos segurando a perna quebrada.
Black
estava esparramado junto à parede. Seu peito magro subia e descia rapidamente
enquanto observava Harry se aproximar devagar, a varinha apontada para o seu
coração.
— Vai
me matar, Harry? — murmurou ele.
O
garoto parou bem em cima de Black, a varinha ainda apontada para o seu coração,
encarando-o do alto. Um inchaço pálido surgia em torno do olho esquerdo do
homem e seu nariz sangrava.
—
Você matou meus pais — acusou-o Harry, com a voz ligeiramente trêmula, mas a
mão segurando a varinha com firmeza.
Black
encarou-o com aqueles olhos fundos.
— Não
nego que matei — disse muito calmo — Mas se você soubesse da história
completa...
— A
história completa? — repetiu Harry, os ouvidos latejando furiosamente — Você
vendeu meus pais a Voldemort. É só isso que preciso saber.
—
Você tem que me ouvir — disse Black, e havia agora uma urgência em sua voz —
Você vai se arrepender se não me ouvir... você não compreende...
—
Compreendo muito melhor do que você pensa — disse Harry, e sua voz tremeu mais
que nunca — Você nunca a ouviu, não é? Minha mãe... tentando impedir Voldemort
de me matar... e foi você que fez aquilo... você é que fez...
Antes
que qualquer dos dois pudesse dizer outra palavra, uma coisa alaranjada passou
correndo por Harry, Bichento saltou para o peito de Black e se sentou ali, bem
em cima do coração. O homem pestanejou e olhou para o gato.
—
Saia daí — murmurou o homem, tentando empurrar Bichento para longe.
Mas o
gato enterrou as garras nas vestes de Black e não se mexeu. Então virou a cara
amassada e feia para Harry e encarou-o com aqueles grandes olhos amarelos...
À sua
direita, Hermione soltou um soluço seco.
Harry
encarou Black e Bichento, apertando com mais força a varinha na mão. E daí se
tivesse que matar o gato também? O bicho estava mancomunado com Black... se
estava disposto a morrer para proteger o homem, não era de sua conta... se o
homem queria salvá-lo, isso só provava que se importava mais com Bichento do
que com os pais de Harry...
O
garoto ergueu a varinha. Agora era o momento de agir. Agora era o momento de
vingar seu pai e sua mãe. Ia matar Black. Tinha que matar Black. Era a sua
chance...
Os
segundos se alongaram. E Harry continuou paralisado ali, com a varinha em
posição, Black olhando para ele, com Bichento sobre o peito. Ouvia-se a penosa
respiração de Rony próximo à cama, Hermione guardava silêncio. Então ouviu-se
um novo ruído... passos abafados ecoaram pelo chão, alguém estava andando no
andar de baixo.
—
ESTAMOS AQUI EM CIMA! — gritou Hermione de repente — ESTAMOS AQUI EM CIMA...
SIRIUS BLACK... DEPRESSA!
Black
fez um movimento assustado que quase desalojou Bichento.
Harry
apertou convulsivamente a varinha. “Aja
agora” disse uma voz em sua cabeça. Mas os passos reboavam escada acima e
Harry ainda não agira.
A
porta do quarto se escancarou com um jorro de faíscas vermelhas e Harry se
virou na hora em que o Prof. Lupin irrompeu no quarto, seu rosto exangue, a
varinha erguida e pronta. Seus olhos piscaram ao ver Rony, deitado no chão,
Hermione encolhida perto da porta, Harry parado ali com a varinha apontada para
Black, e o próprio Black, caído e sangrando aos pés do garoto.
— Expelliarmus!— gritou Lupin.
A
varinha de Harry voou mais uma vez de sua mão, as duas que Hermione segurava
também. Lupin apanhou-as agilmente e avançou pelo quarto, olhando para Black,
que ainda tinha Bichento deitado numa atitude de proteção sobre seu peito.
Harry
ficou parado ali, sentindo-se subitamente vazio. Não agira. Faltara-lhe a
coragem. Black ia ser entregue aos dementadores.
Então
Lupin perguntou com a voz muito tensa.
—
Onde é que ele está, Sirius?
Harry
olhou depressa para Lupin. Não entendeu o que o professor queria dizer. De quem
estava falando? Virou-se para olhar Black outra vez.
O
rosto do homem estava impassível. Por alguns segundos Black nem se mexeu.
Depois, muito lentamente, ergueu a mão vazia e apontou para Rony. Aturdido, Harry se virou para
Rony, que por sua vez parecia confuso.
—
Mas, então... — murmurou Lupin, encarando Black com tal intensidade que parecia
estar tentando ler sua mente — Por que ele não se revelou antes? A não ser
que... — os olhos de Lupin se arregalaram, como se estivesse vendo alguma coisa
além de Black, alguma coisa que mais ninguém podia ver — A não ser que ele
fosse o... a não ser que você tivesse trocado... sem me dizer?
Muito
lentamente, com o olhar fundo cravado no rosto de Lupin, Black confirmou com um
aceno de cabeça.
—
Professor — interrompeu Harry, em voz alta — Que é que está acontecendo...?
Mas
nunca chegou a terminar a pergunta, porque o que viu fez sua voz morrer na
garganta. Lupin estava baixando a varinha, os olhos fixos em Black. O professor
foi até Black, apanhou a varinha dele, levantou-o de modo que Bichento caiu no
chão e abraçou Black como a um irmão.
Harry
sentiu como se o fundo do seu estômago tivesse despencado.
— EU
NÃO ACREDITO! — berrou Hermione.
Lupin
soltou Black e se virou para a garota. Ela se erguera do chão e estava
apontando para Lupin, de olhos arregalados.
— O
senhor... o senhor...
—
Hermione...
—...
o senhor e ele!
—
Hermione se acalme...
— Eu
não contei a ninguém! — esganiçou-se a garota — Tenho encoberto o senhor...
—
Hermione, me escute, por favor! — gritou Lupin — Posso explicar...
Harry
sentia o corpo tremer, não com medo, mas com uma nova onda de fúria.
— Eu
confiei no senhor — gritou ele para Lupin, sua voz se descontrolando — E o
tempo todo o senhor era amigo dele!
—
Você está enganado — disse Lupin — Eu não era amigo de Sirius, mas agora sou...
deixe-me explicar..
—
NÃO! — berrou Hermione — Harry não confie nele, ele tem ajudado Black a entrar
no castelo, ele quer ver você morto também... ele é um Lobisomem!
Houve
um silêncio audível. Os olhos de todos agora estavam postos em Lupin, que
parecia extraordinariamente calmo, embora muito pálido.
— O
que disse não está à altura do seu padrão de acertos, Hermione. Receio que
tenha acertado apenas uma afirmação em três. Eu não tenho ajudado Sirius a
entrar no castelo e certamente não quero ver Harry morto... — um estranho
tremor atravessou seu rosto — Mas não vou negar que seja um Lobisomem.
Rony
fez um corajoso esforço para se levantar outra vez, mas caiu com um gemido de
dor. Lupin adiantou-se para ele, parecendo preocupado, mas Rony exclamou:
—
Fique longe de mim, Lobisomem!
Lupin
se imobilizou. Depois, com óbvio esforço, virou-se para Hermione e perguntou:
— Há
quanto tempo você sabe?
— Há
séculos! — sussurrou Hermione — Desde a redação do Prof. Snape...
— Ele
ficará encantado — disse Lupin tranquilo — Passou aquela redação na esperança
de que alguém percebesse o que significavam os meus sintomas. Você verificou a
tabela lunar e percebeu que eu sempre ficava doente na lua cheia? Ou você
percebeu que o bicho-papão se transformava em lua quando me via?
— Os
dois — respondeu Hermione em voz baixa.
Lupin
forçou uma risada.
—
Você é a bruxa de treze anos mais inteligente que já conheci, Hermione.
— Não
sou, não — sussurrou Hermione — Se eu fosse um pouco mais inteligente, teria
contado a todo mundo quem o senhor é!
— Mas
todos já sabem. Pelo menos os professores sabem.
—
Dumbledore contratou o senhor mesmo sabendo que o senhor é um Lobisomem? —
exclamou Rony — Ele é louco?
—
Alguns professores acharam que sim — respondeu Lupin — Ele teve que trabalhar
muito para convencer certos professores de que eu sou digno de confiança...
— E
ELE ESTAVA ENGANADO! — berrou Harry — O SENHOR ESTEVE AJUDANDO ELE O TEMPO
TODO!
O
garoto apontou para Black, que, de repente atravessou o quarto em direção à
cama de colunas e afundou nela, o rosto escondido em uma das mãos trêmulas.
Bichento saltou para junto dele e subiu no seu colo, ronronando.
Rony
se afastou devagarinho dos dois, arrastando a perna.
— Eu
não estive ajudando Sirius — respondeu Lupin — Se você me der uma chance, eu
explico. Olhe...
O
professor separou as varinhas de Harry, Rony e Hermione e devolveu-as aos
donos. Harry apanhou a dele, espantado.
—
Pronto — disse Lupin, enfiando a própria varinha no cinto — Vocês estão armados
e nós, não. Agora vão me ouvir?
Harry
não sabia o que pensar. Seria um truque?
— Se
o senhor não esteve ajudando — disse, lançando um olhar furioso a Black — Como
é que soube que ele estava aqui?
— O
mapa. O Mapa do Maroto. Eu estava na minha sala examinando-o...
— O
senhor sabe trabalhar com o mapa? — indagou Harry desconfiado.
—
Claro que sei — disse Lupin fazendo um gesto impaciente com a mão — Ajudei a
prepará-lo. Eu sou Aluado, esse era o apelido que meus amigos me davam na
escola.
— O
senhor preparou...?
— O
importante é que eu estava examinando o mapa atentamente hoje à noite, porque
imaginei que você, Rony e Hermione poderiam tentar sair, escondidos, do castelo
para visitar Hagrid antes da execução do hipogrifo. E estava certo, não é
mesmo?
Lupin
começara a andar para cima e para baixo do quarto, com os olhos fixos nos
garotos. Pequenas nuvens de pó se levantavam aos seus pés.
—
Você poderia estar usando a velha capa do seu pai, Harry...
—
Como é que o senhor sabia da capa?
— O
número de vezes que vi Tiago desaparecer debaixo da capa... — disse, fazendo
outro gesto de impaciência com a mão — A questão é que, mesmo quando a pessoa
está usando a Capa da Invisibilidade, ela continua a aparecer no Mapa do
Maroto. Observei vocês atravessarem os jardins e entrar na cabana de Hagrid.
Vinte minutos depois, vocês saíram e voltaram em direção ao castelo. Mas,
então, iam acompanhados por mais alguém.
—
Quê? — exclamou Harry — Não, não íamos!
— Eu
não podia acreditar no que estava vendo — continuou o professor, prosseguindo a
caminhada e fingindo não ter ouvido a interrupção de Harry — Achei que o mapa
não estava registrando direito. Como é que ele podia estar com vocês?
— Não
tinha ninguém com a gente!
—
Então vi outro pontinho, andando depressa em sua direção, rotulado Sirius
Black... vi-o colidir com você; observei quando arrastou dois de vocês para
dentro do Salgueiro Lutador...
— Um
de nós! — corrigiu-o Rony, zangado.
—
Não, Rony. Dois de vocês.
Ele
parou de andar, os olhos em Rony.
—
Você acha que eu poderia dar uma olhada no rato? — perguntou com a voz
equilibrada.
—
Quê? — exclamou Rony — Que é que o Perebas tem a ver com isso?
—
Tudo. Posso vê-lo, por favor?
Rony
hesitou, depois enfiou a mão nas vestes. Perebas apareceu, debatendo-se
desesperadamente, o garoto teve que segurá-lo pelo longo rabo pelado para
impedi-lo de fugir. Bichento ficou em pé na perna de Black e sibilou baixinho.
Lupin se aproximou de Rony. Parecia estar prendendo a respiração enquanto
examinava Perebas atentamente.
—
Quê? — repetiu Rony, segurando Perebas mais perto com um ar apavorado — Que é
que meu rato tem a ver com qualquer
coisa?
—
Isto não é um rato — disse Sirius
Black, de repente, com a voz rouca.
— Que
é que você está dizendo... é claro que é um rato...
—
Não, não é — confirmou Lupin calmamente — É um bruxo.
— Um animago — disse Black — Que atende pelo
nome de Pedro Pettigrew.
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