— CAPÍTULO DEZ —
O Mapa do Maroto
MADAME POMFREY INSISTIU
em manter Harry na Ala Hospitalar pelo resto do fim de semana. Ele não discutiu
nem se queixou, mas não deixou jogarem no lixo os estilhaços de sua Nimbus 2000. Sabia que era uma atitude
burra, sabia que a vassoura não tinha conserto, mas o sentimento era mais forte
que ele, era como se tivesse perdido um dos seus melhores amigos. Uma procissão
de amigos veio visitá-lo, todos decididos a animá-lo.
Hagrid
lhe mandou um buquê de flores com lagartinhas, que pareciam repolhos amarelos,
e Gina Weasley, corando furiosamente, apareceu com um cartão de votos de saúde,
feito por ela mesma, que cantava com voz esganiçada a não ser que Harry o
guardasse fechado embaixo da fruteira. O time da Grifinória tornou a visitar o
companheiro no Domingo de manhã, desta vez em companhia de Olívio, que declarou
a Harry (numa voz de além-túmulo) que não o responsabilizava pela derrota. Rony
e Hermione só deixavam a cabeceira de Harry à noite. Mas nada que ninguém
dissesse ou fizesse conseguia fazê-lo se sentir melhor, porque eles só
conheciam metade das suas preocupações.
Ele
não contara a ninguém que vira o Sinistro, nem a Rony nem a Hermione, porque
sabia que o amigo entraria em pânico e a amiga caçoaria dele. O fato era, no
entanto, que o Sinistro agora já aparecera duas vezes e ambas as aparições
tinham sido seguidas por acidentes quase fatais: da primeira vez Harry quase
fora atropelado pelo Nôitibus Andante e da segunda, levara uma queda da
vassoura de quase quinze metros de altura. Será que o Sinistro ia atormentá-lo
até a morte? Será que ele, Harry, ia passar o resto da vida olhando por cima do
ombro à procura da fera?
Além
disso, havia os dementadores. Harry sentia mal-estar e humilhação toda vez que
pensava neles. Todos diziam que os guardas eram medonhos, mas ninguém desmaiava
sempre que se aproximava deles. Ninguém mais ouvia mentalmente os ecos da morte
dos pais.
Isto
porque agora Harry sabia a quem pertencia a tal voz. Ouvira o que ela dizia,
ouvira-a continuamente nas longas noites passadas na Ala Hospitalar quando
ficava acordado, contemplando as listras que o luar formava no teto. Quando os
dementadores se aproximavam, ele ouvia os últimos instantes de vida de sua mãe,
sua tentativa de proteger o filho da sanha de Lord Voldemort e a gargalhada do
bruxo antes de matá-la...
Harry
dava breves cochilos, mergulhando em sonhos cheios de mãos podres e pegajosas e
súplicas fossilizadas, acordando de repente para voltar a pensar na voz da mãe.
Foi
um alívio voltar à zoeira e à atividade da escola principal na Segunda-Feira, e
ser forçado a pensar em outras coisas, ainda que tivesse de aturar a
implicância de Draco Malfoy. O garoto não cabia em si de alegria com a derrota
da Grifinória. Retirara finalmente as bandagens e comemorava a circunstância de
poder usar os dois braços novamente, fazendo espirituosas imitações de Harry
caindo da vassoura. Malfoy passou a maior parte da aula seguinte de Poções, a
que assistiram juntos na masmorra, fazendo imitações dos dementadores; Rony
finalmente se descontrolou e atirou um enorme e gosmento coração de crocodilo
em Malfoy, que o atingiu no rosto, o que fez Snape descontar cinqüenta pontos
da Grifinória.
— Se
Snape vier dar aula de Defesa Contra as Artes das Trevas de novo, vou me mandar
— anunciou Rony quando seguiam para a classe de Lupin depois do almoço — Vê
quem está lá, Mione.
A
garota espiou pela porta da sala.
—
Tudo bem!
O
Prof. Lupin voltara ao trabalho. Sem dúvida tinha a aparência de quem estivera
doente. Suas vestes velhas estavam mais frouxas e havia olheiras escuras sob
seus olhos, ainda assim, ele sorriu para os garotos que ocupavam seus lugares
na classe e, em seguida, desataram a se queixar do comportamento de Snape na
ausência de Lupin.
— Não
é justo, ele estava só substituindo o senhor, por que passou dever de casa?
— Não
sabemos nada de Lobisomens...
—
Dois rolos de pergaminho!
— Vocês
disseram ao Prof. Snape que ainda não estudamos Lobisomens? — perguntou Lupin,
franzindo ligeiramente a testa.
A
balbúrdia tornou a encher a sala.
—
Dissemos, mas ele respondeu que estávamos muito atrasados...
— Ele
não quis ouvir...
—
Dois rolos de pergaminho!
O
Prof. Lupin sorriu ao ver a expressão indignada nos rostos dos alunos.
— Não
se preocupem. Vou falar com o Prof. Snape. Não precisam fazer a redação.
— Ah,
não! — exclamou Hermione, muito desapontada — Já terminei a minha.
Tiveram
uma aula muito gostosa. O Prof. Lupin trouxera uma caixa de vidro contendo um
hinkypunk, uma criaturinha de uma perna só, que parecia feita de fiapos de
fumaça, a aparência frágil e inofensiva.
— O
hinkypunk atrai os viajantes para os brejos — informou o professor enquanto os
garotos faziam anotações — Vocês repararam na lanterna que ele traz pendurada
na mão? Ele salta para frente... a pessoa acompanha a luz... então...
A
criatura fez um horrível barulho de sucção contra o vidro da caixa.
Quando
a sineta tocou, todos guardaram o material e se dirigiram para a porta, Harry
entre eles, mas...
—
Espere um instante, Harry — chamou Lupin — Gostaria de dar uma palavrinha com
você.
Harry
deu meia-volta e observou o professor cobrir a caixa do hinkypunk com um pano.
—
Soube do que houve no jogo — disse Lupin, virando-se para sua escrivaninha e
começando a guardar os livros na maleta — E sinto muito pelo acidente com a sua
vassoura. Há alguma possibilidade de consertá-la?
— Não
— respondeu Harry — A árvore arrebentou-a em mil pedacinhos.
Lupin
suspirou.
—
Plantaram o Salgueiro Lutador no ano em que cheguei em Hogwarts. Os alunos
costumavam brincar de tentar se aproximar do tronco e tocar a árvore com a mão.
No fim, um garoto chamado Davi Gudgeon quase perdeu um olho e fomos proibidos
de chegar perto do salgueiro. Uma vassoura não teria a menor chance.
— O
senhor soube dos dementadores também? — perguntou Harry com dificuldade.
Lupin
lançou um olhar rápido a Harry.
—
Soube. Acho que nenhum de nós tinha visto o Prof. Dumbledore tão aborrecido. Há
algum tempo, eles estão ficando inquietos... furiosos com a recusa do diretor
de deixar que entrem na propriedade... suponho que tenham sido eles a razão da
sua queda.
—
Foram — Harry hesitou e, então, a pergunta que queria fazer escapou de sua boca
antes que pudesse contê-la — Por quê? Por que eles me afetam desse jeito? Será
que sou apenas...
— Não
tem nada a ver com fraqueza — respondeu o professor depressa, como se tivesse
lido o pensamento de Harry — Os dementadores afetam você pior do que os outros
porque existem horrores no seu passado que não existem no dos outros.
Um
raio de sol de inverno entrou na sala, iluminando os cabelos grisalhos de Lupin
e os traços do seu rosto jovem.
— Os
dementadores estão entre as criaturas mais malignas que vagam pela Terra.
Infestam os lugares mais escuros e imundos, se comprazem com a decomposição e o
desespero, esgotam a paz, a esperança e a felicidade do ar à sua volta. Até os
trouxas sentem a presença deles, embora não possam vê-los. Chegue muito perto
de um dementador e todo bom sentimento, toda lembrança feliz serão sugados de
você. Se puder, o dementador se alimentará de você o tempo suficiente para
transformá-lo em um semelhante... desalmado e mau. Não deixará nada em você
exceto as piores experiências de sua vida. E o pior que aconteceu com você,
Harry, é suficiente para fazer qualquer um cair da vassoura. Você não tem do
que se envergonhar.
—
Quando eles chegam perto de mim... — Harry fixou o olhar na mesa de Lupin,
sentindo um nó na garganta — Ouço Voldemort assassinando minha mãe.
Lupin
fez um movimento repentino com o braço como se fosse segurar o ombro de Harry,
mas pensou melhor. Houve um momento de silêncio, depois...
— Por
que é que eles tinham que ir ao jogo? — exclamou o garoto amargurado.
—
Estão ficando famintos — disse Lupin tranquilamente, fechando a maleta com um
estalo — Dumbledore não permite que eles entrem na escola, então o suprimento
de gente com que contavam secou... acho que eles não conseguiram resistir à
multidão em torno do campo de Quadribol. Toda a excitação... as emoções
exacerbadas... é a idéia que fazem de um banquete.
—
Azkaban deve ser horrível — murmurou Harry.
Lupin
concordou, sério.
— A
fortaleza foi construída em uma ilhota, bem longe da costa, mas não precisam de
paredes nem de água para manter os prisioneiros confinados, não quando eles já
estão presos dentro da própria cabeça, incapazes de um único pensamento
agradável. A maioria enlouquece em poucas semanas.
— Mas
Sirius Black escapou — comentou Harry lentamente — Fugiu...
A
maleta de Lupin escorregou da escrivaninha, ele teve que se abaixar depressa
para apanhá-la no ar.
— É —
disse se endireitando — Black deve ter encontrado uma maneira de combatê-los.
Eu não teria acreditado que isto fosse possível... dizem que os dementadores
esgotam os poderes de um bruxo que conviver um tempo demasiado longo com
eles...
— O
senhor fez aquele dementador no trem recuar — disse Harry de repente.
—
Há... certas defesas que se pode usar — disse Lupin — Mas no trem havia apenas
um dementador. Quanto maior o número, mais difícil é resistir a eles.
— Que
defesas? — perguntou Harry em seguida — O senhor pode me ensinar?
— Não
tenho a pretensão de ser um especialista no combate a dementadores, Harry...
muito ao contrário...
— Mas
se os dementadores forem a outro jogo de Quadribol, preciso saber lutar contra
eles...
Lupin
avaliou o rosto decidido de Harry, hesitou, depois disse:
—
Bem... está bem. Vou tentar ajudar. Mas receio que você terá de esperar até o
próximo trimestre. Tenho muito que fazer antes das férias. Escolhi uma hora
muito inconveniente para adoecer.
Com a
promessa de receber aulas anti-dementadores de Lupin, o pensamento de que
talvez não precisasse mais ouvir a morte da mãe, e o fato de que Corvinal
esmagara Lufa-Lufa na partida de Quadribol no final de Novembro, o ânimo de
Harry deu uma guinada definitiva para cima. Afinal, Grifinória não fora
eliminada da competição, embora o time não pudesse se dar ao luxo de perder
mais uma partida. Olívio tornou a ficar possuído por uma energia obsessiva, e
treinou com o time com mais empenho que nunca, na chuvinha gélida e nevoenta
que persistiu até Dezembro.
* * *
Harry não viu nem sinal
de dementadores nos terrenos da escola. A fúria de Dumbledore parecia ter
funcionado para mantê-los em seus postos nas entradas.
Duas
semanas antes do fim do trimestre, o céu clareou de repente até atingir um
branco leitoso e ofuscante, e os terrenos enlameados da escola amanheceram,
certo dia, cobertos de cintilante geada.
No
interior do castelo, havia um rebuliço de Natal no ar. Flitwick, o professor de
Feitiços, já enfeitara sua sala de aula com luzes pisca-piscas que, quando
foram ver, eram fadinhas voadoras de verdade. Os alunos estavam satisfeitos
discutindo planos para as férias de Natal. Tanto Rony quanto Hermione haviam
decidido permanecer em Hogwarts e, embora Rony dissesse que era porque não ia
conseguir aturar Percy duas semanas, e Hermione insistisse que precisava
consultar a Biblioteca, Harry não se deixou enganar: sabia que era para lhe fazerem
companhia e se sentiu muito grato.
Para
alegria de todos, exceto Harry, houve mais uma visita a Hogsmeade no último fim
de semana do trimestre.
—
Podemos fazer todas as nossas compras de Natal lá! — exclamou Hermione — Mamãe
e papai iriam adorar receber fios dentais de menta da Dedosdemel!
Resignado
com a ideia de que seria o único aluno do terceiro ano a não ir, Harry pediu
emprestado a Olívio o livro Qual Vassoura, e resolveu passar o dia lendo sobre
as diferentes marcas. Ele andara montando uma vassoura da escola nos treinos do
time, uma velhíssima Shooting Star,
que era demasiado lenta e instável, decididamente precisava de uma vassoura
nova.
Na
manhã de Sábado em que os colegas iriam a Hogsmeade, Harry se despediu de Rony
e Hermione, embrulhados em capas e cachecóis, tornou a subir a escadaria de
mármore, sozinho, e tomou o caminho da Torre da Grifinória. A neve começara a
cair do lado de fora das janelas e o castelo estava muito parado e silencioso.
—
Psiu... Harry!
Ele
se virou, a meio caminho do corredor do terceiro andar, e viu Fred e Jorge
espiando-o atrás da estátua de uma bruxa corcunda, de um olho só.
— Que
é que vocês estão fazendo? — perguntou Harry, curioso — Vocês não vão a
Hogsmeade?
—
Antes de ir viemos fazer uma festinha para animar você — disse Fred, com uma
piscadela misteriosa — Venha até aqui...
O
garoto indicou com a cabeça uma sala de aula vazia, à esquerda da estátua de um
olho só. Harry acompanhou os gêmeos. Jorge fechou a porta sem fazer barulho e
se virou, sorrindo, para Harry.
—
Presente de Natal antecipado para você, Harry — anunciou.
Fred
tirou alguma coisa de dentro da capa com um gesto largo e colocou-a em cima de
uma carteira. Era um pedaço de pergaminho, grande, quadrado e muito gasto, sem
nada escrito na superfície. Harry, desconfiando que fosse uma daquelas
brincadeiras de Fred e Jorge, ficou parado olhando para o presente.
— E o
que é que é isso? — perguntou.
—
Isso, Harry, é o segredo do nosso sucesso — disse Jorge, dando uma palmadinha
carinhosa no pergaminho.
— Dói
na gente dar esse presente para você — disse Fred — Mas decidimos, na noite
passada, que você precisa muito mais dele do que nós. E, de qualquer maneira,
já o conhecemos de cor. É uma herança que vamos lhe deixar. Para falar a
verdade, não precisamos mais dele.
— E
para que eu preciso de um pedaço de pergaminho velho? — perguntou Harry.
— Um
pedaço de pergaminho velho! — exclamou Fred, fechando os olhos com uma careta,
como se Harry o tivesse ofendido mortalmente — Explique a ele Jorge.
—
Bem... quando estávamos no primeiro ano, Harry... jovens, descuidados e
inocentes...
Harry
abafou uma risada. Duvidava se algum dia os gêmeos teriam sido inocentes.
—
Bem, mais inocentes do que somos hoje... nos metemos numa certa confusão com
Filch.
—
Soltamos uma bomba de bosta no corredor e por alguma razão ele ficou
aborrecido...
—
Então Filch nos arrastou até a sala dele e começou a nos ameaçar com os
castigos de costume...
—...
Detenção...
—...
Nos arrancar as tripas...
—...
E não pudemos deixar de reparar numa gaveta do arquivo dele em que estava
escrito Confiscado e Muito Perigoso.
— Não
precisam continuar... — exclamou Harry, começando a sorrir.
—
Bem, que é que você teria feito? — perguntou Fred — Jorge soltou mais uma bomba
de bosta para distrair Filch, eu abri depressa a gaveta e tirei... isto.
— Não
foi tão desonesto quanto parece, sabe — comentou Jorge — Calculamos que Filch
nunca tivesse descoberto como usar o pergaminho. Mas, provavelmente suspeitou o
que era ou não o teria confiscado.
— E
vocês sabem como usar?
— Ah,
sabemos — disse Fred, rindo — Esta jóia nos ensinou mais do que todos os
professores da escola.
—
Vocês estão me gozando — disse Harry, olhando para o pedaço velho e rasgado de
pergaminho.
— Ah,
é? — disse Jorge.
Ele
apanhou a varinha, tocou o pergaminho de leve e disse:
— Juro solenemente que não pretendo fazer nada
de bom!
Na
mesma hora, linhas de tinta muito finas começaram a se espalhar como uma teia
de aranha a partir do ponto em que a varinha de Jorge tocara. Elas convergiram,
se cruzaram, se abriram como um leque para os quatro cantos do pergaminho. Em
seguida, no alto, começaram a aflorar palavras, palavras grandes, floreadas,
verdes, que diziam:
Os Srs. Aluado, Rabicho, Almofadinha e Pontas,
fornecedores de recursos para bruxos malfeitores, têm a honra de
apresentar
“O MAPA DO MAROTO”
Era
um mapa que mostrava cada detalhe dos terrenos do castelo de Hogwarts. O mais
notável, contudo, eram os pontinhos mínimos de tinta que se moviam em torno do
mapa, cada um com um rótulo em letra minúscula. Pasmo, Harry se curvou para
examinar melhor. Um pontinho, no canto superior esquerdo, mostrava que o Prof.
Dumbledore estava andando para lá e para cá em seu escritório. A gata do
zelador, Madame Nor-r-ra, rondava o segundo andar. E Pirraça, o poltergeist,
naquele momento saltitava pela Sala de Troféus. E quando os olhos de Harry
percorreram os corredores que tão bem conhecia, ele notou mais uma coisa. O
mapa mostrava um conjunto de passagens em que ele nunca entrara. E muitas
pareciam levar...
—...
diretamente a Hogsmeade — disse Fred, acompanhando uma delas com o dedo — São
sete ao todo. Até agora Filch conhece essas quatro — ele as apontou — Mas temos
certeza de que somente nós conhecemos estas outras. Não se preocupe com a
passagem por trás do espelho no quarto andar. Nós a usamos até o inverno
passado, mas já desabou, está completamente bloqueada. E achamos que ninguém
jamais usou esta porque o Salgueiro Lutador foi plantado bem em cima da
entrada. Mas, esta outra aqui leva diretamente ao porão da Dedosdemel. Nós já a
usamos um monte de vezes. E como você talvez tenha notado, a entrada é bem ali
do lado de fora da sala, na corcunda daquela velhota de um olho só.
—
Aluado, Rabicho, Almofadinhas e Pontas — suspirou Jorge, dando um tapinha no
cabeçalho do mapa — Devemos tanto a eles.
—
Almas nobres, que trabalharam incansavelmente para ajudar novas gerações de
transgressores — disse Fred solenemente.
—
Certo — acrescentou Jorge depressa — Não se esqueça de limpar o mapa depois de
usá-lo...
—...
senão qualquer um pode ler — recomendou Fred.
— É
só bater com a varinha mais uma vez e dizer “Malfeito
feito!”, e o pergaminho torna a ficar branco.
—
Portanto, jovem Harry — disse Fred, numa incrível imitação de Percy — Trate de
se comportar.
—
Vejo você na Dedosdemel — despediu-se Jorge, piscando.
Os
gêmeos deixaram a sala, sorrindo satisfeitos consigo mesmos.
Harry
ficou ali, contemplando o mapa milagroso. Acompanhou o pontinho de tinta Madame
Nor-r-ra virar à esquerda e parar para cheirar alguma coisa no chão. Se Filch
realmente não conhecia... ele não teria que passar pelos dementadores...
Mas
mesmo enquanto continuava ali, transbordante de excitação, uma coisa que
ouvira, certa vez, o Sr. Weasley dizer, aflorou em sua lembrança. “Nunca confie
em nada que é capaz de pensar, se você não pode ver onde fica o seu cérebro”.
O
mapa era um daqueles objetos mágicos perigosos sobre os quais o Sr. Weasley o
prevenira... recursos para bruxos malfeitores... mas então, raciocinou Harry,
ele só queria usar o mapa para ir a Hogsmeade, não era que quisesse roubar
alguma coisa ou atacar alguém... e Fred e Jorge já o usavam havia anos, sem que
nada de terrível tivesse acontecido...
Harry
acompanhou com o dedo a passagem secreta até a Dedosdemel.
Depois,
subitamente, como se obedecesse a uma ordem, enrolou o mapa, guardou-o nas
vestes e correu para a porta da sala de aula. Abriu-a uns dedinhos. Não havia
ninguém do lado de fora. Com muito cuidado, esgueirou-se da sala até as costas
da estátua da bruxa de um olho só.
Que
era mesmo que devia fazer? Puxou outra vez o mapa e viu, para seu espanto, que
um novo boneco de tinta aparecera no pergaminho, rotulado Harry Potter. Estava
parado exatamente no mesmo lugar que o verdadeiro Harry, mais ou menos na
metade do corredor do terceiro andar.
Harry
observou-o atentamente. Seu pequeno eu de tinta parecia estar tocando a bruxa
com uma varinha mínima. O garoto na mesma hora puxou a varinha real e deu um
toque na estátua. Nada aconteceu. Ele tornou a consultar o mapa. Um balão com
um texto aparecera ao lado do seu boneco. Dentro do balão havia a palavra
“Dissendium”.
—
Dissendium! — sussurrou Harry dando uma nova batida na bruxa de pedra.
Na
mesma hora, a corcunda da estátua se abriu o suficiente para admitir uma pessoa
bem magra. Harry deu uma espiada rápida nos dois lados do corredor, guardou
outra vez o mapa, se içou de cabeça para dentro do buraco e deu um impulso para
frente. Ele deslizou um bom pedaço, descendo o que parecia um escorrega de
pedra e aterrissou na terra úmida e fria. Levantou-se, então, olhando a toda
volta. Estava escuro como breu.
Harry
ergueu a varinha e murmurou:
—
Lumos!
E
pôde ver que se encontrava em uma passagem muito estreita, baixa e terrosa.
Ergueu, então, o mapa, tocou-o com a ponta da varinha e disse baixinho:
—
Malfeito feito! — o mapa ficou imediatamente branco. Ele o dobrou
cuidadosamente, enfiou-o dentro das vestes, depois, o coração batendo rápido,
ao mesmo tempo excitado e apreensivo, Harry começou a andar.
A
passagem virava e tornava a virar, mais parecendo uma toca de coelho gigante do
que qualquer outra coisa. Harry caminhou depressa por ela, tropeçando aqui e
ali no chão acidentado, segurando a varinha com firmeza à sua frente. Levou uma
eternidade, mas o garoto tinha o pensamento fixo na capacidade da Dedosdemel
repor suas forças. Depois do que lhe pareceu uma hora, a passagem começou a
subir. Ofegante, Harry apertou o passo, o rosto quente, os pés muito gelados.
Dez
minutos mais tarde, chegou ao pé de uns degraus de pedra muito gastos, que
subiam a perder de vista. Tomando cuidado para não fazer barulho, Harry começou
a subir. Cem degraus, duzentos degraus, perdeu a conta, olhando para os pés...
então, sem aviso, sua cabeça bateu em alguma coisa dura. Parecia um alçapão.
Harry ficou parado ali, massageando o cocuruto da cabeça, apurando os ouvidos.
Não conseguia ouvir nenhum som em cima.
Muito
devagarinho, empurrou o alçapão e espiou pela borda. Deparou com um porão,
cheio de caixotes e caixas. Harry subiu pelo alçapão e tornou a fechá-lo. Ele
se fundiu tão perfeitamente com o soalho empoeirado que era impossível saber
que estava ali. O garoto avançou lentamente até a escada de madeira que levava
ao andar superior. Agora decididamente conseguia ouvir vozes, para não falar no
tilintar de uma sineta e no abre e fecha de uma porta.
Pensando
no que deveria fazer, Harry, de repente, ouviu uma porta se abrir muito
próximo, alguém ia descer a escada.
— E
traga mais uma caixa de lesmas gelatinosas, querido, eles praticamente levaram
tudo... — disse uma voz feminina.
Dois
pés desceram a escada. Harry pulou para trás de um enorme caixote e esperou os
passos se distanciarem. Ouviu o homem deslocando caixas na parede oposta.
Talvez
não tivesse outra oportunidade...
Rápida
e silenciosamente, o garoto saiu abaixado do esconderijo e subiu as escadas. Ao
olhar para trás, viu um enorme traseiro e uma careca reluzente enfiada em uma
caixa. Harry alcançou a porta no patamar da escada, escapuliu por ela e se
encontrou atrás do balcão da Dedosdemel, abaixou-se, saiu quietinho de lado e
por fim se levantou.
A
Dedosdemel estava tão cheia de alunos de Hogwarts que ninguém olhou duas vezes
para Harry. O garoto foi passando entre eles, olhando para os lados e reprimiu
uma risada só de imaginar a expressão que apareceria na cara de porco do Duda
se pudesse ver onde ele estava agora.
Havia
prateleiras e mais prateleiras de doces com a aparência mais apetitosa que se
pode imaginar. Tabletes de Nugá, quadrados cor-de-rosa de sorvete de coco,
caramelos cor de mel; centenas de tipos de bombons em fileiras arrumadinhas;
havia uma barrica enorme de feijõezinhos de todos os sabores, Delícias Gasosas
(as tais bolas de sorvete de fruta que faziam levitar que Rony mencionara), em
outra parede havia os doces de “efeitos
especiais”: os melhores chicles de baba e bola (que enchiam a loja de bolas
azulonas e se recusavam a estourar durante dias), o estranho e quebradiço fio
dental de menta, minúsculos Diabinhos negros de pimenta (“Sopre fogo em seus amigos!”), Ratinhos de sorvete (“Ouça seus dentes baterem e rangerem!”),
Sapos de creme de menta (“Faça sua
barriga saltar para valer!”), frágeis penas de algodão-doce e bombons
explosivos.
Harry
se espremeu entre os alunos do sexto ano que enchiam a loja e viu um letreiro
pendurado no canto mais distante do salão, SABORES INCOMUNS. Rony e Hermione
estavam bem embaixo, examinando uma bandeja de pirulitos com gosto de sangue.
Harry, sorrateiramente, foi parar atrás dos dois.
—
Eca, não, Harry não vai querer esses, são para vampiro, imagino — ia dizendo
Hermione.
— E esses
aqui? — perguntou Rony, enfiando um vidro de cachos de barata embaixo do nariz
de Hermione.
—
Decididamente não — disse Harry.
Rony
quase deixou cair o vidro.
—
Harry! — berrou Hermione — Que é que você está fazendo aqui? Como... foi que
você...?
— Uau!
— exclamou Rony, parecendo muito impressionado — Você aprendeu a aparatar!
—
Claro que não aprendi.
Harry
baixou a voz de modo que nenhum dos alunos de sexto ano pudesse ouvir e contou
aos amigos sobre o Mapa do Maroto.
—
Como é que Fred e Jorge nunca me deram esse mapa? — perguntou Rony indignado —
Eu sou irmão deles!
— Mas
Harry não vai ficar com o mapa! — afirmou Hermione como se a idéia fosse
ridícula — Vai entregá-lo à Profª. McGonagall, não é Harry?
—
Não, não vou não! — disse Harry.
—
Você é maluca? — exclamou Rony, arregalando os olhos para a garota — Entregar
uma coisa boa dessas?
— Se
eu entregar, vou ter que contar onde foi que o arranjei. Filch ia saber que
Fred e Jorge surrupiaram dele!
— Mas
e o Sirius Black? — sibilou Hermione — Ele poderia estar usando uma das
passagens do mapa para entrar no castelo! Os professores têm que saber disso!
— Ele
não pode estar entrando por uma passagem — retrucou Harry depressa — Tem sete
túneis secretos no mapa, certo? Fred e Jorge calculam que Filch conheça uns
quatro. E os outros três... um desabou, de modo que ninguém pode passar. Outro
tem o Salgueiro Lutador plantado na entrada, portanto, não se pode sair. E este
que eu usei para chegar aqui... bem... é realmente difícil ver a entrada dele
no porão. Então, a não ser que Black soubesse que havia uma passagem...
Harry
hesitou.
E se
Black soubesse que havia uma passagem ali?
Rony,
porém, pigarreou querendo sinalizar alguma coisa e apontou para um aviso colado
dentro da loja de doces.
POR ORDEM DO MINISTÉRIO DA MAGIA
Lembramos aos nossos clientes que até
nova ordem, os dementadores irão patrulhar as ruas de Hogsmeade todas as noites
após o pôr-do-sol. A medida visa garantir a segurança dos habitantes de
Hogsmeade e será revogada quando Sirius Black for recapturado, portanto, é
aconselhável que os clientes encerrem suas compras bem antes de anoitecer.
Feliz Natal.
—
Estão vendo só? — falou Rony em voz baixa — Eu gostaria de ver Black tentar
entrar na Dedosdemel com dementadores pululando por todo o povoado. Em todo o
caso, Hermione, os donos da Dedosdemel ouviriam se alguém arrombasse a loja,
não? Eles moram no primeiro andar!
— Tá,
mas... mas...
A
garota parecia estar fazendo força para encontrar outro argumento.
—
Olha, ainda assim Harry não devia ter vindo a Hogsmeade. Ele não tem
autorização! Se alguém descobrir, ele vai ficar enrascado até as orelhas! E
ainda não anoiteceu... e se Sirius Black aparecer hoje? Agora?
— Ia
ter muito trabalho para encontrar Harry no meio disso aí — disse Rony indicando
com a cabeça as janelas de caixilhos, pelas quais se via a nevasca rodopiando
lá fora — Vamos, Mione, é Natal. Harry merece uma folga.
Hermione
mordeu o lábio, parecendo extremamente preocupada.
—
Você vai me denunciar? — perguntou Harry à amiga, sorrindo.
— Ai...
claro que não... mas sinceramente, Harry...
— Viu
as delícias gasosas, Harry? — perguntou Rony, puxando Harry e levando-o até a
barrica em que se encontravam — E as lesmas gelatinosas? E os picolés ácidos?
Fred me deu um desses quando eu tinha sete anos, fez um furo que atravessou a
minha língua. Me lembro da mamãe pegando a vassoura e baixando o pau nele —
Rony ficou mirando, pensativo, a caixa de picolés ácidos — Você acha que Fred
comeria um cacho de baratas se eu dissesse a ele que era amendoim?
Depois
que Rony e Hermione pagaram por todos os doces que compraram, os três saíram da
Dedosdemel para enfrentar a nevasca lá fora.
Hogsmeade
parecia um cartão de Natal: as casas e lojas de telhado de colmo estavam
cobertas por uma camada de neve fresca, havia coroas de azevinho nas portas e
fieiras de luzes encantadas penduradas nas árvores. Harry estremeceu, ao
contrário dos amigos, ele não estava usando casaco. Os três saíram caminhando
pela rua, a cabeça abaixada contra o vento, Rony e Hermione gritando por dentro
dos cachecóis.
— Ali
é o Correio...
— A
Zonko’s fica mais adiante.
—
Podíamos ir até a Casa dos Gritos...
—
Vamos fazer o seguinte — sugeriu Rony com os dentes batendo — Vamos tomar uma
cerveja amanteigada no Três Vassouras?
Harry
estava mais do que a fim, havia um vento cortante e suas mãos estavam
congelando. Então, eles atravessaram a rua e minutos depois entravam na
minúscula estalagem.
A
sala estava cheíssima, barulhenta, quente e enfumaçada. Uma mulher tipo violão,
com um rosto bonito, estava servindo um grupo de bruxos desordeiros no bar.
—
Aquela é a Madame Rosmerta — disse Rony — Vou pegar as bebidas, está bem? —
acrescentou, corando ligeiramente.
Harry
e Hermione foram até o fundo do salão, onde havia uma mesinha desocupada entre
uma janela e uma bela árvore de Natal próxima à lareira. Rony voltou em cinco
minutos, trazendo três canecas espumantes de cerveja amanteigada.
—
Feliz Natal! — desejou ele alegremente, erguendo a caneca.
Harry
bebeu com gosto. Era a coisa mais deliciosa que já provara e parecia aquecer
cada pedacinho dele, de dentro para fora. Uma brisa repentina despenteou seus
cabelos. A porta do Três Vassouras tornou a se abrir. Harry olhou por cima da
borda da caneca e se engasgou.
Os
professores McGonagall e Flitwick tinham acabado de entrar no bar em meio a uma
rajada de flocos de neve, seguidos de perto por Hagrid, que vinha absorto em
uma conversa com um homem corpulento de chapéu-coco verde-limão e uma capa de
risca de giz: Cornélio Fudge, Ministro da Magia.
Numa
fração de segundo, Rony e Hermione, ao mesmo tempo, tinham posto as mãos na
cabeça de Harry e feito o amigo escorregar do banquinho para baixo da mesa.
Pingando cerveja amanteigada e se encolhendo para sumir de vista, Harry,
agarrado à caneca, espiou os pés dos professores e de Fudge caminharem até o
bar, pararem e, em seguida, darem meia-volta e se dirigirem para onde ele
estava.
Em
algum lugar acima de sua cabeça, Hermione sussurrou:
— Mobiliarbus!
A
árvore de Natal ao lado da mesa se ergueu alguns centímetros do chão, flutuou
de lado e desceu com um baque suave bem diante da mesa dos garotos,
escondendo-os dos professores. Espiando por entre os ramos mais baixos e
densos, Harry viu quatro conjuntos de pés de cadeira se afastarem da mesa bem
ao lado, depois ouviu os resmungos e suspiros dos professores e do ministro ao
se sentarem. Em seguida, ele viu mais um par de pés, usando saltos altos,
turquesa, cintilantes, e ouviu uma voz de mulher.
— Uma
água de Gilly pequena...
— É
minha — disse a voz da Profª. McGonagall.
— A
jarra de quentão...
—
Obrigado — disse Hagrid.
—
Soda com xarope de cereja, gelo e guarda-sol...
—
Hummm! — exclamou o Prof. Flitwick estalando os lábios.
—
Para o senhor é o rum de groselha, Ministro.
—
Obrigado, Rosmerta, querida — disse a voz de Fudge — É um prazer revê-la, devo
dizer. Não quer nos acompanhar? Venha se sentar conosco...
—
Bem, muito obrigada, Ministro.
Harry
acompanhou os saltos cintilantes se afastarem e retornarem. Seu coração batia
incomodamente na garganta. Por que não lhe ocorrera que este era o último fim
de semana do trimestre também para os professores? E quanto tempo eles ficariam
sentados ali? Ele precisava de tempo para voltar discretamente à Dedosdemel, se
quisesse estar na escola ainda aquela noite...
A
perna de Hermione deu uma tremida nervosa perto dele.
—
Então, o que é que o traz a esse fim de mundo, Ministro? — perguntou a voz de
Madame Rosmerta.
Harry
viu a parte de baixo do corpo de Fudge se virar na cadeira, como se verificasse
se havia alguém escutando. Depois respondeu em voz baixa:
—
Quem mais se não Sirius Black? Imagino que você deve ter sabido o que houve em
Hogwarts no Dia das Bruxas?
—
Para falar a verdade, ouvi um boato — admitiu Madame Rosmerta.
—
Você contou ao bar inteiro, Hagrid? — perguntou a Profª. McGonagall,
exasperada.
— O
senhor acha que Black continua por aqui, Ministro? — perguntou Madame Rosmerta.
—
Tenho certeza — respondeu Fudge laconicamente.
— O
senhor sabe que os dementadores já revistaram o meu bar duas vezes? — falou
Madame Rosmerta, com uma ligeira irritação na voz — Espantaram todos os meus
fregueses... isto é muito ruim para o comércio, Ministro.
—
Rosmerta, querida, gosto tanto deles quanto você — disse Fudge, constrangido —
É uma precaução necessária... infelizmente, mas veja só... acabei de encontrar
alguns. Estão furiosos com Dumbledore porque ele não os deixa entrar nos
terrenos da escola.
— É
claro que não — disse a Profª. McGonagall, rispidamente — Como é que vamos
ensinar com aqueles horrores por todo o lado?
—
Apoiado, apoiado! — exclamou o Prof. Flitwick com voz esganiçada, os pés
balançando a um palmo do chão.
—
Mesmo assim — disse Fudge em tom de dúvida — Eles estão aqui para proteger
vocês todos de coisa muito pior... nós todos sabemos o que Black é capaz de
fazer...
—
Sabem, eu ainda acho difícil acreditar — disse Madame Rosmerta pensativamente —
De todas as pessoas que passaram para o lado das trevas, Sirius Black é o
último em que eu pensaria... quero dizer, eu me lembro dele quando era garoto
em Hogwarts. Se alguém tivesse me dito, então, no que ele iria se transformar,
eu teria respondido que a pessoa tinha bebido quentão demais.
—
Você não conhece nem metade do que ele fez Rosmerta — disse Fudge com
impaciência — A maioria nem sabe o pior.
—
Pior? — exclamou Madame Rosmerta, a voz animada de curiosidade — O senhor quer
dizer pior do que matar todos aqueles coitados?
—
Isso mesmo.
— Não
posso acreditar. Que poderia ser pior?
—
Você diz que se lembra dele em Hogwarts, Rosmerta — murmurou a Profª.
McGonagall — Você se lembra quem era o melhor amigo dele?
—
Claro — disse Madame Rosmerta, com uma risadinha — Nunca se via um sem o outro,
não é mesmo? O número de vezes que os dois estiveram aqui, ah, me faziam rir o
tempo todo. Uma dupla incrível, Sirius Black e Tiago Potter!
Harry
deixou cair a caneca com estrépito.
Rony
deu-lhe um pontapé.
—
Exatamente — disse a Profª. McGonagall — Black e Potter líderes de uma
turminha. Os dois muito inteligentes, é claro, na verdade excepcionalmente
inteligentes, mas acho que nunca tivemos uma dupla de criadores de confusões
igual...
— Não
sei — disse Hagrid, dando uma risadinha — Fred e Jorge Weasley seriam páreo
duro para os dois.
—
Poder-se-ia até pensar que Black e Potter eram irmãos!
O
Prof. Flitwick entrou na conversa.
—
Inseparáveis!
— Claro
que eram — comentou Fudge — Potter confiava mais em Black do que em qualquer
outro amigo. Nada mudou quando os dois terminaram a escola. Black foi o
padrinho quando Tiago se casou com Lílian. Depois, eles o escolheram para
padrinho de Harry. O garoto nem tem idéia disso, é claro. Vocês podem imaginar
como isto o atormentaria.
— Por
que Black acabou se aliando a Você-Sabe-Quem? — cochichou Madame Rosmerta.
— Foi
muito pior do que isso, minha querida... — Fudge baixou a voz e continuou numa
espécie de sussurro grave — Muita gente desconhece que os Potter sabiam que
Você-Sabe-Quem queria pegá-los. Dumbledore, que naturalmente trabalhava sem
descanso contra Você-Sabe-Quem, tinha um bom número de espiões úteis. Um deles
avisou-o e ele, na mesma hora, alertou Tiago e Lílian. Dumbledore aconselhou os
dois a se esconderem. Bem, é claro que não era fácil alguém se esconder de
Você-Sabe-Quem. Dumbledore sugeriu aos dois que teriam maiores chances de
escapar se apelassem para o Feitiço Fidelius.
—
Como é que é isso? — perguntou Madame Rosmerta, ofegando de interesse.
O
Prof. Flitwick pigarreou.
— Um
feitiço extremamente complexo — explicou com a sua vozinha fina — Que implica
esconder o segredo, por meio da magia, em uma única pessoa viva. A informação é
guardada no íntimo da pessoa escolhida, ou fiel do segredo, e torna-se
impossível encontrá-la, a não ser, é claro, que o fiel do segredo resolva
contar a alguém. Enquanto ele se mantiver calado, Você-Sabe-Quem poderia
revistar o povoado em que Lílian e Tiago viviam durante anos sem jamais
encontrá-los, mesmo que ficasse com o nariz grudado na janela da sala deles!
—
Então Black era o fiel do segredo dos Potter? — sussurrou Madame Rosmerta.
—
Naturalmente — respondeu a Profª. McGonagall — Tiago Potter contou a Dumbledore
que Black preferiria morrer a contar onde eles estavam, que Black estava
pensando em se esconder também... mesmo assim, Dumbledore continuou preocupado.
Eu me lembro que ele próprio se ofereceu para ser o fiel do segredo dos Potter.
— Ele
suspeitava de Black? — exclamou Madame Rosmerta.
— Ele
tinha certeza de que alguém intimo dos Potter tinha mantido Você-Sabe-Quem
informado dos movimentos do casal — respondeu a Profª. McGonagall sombriamente
— De fato, ele vinha suspeitando havia algum tempo de que alguém do nosso lado
virara traidor e estava passando muita informação para Você-Sabe-Quem.
— Mas
Tiago Potter insistiu em usar Black?
—
Insistiu — disse Fudge com a voz carregada — E então, pouco mais de uma semana
depois de terem realizado o Feitiço Fidelius...
—
Black traiu os Potter? — murmurou Madame Rosmerta.
—
Traiu. Black estava cansado do papel de agente duplo, estava pronto a declarar
abertamente o seu apoio a Você-Sabe-Quem, e parece que planejou fazer isso
assim que os Potter morressem. Mas, como todos sabem, Você-Sabe-Quem encontrou
sua perdição no pequeno Harry Potter. Despojado de poderes, extremamente
enfraquecido, ele fugiu. E isto deixou Black numa posição realmente muito
difícil. Seu mestre caíra no exato momento em que ele, Black, mostrara quem de
fato era, um traidor. Não teve outra escolha senão fugir...
—
Vira-Casaca imundo e podre! — exclamou Hagrid tão alto que metade do bar se
calou.
—
Psiu! — fez a Profª. McGonagall.
— Eu
o encontrei! — rosnou Hagrid — Devo ter sido a última pessoa que viu Black
antes de ele matar toda aquela gente! Fui eu que salvei Harry da casa de Lílian
e Tiago depois que o casal morreu! Tirei o garoto das ruínas, coitadinho, com
um grande corte na testa, e os pais mortos... e Sirius Black aparece naquela
moto voadora que ele costumava usar. Nunca me ocorreu o que ele estava fazendo
ali. Eu não sabia que ele era o fiel do segredo de Lílian e Tiago. Pensei que
tivesse acabado de saber da notícia do ataque de Você-Sabe-Quem e vindo ver o
que era possível fazer. Estava tremendo, branco. E vocês sabem o que eu fiz? EU
CONSOLEI O TRAIDOR ASSASSINO! — bradou Hagrid.
—
Hagrid, por favor! — pediu a Profª. McGonagall — Fale baixo!
—
Como é que eu ia saber que ele não estava abalado com a morte de Lílian e
Tiago? Que estava preocupado era com Você-Sabe-Quem! Então ele disse: “Me dá o Harry, Hagrid. Sou o padrinho dele,
vou cuidar dele”... Ah! Mas eu tinha recebido ordens de Dumbledore, e disse
não, Dumbledore tinha me mandado levar Harry para a casa dos tios. Black
discordou, mas no fim cedeu. Me disse, então, que eu podia pegar a moto dele
para levar Harry. “Não vou precisar mais
dela”, falou. Eu devia ter percebido, naquela hora, que alguma coisa não
estava cheirando bem. Black adorava a moto. Por que estava dando ela para mim?
Por que não ia precisar mais da moto? A questão é que a moto era muito fácil de
localizar. Dumbledore sabia que ele tinha sido o fiel do segredo dos Potter.
Black sabia que ia ter que se mandar àquela noite, sabia que era uma questão de
horas até o Ministério sair à procura dele. Mas e se eu tivesse entregado Harry
a Black, hein? Aposto como ele teria jogado o garoto no mar no meio do caminho.
O filho dos melhores amigos dele! Mas quando um bruxo se alia ao lado das
trevas, não tem mais nada nem ninguém que tenha importância para ele...
À
história de Hagrid seguiu-se um longo silêncio.
Então,
Madame Rosmerta falou com uma certa satisfação.
— Mas
ele não conseguiu desaparecer, não foi? O Ministério da Magia o agarrou no dia
seguinte!
— Ah,
se ao menos isso fosse verdade — lamentou Fudge com amargura — Não fomos nós
que o encontramos. Foi o pequeno Pedro Pettigrew, outro amigo dos Potter. Com
certeza, enlouquecido de pesar e sabendo que Black fora o fiel do segredo dos
Potter, Pedro foi pessoalmente atrás dele.
—
Pettigrew... aquele gordinho que sempre andava atrás dos dois em Hogwarts? —
perguntou Madame Rosmerta.
— Ele
venerava Black e Potter como se fossem heróis — disse a Profª. McGonagall — Não
estava bem à altura deles em termos de talento. Muitas vezes fui severa demais
com ele. Podem imaginar agora como me... como me arrependo disso... — sua voz
parecia a de alguém que apanhara de repente um resfriado.
—
Vamos, Minerva — consolou-a Fudge, com bondade — Pettigrew teve uma morte de
herói. Testemunhas oculares trouxas, é claro, depois limpamos a memória deles,
nos contaram como Pettigrew encurralou Black. Dizem que ele soluçava: “Lílian e
Tiago, Sirius! Como é que você pôde?” Então fez menção de apanhar a varinha.
Bem, naturalmente, Black foi mais rápido. Fez Pettigrew em pedacinhos...
A
Profª. McGonagall assoou o nariz e disse com a voz embargada:
—
Menino burro... menino tolo... nunca teve jeito para duelar... deveria ter
deixado isso para o Ministério...
— E
vou dizer uma coisa, se eu tivesse chegado ao Black antes de Pettigrew, não
teria apelado para varinhas, eu teria despedaçado ele aos bocadinhos — rosnou
Hagrid.
—
Você não sabe o que está dizendo, Hagrid — disse Fudge com severidade —
Ninguém, a não ser bruxos de elite do Esquadrão de Execução das Leis da Magia,
teria tido uma chance contra Black depois que ele foi encurralado. Na época, eu
era ministro-júnior no Departamento de Catástrofes Mágicas, e fui um dos
primeiros a chegar à cena depois que Black liquidou aquelas pessoas, nunca vou
me esquecer. Ainda sonho com o que vi, às vezes. Uma cratera no meio da rua,
tão funda que rachou a tubulação de esgoto embaixo. Cadáveres por toda a parte.
Trouxas berrando. E Black parado ali, dando gargalhadas, diante do que restava
de Pettigrew... um monte de vestes ensanguentadas e uns poucos, uns poucos
fragmentos...
A voz
de Fudge parou abruptamente. Ouviu-se o barulho de cinco narizes sendo
assoados.
—
Bem, aí tem você, Rosmerta — disse Fudge com a voz carregada — Black foi levado
por vinte policiais do Esquadrão de Execução das Leis da Magia e Pettigrew
recebeu a Ordem de Merlin, Primeira Classe, o que acho que foi algum consolo
para a coitada da mãe dele. Black tem estado preso em Azkaban desde então.
Madame
Rosmerta deu um longo suspiro.
— É
verdade que ele é doido, Ministro?
— Eu
gostaria de poder dizer que é — disse Fudge lentamente — Acredito que é certo
que a derrota do mestre o desequilibrou por algum tempo. O assassinato de
Pettigrew e de todos aqueles trouxas foi trabalho de um homem desesperado e
acuado, cruel... sem sentido. Mas eu encontrei Black na última inspeção que fiz
à Azkaban. Vocês sabem que a maioria dos prisioneiros lá ficam sentados no
escuro resmungando, não dizem coisa com coisa... mas fiquei chocado com a
aparência normal de Black. Conversou comigo muito racionalmente. Me deixou
nervoso. Deu a impressão de estar meramente entediado, perguntou se eu já tinha
acabado de ler o meu jornal, com toda a tranquilidade, disse que sentia falta
das palavras cruzadas. Fiquei realmente espantado de ver o pouco efeito que os
dementadores estavam causando nele, e, vejam, ele era um dos prisioneiros mais
fortemente guardados do lugar. Dementadores à porta da cela dia e noite.
— Mas
para que o senhor acha que ele fugiu? — perguntou Madame Rosmerta — Por Deus,
ministro, ele não está tentando se juntar a Você-Sabe-Quem, está?
— Eu
diria que esse é o plano dele, hum, a longo prazo — disse Fudge evasivamente —
Mas temos esperança de pegar Black bem antes disso. Devo dizer que
Você-Sabe-Quem sozinho e sem amigos é uma coisa... mas se tiver de volta o seu
serviçal mais dedicado, estremeço só em pensar na rapidez com que se
reergueria...
Ouviu-se
um leve tilintar de copo em madeira. Alguém pousara o copo.
—
Sabe, Cornélio, se você vai jantar com o diretor, é melhor voltarmos para o
castelo — sugeriu a Profª. McGonagall.
Um
por um, os pares de pés à frente de Harry retomaram o peso dos seus donos,
barras de capas rodopiaram no ar e os saltos cintilantes de Madame Rosmerta
desapareceram atrás do balcão do bar. A porta do Três Vassouras tornou a se
abrir, deixando entrar mais uma rajada de flocos de neve e os professores
desapareceram.
—
Harry?
Os
rostos de Rony e Hermione surgiram embaixo da mesa. Os dois o encararam, sem
encontrar palavras para falar.
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