quarta-feira, 9 de maio de 2012

Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban - Capítulo 7







— CAPÍTULO SETE —
O Bicho-Papão no Armário



DRACO NÃO REAPARECEU nas aulas até o fim da manhã de Quinta-Feira, quando os alunos da Sonserina e da Grifinória já estavam na metade da aula dupla de Poções. Ele entrou cheio de arrogância na masmorra, o braço direito enfaixado e pendurado em uma tipóia, agindo, na opinião de Harry, como se fosse o sobrevivente heroico de uma terrível batalha.
— Como vai o braço, Draco? — perguntou Pansy Parkinson, com um sorrisinho insincero — Está doendo muito?
— Está — respondeu o garoto, fazendo uma careta corajosa.
Mas Harry o viu piscar para Crabbe e Goyle, quando Pansy desviou o olhar.
— Vá com calma, vá com calma — disse o Prof. Snape gratuitamente.
Harry e Rony fizeram caretas um para o outro; Snape não teria dito “vá com calma” se eles tivessem entrado atrasados, teria lhes dado uma detenção. Mas Draco sempre conseguira escapar com qualquer coisa nas aulas de Poções. Snape era o diretor da Sonserina e em geral favorecia os próprios alunos em prejuízo dos demais.
A classe estava preparando uma poção nova naquele dia, uma Solução Redutora. Draco armou seu caldeirão bem ao lado do de Harry e Rony, de modo que os três ficaram preparando os ingredientes na mesma mesa.
— Professor — chamou Draco — Vou precisar de ajuda para cortar as raízes de margarida, porque o meu braço...
— Weasley, corte as raízes para Malfoy — disse Snape sem erguer a cabeça.
Rony ficou vermelho como um tomate.
— O seu braço não tem nenhum problema — sibilou o garoto para Draco.
Draco deu um sorriso satisfeito.
— Weasley, você ouviu o que o professor disse, corte as raízes.
Rony apanhou a faca, puxou as raízes de Draco para perto e começou a cortá-las de qualquer jeito, de modo que os pedaços ficaram de tamanhos diferentes.
— Professor — falou Draco com a voz arrastada — Weasley está mutilando as minhas raízes.
Snape aproximou-se da mesa, olhou para as raízes por cima do nariz curvo e em seguida deu a Rony um sorriso desagradável, por baixo da cabeleira longa e oleosa.
— Troque de raízes com Malfoy, Weasley.
— Mas, professor...!
Rony passara os últimos quinze minutos picando cuidadosamente suas raízes em pedacinhos exatamente iguais.
— Agora — mandou Snape com o seu tom de voz mais perigoso.
Rony empurrou as raízes caprichosamente cortadas para o lado de Draco na mesa, e, em seguida, apanhou novamente a faca.
— E, professor, vou precisar descascar este pinhão — disse Draco, a voz expressando riso e malícia.
— Potter, pode descascar o pinhão de Malfoy — disse Snape, lançando a Harry o olhar de desprezo que sempre reservava só para o garoto.
Harry apanhou o pinhão enquanto Rony começava a tentar consertar o estrago que fizera às raízes que ia ter que usar. Harry descascou o pinhão o mais depressa que pôde e atirou-o para o lado de Draco, sem falar. O outro riu com mais satisfação que nunca.
— Tem visto o seu amigo Hagrid, ultimamente? — perguntou Draco aos dois, baixinho.
— Não é da sua conta — retrucou Rony aos arrancos, sem erguer a cabeça.
— Acho que ele não vai continuar professor por muito tempo — disse Draco num tom de fingida tristeza — Meu pai não ficou nada satisfeito com o meu ferimento...
— Continue falando, Draco, e vou lhe fazer um ferimento de verdade — rosnou Rony.
—... ele apresentou queixa aos conselheiros da escola. E ao Ministério da Magia. Meu pai tem muita influência, sabe. E um ferimento permanente como este — ele fingiu um longo suspiro — Quem sabe se o meu braço vai voltar um dia a ser o mesmo?
— Então é por isso que você está fazendo toda essa encenação — comentou Harry, decapitando sem querer uma lagarta morta, porque sua mão tremia de raiva — Para tentar fazer Hagrid ser despedido.
— Bom — respondeu Draco, baixando a voz para um sussurro — Em parte, Potter. Mas tem outros benefícios, também. Weasley, fatie minhas lagartas para mim.
A alguns caldeirões de distância, Neville se achava em apuros. Ele se descontrolava regularmente nas aulas de Poções, era a sua pior matéria, e seu grande medo do Prof. Snape tornava as coisas dez vezes pior. Sua poção, que devia ter ficado verde ácido berrante, tinha acabado...
Laranja, Longbottom — exclamou Snape, apanhando um pouco de poção com a concha e deixando-a cair de volta no caldeirão, de modo que todos pudessem ver — Laranja. Me diga, menino, será que alguma coisa penetra nessa sua cabeça dura? Você não me ouviu dizer, muito claramente, que só precisava pôr um baço de rato? Será que eu não disse, sem nenhum rodeio, que um nadinha de sumo de sanguessuga era suficiente? Que é que eu tenho de fazer para você entender, Longbottom?
Neville estava vermelho e trêmulo. Parecia prestes a chorar.
— Por favor, professor — disse Hermione — Eu poderia ajudar Neville a consertar...
— Eu não me lembro de ter lhe pedido para se exibir, Srta. Granger — respondeu Snape friamente e Hermione ficou tão vermelha quanto Neville — Longbottom, no final da aula vamos dar algumas gotas desta poção ao seu sapo e ver o que acontece. Quem sabe isto o estimule a preparar a poção corretamente.
O professor se afastou, deixando Neville sem fôlego de tanto medo.
— Me ajude! — gemeu o menino para Hermione.
— Ei, Harry — disse Simas Finnigan, curvando-se para pedir emprestada a balança de latão de Harry — Você já soube? No Profeta Diário desta manhã, eles acham que avistaram Sirius Black.
— Onde? — perguntaram Harry e Rony depressa.
Do lado oposto da mesa, Draco ergueu os olhos, escutando a conversa atentamente.
— Não muito longe daqui — respondeu o colega, que parecia excitado — Foi visto por uma trouxa. Claro que ela não entendeu muito bem. Os trouxas acham que ele é apenas um criminoso comum, não é? Então ela telefonou para o número do plantão de emergência. Mas até o Ministério da Magia chegar lá, o Black já tinha sumido.
— Não muito longe daqui... — repetiu Rony, lançando a Harry um olhar sugestivo. Ele se virou e notou que Draco os observava, atento — Que foi, Draco? Precisa que eu descasque mais alguma coisa?
Mas os olhos do garoto brilhavam de maldade, e estavam fixos em Harry. Ele se debruçou na mesa.
— Está pensando em apanhar o Black sozinho, Potter?
— Acertou! — respondeu Harry displicentemente.
Os lábios finos de Draco se curvaram num sorriso mau.
— É claro, se fosse eu — disse em voz baixa — Eu já teria feito alguma coisa há mais tempo. Eu não ficaria na escola como um bom menino, eu estaria lá fora procurando o homem.
— De que é que você está falando, Draco? — perguntou Rony com aspereza.
— Não sabe, Potter? — sussurrou Malfoy, os olhos claros quase fechados.
— Não sei o quê?
Malfoy soltou uma risada baixa e desdenhosa.
— Vai ver você prefere não arriscar o pescoço. Quer deixar os dementadores resolverem o caso, não é? Mas se fosse eu, eu ia querer me vingar. Ia atrás dele pessoalmente.
— Do que é que você está falando?— perguntou Harry com raiva, mas naquele momento Snape falou:
— Os senhores já devem ter terminado de misturar os ingredientes. Essa poção precisa cozinhar antes de ser bebida, portanto guardem o seu material enquanto ela ferve e, então, vamos testar a do Longbottom...
Crabbe e Goyle riram-se abertamente, vendo Neville suar, enquanto mexia febrilmente sua poção. Hermione murmurava instruções para o garoto pelo canto da boca, para que Snape não visse. Harry e Rony guardaram os ingredientes que não tinham usado e foram lavar as mãos e conchas na pia de pedra a um canto da sala.
— Que foi que o Draco quis dizer? — sussurrou Harry para Rony, enquanto molhava as mãos no jorro gelado que saia da boca da gárgula — Por que eu iria querer me vingar de Black? Ele não me fez nada... ainda.
— Ele está inventando — disse Rony com violência — Está tentando instigar você a fazer uma idiotice...
O fim da aula à vista, Snape encaminhou-se para Neville, que estava encolhido ao lado do seu caldeirão.
— Venham todos para cá — disse o professor, seus olhos negros cintilando — E observem o que acontece ao sapo de Longbottom. Se ele conseguiu produzir uma Solução Redutora, o sapo vai virar um girino. Se, o que eu não duvido, ele não preparou a poção direito, o sapo provavelmente vai ser envenenado.
Os alunos da Grifinória observaram temerosos. Os da Sonserina se mostraram excitados.
Snape apanhou Trevo, o sapo, com a mão esquerda e mergulhou, com a direita, uma colherinha na poção de Neville, que agora estava verde. Depois, deixou cair umas gotinhas na garganta de Trevo. Houve um momento de silêncio, em que Trevo engoliu a poção; seguiu-se um estalinho e Trevo, o girino, pôs-se a se contorcer na palma da mão de Snape.
Os alunos da Grifinória desataram a aplaudir.
Snape, com a expressão mal-humorada, tirou um vidrinho do bolso das vestes, pingou algumas gotas em Trevo e ele reapareceu repentinamente adulto.
— Cinco pontos a menos para a Grifinória — anunciou ele, varrendo, assim, os sorrisos de todos os rostos — Eu disse para não ajudá-lo, Srta. Granger. A turma está dispensada.
Harry, Rony e Hermione subiram a escadaria do Saguão de Entrada. Harry ainda estava pensando no que Malfoy falara, enquanto Rony espumava de raiva de Snape.
— Cinco pontos a menos para a Grifinória porque a poção estava certa! Por que você não mentiu, Mione? Devia ter dito que Neville fez tudo sozinho!
Hermione não respondeu.
Rony olhou para os lados.
— Aonde é que ela foi?
Harry se virou também. Os dois estavam no alto da escadaria agora, vendo o resto da turma passar por eles a caminho do Salão Principal para almoçar.
— Ela estava logo atrás da gente — comentou Rony, franzindo as sobrancelhas.
Malfoy passou pelos dois, caminhando entre Crabbe e Goyle. Fez uma careta de riso para Harry e desapareceu.
— Lá está ela — disse Harry.
Hermione vinha ligeiramente ofegante, correndo escada acima; com uma das mãos, ela agarrava a mochila e com a outra parecia estar escondendo alguma coisa dentro das vestes.
— Como foi que você fez isso? — perguntou Rony.
— O quê? — perguntou, por sua vez, Hermione, se juntando aos amigos.
— Em um minuto você está bem atrás da gente e no minuto seguinte está de volta ao pé da escada.
— Quê? — Hermione pareceu ligeiramente confusa — Ah... eu tive que voltar para ver uma coisa. Ah, não...
Uma costura se rompera na mochila da garota. Harry não se surpreendeu, era visível que a mochila fora atochada com pelo menos doze livrões pesados.
— Por que está carregando tudo isso na mochila? — perguntou Rony.
— Você sabe quantas matérias estou estudando — respondeu ela sem fôlego — Será que podia segurar esses para mim?
— Mas... — Rony foi virando os livros que a amiga lhe passara para olhar as capas— Você não tem nenhuma dessas matérias hoje. Só tem Defesa contra as Artes das Trevas, à tarde.
— É verdade — respondeu Hermione vagamente, mas guardou todos os livros na mochila assim mesmo — Espero que tenha alguma coisa boa para o almoço, estou morta de fome — acrescentou, e se afastou em direção ao Salão Principal.
— Você também tem a impressão de que Mione não está contando alguma coisa à gente? — perguntou Rony a Harry.

* * *

O Prof. Lupin não estava em sala quando eles chegaram para a primeira aula de Defesa Contra as Artes das Trevas. Os alunos se sentaram, tiraram das mochilas os livros, penas e pergaminho e estavam conversando quando o professor finalmente apareceu.
Lupin sorriu vagamente e colocou a velha maleta surrada na escrivaninha. Estava mal vestido como sempre, mas parecia mais saudável do que no dia do trem, como se tivesse comido umas refeições reforçadas.
— Boa tarde — cumprimentou ele — Por favor, guardem todos os livros de volta nas mochilas. Hoje teremos uma aula prática. Os senhores só vão precisar das varinhas.
Alguns alunos se entreolharam, curiosos, enquanto guardavam os livros. Nunca tinham tido uma aula prática de Defesa Contra as Artes das Trevas antes, a não ser que considerassem aquela aula inesquecível no ano anterior, em que o professor tinha trazido uma gaiola de diabretes e os soltara na sala.
— Certo, então — disse o Prof. Lupin, quando todos estavam prontos — Queiram me seguir.
Intrigados, mas interessados, os alunos se levantaram e o seguiram para fora da sala. Ele levou os alunos por um corredor deserto e virou um canto, onde a primeira coisa que viram foi o Pirraça, o poltergeist, flutuando no ar de cabeça para baixo, e entupindo com chicles o buraco da fechadura mais próxima.
Pirraça não ergueu os olhos até o professor chegar a mais ou menos meio metro, então, agitou os dedos dos pés e começou a cantar.
— Louco, lobo, Lupin — entoou ele — Louco, lobo, Lupin...
Grosseiro e intratável como era quase sempre, Pirraça em geral demonstrava algum respeito pelos professores. Todo mundo olhou na mesma hora para Lupin para ver qual seria sua reação àquilo, para surpresa de todos, o professor continuou a sorrir.
— Eu tiraria o chicle do buraco da fechadura se fosse você, Pirraça — disse ele gentilmente — O Sr. Filch não vai poder apanhar as vassouras dele.
Filch era o zelador de Hogwarts, mal-humorado, um bruxo frustrado que travava uma guerra constante contra os estudantes e, na verdade, contra Pirraça também. Mas o poltergeist não deu a mínima atenção às palavras do professor a não ser para respondê-las com um ruído ofensivo e alto feito com a boca.
O professor deu um breve suspiro e tirou a varinha.
— Este é um feitiçozinho útil — disse à turma por cima do ombro — Por favor observem com atenção.
Ele ergueu a varinha até a altura do ombro e disse:
Uediuósi! — e apontou para Pirraça.
Com a força de uma bala, a pelota de chicle disparou do buraco da fechadura e foi bater certeira na narina esquerda de Pirraça. O poltergeist virou de cabeça para cima e fugiu a grande velocidade, xingando.
— Maneiro, professor — exclamou Dino Thomas admirado.
— Obrigado, Dino — disse o professor tornando a guardar a varinha — Vamos prosseguir?
Eles recomeçaram a caminhada, a turma olhando o enxovalhado professor com crescente respeito. Lupin os conduziu por um segundo corredor e parou bem à porta da Sala dos Professores.
— Entrem, por favor — disse ele, abrindo a porta e se afastando para os alunos passarem.
A Sala dos Professores: uma sala comprida, revestida com painéis de madeira e mobiliada com cadeiras velhas e desaparelhadas. Estava vazia, exceto por um ocupante. O Prof. Snape estava sentado em uma poltrona baixa e ergueu os olhos para os alunos que entravam. Seus olhos brilhavam e ele tinha um arzinho de desdém em volta da boca.
Quando o Prof. Lupin entrou e fez menção de fechar a porta, Snape falou:
— Pode deixá-la aberta, Lupin. Eu prefiro não estar presente.
E, dizendo isso, se levantou e passou pela turma, suas vestes negras se enfurnando às suas costas. À porta, o professor girou nos calcanhares e disse ao colega:
— Provavelmente ninguém o alertou, Lupin, mas essa turma tem Neville Longbottom. Eu o aconselharia a não confiar a esse menino nada que apresente dificuldade. A não ser que a Srta. Granger se incumba de cochichar instruções ao ouvido dele.
Neville ficou escarlate. Harry olhou aborrecido para Snape. Já era bastante ruim que ele implicasse com Neville nas próprias aulas, e muito pior fazer isso na frente de outros professores.
O Prof. Lupin ergueu as sobrancelhas.
— Pois eu pretendia chamar Neville para me ajudar na primeira etapa da operação, e tenho certeza de que ele vai fazer isso admiravelmente.
A cara de Neville ficou, se isso fosse possível, ainda mais vermelha. Snape revirou os lábios num trejeito de desdém, mas se retirou, batendo de leve a porta.
— Agora, então — disse o Prof. Lupin, chamando, com um gesto, a turma para o fundo da sala, onde não havia nada exceto um velho armário em que os professores guardavam mudas limpas de vestes.
Quando o professor se postou a um lado, o armário subitamente se sacudiu, batendo na parede.
— Não se preocupem — disse ele calmamente porque alguns alunos tinham pulado para trás, assustados — Há um bicho-papão aí dentro.
A maioria dos garotos achou que isso era uma coisa com o que se preocupar. Neville lançou ao professor um olhar de absoluto terror e Simas Finnigan mirou o puxador, que agora sacudia barulhentamente, com apreensão.
— Bichos-Papões gostam de lugares escuros e fechados — informou o mestre — Guarda-Roupas, o vão embaixo das camas, os armários sob as pias... eu já encontrei um alojado dentro de um relógio de parede antigo. Este aí se mudou para cá ontem à tarde e perguntei ao Diretor se os professores poderiam deixá-lo para eu dar uma aula prática aos meus alunos do terceiro ano. Então, a primeira pergunta que devemos nos fazer é, o que é um bicho-papão?
Hermione levantou a mão.
— É um transformista — respondeu ela — É capaz de assumir a forma do que achar que pode nos assustar mais.
— Eu mesmo não poderia ter dado uma definição melhor — disse o Prof. Lupin, e o rosto de Hermione se iluminou de orgulho — Então o bicho-papão que está sentado no escuro aí dentro ainda não assumiu forma alguma. Ele ainda não sabe o que pode assustar a pessoa que está do lado de fora. Ninguém sabe qual é a aparência de um bicho-papão quando está sozinho, mas quando eu o deixar sair, ele imediatamente se transformará naquilo que cada um de nós mais teme. Isto significa... — continuou o Prof. Lupin, preferindo não dar atenção à breve exclamação de terror de Neville —... Que temos uma enorme vantagem sobre o bicho-papão para começar. Você já sabe qual é, Harry?
Tentar responder uma pergunta com Hermione do lado, com as plantas dos pés subindo e descendo impacientes e a mão no ar, era muito irritante, mas Harry resolveu tentar assim mesmo.
— Hum... porque somos muitos, ele não vai saber que forma tomar.
— Precisamente — concordou o professor e Hermione baixou a mão, parecendo um pouquinho desapontada — É sempre melhor estarmos acompanhados quando enfrentamos um bicho-papão. Assim, ele se confunde. No que deverá se transformar, num corpo sem cabeça ou numa lesma carnívora? Uma vez vi um bicho-papão cometer exatamente este erro, tentou assustar duas pessoas e se transformou em meia-lesma. O que, nem de longe, pode assustar alguém. O feitiço que repele um bicho-papão é simples, mas exige concentração. Vejam, a coisa que realmente acaba com um bicho-papão é o riso. Então o que precisam fazer é forçá-lo a assumir uma forma que vocês achem engraçada. Vamos praticar o feitiço sem as varinhas primeiro. Repitam comigo, por favor... Riddikulus!
Riddikulus — repetiu a turma.
— Ótimo — aprovou o Prof. Lupin — Muito bem. Mas receio que esta seja a parte mais fácil. Sabem, a palavra sozinha não basta. E é aqui que você vai entrar Neville.
O guarda-roupa recomeçou a tremer, embora não tanto quanto Neville, que se dirigiu para o móvel como se estivesse indo para a forca.
— Certo, Neville — disse o professor — Vamos começar pelo começo: qual, você diria, que é a coisa que pode assustá-lo mais neste mundo?
Os lábios de Neville se mexeram, mas não emitiram som algum.
— Não ouvi o que você disse, Neville, me desculpe — disse o Prof. Lupin animado.
Neville olhou para os lados meio desesperado, como que suplicando a alguém que o ajudasse, depois disse, num sussurro quase inaudível:
— O Prof. Snape.
Quase todo mundo riu. Até Neville sorriu como se pedisse desculpas.
Lupin, porém, ficou pensativo.
— Prof. Snape... hummm... Neville, eu creio que você mora com a sua avó?
— Sim... moro — disse Neville, nervoso — Mas também não quero que o bicho-papão se transforme na minha avó.
— Não, não, você não entendeu — disse o professor, agora rindo — Será que você podia nos descrever que tipo de roupas a sua avó normalmente usa?
Neville fez cara de espanto, mas disse:
— Bem... sempre o mesmo chapéu. Um bem alto com um urubu empalhado na ponta. E um vestido comprido... verde, normalmente... e às vezes uma raposa.
— E uma bolsa?
— Vermelha e bem grande.
— Certo então — disse o professor — Você é capaz de imaginar essas roupas com clareza, Neville? Você consegue vê-las mentalmente?
— Consigo — respondeu Neville, hesitante, obviamente imaginando o que viria a seguir.
— Quando o bicho-papão irromper daquele guarda-roupa, Neville, e vir você, ele vai assumir a forma do Prof. Snape. E você vai erguer a varinha... assim... e gritar “Riddikulus”... e se concentrar com todas as suas forças nas roupas de sua avó. Se tudo correr bem, o Prof-Bicho-Papão-Snape será forçado a vestir aquele chapéu com o urubu, aquele vestido verde e carregar aquela enorme bolsa vermelha.
Houve uma explosão de risos. O guarda-roupa sacudiu com maior violência.
— Se Neville acertar, o bicho-papão provavelmente vai voltar a atenção para cada um de nós individualmente. Eu gostaria que todos gastassem algum tempo, agora, para pensar na coisa de que têm mais medo e imaginar como poderia fazê-la parecer cômica...
A sala ficou silenciosa.
Harry pensou... “O que o apavorava mais no mundo?”. Seu primeiro pensamento foi Lord Voldemort, um Voldemort que tivesse recuperado totalmente as forças. Mas antes que conseguisse planejar um possível contra-ataque ao Bicho-Papão-Voldemort, uma imagem horrível foi aflorando à superfície de sua mente... uma mão luzidia e podre, que escorregava para dentro de uma capa preta... uma respiração longa e rascante que saia de uma boca invisível... depois um frio tão penetrante que dava a impressão de que ele estava se afogando...
Harry estremeceu e olhou para os lados, na esperança de que ninguém tivesse reparado nele. Muitos alunos tinham os olhos bem fechados. Rony murmurava para si mesmo “Arranque as pernas dela”. Harry teve certeza de que sabia a que o amigo se referia. O maior medo de Rony eram as aranhas.
— Todos prontos? — perguntou o Prof. Lupin.
Harry sentiu uma onda de medo. Ele não estava pronto. Como era possível fazer um dementador se tornar menos aterrorizante? Mas não quis pedir mais tempo, todos estavam acenando a cabeça afirmativamente enrolando as mangas.
— Neville, nós vamos recuar — disse o professor — Assim você fica com o campo livre, está bem? Vou chamar o próximo a vir para frente... todos para trás, agora, de modo que Neville tenha espaço para agitar a varinha...
Todos recuaram, encostaram-se nas paredes, deixando Neville sozinho ao lado do guarda-roupa. Ele parecia pálido e assustado, mas enrolara as mangas das vestes e segurava a varinha em posição.
— Quando eu contar três, Neville — avisou Lupin, que apontava a própria varinha para o puxador do armário — Um... dois... três... agora!
Um jorro de faíscas saltou da ponta da varinha do professor e bateu no puxador. O guarda-roupa se abriu com violência. Com o nariz curvo e ameaçador, o Prof. Snape saiu, os olhos faiscando para Neville. Neville recuou, de varinha no ar, balbuciando silenciosamente. Snape avançou para ele, apanhando alguma coisa dentro das vestes.
— R... R.. Riddikulus! — esganiçou-se Neville.
Ouviu-se um ruído que lembrava o estalido de um chicote. Snape tropeçou: usava um vestido longo, enfeitado de rendas e um imenso chapéu de bruxo com um urubu carcomido de traças no alto, e sacudia uma enorme bolsa vermelho-vivo.
Houve uma explosão de risos. O bicho-papão parou, confuso, e o Prof. Lupin gritou:
— Parvati! Avante!
Parvati adiantou-se, com ar decidido. Snape avançou para ela. Ouviu-se outro estalo e onde o bicho-papão estivera havia agora uma múmia com as bandagens sujas de sangue, seu rosto tampado estava virado para Parvati e a múmia começou a andar para a garota muito lentamente, arrastando os pés, erguendo os braços duros...
Riddikulus! — exclamou Parvati.
Uma bandagem se soltou aos pés da múmia, ela se enredou, caiu de cara no chão e sua cabeça rolou para longe do corpo.
— Simas — bradou o professor.
Simas passou disparado por Parvati.
Craque!
Onde estivera a múmia surgiu uma mulher de cabelos negros que iam até o chão e um rosto esverdeado e esquelético, um espírito agourento. Ela escancarou a boca e um som espectral encheu a sala, um grito longo e choroso que fez os cabelos de Harry ficarem em pé.
Riddikulus! — bradou Simas. O espírito agourento emitiu um som rascante, apertou a garganta com as mãos; sua voz sumiu.
Craque!
O espírito agourento se transformou em um rato, que saiu correndo atrás do próprio rabo, em círculos, depois...
Craque!
Transformou-se em uma cascavel, que saiu deslizando e se contorcendo até que...
Craque!
Se transformou em um olho único e sangrento.
— Confundimos o bicho! — gritou Lupin — Já estamos quase no fim! Dino!
Dino adiantou-se correndo.
Craque!
O olho se transformou em uma mão decepada, que deu uma cambalhota e saiu andando de lado como um caranguejo.
Riddikulus! — berrou Dino.
Ouviu-se um estalo e a mão ficou presa em uma ratoeira.
— Excelente! Rony, você é o próximo!
Rony correu para frente aos pulos.
Craque!
Muitos alunos gritaram. Uma aranha gigantesca e peluda, com quase dois metros de altura, avançou para Rony, batendo as pinças ameaçadoramente. Por um instante, Harry achou que Rony congelara. Mas...
Riddikulus! — berrou Rony, e as pernas da aranha desapareceram, ela ficou rolando pelo chão. Lilá Brown deu um grito agudo e se afastou correndo do caminho da aranha até que ela parou aos pés de Harry.
O garoto ergueu a varinha, preparou-se, mas...
— Tome! — gritou o Prof. Lupin de repente, correndo para frente.
Craque!
A aranha sem pernas sumira. Por um segundo todos olharam assustados para os lados para ver o que aparecera. Então viram um globo branco-prateado pendurado no ar diante de Lupin, e ele disse “Riddikulus” quase descansadamente.
Craque!
— Para frente, Neville, e acabe com ela! — mandou o professor quando o bicho-papão aterrissou no chão sob a forma de uma barata.
Craque!
E Snape reapareceu. Desta vez, Neville avançou parecendo decidido.
Riddikulus! — gritou, e, por uma fração de segundo, seus colegas tiveram uma visão de Snape com seu vestido de rendas antes de Neville soltar uma grande gargalhada e o bicho-papão explodir em milhares de fiapinhos minúsculos de fumaça, e desaparecer.
— Excelente! — exclamou o Prof. Lupin enquanto a classe aplaudia com entusiasmo — Excelente, Neville. Muito bem, pessoal... deixe-me ver... cinco pontos para a Grifinória para cada pessoa que enfrentou o bicho-papão. Dez para Neville porque ele o enfrentou duas vezes e cinco para Harry e para Hermione.
— Mas eu não fiz nada — protestou Harry.
— Você e Hermione responderam às minhas perguntas corretamente no início da aula, Harry — respondeu Lupin gentilmente — Muito bem, pessoal, foi uma aula excelente. Dever de casa: por favor, leiam o capítulo sobre os bichos-papões e façam um resumo para me entregar... na Segunda-Feira. E por hoje é só.
Falando agitados, os alunos deixaram a Sala dos Professores.
Harry, porém, não estava se sentindo muito animado. O Prof. Lupin intencionalmente o impedira de enfrentar o bicho-papão. Por quê? Teria sido porque vira Harry desmaiar no trem e achava que ele não seria capaz? Teria pensado que ele ia desmaiar de novo? Mas ninguém mais pareceu ter estranhado nada.
— Você me viu enfrentar aquele espírito agourento? — perguntava Simas aos gritos.
— E a mão! — disse Dino, agitando a própria mão no ar.
— E o Snape naquele chapéu!
— E a minha múmia?
— Por que será que o Prof. Lupin tem medo de bolas de cristal? — indagou Lilá, pensativa.
— Essa foi a melhor aula de Defesa Contra as Artes das Trevas que já tivemos, vocês não acham? — disse Rony excitado quando refaziam o caminho até a sala de aula para apanhar as mochilas.
— Ele parece um bom professor — comentou Hermione em tom de aprovação — Mas eu gostaria de ter podido enfrentar o bicho-papão...
— O que ele teria sido para você? — perguntou Rony dando risadinhas — Um dever de casa que só mereceu nota nove em dez?










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