— CAPÍTULO SETE —
O Bicho-Papão no Armário
DRACO NÃO REAPARECEU nas
aulas até o fim da manhã de Quinta-Feira, quando os alunos da Sonserina e da
Grifinória já estavam na metade da aula dupla de Poções. Ele entrou cheio de
arrogância na masmorra, o braço direito enfaixado e pendurado em uma tipóia,
agindo, na opinião de Harry, como se fosse o sobrevivente heroico de uma
terrível batalha.
—
Como vai o braço, Draco? — perguntou Pansy Parkinson, com um sorrisinho
insincero — Está doendo muito?
—
Está — respondeu o garoto, fazendo uma careta corajosa.
Mas
Harry o viu piscar para Crabbe e Goyle, quando Pansy desviou o olhar.
— Vá
com calma, vá com calma — disse o Prof. Snape gratuitamente.
Harry
e Rony fizeram caretas um para o outro; Snape não teria dito “vá com calma” se
eles tivessem entrado atrasados, teria lhes dado uma detenção. Mas Draco sempre
conseguira escapar com qualquer coisa nas aulas de Poções. Snape era o diretor
da Sonserina e em geral favorecia os próprios alunos em prejuízo dos demais.
A
classe estava preparando uma poção nova naquele dia, uma Solução Redutora.
Draco armou seu caldeirão bem ao lado do de Harry e Rony, de modo que os três
ficaram preparando os ingredientes na mesma mesa.
—
Professor — chamou Draco — Vou precisar de ajuda para cortar as raízes de
margarida, porque o meu braço...
—
Weasley, corte as raízes para Malfoy — disse Snape sem erguer a cabeça.
Rony
ficou vermelho como um tomate.
— O
seu braço não tem nenhum problema — sibilou o garoto para Draco.
Draco
deu um sorriso satisfeito.
—
Weasley, você ouviu o que o professor disse, corte as raízes.
Rony
apanhou a faca, puxou as raízes de Draco para perto e começou a cortá-las de
qualquer jeito, de modo que os pedaços ficaram de tamanhos diferentes.
—
Professor — falou Draco com a voz arrastada — Weasley está mutilando as minhas
raízes.
Snape
aproximou-se da mesa, olhou para as raízes por cima do nariz curvo e em seguida
deu a Rony um sorriso desagradável, por baixo da cabeleira longa e oleosa.
—
Troque de raízes com Malfoy, Weasley.
—
Mas, professor...!
Rony
passara os últimos quinze minutos picando cuidadosamente suas raízes em
pedacinhos exatamente iguais.
—
Agora — mandou Snape com o seu tom de voz mais perigoso.
Rony
empurrou as raízes caprichosamente cortadas para o lado de Draco na mesa, e, em
seguida, apanhou novamente a faca.
— E,
professor, vou precisar descascar este pinhão — disse Draco, a voz expressando
riso e malícia.
—
Potter, pode descascar o pinhão de Malfoy — disse Snape, lançando a Harry o
olhar de desprezo que sempre reservava só para o garoto.
Harry
apanhou o pinhão enquanto Rony começava a tentar consertar o estrago que fizera
às raízes que ia ter que usar. Harry descascou o pinhão o mais depressa que
pôde e atirou-o para o lado de Draco, sem falar. O outro riu com mais
satisfação que nunca.
— Tem
visto o seu amigo Hagrid, ultimamente? — perguntou Draco aos dois, baixinho.
— Não
é da sua conta — retrucou Rony aos arrancos, sem erguer a cabeça.
—
Acho que ele não vai continuar professor por muito tempo — disse Draco num tom
de fingida tristeza — Meu pai não ficou nada satisfeito com o meu ferimento...
—
Continue falando, Draco, e vou lhe fazer um ferimento de verdade — rosnou Rony.
—...
ele apresentou queixa aos conselheiros da escola. E ao Ministério da Magia. Meu
pai tem muita influência, sabe. E um ferimento permanente como este — ele
fingiu um longo suspiro — Quem sabe se o meu braço vai voltar um dia a ser o
mesmo?
—
Então é por isso que você está fazendo toda essa encenação — comentou Harry,
decapitando sem querer uma lagarta morta, porque sua mão tremia de raiva — Para
tentar fazer Hagrid ser despedido.
— Bom
— respondeu Draco, baixando a voz para um sussurro — Em parte, Potter. Mas tem
outros benefícios, também. Weasley, fatie minhas lagartas para mim.
A
alguns caldeirões de distância, Neville se achava em apuros. Ele se
descontrolava regularmente nas aulas de Poções, era a sua pior matéria, e seu
grande medo do Prof. Snape tornava as coisas dez vezes pior. Sua poção, que
devia ter ficado verde ácido berrante,
tinha acabado...
— Laranja, Longbottom — exclamou Snape,
apanhando um pouco de poção com a concha e deixando-a cair de volta no
caldeirão, de modo que todos pudessem ver — Laranja. Me diga, menino, será que
alguma coisa penetra nessa sua cabeça dura? Você não me ouviu dizer, muito
claramente, que só precisava pôr um baço de rato? Será que eu não disse, sem
nenhum rodeio, que um nadinha de sumo de sanguessuga era suficiente? Que é que
eu tenho de fazer para você entender, Longbottom?
Neville
estava vermelho e trêmulo. Parecia prestes a chorar.
— Por
favor, professor — disse Hermione — Eu poderia ajudar Neville a consertar...
— Eu
não me lembro de ter lhe pedido para se exibir, Srta. Granger — respondeu Snape
friamente e Hermione ficou tão vermelha quanto Neville — Longbottom, no final
da aula vamos dar algumas gotas desta poção ao seu sapo e ver o que acontece.
Quem sabe isto o estimule a preparar a poção corretamente.
O
professor se afastou, deixando Neville sem fôlego de tanto medo.
— Me
ajude! — gemeu o menino para Hermione.
— Ei,
Harry — disse Simas Finnigan, curvando-se para pedir emprestada a balança de
latão de Harry — Você já soube? No Profeta Diário desta manhã, eles acham que
avistaram Sirius Black.
—
Onde? — perguntaram Harry e Rony depressa.
Do lado
oposto da mesa, Draco ergueu os olhos, escutando a conversa atentamente.
— Não
muito longe daqui — respondeu o colega, que parecia excitado — Foi visto por
uma trouxa. Claro que ela não entendeu muito bem. Os trouxas acham que ele é
apenas um criminoso comum, não é? Então ela telefonou para o número do plantão
de emergência. Mas até o Ministério da Magia chegar lá, o Black já tinha
sumido.
— Não
muito longe daqui... — repetiu Rony, lançando a Harry um olhar sugestivo. Ele
se virou e notou que Draco os observava, atento — Que foi, Draco? Precisa que
eu descasque mais alguma coisa?
Mas
os olhos do garoto brilhavam de maldade, e estavam fixos em Harry. Ele se
debruçou na mesa.
—
Está pensando em apanhar o Black sozinho, Potter?
—
Acertou! — respondeu Harry displicentemente.
Os
lábios finos de Draco se curvaram num sorriso mau.
— É
claro, se fosse eu — disse em voz baixa — Eu já teria feito alguma coisa há
mais tempo. Eu não ficaria na escola como um bom menino, eu estaria lá fora
procurando o homem.
— De
que é que você está falando, Draco? — perguntou Rony com aspereza.
— Não
sabe, Potter? — sussurrou Malfoy, os olhos claros quase fechados.
— Não
sei o quê?
Malfoy
soltou uma risada baixa e desdenhosa.
— Vai
ver você prefere não arriscar o pescoço. Quer deixar os dementadores resolverem
o caso, não é? Mas se fosse eu, eu ia querer me vingar. Ia atrás dele
pessoalmente.
— Do
que é que você está falando?— perguntou Harry com raiva, mas naquele momento
Snape falou:
— Os
senhores já devem ter terminado de misturar os ingredientes. Essa poção precisa
cozinhar antes de ser bebida, portanto guardem o seu material enquanto ela
ferve e, então, vamos testar a do Longbottom...
Crabbe
e Goyle riram-se abertamente, vendo Neville suar, enquanto mexia febrilmente
sua poção. Hermione murmurava instruções para o garoto pelo canto da boca, para
que Snape não visse. Harry e Rony guardaram os ingredientes que não tinham
usado e foram lavar as mãos e conchas na pia de pedra a um canto da sala.
— Que
foi que o Draco quis dizer? — sussurrou Harry para Rony, enquanto molhava as
mãos no jorro gelado que saia da boca da gárgula — Por que eu iria querer me
vingar de Black? Ele não me fez nada... ainda.
— Ele
está inventando — disse Rony com violência — Está tentando instigar você a
fazer uma idiotice...
O fim
da aula à vista, Snape encaminhou-se para Neville, que estava encolhido ao lado
do seu caldeirão.
—
Venham todos para cá — disse o professor, seus olhos negros cintilando — E
observem o que acontece ao sapo de Longbottom. Se ele conseguiu produzir uma
Solução Redutora, o sapo vai virar um girino. Se, o que eu não duvido, ele não
preparou a poção direito, o sapo provavelmente vai ser envenenado.
Os
alunos da Grifinória observaram temerosos. Os da Sonserina se mostraram
excitados.
Snape
apanhou Trevo, o sapo, com a mão esquerda e mergulhou, com a direita, uma
colherinha na poção de Neville, que agora estava verde. Depois, deixou cair
umas gotinhas na garganta de Trevo. Houve um momento de silêncio, em que Trevo
engoliu a poção; seguiu-se um estalinho e Trevo, o girino, pôs-se a se
contorcer na palma da mão de Snape.
Os
alunos da Grifinória desataram a aplaudir.
Snape,
com a expressão mal-humorada, tirou um vidrinho do bolso das vestes, pingou
algumas gotas em Trevo e ele reapareceu repentinamente adulto.
—
Cinco pontos a menos para a Grifinória — anunciou ele, varrendo, assim, os
sorrisos de todos os rostos — Eu disse para não ajudá-lo, Srta. Granger. A
turma está dispensada.
Harry,
Rony e Hermione subiram a escadaria do Saguão de Entrada. Harry ainda estava
pensando no que Malfoy falara, enquanto Rony espumava de raiva de Snape.
—
Cinco pontos a menos para a Grifinória porque a poção estava certa! Por que
você não mentiu, Mione? Devia ter dito que Neville fez tudo sozinho!
Hermione
não respondeu.
Rony
olhou para os lados.
—
Aonde é que ela foi?
Harry
se virou também. Os dois estavam no alto da escadaria agora, vendo o resto da
turma passar por eles a caminho do Salão Principal para almoçar.
— Ela
estava logo atrás da gente — comentou Rony, franzindo as sobrancelhas.
Malfoy
passou pelos dois, caminhando entre Crabbe e Goyle. Fez uma careta de riso para
Harry e desapareceu.
— Lá
está ela — disse Harry.
Hermione
vinha ligeiramente ofegante, correndo escada acima; com uma das mãos, ela
agarrava a mochila e com a outra parecia estar escondendo alguma coisa dentro
das vestes.
—
Como foi que você fez isso? — perguntou Rony.
— O
quê? — perguntou, por sua vez, Hermione, se juntando aos amigos.
— Em
um minuto você está bem atrás da gente e no minuto seguinte está de volta ao pé
da escada.
—
Quê? — Hermione pareceu ligeiramente confusa — Ah... eu tive que voltar para
ver uma coisa. Ah, não...
Uma
costura se rompera na mochila da garota. Harry não se surpreendeu, era visível
que a mochila fora atochada com pelo menos doze livrões pesados.
— Por
que está carregando tudo isso na mochila? — perguntou Rony.
—
Você sabe quantas matérias estou estudando — respondeu ela sem fôlego — Será
que podia segurar esses para mim?
—
Mas... — Rony foi virando os livros que a amiga lhe passara para olhar as
capas— Você não tem nenhuma dessas matérias hoje. Só tem Defesa contra as Artes
das Trevas, à tarde.
— É
verdade — respondeu Hermione vagamente, mas guardou todos os livros na mochila
assim mesmo — Espero que tenha alguma coisa boa para o almoço, estou morta de
fome — acrescentou, e se afastou em direção ao Salão Principal.
—
Você também tem a impressão de que Mione não está contando alguma coisa à
gente? — perguntou Rony a Harry.
* * *
O Prof. Lupin não estava
em sala quando eles chegaram para a primeira aula de Defesa Contra as Artes das
Trevas. Os alunos se sentaram, tiraram das mochilas os livros, penas e
pergaminho e estavam conversando quando o professor finalmente apareceu.
Lupin
sorriu vagamente e colocou a velha maleta surrada na escrivaninha. Estava mal
vestido como sempre, mas parecia mais saudável do que no dia do trem, como se
tivesse comido umas refeições reforçadas.
— Boa
tarde — cumprimentou ele — Por favor, guardem todos os livros de volta nas
mochilas. Hoje teremos uma aula prática. Os senhores só vão precisar das
varinhas.
Alguns
alunos se entreolharam, curiosos, enquanto guardavam os livros. Nunca tinham
tido uma aula prática de Defesa Contra as Artes das Trevas antes, a não ser que
considerassem aquela aula inesquecível no ano anterior, em que o professor
tinha trazido uma gaiola de diabretes e os soltara na sala.
—
Certo, então — disse o Prof. Lupin, quando todos estavam prontos — Queiram me
seguir.
Intrigados,
mas interessados, os alunos se levantaram e o seguiram para fora da sala. Ele
levou os alunos por um corredor deserto e virou um canto, onde a primeira coisa
que viram foi o Pirraça, o poltergeist, flutuando no ar de cabeça para baixo, e
entupindo com chicles o buraco da fechadura mais próxima.
Pirraça
não ergueu os olhos até o professor chegar a mais ou menos meio metro, então,
agitou os dedos dos pés e começou a cantar.
—
Louco, lobo, Lupin — entoou ele — Louco, lobo, Lupin...
Grosseiro
e intratável como era quase sempre, Pirraça em geral demonstrava algum respeito
pelos professores. Todo mundo olhou na mesma hora para Lupin para ver qual
seria sua reação àquilo, para surpresa de todos, o professor continuou a
sorrir.
— Eu
tiraria o chicle do buraco da fechadura se fosse você, Pirraça — disse ele gentilmente
— O Sr. Filch não vai poder apanhar as vassouras dele.
Filch
era o zelador de Hogwarts, mal-humorado, um bruxo frustrado que travava uma
guerra constante contra os estudantes e, na verdade, contra Pirraça também. Mas
o poltergeist não deu a mínima atenção às palavras do professor a não ser para
respondê-las com um ruído ofensivo e alto feito com a boca.
O
professor deu um breve suspiro e tirou a varinha.
—
Este é um feitiçozinho útil — disse à turma por cima do ombro — Por favor
observem com atenção.
Ele
ergueu a varinha até a altura do ombro e disse:
— Uediuósi! — e apontou para Pirraça.
Com a
força de uma bala, a pelota de chicle disparou do buraco da fechadura e foi
bater certeira na narina esquerda de Pirraça. O poltergeist virou de cabeça
para cima e fugiu a grande velocidade, xingando.
—
Maneiro, professor — exclamou Dino Thomas admirado.
—
Obrigado, Dino — disse o professor tornando a guardar a varinha — Vamos
prosseguir?
Eles
recomeçaram a caminhada, a turma olhando o enxovalhado professor com crescente
respeito. Lupin os conduziu por um segundo corredor e parou bem à porta da Sala
dos Professores.
—
Entrem, por favor — disse ele, abrindo a porta e se afastando para os alunos
passarem.
A
Sala dos Professores: uma sala comprida, revestida com painéis de madeira e
mobiliada com cadeiras velhas e desaparelhadas. Estava vazia, exceto por um
ocupante. O Prof. Snape estava sentado em uma poltrona baixa e ergueu os olhos
para os alunos que entravam. Seus olhos brilhavam e ele tinha um arzinho de
desdém em volta da boca.
Quando
o Prof. Lupin entrou e fez menção de fechar a porta, Snape falou:
—
Pode deixá-la aberta, Lupin. Eu prefiro não estar presente.
E,
dizendo isso, se levantou e passou pela turma, suas vestes negras se enfurnando
às suas costas. À porta, o professor girou nos calcanhares e disse ao colega:
—
Provavelmente ninguém o alertou, Lupin, mas essa turma tem Neville Longbottom.
Eu o aconselharia a não confiar a esse menino nada que apresente dificuldade. A
não ser que a Srta. Granger se incumba de cochichar instruções ao ouvido dele.
Neville
ficou escarlate. Harry olhou aborrecido para Snape. Já era bastante ruim que
ele implicasse com Neville nas próprias aulas, e muito pior fazer isso na
frente de outros professores.
O
Prof. Lupin ergueu as sobrancelhas.
—
Pois eu pretendia chamar Neville para me ajudar na primeira etapa da operação,
e tenho certeza de que ele vai fazer isso admiravelmente.
A
cara de Neville ficou, se isso fosse possível, ainda mais vermelha. Snape
revirou os lábios num trejeito de desdém, mas se retirou, batendo de leve a
porta.
—
Agora, então — disse o Prof. Lupin, chamando, com um gesto, a turma para o
fundo da sala, onde não havia nada exceto um velho armário em que os
professores guardavam mudas limpas de vestes.
Quando
o professor se postou a um lado, o armário subitamente se sacudiu, batendo na
parede.
— Não
se preocupem — disse ele calmamente porque alguns alunos tinham pulado para
trás, assustados — Há um bicho-papão aí dentro.
A
maioria dos garotos achou que isso era uma coisa com o que se preocupar.
Neville lançou ao professor um olhar de absoluto terror e Simas Finnigan mirou
o puxador, que agora sacudia barulhentamente, com apreensão.
—
Bichos-Papões gostam de lugares escuros e fechados — informou o mestre —
Guarda-Roupas, o vão embaixo das camas, os armários sob as pias... eu já
encontrei um alojado dentro de um relógio de parede antigo. Este aí se mudou
para cá ontem à tarde e perguntei ao Diretor se os professores poderiam
deixá-lo para eu dar uma aula prática aos meus alunos do terceiro ano. Então, a
primeira pergunta que devemos nos fazer é, o que é um bicho-papão?
Hermione
levantou a mão.
— É
um transformista — respondeu ela — É capaz de assumir a forma do que achar que
pode nos assustar mais.
— Eu
mesmo não poderia ter dado uma definição melhor — disse o Prof. Lupin, e o
rosto de Hermione se iluminou de orgulho — Então o bicho-papão que está sentado
no escuro aí dentro ainda não assumiu forma alguma. Ele ainda não sabe o que
pode assustar a pessoa que está do lado de fora. Ninguém sabe qual é a
aparência de um bicho-papão quando está sozinho, mas quando eu o deixar sair,
ele imediatamente se transformará naquilo que cada um de nós mais teme. Isto
significa... — continuou o Prof. Lupin, preferindo não dar atenção à breve
exclamação de terror de Neville —... Que temos uma enorme vantagem sobre o
bicho-papão para começar. Você já sabe qual é, Harry?
Tentar
responder uma pergunta com Hermione do lado, com as plantas dos pés subindo e
descendo impacientes e a mão no ar, era muito irritante, mas Harry resolveu
tentar assim mesmo.
—
Hum... porque somos muitos, ele não vai saber que forma tomar.
—
Precisamente — concordou o professor e Hermione baixou a mão, parecendo um
pouquinho desapontada — É sempre melhor estarmos acompanhados quando
enfrentamos um bicho-papão. Assim, ele se confunde. No que deverá se
transformar, num corpo sem cabeça ou numa lesma carnívora? Uma vez vi um
bicho-papão cometer exatamente este erro, tentou assustar duas pessoas e se
transformou em meia-lesma. O que, nem de longe, pode assustar alguém. O feitiço
que repele um bicho-papão é simples, mas exige concentração. Vejam, a coisa que
realmente acaba com um bicho-papão é o riso. Então o que precisam fazer é
forçá-lo a assumir uma forma que vocês achem engraçada. Vamos praticar o
feitiço sem as varinhas primeiro. Repitam comigo, por favor... Riddikulus!
— Riddikulus — repetiu a turma.
—
Ótimo — aprovou o Prof. Lupin — Muito bem. Mas receio que esta seja a parte
mais fácil. Sabem, a palavra sozinha não basta. E é aqui que você vai entrar
Neville.
O
guarda-roupa recomeçou a tremer, embora não tanto quanto Neville, que se
dirigiu para o móvel como se estivesse indo para a forca.
—
Certo, Neville — disse o professor — Vamos começar pelo começo: qual, você diria,
que é a coisa que pode assustá-lo mais neste mundo?
Os
lábios de Neville se mexeram, mas não emitiram som algum.
— Não
ouvi o que você disse, Neville, me desculpe — disse o Prof. Lupin animado.
Neville
olhou para os lados meio desesperado, como que suplicando a alguém que o
ajudasse, depois disse, num sussurro quase inaudível:
— O
Prof. Snape.
Quase
todo mundo riu. Até Neville sorriu como se pedisse desculpas.
Lupin,
porém, ficou pensativo.
—
Prof. Snape... hummm... Neville, eu creio que você mora com a sua avó?
—
Sim... moro — disse Neville, nervoso — Mas também não quero que o bicho-papão
se transforme na minha avó.
—
Não, não, você não entendeu — disse o professor, agora rindo — Será que você
podia nos descrever que tipo de roupas a sua avó normalmente usa?
Neville
fez cara de espanto, mas disse:
—
Bem... sempre o mesmo chapéu. Um bem alto com um urubu empalhado na ponta. E um
vestido comprido... verde, normalmente... e às vezes uma raposa.
— E
uma bolsa?
—
Vermelha e bem grande.
—
Certo então — disse o professor — Você é capaz de imaginar essas roupas com
clareza, Neville? Você consegue vê-las mentalmente?
—
Consigo — respondeu Neville, hesitante, obviamente imaginando o que viria a
seguir.
—
Quando o bicho-papão irromper daquele guarda-roupa, Neville, e vir você, ele
vai assumir a forma do Prof. Snape. E você vai erguer a varinha... assim... e
gritar “Riddikulus”... e se concentrar com todas as suas forças nas roupas de
sua avó. Se tudo correr bem, o Prof-Bicho-Papão-Snape será forçado a vestir
aquele chapéu com o urubu, aquele vestido verde e carregar aquela enorme bolsa
vermelha.
Houve
uma explosão de risos. O guarda-roupa sacudiu com maior violência.
— Se
Neville acertar, o bicho-papão provavelmente vai voltar a atenção para cada um
de nós individualmente. Eu gostaria que todos gastassem algum tempo, agora,
para pensar na coisa de que têm mais medo e imaginar como poderia fazê-la
parecer cômica...
A
sala ficou silenciosa.
Harry
pensou... “O que o apavorava mais no mundo?”. Seu primeiro pensamento foi Lord
Voldemort, um Voldemort que tivesse recuperado totalmente as forças. Mas antes
que conseguisse planejar um possível contra-ataque ao Bicho-Papão-Voldemort,
uma imagem horrível foi aflorando à superfície de sua mente... uma mão luzidia
e podre, que escorregava para dentro de uma capa preta... uma respiração longa
e rascante que saia de uma boca invisível... depois um frio tão penetrante que
dava a impressão de que ele estava se afogando...
Harry
estremeceu e olhou para os lados, na esperança de que ninguém tivesse reparado
nele. Muitos alunos tinham os olhos bem fechados. Rony murmurava para si mesmo “Arranque as pernas dela”. Harry teve
certeza de que sabia a que o amigo se referia. O maior medo de Rony eram as
aranhas.
—
Todos prontos? — perguntou o Prof. Lupin.
Harry
sentiu uma onda de medo. Ele não estava pronto. Como era possível fazer um
dementador se tornar menos aterrorizante? Mas não quis pedir mais tempo, todos
estavam acenando a cabeça afirmativamente enrolando as mangas.
—
Neville, nós vamos recuar — disse o professor — Assim você fica com o campo
livre, está bem? Vou chamar o próximo a vir para frente... todos para trás,
agora, de modo que Neville tenha espaço para agitar a varinha...
Todos
recuaram, encostaram-se nas paredes, deixando Neville sozinho ao lado do
guarda-roupa. Ele parecia pálido e assustado, mas enrolara as mangas das vestes
e segurava a varinha em posição.
—
Quando eu contar três, Neville — avisou Lupin, que apontava a própria varinha
para o puxador do armário — Um... dois... três... agora!
Um
jorro de faíscas saltou da ponta da varinha do professor e bateu no puxador. O
guarda-roupa se abriu com violência. Com o nariz curvo e ameaçador, o Prof.
Snape saiu, os olhos faiscando para Neville. Neville recuou, de varinha no ar,
balbuciando silenciosamente. Snape avançou para ele, apanhando alguma coisa
dentro das vestes.
—
R... R.. Riddikulus! — esganiçou-se
Neville.
Ouviu-se
um ruído que lembrava o estalido de um chicote. Snape tropeçou: usava um
vestido longo, enfeitado de rendas e um imenso chapéu de bruxo com um urubu
carcomido de traças no alto, e sacudia uma enorme bolsa vermelho-vivo.
Houve
uma explosão de risos. O bicho-papão parou, confuso, e o Prof. Lupin gritou:
—
Parvati! Avante!
Parvati
adiantou-se, com ar decidido. Snape avançou para ela. Ouviu-se outro estalo e
onde o bicho-papão estivera havia agora uma múmia com as bandagens sujas de
sangue, seu rosto tampado estava virado para Parvati e a múmia começou a andar
para a garota muito lentamente, arrastando os pés, erguendo os braços duros...
— Riddikulus! — exclamou Parvati.
Uma
bandagem se soltou aos pés da múmia, ela se enredou, caiu de cara no chão e sua
cabeça rolou para longe do corpo.
—
Simas — bradou o professor.
Simas
passou disparado por Parvati.
Craque!
Onde
estivera a múmia surgiu uma mulher de cabelos negros que iam até o chão e um
rosto esverdeado e esquelético, um espírito agourento. Ela escancarou a boca e
um som espectral encheu a sala, um grito longo e choroso que fez os cabelos de
Harry ficarem em pé.
— Riddikulus! — bradou Simas. O espírito
agourento emitiu um som rascante, apertou a garganta com as mãos; sua voz
sumiu.
Craque!
O
espírito agourento se transformou em um rato, que saiu correndo atrás do
próprio rabo, em círculos, depois...
Craque!
Transformou-se
em uma cascavel, que saiu deslizando e se contorcendo até que...
Craque!
Se
transformou em um olho único e sangrento.
—
Confundimos o bicho! — gritou Lupin — Já estamos quase no fim! Dino!
Dino
adiantou-se correndo.
Craque!
O
olho se transformou em uma mão decepada, que deu uma cambalhota e saiu andando
de lado como um caranguejo.
— Riddikulus! — berrou Dino.
Ouviu-se
um estalo e a mão ficou presa em uma ratoeira.
—
Excelente! Rony, você é o próximo!
Rony
correu para frente aos pulos.
Craque!
Muitos
alunos gritaram. Uma aranha gigantesca e peluda, com quase dois metros de
altura, avançou para Rony, batendo as pinças ameaçadoramente. Por um instante,
Harry achou que Rony congelara. Mas...
— Riddikulus! — berrou Rony, e as pernas
da aranha desapareceram, ela ficou rolando pelo chão. Lilá Brown deu um grito
agudo e se afastou correndo do caminho da aranha até que ela parou aos pés de
Harry.
O
garoto ergueu a varinha, preparou-se, mas...
—
Tome! — gritou o Prof. Lupin de repente, correndo para frente.
Craque!
A
aranha sem pernas sumira. Por um segundo todos olharam assustados para os lados
para ver o que aparecera. Então viram um globo branco-prateado pendurado no ar
diante de Lupin, e ele disse “Riddikulus”
quase descansadamente.
Craque!
—
Para frente, Neville, e acabe com ela! — mandou o professor quando o
bicho-papão aterrissou no chão sob a forma de uma barata.
Craque!
E
Snape reapareceu. Desta vez, Neville avançou parecendo decidido.
— Riddikulus! — gritou, e, por uma fração
de segundo, seus colegas tiveram uma visão de Snape com seu vestido de rendas
antes de Neville soltar uma grande gargalhada e o bicho-papão explodir em
milhares de fiapinhos minúsculos de fumaça, e desaparecer.
—
Excelente! — exclamou o Prof. Lupin enquanto a classe aplaudia com entusiasmo —
Excelente, Neville. Muito bem, pessoal... deixe-me ver... cinco pontos para a
Grifinória para cada pessoa que enfrentou o bicho-papão. Dez para Neville
porque ele o enfrentou duas vezes e cinco para Harry e para Hermione.
— Mas
eu não fiz nada — protestou Harry.
—
Você e Hermione responderam às minhas perguntas corretamente no início da aula,
Harry — respondeu Lupin gentilmente — Muito bem, pessoal, foi uma aula
excelente. Dever de casa: por favor, leiam o capítulo sobre os bichos-papões e
façam um resumo para me entregar... na Segunda-Feira. E por hoje é só.
Falando
agitados, os alunos deixaram a Sala dos Professores.
Harry,
porém, não estava se sentindo muito animado. O Prof. Lupin intencionalmente o
impedira de enfrentar o bicho-papão. Por quê? Teria sido porque vira Harry
desmaiar no trem e achava que ele não seria capaz? Teria pensado que ele ia
desmaiar de novo? Mas ninguém mais pareceu ter estranhado nada.
—
Você me viu enfrentar aquele espírito agourento? — perguntava Simas aos gritos.
— E a
mão! — disse Dino, agitando a própria mão no ar.
— E o
Snape naquele chapéu!
— E a
minha múmia?
— Por
que será que o Prof. Lupin tem medo de bolas de cristal? — indagou Lilá,
pensativa.
—
Essa foi a melhor aula de Defesa Contra as Artes das Trevas que já tivemos,
vocês não acham? — disse Rony excitado quando refaziam o caminho até a sala de
aula para apanhar as mochilas.
— Ele
parece um bom professor — comentou Hermione em tom de aprovação — Mas eu
gostaria de ter podido enfrentar o bicho-papão...
— O
que ele teria sido para você? — perguntou Rony dando risadinhas — Um dever de
casa que só mereceu nota nove em dez?
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