sexta-feira, 11 de maio de 2012

Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban - Capítulo 9






— CAPÍTULO NOVE —
A Amarga Derrota



O PROF. DUMBLEDORE MANDOU TODOS OS ALUNOS da Grifinória voltarem ao Salão Principal, onde foram se reunir a eles, dez minutos depois, os alunos da Lufa-Lufa, Corvinal e Sonserina, todos parecendo extremamente atordoados.
— Os professores e eu precisamos fazer uma busca meticulosa no castelo — disse o Diretor aos alunos quando os professores McGonagall e Flitwick fecharam as portas do salão que davam para o saguão — Receio que, para sua própria segurança, vocês terão que passar a noite aqui. Quero que os monitores montem guarda nas saídas para o saguão e vou encarregar o monitor e a monitora chefes de cuidarem disso. Eles devem me informar imediatamente qualquer perturbação que haja — acrescentou Dumbledore dirigindo-se a Percy, que assumiu um ar de enorme orgulho e importância — Mande um dos fantasmas me avisar.
O Prof. Dumbledore parou, quando ia deixando o salão, e disse:
— Ah, sim, vocês vão precisar...
Com um gesto displicente da varinha, as longas mesas se deslocaram para junto das paredes e, com um outro toque, o chão ficou coberto por centenas de fofos sacos de dormir de cor roxa.
— Durmam bem — disse o Prof. Dumbledore, fechando a porta ao passar.
O salão imediatamente começou a zumbir com as vozes excitadas dos alunos: os da Grifinória contavam ao resto da escola o que acabara de acontecer.
— Todos dentro dos sacos de dormir! — gritou Percy — Andem logo e chega de conversa! As luzes vão ser apagadas dentro de dez minutos!
— Vamos, gente — disse Rony a Harry e Hermione, e eles apanharam três sacos de dormir e os arrastaram para um canto.
— Vocês acham que Black ainda está no castelo? — cochichou Hermione, ansiosa.
— É óbvio que Dumbledore acha que ele ainda pode estar — respondeu Rony.
— É uma sorte ele ter escolhido esta noite, sabem — comentou Hermione quando entravam, completamente vestidos, nos sacos de dormir e apoiavam o corpo nos cotovelos para conversar — A única noite em que não estávamos na Torre...
— Calculo que ele tenha perdido a noção do tempo, já que está fugindo — disse Rony — Não percebeu que era Dia das Bruxas. Do contrário teria invadido o salão.
Hermione estremeceu.
A toda volta, os colegas se faziam a mesma pergunta: Como foi que ele entrou?
— Vai ver ele sabe “aparatar” — sugeriu uma aluna da Corvinal, próxima — Aparece de repente, sabe, sem ninguém ver de onde.
— Provavelmente se disfarçou — disse um quintanista da Lufa-Lufa.
— Vai ver ele voou — sugeriu Dino Thomas.
— Francamente, será que eu fui a única pessoa que se deu ao trabalho de ler Hogwarts, Uma História? — perguntou Hermione, zangada, a Rony e Harry.
— Provavelmente — disse Rony — Por quê?
— Porque o castelo não está protegido só por paredes, sabem. Recebeu todo o tipo de feitiço, para impedir as pessoas de entrarem escondidas. Ninguém pode simplesmente aparatar aqui. E eu gostaria de ver qual é o disfarce que é capaz de enganar os dementadores. Eles estão guardando todas as entradas da propriedade. Teriam visto se Black entrasse voando. E Filch conhece todas as passagens secretas e os funcionários terão coberto todas...
— As luzes vão ser apagadas agora! — anunciou Percy — Quero todo mundo dentro dos sacos de dormir, de boca calada!
Todas as velas se apagaram ao mesmo tempo. A única luz agora vinha dos fantasmas prateados, que flutuavam no ar em sérias conversas com os monitores, e do teto encantado, que reproduzia o céu estrelado lá fora. Com isso e mais os sussurros que continuavam a encher o salão, Harry se sentia como se estivesse dormindo ao ar livre, tocado por um vento suave.
De hora em hora, um professor aparecia no salão para verificar se estava tudo calmo. Por volta das três horas da manhã, quando muitos alunos tinham finalmente adormecido, o Prof. Dumbledore entrou no salão. Harry observou-o procurar por Percy, que estivera fazendo a ronda entre os sacos de dormir, ralhando com as pessoas que continuavam a conversar.
O monitor-chefe estava a uma pequena distância de Harry, Rony e Hermione, que depressa fingiram estar dormindo ao ouvirem os passos de Dumbledore se aproximarem.
— Algum sinal dele, professor? — perguntou Percy num cochicho.
— Não. Está tudo bem aqui?
— Tudo sob controle, Diretor.
— Ótimo. Não tem sentido transferir os alunos agora. Arranjei um guardião temporário para o buraco do retrato na Grifinória. Você poderá levá-los de volta amanhã.
— E a Mulher Gorda, Diretor?
— Escondida em um mapa de Argyllshire no segundo andar. Aparentemente se recusou a deixar Black entrar sem a senha, então o bandido a atacou. Ela ainda está muito perturbada, mas assim que se acalmar, vou mandar Filch restaurá-la.
Harry ouviu a porta do salão se abrir mais uma vez, rangendo, e novos passos.
— Diretor?
Era Snape.
Harry ficou muito quieto, prestando a maior atenção.
— Todo o terceiro andar foi revistado. Ele não está lá. E Filch verificou as masmorras, não há ninguém, tampouco.
— E a Torre da Astronomia? A sala da Profª. Trelawney? O Corujal?
— Tudo revistado...
— Muito bem, Severo. Eu não esperava realmente que Black se demorasse.
— O senhor tem alguma teoria sobre o modo com que ele entrou, professor? — perguntou Snape.
Harry levantou a cabeça um pouquinho para destampar a outra orelha.
— Muitas, Severo, cada uma mais improvável do que a outra.
Harry abriu os olhos minimamente e espiou para o lado onde os três se encontravam: Dumbledore estava de costas para ele, mas dava para ver o rosto de Percy inteiramente absorto e o perfil de Snape, que parecia zangado.
— O senhor se lembra da conversa que tivemos, Diretor, antes... Ah... do começo do ano letivo? — perguntou Snape, que mal abria os lábios para falar, como se quisesse impedir Percy de ouvir.
— Lembro, Severo — disse Dumbledore, e sua voz tinha um tom de aviso.
— Parece... quase impossível... que Black possa ter entrado na escola sem ajuda de alguém aqui dentro. Expressei minhas preocupações quando o senhor nomeou...
— Não acredito que uma única pessoa no castelo tenha ajudado Black a entrar — disse Dumbledore, e seu tom deixou tão claro que o assunto estava encerrado que Snape se calou — Preciso descer para falar com os dementadores — disse Dumbledore — Prometi que avisaria quando a nossa busca estivesse terminada.
— Eles não quiseram ajudar, diretor? — perguntou Percy.
— Ah, claro — disse Dumbledore com frieza — Mas receio que nenhum dementador irá cruzar a soleira deste castelo enquanto eu for diretor.
Percy pareceu ligeiramente desconcertado.
Dumbledore saiu do salão rápida e silenciosamente. Snape continuou parado um instante observando o diretor com uma expressão de profundo rancor no rosto, em seguida também saiu.
Harry olhou de esguelha para Rony e Hermione. Os dois também tinham os olhos abertos nos quais se refletia o teto estrelado.
— De que é que eles estavam falando? — perguntou Rony, apenas com o movimento dos lábios.

* * *

Nos dias que se seguiram não se falou de mais nada na escola senão de Sirius Black. As teorias sobre o modo com que Black entrara no castelo se tornaram mais e mais delirantes; Ana Abbot, da Lufa-Lufa, passou a maior parte da aula conjunta de Herbologia, contando para quem quisesse ouvir que Black era capaz de se transformar em um arbusto florido.
A tela rasgada da Mulher Gorda fora retirada da parede e substituída pela pintura de Sir Cadogan e seu gordo pônei cinzento. Ninguém ficou muito feliz com a troca. O cavaleiro passava metade do tempo desafiando os garotos a duelar e no tempo restante inventava senhas ridiculamente complicadas, que ele trocava no mínimo duas vezes por dia.
— Ele é completamente doido — protestou Simas Finnigan, aborrecido, com Percy — Será que não podiam nos dar outro?
— Nenhum dos outros quadros quis o lugar — disse Percy — Se assustaram com o que aconteceu com a Mulher Gorda. Sir Cadogan foi o único que teve coragem suficiente para se voluntariar.
O cavaleiro, porém, era a menor das preocupações de Harry. Ele agora estava sendo vigiado de perto. Os professores procuravam desculpas para acompanhá-lo quando ele andava pelos corredores, e Percy Weasley (agindo, suspeitava Harry, por ordem da mãe) seguia-o a toda parte como um cão de guarda extremamente pomposo.
Para completar, a Profª. McGonagall chamou Harry à sua sala, com uma expressão tão sombria no rosto que o garoto achou que alguém devia ter morrido.
— Não adianta lhe esconder isso por mais tempo, Potter — começou ela em tom muito sério — Sei que vai ser um choque para você, mas Sirius Black...
— Eu sei, está querendo me pegar — disse Harry cansado — Ouvi o pai de Rony contar à Sra. Weasley. O Sr. Weasley trabalha para o Ministério da Magia.
A professora pareceu muito espantada. Encarou Harry por um instante e em seguida falou.
— Entendo! Bem, neste caso, Potter, você vai compreender por que não acho uma boa ideia você treinar Quadribol à noite. Lá fora no campo só com os outros jogadores, é muito exposto, Potter...
— O nosso primeiro jogo é agora no Sábado! — exclamou Harry, indignado — Preciso treinar, professora!
McGonagall mirou-o com muita atenção. Harry conhecia o grande interesse da professora pelas perspectivas da equipe da Grifinória; afinal fora ela que o recomendara como apanhador, para início de conversa. Por isso aguardou, prendendo a respiração.
— Hum... — a Profª. McGonagall se levantou e contemplou pela janela o campo de Quadribol, quase invisível na chuva — Bem, Deus sabe que eu gostaria de nos ver ganhando finalmente a Taça... mas mesmo assim, Potter... eu ficaria mais satisfeita se um professor estivesse presente. Vou pedir à Madame Hooch para supervisionar os seus treinos.
O tempo foi piorando dia a dia, à medida que a primeira partida de Quadribol se aproximava. Sem desanimar, a equipe da Grifinória treinava com mais vigor que nunca sob o olhar vigilante de Madame Hooch. Então, no último treino antes do jogo de Sábado, Olívio Wood deu ao time uma notícia indesejável.
— Não vamos jogar com Sonserina! — disse aos companheiros, parecendo muito zangado — Flint acabou de me procurar. Vamos jogar contra Lufa-Lufa.
— Por quê? — perguntou o restante do time em coro.
— A desculpa de Flint é que o braço do apanhador do time ainda está machucado — respondeu Olívio, rilhando furiosamente os dentes — Mas é óbvio por que estão fazendo isto. Não querem jogar com tempo ruim. Acham que vai reduzir as chances deles...
Tinha ventado forte e chovido pesado o dia inteiro e mesmo enquanto Olívio falava ouvia-se o ronco distante do trovão.
— Não há nada errado com o braço do Malfoy! — disse Harry, furioso — É tudo fingimento.
— Eu sei disso, mas não podemos provar — argumentou Olívio amargurado — E temos treinado todos esses lances na suposição de que íamos jogar com Sonserina, e, em vez disso, será com Lufa-Lufa que tem um estilo muito diferente. Agora eles estão com um capitão novo que também é o apanhador, Cedrico Diggory...
Angelina, Alicia e Katie tiveram um repentino acesso de risadinhas.
— Quê? — exclamou Olívio, fechando a cara para esse comportamento alegre.
— É aquele alto e bonito, não é? — perguntou Angelina.
— Forte e caladão — concluiu Katie, e as três recomeçaram a rir.
— Ele só é caladão porque é burro demais para juntar duas palavras — comentou Fred, impaciente — Não sei por que você está preocupado, Olívio, Lufa-Lufa é brincadeira de criança. Da última vez que jogamos com eles, Harry capturou o pomo em cinco minutos, não se lembram?
— Estávamos jogando em condições completamente diferentes — gritou Olívio, os olhos saltando ligeiramente das órbitas — Diggory armou uma lateral muito forte! E é um excelente apanhador! Eu estava com medo que vocês fizessem essa leitura falsa! Não podemos relaxar! Temos que manter o nosso foco! Sonserina está tentando nos prejudicar! Precisamos ganhar!
— Olívio, vê se se acalma! — disse Fred, ligeiramente assustado — Estamos levando Lufa-Lufa muito a sério. Sério!
Um dia antes da partida, o vento começou a uivar e a chuva a cair com mais força que nunca. Estava tão escuro nos corredores e salas de aula que foi preciso acender mais archotes e lanternas. Os jogadores do time da Sonserina estavam de fato com um ar muito presunçoso e Malfoy mais que todos.
— Ah, se ao menos meu braço estivesse um pouquinho melhor! — suspirava ele enquanto a tempestade lá fora açoitava as janelas.
Harry não tinha lugar na cabeça para se preocupar com coisa alguma exceto o jogo do dia seguinte. Olívio Wood não parava de correr para ele nos intervalos das aulas para lhe passar novas dicas. A terceira vez que isto aconteceu, Olívio falou tanto tempo que Harry, de repente, percebeu que se atrasara dez minutos para a aula de Defesa Contra as Artes das Trevas e saiu correndo com Olívio gritando atrás dele.
— Diggory muda de direção muito rápido, Harry, quem sabe você tenta cercá-lo...
Harry parou derrapando diante da classe de Defesa Contra as Artes das Trevas, abriu a porta e entrou correndo.
— Me desculpe o atraso, Prof. Lupin, eu...
Mas não foi Lupin quem levantou a cabeça para olhá-lo da escrivaninha do professor: foi Snape.
— A aula começou há dez minutos, Potter, por isso acho que vou tirar dez pontos da Grifinória. Sente-se.
Mas Harry não se mexeu.
— Onde está o Prof. Lupin? — perguntou.
— Ele disse que hoje está se sentindo mal demais para dar aula — respondeu Snape com um sorriso enviesado — Acho que o mandei sentar-se?
Mas Harry continuou onde estava.
— Que é que ele está sentindo?
Os olhos negros de Snape reluziram.
— Nada que ameace a vida dele — disse, com cara de quem gostaria que assim fosse — Cinco pontos a menos para Grifinória, e se eu tiver que pedir para você se sentar novamente, serão cinquenta.
Harry dirigiu-se lentamente ao seu lugar e se sentou.
Snape olhou para a turma.
— Como eu ia dizendo antes de ser interrompido por Potter, o Prof. Lupin não registrou os tópicos que já abordou até hoje...
— Professor, por favor, já estudamos os bichos-papões, os barretes vermelhos, os kappas e os grindylows — informou Hermione depressa — E íamos começar...
— Fique calada — disse Snape friamente — Não lhe pedi informação, estava apenas comentando a falta de organização do Prof. Lupin.
— Ele é o melhor professor de Defesa Contra as Artes das Trevas que já tivemos — falou Dino Thomas corajosamente, e ouviu-se um murmúrio de aprovação do resto da turma.
Snape pareceu mais ameaçador que nunca.
— Vocês se satisfazem com muito pouco. Lupin não está puxando nada por vocês. Eu esperaria que alunos de primeiro ano já pudessem cuidar de barretes vermelhos e grindylows. Hoje vamos discutir...
Harry observou-o folhear o livro-texto até o último capítulo, que ele certamente sabia que a turma não poderia ter estudado.
—... Lobisomens — disse Snape.
— Mas, professor... — protestou Hermione, aparentemente incapaz de se conter — Não podemos estudar Lobisomens ainda, vamos começar os hinkypunks...
— Srta. Granger — disse Snape com uma voz letalmente calma — Eu tinha a impressão de que era eu que estava dando a aula e não a senhorita. E estou mandando todos abrirem a página 394 do livro — ele correu os olhos pela turma outra vez — Todos! Agora!
Com muitos olhares rancorosos de esguelha e gente resmungando, a turma abriu os livros.
— Qual de vocês sabe me dizer como é que se distingue um Lobisomem de um lobo verdadeiro? — perguntou Snape.
Todos ficaram calados e imóveis; todos exceto Hermione, cuja mão, como acontecia tantas vezes, se erguera imediatamente no ar.
— Alguém sabe? — insistiu Snape, fingindo não ver a mão da garota. Seu sorriso enviesado reaparecera — Vocês estão me dizendo que o Prof. Lupin sequer ensinou a vocês a diferença básica entre...
— Nós já lhe informamos — interrompeu-o Parvati de repente — Ainda não chegamos aos Lobisomens, ainda estamos...
— Silêncio! — mandou Snape com rispidez — Ora, ora, ora, nunca pensei que um dia encontraria uma turma de terceiro ano que não soubesse reconhecer um Lobisomem quando o visse. Vou fazer questão de informar ao Prof. Dumbledore como vocês estão atrasados...
— Professor, por favor — tornou a pedir Hermione, cuja mão continuava erguida — O Lobisomem se diferencia do lobo verdadeiro por pequenos detalhes. O focinho do Lobisomem...
— Esta é a segunda vez que a senhorita fala sem ser convidada — disse Snape friamente — Menos cinco pontos para Grifinória por ser uma intragável sabe-tudo.
Hermione ficou vermelhíssima, baixou a mão e ficou olhando para o chão com os olhos cheios de lágrimas. Um sinal do quanto à turma detestava Snape era que todos olharam feio para ele, porque todos os alunos já tinham chamado Hermione de sabe-tudo pelo menos uma vez, e Rony, que xingava Hermione de sabe-tudo pelo menos duas vezes por semana, falou em voz alta:
— O senhor nos fez uma pergunta e Hermione sabe a resposta! Por que perguntou se não queria que ninguém respondesse?
A turma percebeu instantaneamente que o colega fora longe demais.
Snape caminhou até Rony lentamente, e a sala prendeu a respiração.
— Detenção, Weasley — disse Snape suavemente, o rosto muito próximo ao do garoto — E se algum dia eu o ouvir criticar o meu modo de ensinar outra vez, o senhor vai realmente se arrepender.
Ninguém mais deu um pio durante o resto da aula. Ficaram sentados copiando dados sobre os Lobisomens do livro-texto, enquanto Snape rondava as filas de carteiras, examinando o trabalho que os alunos tinham feito com o Prof. Lupin.
— Uma explicação muito insuficiente... isto está errado, o kappa é encontrado mais comumente na Mongólia... o Prof. Lupin deu nota oito em dez? Eu teria dado três...
Quando a sineta finalmente tocou, Snape reteve a turma.
— Cada aluno vai escrever uma redação para me entregar, sobre as maneiras de reconhecer e matar Lobisomens. Quero dois rolos de pergaminho sobre o assunto e quero para Segunda-Feira de manhã. Está na hora de alguém dar um jeito nesta turma. Weasley, você fica, precisamos combinar a sua detenção.
Harry e Hermione saíram da sala com o resto da turma, que esperou até estar bastante longe para não ser ouvida e prorrompeu em furiosos discursos contra Snape.
— Snape nunca foi assim com nenhum dos outros professores de Defesa Contra as Artes das Trevas, mesmo que quisesse o cargo deles — comentou Harry com Hermione — Por que está perseguindo o Lupin? Você acha que tudo isso é por causa dos bichos-papões?
— Não sei — disse Hermione pensativa — Mas vou realmente torcer para o Prof. Lupin melhorar logo...
Rony alcançou-os cinco minutos depois, com uma raiva descomunal.
— Vocês sabem o que aquele... — e xingou Snape de uma coisa que fez Hermione exclamar “Rony!” — Vai me obrigar a fazer? Tenho que lavar as comadres[1] da Ala Hospitalar sem usar magia!

[1] Comadre Hospitalar: uma espécie de penico feminino.

O garoto respirava fundo, os punhos cerrados.
— Por que o Black não podia ter se escondido na sala de Snape, hein? Podia ter acabado com ele para nós!

* * *

Harry acordou extremamente cedo na manhã seguinte, tão cedo que ainda estava escuro. Por um momento pensou que tinha sido acordado pelos rugidos do vento. Então, sentiu uma brisa gelada na nuca e sentou-se na cama de um salto: Pirraça, o poltergeist, andara flutuando ao lado dele, soprando com força em seu ouvido.
— Para que você fez isso? — perguntou Harry, furioso.
Pirraça encheu as bochechas de ar, soprou com força e disparou de costas para fora do dormitório, dando gargalhadas.
Harry tateou procurando o despertador e olhou para o mostrador. Eram quatro e meia.
Amaldiçoando Pirraça, ele se virou e tentou voltar a dormir, mas era muito difícil, agora que estava acordado, não dar atenção à trovoada que roncava no céu, ao vento que fustigava com violência as paredes do castelo e às árvores que rangiam ao longe, na Floresta Proibida.
Dentro de algumas horas ele estaria lá fora no campo de Quadribol, enfrentando a tempestade. Por fim, ele perdeu as esperanças de voltar a dormir, se levantou e se vestiu, apanhou a Nimbus 2000 e saiu silenciosamente do dormitório.
Quando abriu a porta, alguma coisa passou roçando por sua perna. Ele se abaixou bem a tempo de agarrar Bichento pela ponta do grosso rabo e arrastá-lo para fora.
— Sabe, acho que Rony tem razão sobre você — disse Harry, desconfiado, a Bichento — Há uma quantidade de ratos no castelo, vá caçá-los. Vá indo — acrescentou o garoto, empurrando Bichento com o pé para fazê-lo descer a escada — Deixa o Perebas em paz.
O ruído da tempestade era ainda mais alto na Sala Comunal.
Harry sabia que não adiantava imaginar que a partida seria cancelada: as disputas de Quadribol não eram desmarcadas por ninharias como trovoadas. Ainda assim, ele estava começando a se sentir apreensivo. Olívio lhe apontara Cedrico Diggory no corredor, o garoto era aluno do quinto ano e muito maior do que Harry. Os apanhadores geralmente eram leves e velozes, mas o peso de Diggory seria uma vantagem com um tempo desses porque seria menor a probabilidade do apanhador ser tirado de curso.
Harry matou as horas até amanhecer diante da lareira, levantando-se de vez em quando para impedir Bichento de tornar a subir, escondido, a escada para o dormitório dos garotos. Finalmente, ele calculou que já devia ser hora do café da manhã, então se dirigiu sozinho ao buraco do retrato.
— Pare e lute, seu cão sarnento! — berrou Sir Cadogan.
— Ah, cala essa boca — bocejou Harry.
Ele se reanimou um pouco com uma grande tigela de mingau de aveia, e, no momento em que começou a comer torradas, o restante da equipe aparecera no Salão.
— Vai ser uma partida dura — comentou Olívio, que não queria comer nada.
— Pare de se preocupar, Olívio — disse Alicia para tranquüilizá-lo — Não vamos derreter com uma chuvinha à toa.
Era muitíssimo mais do que uma chuvinha. Mas tal era a popularidade do Quadribol que a escola inteira apareceu para assistir à partida, como sempre. Os jogadores, no entanto, desceram os jardins em direção ao campo, as cabeças curvadas contra a ferocidade do vento, os guarda-chuvas arrancados de suas mãos. Pouco antes de entrar no vestiário, Harry viu Malfoy, Crabbe e Goyle, rindo e apontando para ele protegidos por um enorme guarda-chuva, a caminho do estádio.
O time vestiu o uniforme escarlate e aguardou o discurso de Olívio que antecedia as partidas, mas não houve discurso. O capitão tentou falar várias vezes, fez um ruído esquisito de quem engole, depois sacudiu a cabeça, desalentado, e fez sinal para os companheiros o seguirem.
O vento estava tão forte que eles entraram em campo cambaleando para os lados. Se os espectadores estavam aplaudindo, os aplausos eram abafados por novos roncos de trovão. A chuva batia nos óculos de Harry. Como é que ele ia enxergar o Pomo desse jeito?
Os jogadores da Lufa-Lufa se aproximavam pelo lado oposto do campo, usando vestes amarelo-canário. Os capitães foram ao encontro um do outro e se apertaram as mãos. Diggory sorriu para Wood, mas este agora não conseguia abrir a boca, parecia estar sofrendo de tétano, e fez um mero aceno com a cabeça.
Harry viu a boca de Madame Hooch formar as palavras “Montem em suas vassouras”. Ele puxou o pé direito pingando lama e passou-o por cima de sua Nimbus 2000. Madame Hooch levou o apito à boca e soprou, um som agudo e distante... e a partida começou.
Harry subiu depressa, mas o vento puxava sua Nimbus ligeiramente para o lado. Ele a segurou o mais firme que pôde e deu uma guinada, apertando os olhos contra a chuva.
Cinco minutos depois, estava molhado até os ossos e enregelado, mal conseguia ver os companheiros de equipe e muito menos o minúsculo Pomo. Voou para frente e para trás cruzando o campo e deixando pelo caminho vultos difusos vermelhos e amarelos, sem ter a menor idéia do que estava acontecendo no resto da partida. Não conseguia ouvir os comentários por causa do vento. Os espectadores se ocultavam sob um mar de capas e guarda-chuvas arrebentados. Duas vezes Harry esteve muito perto de ser derrubado por um balaço, seus óculos estavam tão embaçados pela chuva que ele não os vira se aproximar.
Harry perdeu a noção do tempo. Tinha cada vez maior dificuldade de se manter aprumado na vassoura. O céu escurecia, como se a noite tivesse decidido chegar mais cedo. Duas vezes Harry quase colidiu com outro jogador, sem saber se era um companheiro de equipe ou um oponente, todos agora estavam tão encharcados, e a chuva tão grossa que ele mal conseguia distinguir alguém...
Com o primeiro relâmpago ouviu-se o som do apito de Madame Hooch. Harry conseguiu mal e mal discernir, através da chuva, os contornos de Olívio, que fazia sinal para ele pousar. O time inteiro enfiou os pés na lama.
— Eu pedi tempo! — berrou Olívio para seu time — Venham até aqui embaixo...
Os jogadores se agruparam na borda do campo debaixo de um grande guarda-chuva. Harry tirou os óculos e enxugou-os, apressado, nas vestes.
— Qual é o placar?
— Estamos cinquenta pontos na frente — informou Olívio — Mas a não ser que capturemos logo o Pomo, vamos jogar noite adentro.
— Não tenho a menor chance com isso aqui — disse Harry exasperado, agitando os óculos.
Naquele exato instante, Hermione apareceu do lado dele, segurava a capa por cima da cabeça e inexplicavelmente tinha um largo sorriso no rosto.
— Tenho uma ideia, Harry! Me dá seus óculos, depressa!
O garoto entregou os óculos e, enquanto o time observava espantado, Hermione deu uma pancadinha neles com a varinha e disse:
Impervius! Pronto! — disse, devolvendo os óculos a Harry — Isto vai repelir a água!
Wood fez cara de quem seria capaz de beijá-la.
— Genial! — gritou rouco para a garota que desapareceu no meio dos espectadores — Muito bem, time, agora vamos arrebentar!
O feitiço de Hermione resolvera o problema. Harry ainda estava insensível de tanto frio, ainda mais molhado do que jamais estivera na vida, mas conseguia ver. Cheio de renovada determinação, ele impeliu a vassoura pelo ar turbulento, espiando para todos os lados à procura do Pomo, evitando um balaço, mergulhando por baixo de Diggory, que voava na direção oposta... ouviu-se novamente o trovão, acompanhando um raio bifurcado. A partida estava ficando mais perigosa a cada minuto. Harry precisava chegar ao Pomo depressa... ele se virou, tencionando rumar para o centro do campo, mas naquele momento, outro relâmpago iluminou as arquibancadas e Harry viu algo que o distraiu completamente...
A silhueta de um enorme cão negro e peludo, claramente recortada contra o céu, imóvel na última fila de cadeiras vazias.
As mãos dormentes de Harry escorregaram do cabo da vassoura e sua Nimbus afundou alguns palmos. Sacudindo a franja encharcada para longe da testa, ele tornou a apertar os olhos para ver as arquibancadas.
O cão desaparecera.
— Harry! — ele ouviu a voz angustiada de Wood vinda das balizas da Grifinória — Harry, atrás de você!
Harry olhou a toda volta desesperado. Cedrico Diggory subia em grande velocidade e havia entre os dois um grâozinho dourado brilhando no ar varrido de chuva... com um tremor de pânico, Harry se achatou contra o cabo da vassoura e disparou em direção ao pomo.
— Anda! — rosnou ele para a Nimbus, a chuva fustigando seu rosto — Mais depressa!
Mas alguma coisa estranha estava acontecendo. Um silêncio inexplicável foi caindo sobre o estádio. O vento, embora continuasse forte, se esqueceu momentaneamente de rugir. Era como se alguém tivesse desligado o som, como se Harry, de repente, tivesse ficado surdo.
— Que é que estava acontecendo?
Então uma onda de frio terrivelmente familiar o assaltou, penetrou seu corpo, no mesmo instante em que ele tomava consciência de algo que andava lá embaixo no campo... antes que tivesse tempo para pensar, Harry desviou os olhos do Pomo e olhou para baixo.
No mínimo cem dementadores apontavam os rostos encapuzados para ele. Era como se houvesse água gelada subindo até o seu peito, cortando os lados do seu corpo.
E então ele ouviu outra vez... alguém gritava, gritava dentro de sua cabeça... uma mulher...
“O Harry não, o Harry não, por favor o Harry não!”
“Afaste-se, sua tola... afaste-se, agora...”
“O Harry não, por favor, não, me leve, me mate no lugar dele...”
Uma névoa anestesiante rodopiava enchendo o cérebro de Harry... que é que ele estava fazendo? Por que é que estava voando? Precisava ajudá-la... ela ia morrer... ia ser assassinada... ele foi caindo, caindo sem parar pela névoa gelada.
“Harry não! Por favor.. tenha piedade... tenha piedade...”
Uma voz aguda gargalhava, a mulher gritava, e Harry perdeu a consciência.

* * *

— Que sorte que o chão estava tão mole.
— Achei que ele estava mortinho.
— Mas ele nem quebrou os óculos.
Harry ouvia as vozes murmurarem, mas não faziam sentido algum. Não tinha a menor idéia de onde estava ou como chegara ali, ou o que andara fazendo antes de chegar. Só sabia que cada centímetro do seu corpo estava doendo como se ele tivesse levado uma surra.
— Foi a coisa mais apavorante que já vi na vida. Mais apavorante... a coisa mais apavorante... vultos negros encapuzados... frio... gritos...
Harry abriu os olhos de repente. Estava deitado na Ala Hospitalar. O time de Quadribol da Grifinória, sujo de lama da cabeça aos pés, rodeava sua cama. Rony e Hermione também estavam ali, parecendo que tinham acabado de sair de uma piscina.
— Harry! — exclamou Fred, cujo rosto estava extremamente pálido sob a lama — Como é que você está se sentindo?
Era como se a memória de Harry estivesse avançando em alta velocidade. O relâmpago, o Sinistro, o Pomo e os dementadores...
— Que aconteceu? — perguntou, sentando-se na cama tão de repente que todos reprimiram um grito de surpresa.
— Você caiu da vassoura — contou Fred — Deve ter caído... de uns quinze metros!
— Pensamos que você tivesse morrido — disse Alicia trêmula.
Hermione fez um barulhinho esganiçado. Tinha os olhos muito vermelhos.
— Mas o jogo... — perguntou Harry — Que aconteceu? Vamos jogar outra vez?
Ninguém disse nada. A terrível verdade penetrou em Harry como uma pedrada.
— Nós não... perdemos?
— Diggory apanhou o Pomo — informou Jorge — Logo depois de você cair. Ele não percebeu o que tinha acontecido. Quando olhou para trás e viu você no chão, tentou paralisar o jogo. Queria um novo jogo. Mas tiveram uma vitória justa... até Olívio admite isso.
— Onde está Olívio? — perguntou Harry, percebendo subitamente a ausência do capitão do time.
— Ainda está no banho — respondeu Fred — Achamos que ele está tentando se afogar.
Harry abaixou a cabeça até os joelhos, agarrando os cabelos com as mãos. Fred segurou-o pelos ombros e o sacudiu com força.
— Anda, Harry, você nunca perdeu o Pomo antes.
— Tinha que haver uma primeira vez — disse Jorge.
— Mas a coisa não terminou aqui — disse Fred — Perdemos por uma diferença de cem pontos, certo? Então se Lufa-Lufa perder para Corvinal e vencermos Corvinal e Sonserina...
— Lufa-Lufa terá que perder, no mínimo, por duzentos pontos — disse Jorge — Mas se eles vencerem Corvinal...
— Nem pensar, Corvinal é bom demais. Mas se Sonserina perder para Lufa-Lufa...
— Tudo depende do número de pontos, uma margem de cem pontos a mais ou a menos...
Harry ficou deitado ali, sem dizer uma palavra. Tinham perdido... pela primeira vez na vida, ele perdera uma partida de Quadribol.
Passados mais ou menos uns dez minutos, Madame Pomfrey veio dizer aos garotos que deixassem Harry em paz.
— A gente volta para ver você mais tarde — disse Fred — Não fique se martirizando, Harry, você ainda é o melhor apanhador que já tivemos.
O time saiu, largando lama pelo caminho. Madame Pomfrey fechou a porta depois que eles passaram, uma expressão de censura no rosto.
Rony e Hermione se aproximaram mais da cama de Harry.
— Dumbledore ficou realmente furioso — contou Hermione com a voz trêmula — Nunca vi o diretor assim antes. Ele correu para o campo quando você começou a cair, agitou a varinha e você meio que desacelerou antes de bater no chão. Depois, virou a varinha para os dementadores. Disparou uma coisa prateada contra eles. Os caras abandonaram o estádio na mesma hora... ele ficou furioso que os dementadores tivessem entrado nos terrenos da escola. Ouvimos ele...
— Aí ele usou a magia para botar você numa padiola — disse Rony — E saiu a pé até a escola, com você flutuando do lado, na padiola. Todo mundo pensou que você estava...
A voz dele foi morrendo, mas Harry nem notou. Estava pensando no que os dementadores tinham feito a ele... na voz que gritava. Ergueu os olhos e deparou com Rony e Hermione observando-o com tanta aflição que na mesma hora ele procurou uma coisa banal para dizer.
— Alguém apanhou a minha Nimbus?
Rony e Hermione se entreolharam depressa.
— Hum...
— Que foi? — perguntou Harry, olhando de um para o outro.
— Bem... quando você caiu a vassoura foi levada pelo vento — disse Hermione, hesitante.
— E?
— E bateu... bateu... ah, Harry... bateu no Salgueiro Lutador.
As entranhas de Harry reviraram. O Salgueiro Lutador era uma árvore violenta que se erguia sozinha no meio da propriedade.
— E? — insistiu ele, temendo a resposta.
— Bem, você conhece o Salgueiro Lutador — disse Rony — Ele... ele não gosta que batam nele.
— O Prof. Flitwick trouxe a vassoura de volta pouco antes de você recuperar os sentidos — disse Hermione com uma voz mínima.
Devagarinho, ela foi se abaixando para apanhar uma saca aos seus pés, despejou-a, e caíram na cama uns pedacinhos de madeira e gravetos, tudo que restava da fiel vassoura de Harry, enfim derrotada.








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