terça-feira, 22 de maio de 2012

Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban - Capítulo 20





— CAPÍTULO VINTE —
O Beijo do Dementador



HARRY NUNCA FIZERA PARTE de um grupo tão esquisito. Bichento descia as escadas à frente; Lupin, Pettigrew e Rony vinham a seguir, parecendo competidores de uma corrida de seis pernas. Depois vinha o Prof. Snape, flutuando feito um fantasma, os pés batendo em cada degrau que descia, seguro por sua própria varinha, que Sirius apontava para ele. Harry e Hermione fechavam o cortejo.
Voltar ao túnel foi difícil. Lupin, Pettigrew e Rony tiveram que se virar de lado para consegui-lo, Lupin continuava a cobrir Pettigrew com a varinha. Harry os via avançar lentamente pelo túnel em fila indiana. Bichento sempre à frente. Harry logo atrás de Black, que continuava a fazer Snape flutuar à frente com a cabeça mole batendo sem parar no teto baixo. O menino tinha a impressão de que Black não estava fazendo nada para evitar as batidas.
— Você sabe o que isso significa? — perguntou Black abruptamente a Harry enquanto faziam seu lento progresso pelo túnel — Entregar Pettigrew?
— Você fica livre... — respondeu Harry.
— É. Mas eu também sou... não sei se alguém lhe disse, eu sou seu padrinho.
— Eu soube — disse Harry.
— Bem... os seus pais me nomearam seu tutor — disse Black formalmente — Se alguma coisa acontecesse a eles...
Harry esperou. Será que Black queria dizer o que ele achava que queria?
— Naturalmente, eu vou compreender se você quiser ficar com seus tios — disse Black — Mas... bem... pense nisso. Depois que o meu nome estiver limpo... se você quiser uma... uma casa diferente...
Uma espécie de explosão ocorreu no fundo do estômago de Harry.
— Quê, morar com você? — perguntou, batendo a cabeça, sem querer, numa pedra saliente do teto — Deixar a casa dos Dursley?
— Claro, achei que você não ia querer — disse Black apressadamente — Eu compreendo, só pensei que...
— Você ficou maluco? — disse Harry com a voz quase tão rouca quanto à de Black — Claro que quero deixar a casa dos Dursley! Você tem casa? Quando é que eu posso me mudar?
Black virou-se completamente para olhar o garoto, a cabeça de Snape raspou o teto, mas Black não parecia se importar.
— Você quer? — perguntou ele — Sério?
— Sério! — respondeu Harry.
O rosto ossudo de Black se abriu no primeiro sorriso verdadeiro que Harry já o tinha visto dar. A diferença que fazia era espantosa, como se uma pessoa dez anos mais nova se projetasse através da máscara de fome. por um instante ele se tornou reconhecível como o homem que estava rindo no casamento dos pais de Harry.
Os dois não se falaram mais até chegar ao fim do túnel. Bichento saiu correndo à frente; evidentemente apertara o nó do tronco com a pata, porque Lupin, Pettigrew e Rony subiram penosamente, mas não houve ruídos de galhos ferozes.
Black fez Snape passar pelo buraco, depois se afastou para Harry e Hermione passarem. Finalmente todos conseguiram sair.
Os jardins estavam muito escuros agora, as únicas luzes vinham das janelas distantes do castelo. Sem dizer uma palavra, eles começaram a andar. Pettigrew continuava a arquejar e, ocasionalmente, a choramingar.
A cabeça de Harry zumbia. Ele ia deixar os Dursley. Ia morar com Sirius Black, o melhor amigo dos seus pais... sentia-se atordoado... que iria acontecer quando dissesse aos Dursley que ia morar com o preso que tinham visto na televisão!
— Um movimento errado, Pedro — ameaçou Lupin que ia à frente. Sua varinha continuava apontada de viés para o peito de Pettigrew.
Em silêncio eles avançaram pelos jardins, as luzes do castelo crescendo com a aproximação. Snape continuava a flutuar de maneira fantasmagórica à frente de Black, o queixo batendo no peito. Então...
Uma nuvem se mexeu. Inesperadamente surgiram sombras escuras no chão. O grupo foi banhado pelo luar. Snape se chocou com Lupin, Pettigrew e Rony, que pararam abruptamente. Black congelou. Ele esticou um braço para fazer Harry e Hermione pararem. O garoto viu a silhueta de Lupin. O professor enrijecera. Então as pernas de Harry começaram a tremer.
— Ah, não! — exclamou Hermione — Ele não tomou a poção hoje à noite. Ele está perigoso!
— Corram — sussurrou Black — Corram. Agora!
Mas Harry não podia correr. Rony estava acorrentado a Pettigrew e Lupin. Ele deu um salto para frente, mas Black o abraçou pelo peito e o atirou para trás.
— Deixe-o comigo... CORRA!
Ouviu-se um rosnado medonho. A cabeça de Lupin começou a se alongar. O seu corpo também. Os ombros se encurvaram. Pelos brotavam visivelmente de seu rosto e suas mãos, que se fechavam transformando-se em patas com garras. Os pêlos de Bichento ficaram outra vez em pé e ele estava recuando...
Quando o Lobisomem se empinou, batendo as longas mandíbulas, Sirius desapareceu do lado de Harry. Transformara-se. O enorme cão semelhante a um urso saltou para frente. Quando o Lobisomem se livrou da algema que o prendia, o cão agarrou-o pelo pescoço e puxou-o para trás, afastando-o de Rony e Pettigrew. Atracaram-se, mandíbula contra mandíbula, as garras se golpeando...
Harry parou petrificado com a visão, demasiado absorto com a batalha para prestar atenção em outra coisa. Foi o grito de Hermione que o alertou...
Pettigrew tinha mergulhado para apanhar a varinha caída de Lupin. Rony, mal equilibrado na perna enfaixada, caiu. Houve um estampido, um clarão... e Rony ficou estirado, imóvel, no chão. Outro estampido... Bichento voou pelo ar e tornou a cair na terra fofa.
Expelliarmus! — berrou Harry apontando a própria varinha para Pettigrew; a varinha de Lupin voou muito alto e desapareceu de vista — Fique onde está! — gritou Harry, correndo em frente.
Tarde demais. Pettigrew se transformara. Harry viu seu rabo pelado passar pela algema no braço estendido de Rony e o ouviu correr pelo gramado.
Um uivo e um rosnado prolongado e surdo ecoaram, Harry se virou e viu o Lobisomem fugindo; galopando para a floresta...
— Sirius, ele fugiu, Pettigrew se transformou — berrou Harry.
Black sangrava; havia cortes profundos em seu focinho e nas costas, mas ao ouvir as palavras de Harry ele tornou a se levantar depressa e, num instante, o ruído de suas patas foi morrendo até cessar ao longe.
Harry e Hermione correram para Rony.
— Que foi que Pettigrew fez com ele? — sussurrou Hermione.
Os olhos de Rony estavam apenas semicerrados, a boca frouxa e aberta, sem dúvida, estava vivo, eles o ouviam respirar, mas não parecia reconhecer os amigos.
— Não sei.
Harry olhou desesperado para os lados. Black e Lupin, os dois tinham ido embora... não havia mais nenhum adulto em sua companhia exceto Snape, que ainda flutuava, inconsciente, no ar.
— É melhor levarmos os dois para o castelo e contarmos a alguém — disse Harry, afastando os cabelos dos olhos, tentando pensar direito — Vamos...
Mas então, para além do seu campo de visão, eles ouviram latidos, um ganido, um cachorro em sofrimento...
— Sirius — murmurou Harry, olhando para o escuro.
Ele teve um momento de indecisão, mas não havia nada que pudessem fazer por Rony naquele momento, e pelo que ouviam, Black estava em apuros...
Harry saiu correndo, Hermione em seu encalço. Os latidos pareciam vir da área próxima ao lago. Eles saíram desabalados naquela direção, e Harry, correndo sem parar, sentiu o frio sem perceber o que devia significar...
Os latidos pararam abruptamente. Quando os garotos chegaram ao lago viram o porquê Sirius se transformara outra vez em homem. Estava caído de quatro, com as mãos na cabeça.
— Nããão — gemia — Nããão... por favor...
Então Harry os viu. Dementadores, no mínimo uns cem deles, deslizando em torno do lago num grupo escuro que vinha em sua direção. O menino se virou, o frio de gelo seu conhecido, penetrando suas entranhas, a névoa começando a obscurecer sua visão, eles não estavam somente surgindo da escuridão por todo o lado, estavam cercando-os...
— Hermione, pense em alguma coisa feliz! — berrou Harry, erguendo a varinha, piscando furiosamente para tentar clarear sua visão, sacudindo a cabeça para livrá-la da leve gritaria que começara dentro dela... Eu vou morar com o meu padrinho. Vou deixar os Dursley.
Ele se forçou a pensar em Black, e somente em Black, e começou a cantar:
Expecto Patronum! Expecto Patronum!
Black estremeceu, rolou de barriga para cima e ficou imóvel no chão, pálido como a morte. “Ele vai ficar bem. Eu vou morar com ele”.
Expecto Patronum! Hermione, me ajude! Expecto Patronum...
— Expecto... — murmurou Hermione — Expecto... Expecto...
Mas ela não conseguia. Os dementadores estavam mais próximos, agora a menos de três metros deles. Formavam uma muralha sólida em torno de Harry e Hermione, cada vez mais próximos...
EXPECTO PATRONUM! — berrou Harry, tentando abafar a gritaria em seus ouvidos — EXPECTO PATRONUM!
Um fiapinho prateado saiu de sua varinha e pairou como uma névoa diante dele. No mesmo instante, Harry sentiu Hermione desmaiar ao seu lado. Estava só... completamente só...
Expecto... Expecto Patronum...
Harry sentiu os joelhos baterem na grama fria. O nevoeiro nublou seus olhos. Com um enorme esforço, ele lutou para se lembrar... Sirius era inocente... inocente... Ele vai ficar bem... eu vou morar com ele...
Expecto Patronum! — exclamou.
À luz fraca do seu Patrono disforme, ele viu um dementador parar, muito perto dele. Não conseguiu atravessar a nuvem de névoa prateada que Harry conjurara. A mão morta e viscosa deslizou para fora da capa. Ela fez um gesto como se quisesse varrer o Patrono para o lado.
— Não... não... — ofegou Harry — Ele é inocente... Expecto... Expecto Patronum...
Ele sentia que os dementadores o observavam, ouvia a respiração deles vibrar como um vento maligno ao seu redor. O dementador mais próximo parecia estar avaliando-o. Então ergueu as duas mãos podres... e baixou o capuz para trás.
Onde devia haver olhos, havia apenas uma pele sarnenta e cinza, esticada por cima das órbitas vazias. Mas havia uma boca... um buraco escancarado e disforme, que sugava o ar com o ruído de uma matraca que anuncia a morte.
Um terror paralisante invadiu Harry de modo que ele não conseguia se mexer nem falar. Seu Patrono piscou e desapareceu. O nevoeiro branco o cegava. Ele tinha que lutar...
Expecto Patronum...
Ele não conseguia ver... ao longe ouvia os gritos já familiares...
Expecto Patronum...
Ele tateou pela névoa à procura de Sirius, e encontrou seu braço... os dementadores não iam levá-lo...
Mas um par de mãos pegajosas e fortes, de repente, se fechou em torno do pescoço de Harry. Forçavam-no a erguer o rosto... ele sentiu seu hálito... ia se livrar dele primeiro... Harry sentiu seu hálito podre... sua mãe gritava em seus ouvidos... ia ser a última coisa que ele ouviria...
E então, através do nevoeiro que o afogava, ele achou que estava vendo uma luz prateada que se tornava cada vez mais forte... ele sentiu que estava emborcando na grama...
O rosto no chão, demasiado fraco para se mexer, nauseado e trêmulo, Harry abriu os olhos. O dementador devia tê-lo soltado. A luz ofuscante iluminava o gramado a seu redor... os gritos tinham cessado, o frio estava diminuindo... alguma coisa estava obrigando os dementadores a recuar... girava em torno dele, de Black e Hermione...
Os dementadores estavam se afastando... o ar reaquecia... com cada grama de força que ele conseguiu reunir, Harry ergueu a cabeça uns poucos centímetros e viu um animal envolto em luz, distanciando-se a galope através do lago. Os olhos embaçados de suor, Harry tentou distinguir o que era... era fulgurante como um unicórnio. Lutando para se manter consciente, viu-o diminuir o galope ao chegar à margem oposta do lago. Por um momento, Harry viu, à sua claridade, alguém que lhe dava as boas vindas... erguendo a mão para lhe dar uma palmadinha... alguém que lhe pareceu estranhamente familiar... mas não podia ser..
Harry não entendeu. Não conseguiu mais pensar. Sentiu que suas últimas forças o abandonavam e sua cabeça bateu no chão quando ele desmaiou.
  








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