— CAPÍTULO VINTE E UM —
O Segredo de Hermione
— Uma
história chocante... chocante...
milagre que ninguém tenha morrido... nunca ouvi nada igual... pelo trovão, foi
uma sorte você estar lá, Snape...
—
Muito obrigado, Ministro.
—
Ordem de Merlim, Segunda Classe, eu diria. Primeira Classe, se eu puder convencê-los.
—
Muito obrigado mesmo, Ministro.
— Que
corte feio você tem aí... obra do Black, suponho?
— Na
realidade, foram Potter, Weasley e Granger, Ministro... Black havia enfeitiçado
os garotos, vi imediatamente. Um feitiço de confundir, a julgar pelo comportamento
deles. Pareciam acreditar que havia possibilidade de o homem ser inocente. Não
foram responsáveis por seus atos. Por outro lado, a interferência deles talvez
tivesse permitido a Black fugir... os garotos obviamente pensaram que iam
capturá-lo sozinhos. Têm-se livrado de muitas situações de perigo até agora...
receio que isso os tenha feito se acharem superiores... e, naturalmente, Potter
sempre recebeu uma extraordinária indulgência do diretor.
— Ah,
bom, Snape... Harry Potter, sabe... todos somos um pouco cegos quando se trata
dele.
—
Contudo... será que é bom para ele receber tanto tratamento especial? Por mim,
procuro tratá-lo como qualquer outro aluno. E qualquer outro aluno seria
suspenso, no mínimo, por colocar seus amigos em situação tão perigosa.
Considere, Ministro: contrariando todas as regras da escola... depois de todas
as precauções que tomamos para sua proteção... fora dos limites da escola, à
noite, em companhia de um Lobisomem e de um assassino... e tenho razões para
acreditar que ele andou visitando Hogsmeade ilegalmente, também...
—
Bem, bem... veremos, Snape, veremos... o garoto sem dúvida foi tolo...
Harry
estava deitado com os olhos bem fechados. Sentia-se muito tonto. As palavras
que ouvia pareciam viajar muito lentamente dos ouvidos para o cérebro, por isso
estava difícil compreender. Suas pernas e braços pareciam feitos de chumbo, as
pálpebras demasiado pesadas para abri-las... ele queria ficar deitado ali,
naquela cama confortável, para sempre...
— O
que mais me surpreende é o comportamento dos dementadores... você realmente não
tem ideia do que os fez se retirar, Snape?
—
Não, Ministro... quando recuperei os sentidos eles estavam voltando aos seus
postos na entrada...
—
Extraordinário. E, no entanto, Black, Harry e a garota...
—
Todos inconscientes quando cheguei. Amarrei e amordacei Black, naturalmente,
conjurei macas e os trouxe diretamente para o castelo.
Houve
uma pausa. O cérebro de Harry parecia estar trabalhando um pouco mais rápido e,
quando isso aconteceu, surgiu uma sensação desagradável na boca do seu
estômago...
O
garoto abriu os olhos.
Tudo
estava levemente embaçado. Alguém tirara seus óculos. Ele estava deitado na
escura Ala Hospitalar. Em um extremo da enfermaria, avistou Madame Pomfrey de
costas para ele, curvada sobre um leito. Harry apertou os olhos. Os cabelos
ruivos de Rony estavam visíveis por baixo do braço de Madame Pomfrey.
Harry
virou a cabeça no travesseiro. Na cama à sua direita estava Hermione. O luar
banhava a cama. Os olhos dela também estavam abertos. Parecia petrificada e,
quando viu que Harry estava acordado, levou o dedo aos lábios e apontou para a
porta da enfermaria. Estava entreaberta, e entravam por ela as vozes de
Cornélio Fudge e Snape, vindas do corredor.
Madame
Pomfrey agora vinha andando com passos enérgicos pela enfermaria escura até a
cama de Harry. O garoto se virou para olhá-la. A enfermeira trazia a maior
barra de chocolate que ele já vira na vida. Parecia um pedregulho.
— Ah,
você acordou! — disse ela com animação. Pousou o chocolate na mesa-de-cabeceira
de Harry e começou a parti-lo em pedaços com um martelinho.
—
Como está o Rony? — perguntaram Harry e Hermione, juntos.
— Vai
sobreviver — respondeu Madame Pomfrey de cara feia — Quanto a vocês dois... vão
continuar aqui até eu me convencer que... Potter o que é que você acha que está
fazendo?
O
garoto estava se sentando, colocando os óculos e apanhando a varinha.
—
Preciso ver o diretor — disse.
—
Potter — disse Madame Pomfrey, acalmando-o — Está tudo bem. Apanharam Black.
Ele está trancado lá em cima. Os dementadores vão-lhe dar o beijo a qualquer
momento...
— O
QUÊ?
Harry
saltou da cama; Hermione fizera o mesmo. Mas o seu grito fora ouvido no
corredor lá fora, no segundo seguinte, Cornélio Fudge e Snape entraram na
enfermaria.
— Harry,
Harry que foi que houve? — perguntou Fudge, parecendo agitado — Você devia
estar na cama, ele já comeu o chocolate? — perguntou, ansioso, o Ministro a
Madame Pomfrey.
—
Ministro ouça! — pediu Harry — Sirius Black é inocente! Pedro Pettigrew fingiu
a própria morte! Nós o vimos hoje à noite. O senhor não pode deixar os
dementadores fazerem aquilo com Sirius, ele...
Mas
Fudge estava sacudindo a cabeça com um sorrizinho no rosto.
—
Harry, Harry você está muito confuso, passou por uma provação terrível, deite-se,
agora, temos tudo sob controle...
— O
SENHOR NÃO TEM, NÃO! — berrou Harry — O SENHOR PEGOU O HOMEM ERRADO!
—
Ministro, por favor, ouça — disse Hermione, ela correra para o lado de Harry e
olhava, suplicante, o rosto de Fudge — Eu também o vi. Era o rato de Rony, ele
é um Animago. O Pettigrew, quero dizer e...
— O
senhor está vendo, Ministro — disse Snape — Confusos, os dois... Black fez um
bom serviço...
— NÃO
ESTAMOS CONFUSOS! — berrou Harry.
—
Ministro! Professor! — disse Madame Pomfrey aborrecida — Devo insistir que os
senhores saiam. Potter é meu paciente e não deve ser angustiado!
— Não
estou angustiado, estou tentando contar o que aconteceu! — disse Harry furioso
— Se eles ao menos me escutassem...
Mas
Madame Pomfrey, de repente, meteu um pedaço de chocolate na boca de Harry, ele
se engasgou, e a enfermeira aproveitou a oportunidade para forçá-lo a voltar
para a cama.
—
Agora, por favor, Ministro, essas crianças precisam de cuidados médicos. Por
favor, saiam...
A
porta tornou a se abrir.
Era
Dumbledore.
Harry
engoliu o bocado de chocolate com grande dificuldade e se levantou outra vez.
—
Prof. Dumbledore, Sirius Black...
—
Pelo amor de Deus! — exclamou Madame Pomfrey, histérica — Isto é ou não é uma
Ala Hospitalar? Diretor, eu devo insistir...
— Eu
peço desculpas, Papoula, mas preciso dar uma palavra com o Sr. Potter e a Srta.
Granger — disse Dumbledore calmamente — Acabei de falar com Sirius Black...
—
Suponho que ele tenha lhe narrado o mesmo conto de fadas que implantou na mente
de Potter? — bufou Snape — A história de um rato e de Pettigrew ter
sobrevivido...
—
Esta, de fato, é a história de Black — disse Dumbledore, examinando Snape
atentamente através dos seus óculos de meia-lua.
— E o
meu testemunho não vale nada? — rosnou Snape — Pedro Pettigrew não estava na
Casa dos Gritos, nem vi qualquer sinal dele nos terrenos da escola.
—
Isto foi porque o senhor foi nocauteado, professor! — disse Hermione com
convicção — O senhor não chegou em tempo de ouvir...
—
Srta. Granger, CALE A BOCA!
—
Ora, Snape — disse Fudge, espantado — A mocinha está perturbada, precisamos dar
o devido desconto...
— Eu
gostaria de falar com Harry e Hermione a sós — disse Dumbledore bruscamente —
Cornélio, Severo, Papoula, por favor, nos deixem.
—
Diretor! — repetiu Madame Pomfrey com veemência — Eles precisam de tratamento,
eles precisam de descanso...
—
Isto não pode esperar — disse Dumbledore — Devo insistir.
Madame
Pomfrey mordeu os lábios e saiu em direção à sua sala, na extremidade da
enfermaria, batendo a porta ao passar. Fudge consultou o grande relógio de ouro
que trazia pendurado no colete.
— A
esta hora os dementadores já devem ter chegado — disse — Vou ao encontro deles.
Dumbledore, vejo você lá em cima.
O
Ministro se dirigiu à porta e a segurou aberta para Snape passar, mas o
professor não se mexeu.
— O
senhor certamente não acredita em uma palavra da história de Black? — sussurrou
Snape, os olhos fixos no rosto de Dumbledore.
— Eu
gostaria de falar com Harry e Hermione a sós — repetiu Dumbledore.
Snape
deu um passo em direção ao diretor.
—
Sirius Black demonstrou que era capaz de matar com a idade de dezesseis anos. O
senhor se esqueceu disto, diretor? O senhor se esqueceu que no passado ele
tentou me matar?
—
Minha memória continua boa como sempre, Severo — disse Dumbledore, em voz
baixa.
Snape
girou nos calcanhares e saiu decidido pela porta que Fudge ainda segurava
aberta. A porta se fechou à passagem dos dois e o diretor se virou para Harry e
Hermione. Os dois desataram a falar ao mesmo tempo.
—
Professor, Black está dizendo a verdade, nós vimos Pettigrew...
— Ele
fugiu quando o Prof. Lupin virou Lobisomem...
— Ele
é um rato...
— A
pata dianteira de Pettigrew, quero dizer, o dedo, ele cortou fora...
—
Pettigrew atacou Rony, não foi Sirius...
Mas
Dumbledore ergueu a mão para interromper o dilúvio de explicações.
— É a
vez de vocês ouvirem, e peço que não me interrompam, porque o tempo é muito
curto — disse Dumbledore em voz baixa — Não existe a mínima evidência para
sustentar a história de Black, exceto a palavra de vocês... e a palavra de dois
bruxos de treze anos não irá convencer ninguém. Uma rua cheia de testemunhas
jurou que viu Sirius matar Pettigrew. Eu mesmo prestei depoimento ao Ministério
que Sirius era o fiel do segredo dos Potter.
— O
Prof. Lupin pode lhe contar... — falou Harry, incapaz de se refrear.
— O
Prof. Lupin no momento está embrenhado na floresta, incapaz de contar o que
quer que seja a alguém. Quando voltar à forma humana, será tarde demais, Sirius
estará mais do que morto. E eu poderia acrescentar que a maioria do nosso povo
desconfia tanto de Lobisomens que o apoio dele contará muito pouco... e o fato
de que ele e Sirius são velhos amigos...
—
Mas...
—
Ouça, Harry. É tarde demais, você entende? Você precisa admitir que a versão do
Prof. Snape sobre os acontecimentos é muito mais convincente do que a sua.
— Ele
odeia Sirius — disse Hermione, desesperada — Tudo por causa de uma peça idiota
que Sirius pregou nele...
—
Sirius não agiu como um homem inocente. O ataque à Mulher Gorda... a entrada na
Torre da Grifinória com uma faca... sem Pettigrew, vivo ou morto, não temos
chance de derrubar a sentença de Sirius.
— Mas
o senhor acredita em nós.
—
Acredito — respondeu Dumbledore em voz baixa — Mas não tenho o poder de fazer
os outros verem a verdade, nem de passar por cima do Ministro da Magia...
Harry
encarou seu rosto sério e sentiu como se o chão estivesse se abrindo debaixo
dos seus pés. Acostumara-se à idéia de que Dumbledore podia resolver qualquer
coisa. Esperara que o diretor tirasse alguma solução surpreendente do nada, mas
não... a última esperança dos garotos desaparecera.
—
Precisamos — disse Dumbledore lentamente, e seus claros olhos azuis correram de
Harry para Hermione — É de mais tempo.
—
Mas... — começou Hermione. Então seus olhos se arregalaram — AH!
—
Agora, prestem atenção — continuou o diretor, falando muito baixo e muito
claramente — Sirius está preso na sala do Prof. Flitwick no sétimo andar. A
décima terceira janela a contar da direita da Torre Oeste. Se tudo der certo,
vocês poderão salvar mais de uma vida inocente hoje à noite. Mas lembrem-se de
uma coisa, os dois: vocês não podem ser vistos. Srta. Granger, a senhorita
conhece as leis, sabe o que está em jogo... vocês... não... podem... ser...
vistos.
Harry
não tinha a menor idéia do que estava acontecendo.
Dumbledore
deu as costas aos garotos e virou-se para olhá-los ao chegar à porta.
— Vou
trancá-los. Faltam... — ele consultou o relógio — Cinco minutos para a
meia-noite. Srta. Granger, três voltas devem bastar. Boa sorte!
— Boa
sorte? — repetiu Harry quando a porta se fechou atrás de Dumbledore — Três
voltas? Do que é que ele está falando? Que é que ele espera que a gente faça?
Mas
Hermione estava mexendo no decote das vestes, puxando de dentro dele uma
corrente de ouro muito longa e fina.
—
Harry, vem aqui — disse ela com urgência — Depressa!
Harry
foi até a garota, completamente confuso. Ela estendia a corrente. E o garoto
viu que havia pendurada nela uma minúscula ampulheta.
—
Tome... — Hermione atirara a corrente em torno do pescoço dele também — Pronto?
— disse Hermione ofegante.
— Que
é que estamos fazendo? — perguntou Harry completamente perdido.
Hermione
girou a ampulheta três vezes.
A
enfermaria escura desapareceu. Harry teve a sensação de que estava voando muito
rápido, para trás. Um borrão de cores e formas passou veloz por ele, seus
ouvidos latejaram, ele tentou gritar, mas não conseguiu ouvir a própria voz...
e então sentiu que havia um chão firme sob seus pés, e todas as coisas tornaram
a entrar em foco...
Ele
se achava parado ao lado de Hermione no Saguão deserto do castelo e um feixe de
raios dourados de sol que entrava pelas portas de carvalho abertas incidia
sobre o piso de pedra. Harry olhou agitado para os lados à procura de Hermione,
a corrente da ampulheta machucando seu pescoço.
—
Hermione, que...?
—
Aqui! — a garota agarrou o braço de Harry e arrastou-o pelo Saguão até a porta
do armário de vassouras, abriu o armário, empurrou o garoto para o meio dos
baldes e esfregões, e fechou a porta depois de entrar.
— Quê...
como... Hermione, que foi que aconteceu?
—
Voltamos no tempo — sussurrou ela, tirando a corrente do pescoço de Harry no
escuro — Três horas...
Harry
procurou a própria perna e se deu um beliscão com muita força. Doeu para valer,
o que pelo visto eliminava a possibilidade de estar tendo um sonho muito
esquisito.
—
Mas...
—
Psiu! Ouça! Tem alguém vindo! Acho... acho que deve ser a gente!
Hermione
tinha o ouvido encostado na porta do armário.
—
Passos pelo Saguão... é, acho que somos nós indo para a casa de Hagrid!
—
Você está me dizendo — cochichou Harry — Que estamos aqui dentro do armário e
estamos lá fora também?
— É —
confirmou Hermione, o ouvido ainda colado à porta — Tenho certeza de que somos
nós. Pelo eco não devem ser mais de três pessoas... e estamos andando devagar
por causa da Capa da Invisibilidade...
Ela
parou de falar, mas continuou a prestar atenção.
—
Descemos os degraus da entrada...
Hermione
se sentou em um balde virado de boca para baixo, parecendo aflitíssima, mas
Harry queria respostas para algumas perguntas.
—
Onde foi que você arranjou essa coisa feito uma ampulheta?
—
Chama-se Vira-Tempo — sussurrou
Hermione — Ganhei da Profª. McGonagall no primeiro dia depois das férias. Estou
usando desde o início do ano para assistir a todas as minhas aulas. A
professora me fez jurar que não contaria a ninguém. Ela teve que escrever um
monte de cartas ao Ministério da Magia para eu poder usar isso. Teve que dizer
que eu era uma aluna modelo, e que nunca, nunca mesmo usaria o Vira-Tempo para
nada a não ser para estudar... eu o tenho usado para voltar no tempo e poder
reviver as horas e é assim que assisto a mais de uma aula ao mesmo tempo,
entende? Mas... Harry eu não estou entendendo o que é que Dumbledore quer que a
gente faça. Por que ele mandou a gente voltar três horas no tempo? Como é que
isso vai ajudar o Sirius?
Harry
encarou de frente o rosto escuro da garota.
—
Deve ter alguma coisa que aconteceu por volta de agora que ele quer que a gente
mude — disse Harry lentamente — Que foi que aconteceu? Estávamos indo à casa de
Hagrid três horas atrás...
—
Agora estamos atrasados três horas e estamos indo à casa de Hagrid — disse
Hermione — Acabamos de ouvir a gente sair...
Harry
franziu a testa; tinha a sensação de que estava franzindo o cérebro todo para
se concentrar.
—
Dumbledore acabou de dizer... acabou de dizer que a gente poderia salvar mais
de uma vida inocente... — então fez-se a luz no cérebro de Harry — Hermione,
nós vamos salvar Bicuço!
—
Mas... como é que isso vai ajudar Sirius?
—
Dumbledore disse... acabou de nos dizer onde fica a janela... a janela da sala
de Flitwick! Onde prenderam Sirius! Temos que voar no Bicuço até a janela e
salvar Sirius! Ele pode fugir no hipogrifo... eles podem fugir juntos!
Pelo
que Harry pôde enxergar no rosto de Hermione, ela estava aterrorizada.
— Se
conseguirmos fazer isso sem ninguém nos ver, vai ser um milagre!
—
Bom, vamos ter que tentar, não é? — disse Harry. Ele se levantou e encostou o
ouvido à porta — Parece que não tem ninguém aí fora... vamos, anda...
Harry
abriu a porta do armário. O Saguão estava deserto. O mais silenciosa e
rapidamente possível eles saíram correndo do armário e desceram os degraus de
pedra. As sombras já estavam se alongando, os topos das árvores na Floresta
Proibida mais uma vez iam se tingindo de ouro.
— Se
alguém estiver olhando pela janela... — falou Hermione com a voz esganiçada,
virando-se para espiar o castelo.
—
Vamos correr o mais depressa possível — disse Harry decidido — Direto para a
floresta, está bem? Teremos que nos esconder atrás de uma árvore ou de outra
coisa para poder vigiar...
—
Está bem, mas vamos dar a volta pelas estufas! — sugeriu Hermione sem fôlego —
Temos que evitar que nos vejam da porta de entrada de Hagrid! Já devemos estar
quase na casa dele agora!
Ainda
tentando entender o que a amiga queria dizer, Harry saiu disparado com Hermione
logo atrás. Os dois transpuseram as hortas em direção às estufas, pararam por
um instante ocultos por elas, depois recomeçaram a correr, a toda velocidade,
contornando o Salgueiro Lutador, e, ainda desabalados, em direção à floresta
para se esconderem. Seguro sob a sombra das árvores, Harry se virou, segundos
depois, Hermione, o alcançou, ofegante.
—
Certo — disse ela sem ar — Precisamos chegar sem ser vistos à casa de Hagrid.
Procure ficar escondido, Harry...
Os
dois caminharam em silêncio entre as árvores, acompanhando a orla da floresta.
Então, quando avistaram a frente da cabana, ouviram uma batida na porta. Eles
se ocultaram depressa atrás de um grosso carvalho e espiaram pelos lados.
Hagrid, trêmulo e pálido, aparecera à porta procurando ver quem batera. E Harry
ouviu a própria voz.
—
Somos nós. Estamos usando a Capa da Invisibilidade. Deixe a gente entrar para
poder tirar a capa.
—
Vocês não deviam ter vindo! — sussurrou Hagrid, mas se afastou para os garotos
poderem entrar.
—
Esta foi à coisa mais estranha que já fizemos — disse Harry com veemência.
—
Vamos continuar — cochichou Hermione — Precisamos chegar mais perto de Bicuço!
Eles
avançaram cautelosamente entre as árvores até verem o hipogrifo nervoso,
amarrado à cerca em volta do canteiro de abóboras de Hagrid.
—
Agora? — sussurrou Harry.
—
Não! — exclamou Hermione — Se o roubarmos agora, o pessoal da Comissão vai
pensar que Hagrid soltou o bicho! Temos que esperar até verem que Bicuço está
amarrado do lado de fora!
—
Isso vai nos dar uns sessenta segundos — disse Harry.
A
coisa estava começando a parecer impossível.
Naquele
instante, os garotos ouviram louça se partindo na cabana de Hagrid.
— É o
Hagrid quebrando a leiteira — cochichou a garota — Vou encontrar Perebas agora
mesmo...
Não
deu outra, alguns minutos depois, eles ouviram Hermione dar um grito agudo de
surpresa.
—
Mione — disse Harry de repente — E se nós... nós entrarmos lá e agarrarmos
Pettigrew...
—
Não! — exclamou Hermione num sussurro aterrorizado — Você não compreende?
Estamos violando uma das leis mais importantes da magia! Ninguém pode mudar o
tempo! Você ouviu o que Dumbledore falou, se formos vistos...
— Mas
só seríamos vistos por nós mesmos e por Hagrid!
—
Harry, que é que você faria se visse você mesmo entrando pela casa de Hagrid? —
perguntou Hermione.
— Eu
acharia... acharia que tinha ficado maluco — respondeu Harry — Ou acharia que
estava usando magia negra...
—
Exatamente! Você não entenderia, você poderia até se atacar! Você não entende?
A Profª. McGonagall me contou as coisas horríveis que aconteceram quando bruxos
mexeram com o tempo... montes deles acabaram matando os “eus” passados ou
futuros por engano!
— Ok!
— concordou Harry — Foi só uma idéia. Pensei...
Mas
Hermione cutucou-o e apontou para o castelo. Harry espiou pelo lado para ter
uma visão mais clara das portas de entrada. Dumbledore, Fudge, o velhote da
Comissão e Macnair, o carrasco, vinham descendo os degraus.
— Já
estamos de saída! — sussurrou Hermione.
E
assim foi, momentos depois a porta dos fundos da cabana se abriu e Harry viu a
si mesmo, Rony e Hermione saírem com Hagrid. Foi, sem dúvida, a sensação mais
esquisita de sua vida, parado ali atrás da árvore, observando a si mesmo no
canteiro de abóboras.
—
Tudo bem, Bicucinho, tudo bem... — disse Hagrid ao bicho. Então se virou para
os três garotos — Vão. Andem logo.
—
Hagrid, não podemos...
—
Vamos contar a eles o que realmente aconteceu...
— Não
podem matar Bicuço...
—
Vão! Já está bastante ruim sem vocês se meterem em confusão!
Harry
observou Hermione jogar a Capa da Invisibilidade sobre ele e Rony no canteiro
de abóboras.
— Vão
depressa. Não fiquem ouvindo...
Ouviu-se
uma batida na porta de entrada da cabana. A comissão de execução chegara.
Hagrid se virou para entrar em casa, deixando a porta dos fundos entreaberta.
Harry observou a grama se achatar em certos pontos a toda volta da cabana de
Hagrid e ouviu três pares de pés recuarem. Ele, Rony e Hermione tinham ido
embora...
Mas o
Harry e a Hermione escondidos no meio das árvores escutavam, pela porta dos
fundos, o que estava acontecendo no interior da cabana.
—
Onde está o animal? — disse a voz fria de Macnair.
—
Lá... lá fora — respondeu Hagrid, rouco.
Harry
escondeu a cabeça quando o rosto de Macnair apareceu à janela da cabana, para
espiar Bicuço. Então os garotos ouviram a voz de Fudge.
—
Nós... hum... temos que ler para você a notificação oficial da execução,
Hagrid. Vou ser rápido. Depois, você e Macnair precisão assiná-la. Macnair,
você precisa escutar também, é a praxe...
O
rosto do carrasco desapareceu da janela.
Era
agora ou nunca.
—
Espera aqui — cochichou Harry para Hermione — Eu faço.
Quando
a voz de Fudge recomeçou, Harry saiu correndo do seu esconderijo atrás da árvore,
saltou a cerca para o canteiro de abóboras e se aproximou de Bicuço.
— Por
decisão da Comissão para Eliminação de Criaturas Perigosas o hipogrifo Bicuço,
doravante chamado condenado, será executado no dia seis de Junho ao
pôr-do-sol...
Com
cuidado para não piscar, Harry encarou os ferozes olhos cor de laranja de
Bicuço mais uma vez e fez uma reverência. O hipogrifo dobrou os joelhos
escamosos e em seguida tornou a se levantar. Harry começou a desamarrar a corda
que prendia o hipogrifo à cerca.
—...
por decapitação, a ser executada pelo carrasco nomeado pela Comissão, Walden
Macnair...
—
Vamos Bicuço — murmurou Harry — Vamos, nós vamos te ajudar. Quietinho...
quietinho...
—...
conforme testemunham abaixo. Hagrid, você assina aqui...
Harry
jogou todo o seu peso contra a corda, mas Bicuço cravara as patas dianteiras na
terra.
—
Bem, vamos acabar com isso — disse a voz aguda do velhote da Comissão dentro da
cabana — Hagrid, talvez seja melhor você ficar aqui dentro...
—
Não, eu... eu quero ficar com ele... não quero que ele fique sozinho...
Soaram
passos dentro da cabana.
—
Bicuço, anda!— sibilou Harry.
Harry
puxou com mais força a corda presa ao pescoço dele. O hipogrifo começou a
andar, farfalhando as asas com irritação. Ele e Harry ainda estavam a três metros
da floresta, bem à vista da porta dos fundos da cabana.
— Um
momento, por favor, Macnair — ouviram a voz de Dumbledore — Você precisa
assinar também.
Os
passos pararam.
Harry
puxou a corda com força. Bicuço deu um estalo com o bico e andou um pouco mais
rápido. O rosto pálido de Hermione aparecia pelo lado do tronco da árvore.
—
Harry, depressa! — murmurou ela.
O
garoto ainda ouvia a voz de Dumbledore dentro da cabana. Deu outro puxão na
corda. Bicuço começou a trotar de má vontade. Alcançaram as árvores...
—
Depressa! Depressa! — gemia Hermione, que saiu de trás da arvore, agarrou
também a corda e acrescentou seu peso para fazer Bicuço andar mais depressa.
Harry espiou por cima do ombro, agora tinham desaparecido de vista, mas também
não podiam ver a horta de Hagrid.
—
Pare! — disse ele a Hermione — Poderiam nos ouvir...
A
porta dos fundos da cabana se abriu com violência. Harry, Hermione e Bicuço
ficaram muito quietos; até o hipogrifo parecia estar prestando atenção.
Silêncio...
Então:
—
Onde está ele? — perguntou a voz fraquinha do velhote da Comissão — Onde está o
bicho?
—
Estava amarrado aqui! — disse o carrasco, furioso — Eu o vi! Bem aqui!
— Que
extraordinário! — exclamou Alvo Dumbledore.
Havia
um tom de riso em sua voz.
—
Bicuço! — exclamou Hagrid, rouco.
Ouviu-se
o ruído de uma lâmina cortando o ar e a pancada de um machado. O carrasco,
enraivecido, aparentemente brandira o machado contra a cerca. Então, ouviu-se
um berreiro e desta vez eles distinguiram as palavras de Hagrid entre os
soluços.
— Foi-se!
Foi-se! Abençoado seja ele, foi embora! Deve ter se soltado! Bicucinho, que
garoto inteligente!
Bicuço
começou a puxar a corda com força, tentando voltar para Hagrid. Harry e
Hermione seguraram a corda com firmeza e enterraram os saltos no chão da floresta
para reter o bicho.
—
Alguém o desamarrou! — rosnou o carrasco — Devíamos revistar a propriedade, a
floresta...
—
Macnair, se Bicuço foi realmente roubado, você acha que o ladrão o levou a pé?
— perguntou Dumbledore, ainda em tom divertido — Procurem nos céus, se
quiserem... Hagrid, uma xícara de chá me cairia bem. Ou um bom cálice de
conhaque.
—
C-Claro, professor — disse Hagrid, que parecia fraco de tanta felicidade —
Entre, entre...
Harry
e Hermione apuraram os ouvidos. Ouviram passos, o carrasco xingando baixinho, o
clique da porta e, então, mais uma vez o silêncio.
— E
agora? — sussurrou Harry, olhando para os lados.
—
Vamos ter que nos esconder aqui — disse Hermione, que parecia muito abalada —
Precisamos esperar até eles voltarem para o castelo. Depois esperamos até poder
voar com Bicuço em segurança até a janela de Sirius. Ele vai demorar lá mais
duas horas... ah, isso vai ser difícil...
A
garota espiou, nervosa, por cima do ombro as profundezas da floresta. O sol ia
se pondo.
—
Vamos ter que mudar de lugar — disse Harry se concentrando — Temos que poder
ver o Salgueiro Lutador ou não vamos saber o que está acontecendo.
— Ok
— concordou Hermione, segurando a corda de Bicuço com mais firmeza — Mas temos
que ficar onde ninguém possa nos ver Harry, lembre-se...
Os
dois saíram pela orla da floresta, à noite escurecendo tudo à volta, até
poderem se esconder atrás de um grupo de árvores, entre as quais eles podiam
avistar o salgueiro.
—
Olha lá o Rony! — exclamou Harry de repente.
Um
vulto escuro ia correndo pelos jardins e seu grito ecoava pelo ar parado da
noite.
—
Fique longe dele... fique longe... Perebas, volta aqui...
Então
os garotos viram mais dois vultos se materializarem do nada. Harry observou ele
próprio e Hermione correrem atrás de Rony. Depois viram Rony mergulhar.
— Te
peguei! Dá o fora, seu gato fedorento...
—
Olha lá o Sirius! — exclamou Harry.
A
forma enorme de um cão saltou das raízes do salgueiro. Eles o viram derrubar
Harry, depois agarrar Rony.
—
Parece ainda pior visto daqui, não é? — comentou Harry, observando o cão puxar
Rony para baixo das raízes — Ai... olha, acabei de levar uma baita lambada da
árvore... e você também... que coisa esquisita...
O
Salgueiro Lutador rangia e dava golpes com os ramos mais baixos, os garotos se
viam correndo para cá e para lá, tentando chegar até o tronco. E então a árvore
se imobilizou.
—
Isso foi o Bichento apertando o nó — disse Hermione.
— E
lá vamos nós... — murmurou Harry — Entramos.
No
momento em que eles desapareceram, a árvore recomeçou a se agitar. Segundos
depois, os garotos ouviram passos muito próximos. Dumbledore, Macnair, Fudge e
o velhote da Comissão estavam regressando ao castelo.
—
Logo depois de termos descido pela passagem! — exclamou Hermione — Se ao menos
Dumbledore tivesse ido conosco...
—
Macnair e Fudge teriam ido também — disse Harry amargurado — Aposto o que você
quiser como Fudge teria mandado Macnair matar Sirius na hora...
Os
garotos observaram os quatro homens subirem os degraus do castelo e desaparecer
de vista. Durante alguns minutos os jardins ficaram desertos. Então...
— Aí
vem Lupin! — disse Harry ao ver outro vulto descer correndo os degraus de pedra
e se dirigir ao salgueiro.
Harry
olhou para o céu. As nuvens estavam obscurecendo completamente a luz.
Os
dois acompanharam Lupin apanhar um galho seco do chão e empurrar com ele o nó
do tronco. A árvore parou de lutar, e o professor, também, desapareceu no
buraco entre as raízes.
— Se
ao menos ele tivesse apanhado a capa — lamentou Harry — Está caída bem ali...
E,
virando-se para Hermione.
— Se
eu desse uma corrida agora e apanhasse a capa, Snape nunca poderia se apoderar
dela e...
—
Harry não podemos ser vistos!
—
Como é que você aguenta isso? — perguntou ele a Hermione impetuosamente — Ficar
parada aqui olhando a coisa acontecer? — ele hesitou — Vou apanhar a capa!
—
Harry não!
Hermione
agarrou Harry pelas costas das vestes bem na hora.
Naquele
instante, ouviu-se uma cantoria. Era Hagrid, ligeiramente trôpego, a caminho do
castelo, cantando a plenos pulmões. Um garrafão balançava em suas mãos.
—
Viu? — sussurrou Hermione — Viu o que teria acontecido? Temos que ficar
escondidos! Não, Bicuço!
O
hipogrifo fazia tentativas frenéticas para chegar até Hagrid.
Harry
agarrou a corda também, fazendo força para manter o animal parado. Os garotos
observaram Hagrid caminhar, bêbado, até o castelo. Bicuço parou de brigar para
ir embora. Deixou a cabeça pender tristemente.
Não
havia se passado nem dois minutos e as portas do castelo tornaram a se
escancarar, era Snape que saía decidido, e rumava para o salgueiro. Os punhos
de Harry se fecharam quando eles viram Snape parar derrapando próximo à árvore,
olhando para os lados. Depois, apanhou a capa e levantou-a.
—
Tira suas mãos imundas daí — rosnou Harry para si mesmo.
—
Psiu!
Snape
apanhou o galho seco que Lupin usara para imobilizar a árvore, cutucou o nó e
desapareceu de vista ao se cobrir com a capa.
—
Então é isso — disse Hermione baixinho — Estamos todos lá embaixo... e agora
temos que esperar até voltarmos da passagem...
A
garota pegou a ponta da corda de Bicuço e amarrou-a bem segura na árvore mais
próxima, então, sentou-se no chão seco, os braços em torno dos joelhos.
—
Harry, tem uma coisa que eu não entendo... por que os dementadores não pegaram
Sirius? Eu me lembro deles chegando, aí acho que desmaiei... havia tantos...
Harry
se sentou também. E explicou o que vira, que na hora em que o dementador mais
próximo chegou a boca junto à de Harry, uma coisa grande e prateada viera
galopando do lago e forçara os dementadores a se retirarem.
A
boca de Hermione estava ligeiramente aberta quando Harry terminou.
— Mas
o que era a coisa?
— Só
tem uma coisa que podia ter sido para fazer os dementadores irem embora — disse
Harry — Um Patrono de verdade. Bem poderoso.
— Mas
quem o conjurou?
Harry
não respondeu nada. Estava relembrando a pessoa que vira na outra margem do
lago. Sabia quem ele pensara que era... mas como seria possível?
—
Você não viu com quem se parecia? — perguntou Hermione ansiosa — Foi um dos
professores?
— Não
— disse Harry — Não era um professor.
— Mas
deve ter sido um bruxo realmente poderoso, para fazer todos aqueles
dementadores irem embora... se o Patrono era tão brilhante, a luz não iluminava
ele? Você não pôde ver...?
—
Claro que vi — disse Harry lentamente — Mas talvez... eu tenha imaginado que
vi... eu não estava pensando direito... desmaiei logo em seguida...
—
Quem foi que você pensou que viu?
—
Acho... — Harry engoliu em seco, sabendo como era estranho o que ia dizer —
Acho que foi o meu pai.
Harry
olhou para Hermione e viu que a boca da menina se abrira de vez. Ela o olhava
com uma mistura de susto e piedade.
—
Harry, seu pai está... bem... morto —
disse ela baixinho.
— Eu
sei — respondeu Harry depressa.
—
Você acha que viu o fantasma dele?
— Não
sei... não... parecia sólido...
— Mas
então...
— Vai
ver eu andei vendo coisas — disse Harry — Mas... pelo que pude ver... parecia
ele... tenho fotos dele...
Hermione
continuava a mirá-lo como se estivesse preocupada com a sanidade do amigo.
— Sei
que parece doideira — falou Harry, sem animação.
E se
virou para olhar Bicuço, que enterrava o bico no chão, aparentemente à procura
de vermes. Mas na realidade o garoto não estava olhando para Bicuço. Estava
pensando no pai e nos três amigos mais antigos do pai... Aluado, Rabicho, Almofadinhas
e Pontas... será que os quatro tinham estado em Hogwarts esta noite? Rabicho
reaparecera quando todos pensavam que estivesse morto... seria tão impossível
que o mesmo acontecesse com o seu pai? Será que andara vendo coisas no lago? O
vulto estava demasiado longe para vê-lo com clareza... contudo, Harry tivera
uma certeza momentânea antes de perder a consciência...
A
folhagem no alto rumorejava baixinho à brisa. A lua aparecia e desaparecia por
trás das nuvens que deslizavam pelo céu. Hermione, sentada com o rosto virado
para o salgueiro, aguardava. Então, finalmente, passada uma hora...
— Aí
vêm eles! — sussurrou Hermione.
Ela e
Harry se levantaram. Bicuço ergueu a cabeça. Então os garotos viram Lupin, Rony
e Pettigrew saindo desajeitados do buraco nas raízes. Depois veio Hermione... o
inconsciente Snape, flutuando estranhamente. Em seguida subiram Harry e Black.
Todos saíram caminhando em direção ao castelo.
O
coração de Harry começou a bater muito depressa. Ele olhou para o céu. A
qualquer momento agora, aquela nuvem ia se afastar e mostrar a lua...
—
Harry — murmurou Hermione como se soubesse exatamente o que ele estava pensando
— Temos que ficar parados. Não podemos ser vistos. Não tem nada que a gente
possa fazer...
—
Então vamos deixar Pettigrew escapar outra vez... — protestou Harry baixinho.
—
Como é que você espera encontrar um rato no escuro? — retrucou Hermione
irritada — Não tem nada que a gente possa fazer! Voltamos para ajudar Sirius;
não é para fazer mais nada!
—
Está bem!
A lua
deslizou para fora da cobertura de nuvens. Os dois viram os pequenos vultos que
atravessavam os jardins pararem. Então perceberam um movimento...
— Lá
vai Lupin — cochichou Hermione — Ele está se transformando...
—
Hermione! — disse Harry de repente — Temos que mudar de lugar!
— Já
disse que não podemos...
— Não
podemos interferir! Mas Lupin vai correr para dentro da floresta, bem por onde
estamos!
Hermione
prendeu a respiração.
—
Depressa! — gemeu ela, correndo para soltar Bicuço — Depressa! Aonde é que nós
vamos? Onde é que vamos nos esconder? Os dementadores vão chegar a qualquer
momento...
—
Vamos voltar para a cabana de Hagrid! — disse Harry — Está vazia agora...
vamos!
Os
garotos correram a toda velocidade, Bicuço atrás deles. Ouviam o Lobisomem
uivando em sua cola...
Avistaram
a cabana, Harry derrapou diante da porta, escancarou-a, e Hermione e Bicuço
passaram como relâmpagos por ele, o garoto se atirou para dentro e trancou a
porta. Canino, o cão de casar javalis, latiu com força.
—
Psiu, Canino, somos nós! — disse Hermione, correndo a coçar atrás das orelhas
do cão para sossegá-lo — Essa foi por pouco! — disse ela a Harry.
—
Acho melhor sair, sabe — disse Harry lentamente — Não consigo ver o que está
acontecendo... não vamos saber quando for a hora...
Hermione
ergueu a cabeça. Tinha uma expressão desconfiada.
— Não
vou tentar interferir — disse Harry depressa — Mas se não virmos o que está
acontecendo, como é que vamos saber quando temos que salvar Sirius?
—
Bem... ok, então... fico esperando aqui com o Bicuço... mas Harry, tenha
cuidado, tem um Lobisomem solto lá fora... e os dementadores...
Harry
saiu e contornou a cabana. Ouvia latidos ao longe. Isto significava que os
dementadores estavam fechando o cerco sobre Sirius... ele e Hermione iriam
correr para Sirius a qualquer instante...
Harry
espiou para as bandas do lago, seu coração produzindo uma espécie de batuque no
seu peito... quem quer que tivesse mandado o Patrono iria aparecer a qualquer
momento... por uma fração de segundo ele parou, indeciso, diante da porta da
cabana.
“Você não pode ser visto”.
Mas
ele não queria ser visto. Queria ver... tinha que saber...
E lá
estavam os dementadores. Emergiam da noite, vindos de todas as direções,
deslizando pela orla do lago... estavam se distanciando do ponto em que Harry
se encontrava, em direção à margem oposta... ele não teria que se aproximar
deles...
Harry
começou a correr. Não tinha outro pensamento na cabeça senão o pai... se fosse
ele... se fosse realmente ele... Harry precisava saber, precisava descobrir...
O
lago estava cada vez mais próximo, mas não havia sinal de ninguém. Na margem
oposta, Harry vislumbrou minúsculos pontos prateados, suas próprias tentativas
de produzir um Patrono... Havia uma moita bem na beirinha da água. Harry se
atirou atrás dela, e espiou desesperado entre as folhas. Na margem oposta, os
reflexos prateados de repente se extinguiram. Uma mescla de terror e excitação
percorreu seu corpo, a qualquer momento agora...
—
Vamos! — murmurou, olhando com atenção para os lados — Onde é que você está!
Papai, anda...
Mas
não veio ninguém. Harry ergueu a cabeça para olhar o círculo de dementadores do
outro lado do lago. Um deles estava despindo o capuz. Estava na hora do
salvador aparecer, mas ninguém ia aparecer para ajudar desta vez...
E então
a explicação lhe ocorreu, ele compreendeu. Não vira o pai, vira a si mesmo...
Harry
se precipitou para fora da moita e puxou a varinha.
— EXPECTO PATRONUM! — berrou.
E da
ponta de sua varinha irrompeu, não uma nuvem disforme, mas um animal prateado,
deslumbrante, ofuscante. Ele apertou os olhos tentando ver o que era. Parecia
um cavalo. Galopava silenciosamente se afastando dele, atravessando a
superfície escura do lago. Ele viu o animal abaixar a cabeça e investir contra
o enxame de dementadores... agora, a galope, ele cercava os vultos escuros no
chão, e os dementadores recuavam, se dispersavam, batiam em retirada na
noite... desapareciam.
O
Patrono deu meia-volta. Veio em direção a Harry atravessando a superfície
parada das águas. Não era um cavalo. Não era um unicórnio, tampouco. Era um
cervo. Reluzia intensamente ao luar... estava retornando a ele... parou na
margem. Seus cascos não deixaram pegadas no chão macio quando ele encarou Harry
com os grandes olhos prateados. Lentamente, ele curvou a cabeça cheia de
galhos. E Harry percebeu...
—
Pontas — sussurrou.
Mas
quando os dedos trêmulos de Harry se estenderam para o bicho, ele desapareceu.
Harry
continuou parado ali, a mão estendida. Então com um grande salto no coração,
ele ouviu o ruído de cascos às suas costas, virou-se e viu Hermione correndo
para ele, arrastando Bicuço.
— Que
foi que você fez? — perguntou ela com raiva — Você disse que ia ficar vigiando!
—
Acabei de salvar as nossas vidas... — disse Harry — Vem aqui para trás, atrás
dessa moita, eu explico.
Hermione
ouviu o relato do que acabava de acontecer, outra vez boquiaberta.
—
Alguém viu você?
—
Está vendo, você não ouviu nada! Eu me vi e achei que era o meu pai! Tudo bem!
—
Harry, nem posso acreditar... você conjurou um Patrono que espantou todos
aqueles dementadores! Isto é magia muito adiantada, mas muito mesmo...
— Eu
sabia que podia fazer isso desta vez — disse Harry — Porque já tinha feito
antes... faz sentido?
— Não
sei... Harry, olha o Snape!
Juntos
eles olharam para a outra margem. Snape recuperara os sentidos. Estava
conjurando macas e erguendo as formas inertes de Harry, Hermione e Black para
cima delas. Uma quarta maca, sem dúvida carregando Rony, já estava flutuando ao
seu lado. Então, com a varinha segura à frente, ele os transportou para o
castelo.
—
Certo, está quase na hora — disse Hermione olhando, tensa, para o relógio —
Temos uns quarenta e cinco minutos até Dumbledore fechar a porta da Ala
Hospitalar. Temos que salvar Sirius e voltar à enfermaria antes que alguém
perceba que estamos ausentes...
Os
dois esperaram, observando o reflexo das nuvens que se moviam sobre o lago,
enquanto a moita ao lado sussurrava à brisa. Bicuço, entediado, estava
novamente bicando a terra à procura de vermes.
—
Você acha que ele já está lá em cima? — perguntou Harry, consultando o relógio.
Em
seguida olhou para o castelo e começou a contar as janelas à direita da Torre
Oeste.
—
Olha! — sussurrou Hermione — Quem é aquele? Alguém está saindo do castelo!
Harry
olhou para o escuro. O homem estava correndo pelos jardins, em direção a uma
das entradas. Uma coisa reluzente faiscava em seu cinto.
—
Macnair! — exclamou Harry — O carrasco! Ele foi chamar os dementadores! É
agora, Mione...
Hermione
pôs as mãos nas costas de Bicuço e Harry a ajudou a montar. Então ele apoiou o
pé em um dos galhos mais baixos da moita e montou à frente da garota. Depois
puxou a corda de Bicuço por cima do pescoço e amarrou-a como se fossem rédeas.
—
Pronta? — cochichou para Hermione — É melhor você se segurar em mim...
E
bateu os calcanhares nos lados de Bicuço.
O
bicho saiu voando pela noite. Harry comprimiu os flancos de Bicuço com os
joelhos, sentindo as grandes asas erguerem-se com força por baixo deles.
Hermione segurava Harry muito apertado, pela cintura; ele a ouvia reclamar
baixinho.
— Ah,
não... não estou gostando disso... ah, não estou gostando nem um pouco disso...
Harry
incitou Bicuço para fazê-lo avançar. Eles começaram a voar silenciosamente em
direção aos andares superiores do castelo. Harry puxou com força o lado esquerdo
da corda e Bicuço virou para aquele lado. O garoto tentava contar as janelas
que passavam velozes...
—
Ôôo! — comandou puxando a corda para si com toda a força que pôde.
O
hipogrifo reduziu a velocidade e eles pararam, salvo se considerarmos o fato de
que continuavam a subir e descer quase um metro de cada vez, quando o bicho
batia as asas para se manter no ar.
— Ele
está ali! — disse Harry apontando para Sirius quando emparelharam com uma
janela. O garoto estendeu a mão e, quando as asas de Bicuço baixaram, conseguiu
dar umas pancadinhas na vidraça.
Black
olhou. Harry viu o queixo dele cair de espanto. O homem saltou da cadeira,
correu à janela e tentou abri-la, mas estava trancada.
— Se
afaste! — pediu Hermione tirando a varinha, ainda agarrando as vestes de Harry
com a mão esquerda.
— Alorromora!
A
janela se escancarou.
—
Como... como...? — exclamou Black com a voz fraca, olhando para o hipogrifo.
—
Sobe, não temos muito tempo — disse Harry, segurando Bicuço com firmeza pelos
lados do pescoço escorregadio para mantê-lo parado — Você tem que sair daqui,
os dementadores estão chegando, Macnair foi buscar eles.
Black
colocou as mãos dos lados da janela e ergueu a cabeça e os ombros para fora.
Foi uma sorte estar tão magro. Em segundos, ele conseguiu passar uma perna por
cima do lombo de Bicuço e montar o bicho atrás de Hermione.
— Ok,
Bicuço, para cima! — disse Harry sacudindo a corda — Para a torre, anda!
O
hipogrifo bateu uma vez as asas possantes e eles recomeçarão a voar para o
alto, até o topo da Torre Oeste. Bicuço pousou com um ruído de cascos nas
ameias do castelo e os garotos escorregaram para o chão.
—
Sirius, é melhor você ir depressa — ofegou Harry — Eles vão chegar na sala de
Flitwick a qualquer momento, e vão descobrir que você fugiu.
Bicuço
pateou o chão, sacudindo a cabeça pontuda.
— Que
aconteceu com o outro garoto? Rony! — perguntou Sirius rouco.
— Ele
vai ficar bom. Ainda está desacordado, mas Madame Pomfrey diz que vai dar um
jeito nele. Depressa, vai...
Mas
Black continuava a olhar para Harry.
—
Como é que vou poder lhe agradecer...
—
VAI! — gritaram ao mesmo tempo Harry e Hermione.
Black
fez Bicuço virar para o céu aberto.
— Nós
vamos nos ver outra vez — disse ele — Você é bem filho do seu pai, Harry...
E,
então, apertou os flancos de Bicuço com os calcanhares. Harry e Hermione deram
um salto para trás quando as enormes asas se ergueram mais uma vez... o
hipogrifo saiu voando pelos ares... ele e seu cavaleiro foram ficando cada vez
menores enquanto Harry os observava. Então uma nuvem encobriu a lua... e eles desapareceram.
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