segunda-feira, 14 de maio de 2012

Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban - Capítulo 12







— CAPÍTULO DOZE —
O Patrono



HARRY SABIA que Hermione tivera boa intenção, mas isso não o impedia de estar aborrecido com a amiga. Ele fora dono da melhor vassoura do mundo por breves horas e agora, por interferência dela, não sabia se iria rever a vassoura. Harry tinha certeza de que, no momento, não havia problema algum com a Firebolt, mas em que estado ela ficaria depois de ser submetida a todo tipo de teste anti-feitiço?
Rony também estava furioso com Hermione. Na sua opinião, desmontar uma Firebolt nova em folha era nada menos que um ato criminoso.
Hermione, que continuava convicta de que agira visando o bem do amigo, começou a evitar a Sala Comunal. Os dois garotos supunham que ela se refugiara na Biblioteca e não tentaram persuadi-la a voltar. Em tudo por tudo, eles ficaram felizes quando o restante da escola voltou, pouco depois do Ano Novo, e a Torre da Grifinória novamente se encheu de gente e ruídos.
Olívio procurou Harry na véspera do novo trimestre começar.
— Teve um bom Natal? — perguntou ele e, em seguida, sem esperar resposta, se sentou, baixou a voz e disse — Andei pensando durante o Natal, Harry. Depois da última partida, entende. Se os dementadores forem ao próximo... quero dizer... não podemos nos dar ao luxo de você... bem...
Olívio parou, parecendo constrangido.
— Já estou cuidando disso — falou Harry depressa — O Prof. Lupin prometeu que me ensinaria a afastar os dementadores. Devemos começar esta semana. Ele falou que teria tempo depois do Natal.
— Ah — respondeu Olívio, o rosto se desanuviando — Bem, nesse caso... eu não queria realmente perder você como apanhador, Harry já encomendou uma vassoura nova?
— Não.
— Quê! É melhor você se mexer, sabe, não vai poder montar aquela Shooting Star contra o time da Corvinal!
— Ele ganhou uma Firebolt de Natal — disse Rony.
— Uma Firebolt? Não! Sério? Uma Firebolt de verdade?
— Não precisa se excitar, Olívio — disse Harry deprimido — Não está mais comigo. Foi confiscada.
E explicou tudo sobre a Firebolt e como estava sendo verificada para saber se fora enfeitiçada.
— Enfeitiçada? Como poderia ter sido enfeitiçada?
— Sirius Black — disse Harry, cansado — Dizem que ele está querendo me pegar. Então McGonagall calculou que poderia ter me mandado a vassoura.
Descartando a informação de que um assassino famoso estava atrás do seu apanhador, Olívio disse:
— Mas Black não poderia ter comprado uma Firebolt! Ele está fugindo! O país inteiro está à procura dele! Como é que iria simplesmente entrar na Artigos de Qualidade para Quadribol e comprar uma vassoura?
— Eu sei, mas ainda assim McGonagall quer desmontá-la...
Olívio empalideceu.
— Vou falar com ela, Harry — prometeu — Vou chamá-la à razão... uma Firebolt... uma autêntica Firebolt, no nosso time... ela quer que Grifinória ganhe tanto quanto nós... vou fazê-la ver o absurdo. Uma Firebolt...
As aulas recomeçaram no dia seguinte.
A última coisa que alguém ia querer fazer era passar duas horas lá fora em uma fria manhã de Janeiro, mas Hagrid providenciara uma fogueira cheia de salamandras para alegria dos alunos, que passaram uma aula incomumente boa juntando madeira e folhas secas para manter o fogo alto enquanto os bichinhos, que adoram chamas, subiam e desciam pelas toras embranquecidas de calor.
A primeira aula de Adivinhação do novo trimestre foi bem menos divertida. A Profª. Trelawney estava agora começando a ensinar quiromancia[1] à turma e não perdeu tempo para informar Harry de que ele possuía a menor linha da vida que ela já vira.

[1] Método de Adivinhação que estuda os sinais baseados nas linhas da palma da mão.

Mas era à aula de Defesa Contra as Artes das Trevas que ele estava ansioso para chegar. Depois da conversa com Olívio, queria começar as aulas anti-dementadores o mais cedo possível.
— Ah, é verdade — disse Lupin quando Harry o lembrou da promessa no final da aula — Vejamos... que tal às oito horas da noite na Quinta? A sala de aula de História da Magia deve ser suficientemente grande... tenho que pensar muito como vamos fazer. Não podemos trazer um dementador real ao castelo para praticar...
— Ele continua com cara de doente, não acha? — perguntou Rony quando caminhavam pelo corredor para ir jantar — Que é que você acha que ele tem?
Ouviram um alto muxoxo de impaciência atrás deles.
Era Hermione que estivera sentada ao pé de uma armadura, rearrumando a mochila, tão cheia de livros que não fechava.
— E por que é que você esta fazendo muxoxo para a gente? — perguntou Rony, irritado.
— Por nada — respondeu Hermione em tom de superioridade, passando a mochila pelo ombro.
— Nada, não — disse Rony — Eu estava imaginando qual seria o problema de Lupin, e você...
— Bem, será que não está óbvio? — disse a garota com um olhar de superioridade de dar nos nervos.
— Se você não quer dizer, não diga — retrucou Rony com rispidez.
— Ótimo — disse Hermione, arrogante, e foi-se embora.
— Ela não sabe — disse Rony, olhando, rancoroso, para a garota que se afastava — Só está tentando fazer a gente voltar a falar com ela.
Às oito horas da noite de Quinta-Feira, Harry saiu da Torre da Grifinória para a sala de História da Magia. Quando chegou, a sala estava escura e vazia, mas ele acendeu as luzes com a varinha e já estava esperando havia uns cinco minutos quando o Prof. Lupin apareceu, trazendo uma grande caixa, que depositou em cima da escrivaninha do Prof. Binns.
— Que é isso? — perguntou Harry.
— Outro bicho-papão — respondeu Lupin tirando a capa — Andei passando um pente fino no castelo desde Terça-Feira e por sorte encontrei este aqui escondido no arquivo do Sr. Filch. É o mais próximo que chegaremos de um dementador de verdade, o bicho-papão se transformará em um dementador quando o vir, então poderemos praticar. Posso guardá-lo na minha sala quando não estiver em uso, tem um armário embaixo da minha escrivaninha de que ele vai gostar.
— Tudo bem — disse Harry procurando falar como se não estivesse nada apreensivo, mas apenas feliz por Lupin ter encontrado um substituto tão bom para um dementador real.
— Então...
O Prof. Lupin apanhou a varinha e fez sinal para Harry imitá-lo.
— O feitiço que vou tentar lhe ensinar faz parte da magia muito avançada, Harry, muito acima do Nível Normal de Bruxaria. É chamado o Feitiço do Patrono.
— O que é que ele faz? — perguntou Harry nervoso.
— Bem, quando funciona corretamente, ele conjura um Patrono, que é uma espécie de anti-dementador, um guardião que age como um escudo entre você e o dementador.
Harry teve uma súbita visão de si mesmo agachado atrás de um vulto do tamanho de Hagrid segurando um enorme bastão.
O Prof. Lupin continuou:
— O Patrono é um tipo de energia positiva, uma projeção da própria coisa de que o dementador se alimenta: esperança, felicidade, desejo de sobrevivência, mas ele não consegue sentir desesperança, como um ser humano real, por isso o dementador não pode afetá-lo. Mas preciso preveni-lo, Harry, de que o feitiço talvez seja demasiado avançado para você. Muitos bruxos habilitados têm dificuldade de executá-lo.
— Que aspecto tem um Patrono? — perguntou Harry, curioso.
— Cada um é único para o bruxo que o conjura.
— E como se conjura?
— Com uma fórmula mágica, que só fará efeito se você estiver concentrado, com todas as suas forças, em uma única lembrança muito feliz.
Harry procurou em sua mente uma lembrança feliz. Com certeza, nada que tivesse lhe acontecido na casa dos Dursley iria servir. Por fim, decidiu-se pelo momento em que voou numa vassoura pela primeira vez.
— Certo — disse, procurando lembrar o mais exatamente possível da maravilhosa sensação de voar.
— A fórmula é a seguinte — Lupin pigarreou para limpar a garganta — Expecto Patronum!
— Expecto Patronum! — repetiu Harry em voz baixa — Expecto...
— Está se concentrando com todas as forças em sua lembrança feliz?
— Ah... estou — respondeu Harry, forçando depressa seu pensamento a retornar àquele primeiro voo de vassoura — Expecto patrono. Não, Patronum... desculpe... Expecto Patronum! Expecto Patronum!...
Alguma coisa se projetou subitamente da ponta de sua varinha, parecia um fiapo de gás prateado.
— O senhor viu isso? — perguntou Harry, excitado — Aconteceu uma coisa!
— Muito bem — aprovou Lupin sorrindo — Certo, então, está pronto para experimentar com um dementador?
— Estou — disse o garoto, segurando sua varinha com firmeza e indo para o meio da sala de aula deserta.
Tentou manter o pensamento no voo, mas alguma coisa não parava de interferir... a qualquer segundo agora, poderia tornar a ouvir sua mãe... mas ele não devia pensar nisso ou tornaria a ouvi-la, e ele não queria... ou será que queria?
Lupin segurou a tampa da caixa e levantou-a.
Um dementador se ergueu lentamente da caixa, o rosto encapuzado virado para Harry, uma mão luzidia, coberta de cascas de feridas, segurando a capa. As luzes em volta da sala de aula piscaram e se apagaram. O dementador saiu da caixa e começou a se deslocar silenciosamente em direção a Harry, respirando profundamente, uma respiração vibrante. Uma onda de frio intensa o engolfou...
Expecto Patronum! — berrou Harry — Expecto Patronum!
Mas a sala e o dementador foram se dissolvendo... Harry se viu caindo outra vez por um denso nevoeiro branco, e a voz de sua mãe mais alta que nunca, ecoava em sua cabeça...
“Harry não! Harry não! Por favor... farei qualquer coisa...”
“Afaste-se. Afaste-se, menina...”
— Harry!
Harry de repente recuperou os sentidos. Estava deitado de costas no chão. As luzes da sala tinham reacendido. Ele não precisou perguntar o que acontecera.
— Desculpe — murmurou, se sentando e sentindo o suor frio escorrer por dentro dos óculos.
— Você está bem? — perguntou Lupin.
— Estou... — Harry usou uma carteira para se levantar, apoiando-se nela.
— Tome aqui — Lupin lhe deu um sapo de chocolate — Coma isso antes de tentarmos outra vez. Eu não esperava que você conseguisse da primeira vez, de fato, ficaria assombrado se tivesse conseguido.
— Está piorando — murmurou Harry, mordendo a cabeça do sapo — Eu a ouvi mais alto dessa vez... e ele... Voldemort.
Lupin parecia mais pálido do que de costume.
— Harry, se você não quiser continuar, vou compreender muito bem...
— Eu quero! — exclamou Harry com vigor, enfiando o resto do sapo de chocolate na boca — Tenho que continuar! O que vai acontecer se os dementadores aparecerem na partida contra Corvinal? Não posso me dar ao luxo de cair outra vez. Se perdermos a partida, perderemos a Taça de Quadribol!
— Muito bem, então... — disse Lupin — Talvez queira escolher outra lembrança, uma lembrança feliz, quero dizer, para se concentrar... essa primeira parece que não foi bastante forte...
Harry fez um esforço mental e concluiu que sua emoção quando Grifinória ganhara o Campeonato das Casas, no ano anterior, fora decididamente uma lembrança muito feliz. Segurou a varinha com força, outra vez, e tomou posição no meio da sala.
— Pronto? — perguntou Lupin segurando a tampa da caixa.
— Pronto — disse Harry, tentando por tudo encher a cabeça de pensamentos felizes sobre a vitória de Grifinória, em lugar dos pensamentos sombrios sobre o que ia acontecer quando a caixa se abrisse.
— Já! — disse Lupin destampando a caixa.
A sala ficou gelada e escura mais uma vez. O dementador avançou deslizando, inspirando com força, a mão podre estendida para Harry...
— Expecto Patronum! — berrou Harry — Expecto Patronum! Expecto Pat...
Um nevoeiro branco obscureceu seus sentidos... vultos grandes e difusos moveram-se à sua volta... então ele ouviu uma nova voz, uma voz de homem, gritando em pânico...
“Lílian, leve Harry e vá! É ele! Vá! Corra! Eu o atraso...”
Os ruídos de alguém saindo aos tropeços de uma sala... uma porta se escancarando... uma gargalhada aguda...
— Harry! Harry! Acorde...
Lupin dava tapinhas em seu rosto. Desta vez levou um minuto até Harry entender por que estava deitado no chão empoeirado de uma sala de aula.
— Ouvi meu pai — murmurou Harry — É a primeira vez que o ouço, ele tentou enfrentar Voldemort sozinho, para dar à minha mãe tempo de fugir...
O garoto de repente percebeu que havia em seu rosto lágrimas misturadas ao suor. Abaixou a cabeça o mais que pôde e enxugou as lágrimas nas vestes, fingindo estar amarrando um sapato, para Lupin não ver.
— Você ouviu Tiago? — disse Lupin numa voz estranha.
— Ouvi... — o rosto seco, Harry ergueu a cabeça — Por quê... o senhor conheceu meu pai?
— Eu... para falar a verdade, conheci. Fomos amigos em Hogwarts. Escute, Harry... talvez devêssemos parar por hoje. Este feitiço é absurdamente avançado... eu não devia ter sugerido que você se submetesse a essa...
— Não! — disse Harry e tornou a se levantar — Vou tentar mais uma vez! Não estou pensando em lembranças muito felizes, é só isso... espere aí...
O garoto puxou pela memória. Uma lembrança realmente, mas realmente feliz... uma que ele pudesse transformar em um Patrono válido e forte...
O momento em que ele descobrira que era bruxo e ia deixar a casa dos Dursley para frequentar Hogwarts! Se isso não fosse uma lembrança feliz, ele não sabia qual seria... concentrando-se com todas as forças no que sentira quando compreendeu que ia deixar a Rua dos Alfeneiros, Harry se levantou e ficou de frente para a caixa mais uma vez.
— Pronto? — perguntou Lupin, que parecia fazer isso contrariando o seu bom senso — Concentrou-se com firmeza? Muito bem... Já!
Ele tirou a tampa da caixa pela terceira vez, e o dementador se levantou; a sala esfriou e escureceu.
EXPECTO PATRONUM! — berrou Harry — EXPECTO PATRONUM! EXPECTO PATRONUM!
A gritaria dentro da cabeça de Harry recomeçara, exceto que desta vez, parecia vir de um rádio mal sintonizado, fraca e forte e fraca outra vez... ele continuava a ver o dementador, que parara, então, um enorme vulto prateado irrompeu da ponta de sua varinha e ficou pairando entre ele e o dementador, e, embora suas pernas tivessem perdido as forças, Harry continuava de pé, por quanto tempo ele não tinha muita certeza...
Riddikulus! — bradou Lupin saltando à frente.
Ouviu-se um estalo muito alto e o diáfano Patrono desapareceu juntamente com o dementador. O garoto afundou em uma cadeira, sentindo a exaustão de quem correra mais de um quilômetro, e as pernas trêmulas. Pelo canto do olho, viu o Prof. Lupin enfiar, à força, o bicho-papão na caixa, com a varinha; ele se transformou mais uma vez em uma bola prateada.
— Excelente! — exclamou Lupin, aproximando-se do garoto — Excelente Harry! Decididamente foi um começo!
— Podemos tentar mais uma vez? Só mais umazinha?
— Agora, não — disse Lupin com firmeza — Você já fez o bastante por uma noite. Tome...
E deu a Harry uma enorme barra do melhor chocolate da Dedosdemel.
— Coma bastante ou Madame Pomfrey vai querer me matar. À mesma hora na semana que vem?
— Ok — concordou Harry. Ele deu uma dentada no chocolate enquanto observava Lupin apagar as luzes que tinham reacendido com o desaparecimento do dementador.
Acabava de lhe ocorrer um pensamento.
— Prof. Lupin, se o senhor conheceu meu pai, então deve ter conhecido Sirius Black, também.
Lupin se virou na mesma hora.
— Que foi que lhe deu essa ideia? — perguntou ele com rispidez.
— Nada... quero dizer, eu soube que eles também eram amigos em Hogwarts...
O rosto de Lupin se descontraiu.
— É, eu o conheci — disse brevemente — Ou pensei que o conhecia. É melhor você ir andando, Harry, está ficando tarde.
O garoto saiu da sala, andou um pouco pelo corredor, dobrou um canto, depois se desviou para trás de uma armadura e se sentou em sua base para terminar o chocolate, desejando que não tivesse mencionado Black, pois Lupin obviamente não gostava de tocar nesse assunto.
Então os pensamentos de Harry foram vagando aos poucos para sua mãe e seu pai. Ele se sentiu esgotado e estranhamente vazio, ainda que estivesse empanturrado de chocolate. Por mais horrível que fosse ouvir os últimos momentos de seus pais repassarem por sua cabeça, eles tinham sido os únicos em que Harry ouvira as vozes dos dois desde que era pequeno. Mas ele não seria capaz de produzir um Patrono adequado se ficasse desejando ouvir os pais novamente...
— Eles estão mortos — disse a si mesmo com severidade — Estão mortos e ficar ouvindo seus ecos não vai trazê-los de volta. É melhor você se controlar se quiser aquela Taça de Quadribol.
Ele se levantou, atochou o último pedaço de chocolate na boca e rumou para a Torre da Grifinória.

* * *

Corvinal jogou contra Sonserina uma semana depois do inicio do semestre. Sonserina ganhou, mas foi uma vitória apertada. Segundo Olívio, isto era uma boa notícia para Grifinória, que tiraria o segundo lugar se também batesse Corvinal. Portanto, o capitão aumentou o número de treinos para cinco por semana. Isto significou que com as aulas anti-dementadores de Lupin, que em si eram mais exaustivas que os treinos de Quadribol, só sobrara a Harry uma noite por semana para fazer todos os deveres de casa.
Ainda assim, ele não estava aparentando tanto desgaste quanto Hermione, cuja imensa carga de trabalho parecia estar finalmente cansando-a. Todas as noites, sem falta, Hermione era vista a um canto da Sala Comunal, várias mesas cheias de livros, tabelas de Aritmancia, dicionários de Runas, diagramas de trouxas levantando grandes objetos e ainda fichários e mais fichários de extensas anotações. Ela pouco falava com os colegas e respondia mal quando era interrompida.
— Como é que ela está fazendo isso? — murmurou Rony para Harry certa noite, quando este se sentara para preparar uma redação difícil sobre venenos indetectáveis pedida por Snape.
Harry ergueu a cabeça. Mal conseguiu divisar Hermione por trás da pilha instável de livros.
— Isso o quê?
— Assistindo a todas as aulas! — disse Rony — Ouvi Mione conversando com a Profª. Vector, aquela bruxa da Aritmancia, hoje de manhã. Estavam discutindo a aula de ontem, mas Mione não podia ter estado lá, porque estava conosco na de Trato das Criaturas Mágicas! E Ernesto Mcmillan me disse que ela nunca faltou a nenhuma aula de Estudos dos Trouxas, mas metade das aulas são no mesmo horário de Adivinhação, e ela também nunca faltou a nenhuma lá!
Harry não tinha tempo, naquele momento, para desvendar o mistério dos horários impossíveis de Hermione, ele realmente precisava terminar o trabalho para Snape. Dois segundos depois, no entanto, foi novamente interrompido, desta vez por Olívio.
— Más notícias Harry. Acabei de ir falar com a Profª. McGonagall sobre a Firebolt. Ela... hum... foi um pouco grossa comigo. Me disse que as minhas prioridades estavam trocadas. Parece que entendeu que eu estava mais preocupado em ganhar a Taça do que com as suas chances de sobrevivência. Só porque eu disse que não me importava se a vassoura o derrubasse, desde que você apanhasse o Pomo primeiro — Olívio sacudiu a cabeça, incrédulo — Francamente, o jeito como ela gritou comigo dava até para pensar que eu tinha dito alguma coisa horrível... então perguntei quanto tempo mais ela ia ficar com a vassoura... — Olívio amarrou a cara e imitou a voz severa da professora — “O tempo que for preciso, Wood”... Acho que está na hora de você encomendar uma vassoura nova, Harry. Tem um formulário de pedido no final do Qual Vassoura... você podia comprar uma Nimbus 2001, como a do Malfoy.
— Não vou comprar nada que Malfoy ache bom — disse Harry em tom definitivo.
Janeiro transitou para Fevereiro imperceptivelmente, sem alteração no frio extremo que fazia. A partida contra Corvinal estava cada dia mais próxima, mas Harry ainda não encomendara a vassoura nova. Ele agora pedia à Profª. McGonagall notícias da Firebolt depois da aula de Transfiguração. Rony parava, cheio de esperança, ao lado dele, Hermione passava depressa com o rosto virado.
— Não, Potter, ainda não posso devolvê-la — disse a professora na décima segunda vez que isto aconteceu, antes mesmo que ele abrisse a boca para perguntar — Já a verificamos com relação a maioria dos feitiços comuns, mas o Prof. Flitwick acredita que a vassoura possa estar carregando um Feitiço de Velocidade. Eu o informarei quando tivermos terminado a verificação. Agora, por favor, pare de me pressionar.
Para piorar as coisas, as aulas anti-dementadores não estavam correndo tão bem quanto Harry esperara. Em várias sessões ele fora capaz de produzir um vulto indistinto e prateado, todas as vezes que o dementador se aproximara dele, mas era um Patrono demasiado fraco para afugentar o dementador. A única coisa que fazia era pairar no ar, como uma nuvem semitransparente, e esgotar a energia de Harry enquanto o garoto lutava para mantê-lo presente. Harry sentiu raiva de si mesmo, e culpa pelo desejo secreto de ouvir mais uma vez as vozes dos pais.
— Você está esperando demais de si mesmo — disse o Prof. Lupin com severidade, na quarta semana de treino — Para um bruxo de treze anos, até mesmo um Patrono pouco nítido é um grande feito. Você não está desmaiando mais, não é?
— Eu pensei que um Patrono... transformasse os dementadores em alguma coisa — disse Harry desanimado — Fizesse-os desaparecer...
— O verdadeiro Patrono de fato faz isso. Mas você já conseguiu muito em pouquíssimo tempo. Se os dementadores aparecerem na sua próxima partida de Quadribol, você poderá mantê-los à distância em tempo suficiente para voltar ao chão.
— O senhor disse que é mais difícil quando há um monte deles.
— Tenho total confiança em você — respondeu Lupin sorrindo — Tome... você mereceu uma bebida, uma coisa do Três Vassouras. Você não deve ter provado antes...
O professor tirou duas garrafinhas da maleta.
— Cerveja amanteigada! — exclamou Harry sem pensar — Ah, eu gosto disso!
Lupin ergueu uma sobrancelha.
— Ah... Rony e Hermione trouxeram para mim de Hogsmeade — mentiu Harry depressa.
— Entendo — disse Lupin, embora continuasse a parecer ligeiramente desconfiado — Bem... vamos brindar à vitória de Grifinória sobre Corvinal! Não que, como professor, eu deva tomar partido... — acrescentou ele depressa.
Os dois beberam a cerveja amanteigada em silêncio, até que Harry disse uma coisa que o estava deixando intrigado havia algum tempo.
— Que é que tem por baixo do capuz do dementador?
O professor baixou a garrafinha pensativo.
— Hummm... bem, as únicas pessoas que realmente sabem não estão em condições de nos responder. Veja, o dementador tira o capuz somente para usar sua última arma, a pior.
— Que é qual?
— O Beijo do Dementador — disse Lupin com um sorriso enviesado — É o que dão naqueles que eles querem destruir completamente. Suponho que devam ter algum tipo de boca sob o capuz, porque ferram as mandíbulas na boca da vítima... e sugam sua alma.
Harry, sem querer, cuspiu um pouco de cerveja amanteigada.
— Quê... eles matam...?
— Ah, não — disse Lupin — Fazem muito pior. A pessoa pode viver sem alma, sabe, desde que o cérebro e o coração continuem trabalhando. Mas perde a consciência do eu, a memória... tudo. Não tem chance alguma de se recuperar. Apenas... existe. Como uma concha vazia. E a alma fica para sempre... perdida.
Lupin bebeu mais um pouco da cerveja, depois continuou:
— É o destino que espera Sirius Black. Li no Profeta Diário hoje de manhã, o Ministro deu aos dementadores permissão para fazerem isso se o encontrarem.
Harry ficou confuso por um instante com a ideia de alguém ter a alma sugada pela boca. Mas depois pensou em Black.
— Ele merece — disse de repente.
— Você acha? — perguntou Lupin sem pensar muito — Você acha mesmo que alguém merece isso?
— Acho — disse Harry resistindo — Por... causa de umas coisas...
Ele gostaria de ter contado a Lupin a conversa que ouvira no Três Vassouras a respeito de Black ter traído seus pais, mas isto teria implicado em revelar que fora a Hogsmeade sem autorização, e ele sabia que o professor não ia gostar nem um pouco disso. Então, terminou a cerveja amanteigada, agradeceu a Lupin e deixou a sala de História da Magia.
Harry gostaria de não ter perguntado o que havia por baixo do capuz de um dementador, a resposta fora horrível, e ele ficou tão perdido em considerações sobre o que seria ter a alma sugada que deu um encontrão na Profª. McGonagall no meio da escada.
— Preste atenção por onde anda, Potter!
— Desculpe, professora...
— Estive agorinha mesmo procurando você na Sala Comunal da Grifinória. Bem, tome aqui, fizemos tudo que pudemos imaginar, e parece que não há nada errado com a vassoura. Você tem um ótimo amigo em algum lugar, Potter...
O queixo de Harry caiu. A professora estava lhe devolvendo a Firebolt, cujo aspecto continuava magnífico como sempre fora.
— Posso ficar com ela? — perguntou Harry com a voz fraca — Sério?
— Sério — disse a professora sorrindo — Acho que você vai precisar pegar o jeito dela antes da partida de Sábado, não? E Potter... faça força para ganhar, sim? Ou vamos ficar fora do campeonato pelo oitavo ano seguido, como o Prof. Snape teve a bondade de me lembrar ainda ontem à noite...
Sem fala, Harry carregou a Firebolt escada acima para a Torre da Grifinória. Quando dobrou um canto, viu Rony, que corria ao seu encontro, rindo de orelha a orelha.
— Ela devolveu? Que maravilha! Escuta, posso dar aquela voltinha? Amanhã?
— Claro... qualquer coisa... — disse Harry seu coração mais leve do que estivera naquele último mês — Quer saber de uma coisa... devíamos fazer as pazes com a Mione... ela só estava querendo ajudar...
— Tudo bem — concordou Rony — Ela está na Sala Comunal agora, estudando, para variar...
Quando entraram no corredor para a Torre da Grifinória, viram Neville Longbottom insistindo com Sir Cadogan, que aparentemente se recusava a deixá-lo entrar.
— Eu anotei! — dizia Neville com voz de choro — Mas devo ter deixado cair em algum lugar!
— Vou mesmo acreditar! — bradou Sir Cadogan. Depois, avistando Harry e Rony — Boa noite, meus valentes soldados! Venham meter este louco a ferros. Ele está tentando entrar à força nas câmaras interiores!
— Ah, cala a boca — exclamou Rony quando ele e Harry emparelharam com Neville.
— Perdi a senha! — contou o garoto, infeliz — Fiz Sir Cadogan me dizer quais eram as senhas que ia usar esta semana, porque ele não para de mudar e agora não sei o que fiz com elas!
Odsbôdiquins — disse Harry a Sir Cadogan, que ficou desapontadíssimo e, com relutância, girou o quadro para a frente para deixá-los entrar na Sala Comunal.
Houve um súbito murmúrio de excitação em que todas as cabeças se viraram e, no momento seguinte Harry foi cercado pelos colegas que exclamavam, assombrados com a Firebolt.
— Onde foi que você arranjou essa vassoura, Harry?
— Deixa eu dar uma voltinha?
— Você já andou nela, Harry?
— Corvinal não vai ter a menor chance, o pessoal lá usa Cleansweep Sevens!
— Me deixa só segurá-la um pouquinho, Harry?
Passados uns dez minutos mais ou menos, durante os quais a Firebolt passou de mão em mão, e foi admirada de todos os ângulos, a garotada se dispersou e Harry e Rony puderam ver Hermione direito, a única pessoa que não tinha corrido ao encontro dos garotos, curvada sobre seu trabalho, evitando encontrar o olhar deles.
Harry e Rony se aproximaram da mesa e finalmente Hermione ergueu a cabeça.
— Me devolveram a vassoura — disse Harry, sorrindo para a amiga e erguendo a Firebolt no ar.
— Está vendo, Mione? Não havia nada errado com ela — disse Rony.
— Bem... mas podia ter havido! Quero dizer, pelo menos agora você sabe que ela é segura!
— É, suponho que sim — disse Harry — É melhor eu ir guardá-la lá em cima...
— Eu levo! — disse Rony ansioso — Tenho que dar o tônico a Perebas.
Rony apanhou a vassoura e, segurando-a como se fosse de vidro, levou-a escada acima para o dormitório dos meninos.
— Posso me sentar, então? — perguntou Harry a Hermione.
— Suponho que sim — disse a garota, tirando uma grande pilha de pergaminhos de uma cadeira.
Harry deu uma olhada na mesa atravancada, no longo trabalho de Aritmancia em que a tinta ainda estava molhada, no trabalho ainda mais longo de Estudos dos Trouxas (“Explique por que os trouxas precisam de eletricidade”) e na tradução de runas em que Hermione trabalhava agora.
— Como é que você está conseguindo dar conta de tudo isso? — perguntou o garoto.
— Ah, bem... você sabe, trabalhando à beça.
De perto, Harry viu que ela parecia quase tão cansada quanto Lupin.
— Por que você não tranca algumas matérias? — perguntou o garoto, observando-a erguer os livros para procurar o dicionário de runas.
— Eu não poderia fazer isso! — respondeu Hermione, escandalizada.
— Aritmancia parece horrível — comentou Harry, apanhando uma complicada tabela numérica.
— Ah, não, é maravilhosa! — respondeu Hermione séria — É a minha matéria favorita! É...
Mas exatamente o que era maravilhoso na Aritmancia, Harry jamais chegou a saber. Naquele exato momento, um grito estrangulado ecoou pela escada do dormitório dos meninos. Todos na sala se calaram e olharam petrificados para a subida. Então ouviram os passos apressados de Rony, cada vez mais fortes... e em seguida ele apareceu, arrastando um lençol.
— OLHA! — berrou ele, se dirigindo à mesa de Hermione — OLHA! — berrou de novo, sacudindo o lençol na cara da garota.
— Rony, que...?
— PEREBAS! OLHE! PEREBAS!
Hermione procurava afastar o corpo, com uma expressão de total perplexidade. Harry olhou para o lençol que Rony segurava. Havia alguma coisa vermelha nele. Alguma coisa que se parecia horrivelmente com...
— SANGUE! — bradou Rony no silêncio de atordoamento que invadiu a sala — ELE DESAPARECEU! E SABE O QUE TINHA NO CHÃO?
— N-Não — respondeu Hermione com a voz trêmula.
Rony atirou uma coisa em cima da tradução de runas de Hermione. Ela e Harry se curvaram para ver. Em cima das estranhas formas pontiagudas havia vários pêlos de felino, compridos e amarelo-avermelhados.









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