— CAPÍTULO DEZESSEIS —
No Alçapão
NO FUTURO, HARRY NUNCA
conseguiria lembrar muito bem como conseguiu prestar seus exames enquanto
esperava Voldemort irromper a qualquer instante pela porta. Contudo, os dias
foram se passando lentamente e não havia dúvidas de que Fofo continuava vivo e
bem seguro atrás da porta trancada.
Fazia
um calor de rachar, principalmente na sala das provas escritas. Os alunos
tinham recebido penas novas e especiais para fazê-las, previamente encantadas
com um feitiço anti-cola.
Houve
exames práticos também. O Prof. Flitwick os chamou à sala de aula, um a um,
para verificar se conseguiam fazer um abacaxi sapatear na mesa. A Profª.
McGonagall observou-os transformarem um camundongo em uma caixa de rapé e
conferiu pontos pela beleza da caixa, e os descontou quando a caixa tinha
bigodes. Snape deixou-os nervosos, bafejando em seu pescoço enquanto tentavam
se lembrar como fazer a Poção do Esquecimento.
Harry
fez o melhor que pôde, tentando ignorar as dores lancinantes que sentia na
testa e que o incomodavam desde a ida a Floresta. Neville achou que Harry
estava com uma crise de nervos provocada pelos exames, porque Harry não conseguia
dormir, mas a verdade é que seu antigo pesadelo o mantinha acordado, só que
agora estava pior que nunca, pois havia nele uma figura encapuzada que pingava
sangue.
Talvez
fosse porque eles não tinham visto o que Harry vira na Floresta, ou porque não
tinham cicatrizes que queimavam na testa, mas Rony e Hermione não pareciam tão
preocupados com a Pedra quanto Harry. A lembrança de Voldemort sem dúvida os
apavorava, mas não os visitava em sonhos, e estavam tão ocupados com as
revisões que não tinham muito tempo para pensar no que Snape ou qualquer outro
podia estar aprontando.
O
último exame foi de História da Magia. Uma hora respondendo a perguntas sobre
velhos bruxos gagás que inventaram caldeirões auto-mexíveis e estariam livres,
livres por uma semana maravilhosa até saberem os resultados dos exames. Quando
o fantasma do Prof. Binns mandou-os descansar as penas e enrolar os
pergaminhos, Harry não pôde deixar de dar vivas com os colegas.
— Foi
muito mais fácil do que pensei — comentou Hermione, quando eles se reuniram aos
numerosos alunos que saíam para os jardins ensolarados — Eu nem precisava ter
aprendido o Código de Conduta do Lobisomem de 1637 nem a Revolta de Elfric, o
Ambicioso.
Hermione
sempre gostava de repassar as provas depois, mas Rony disse que isso o fazia se
sentir mal. Assim, caminharam até o lago e se sentaram à sombra de uma árvore.
Os gêmeos Weasley e Lino Jordan faziam cócegas nos tentáculos de uma lula
gigante, que tomava sol na água mais rasa.
—
Acabaram-se as revisões — suspirou Rony, contente, esticando-se na grama — Você
podia fazer uma cara mais alegre, Harry, temos uma semana inteira até descobrir
se nos demos mal, não precisa se preocupar agora.
Harry
esfregava a testa.
— Eu
gostaria de saber o que significa isso! — explodiu aborrecido — Minha cicatriz
não para de doer, já senti isso antes, mas nunca com tanta freqüência.
—
Procure Madame Pomfrey — sugeriu Hermione.
— Eu
não estou doente — respondeu Harry — Acho que é um aviso... significa que o
perigo está se aproximando...
Rony
não conseguiu se preocupar, estava quente demais.
—
Harry, relaxe. Hermione tem razão, a Pedra está segura enquanto Dumbledore
estiver por aqui. Em todo o caso, nunca encontramos nenhuma prova de que Snape
tenha descoberto como passar por Fofo. Ele quase teve a perna arrancada uma
vez, não vai tentar outra tão cedo. E Neville vai jogar Quadribol na equipe da
Inglaterra antes que Hagrid traia Dumbledore.
Harry
concordou, mas não conseguiu se livrar da sensação que o atormentava de que
esquecera de fazer alguma coisa, algo importante. Quando tentou explicar o que
sentia, Hermione disse:
—
Isso são os exames. Acordei a noite passada e já tinha lido metade dos meus
apontamentos sobre Transfiguração quando me lembrei que já tínhamos feito a
prova.
Harry
tinha certeza de que a sensação de inquietude não tinha nada a ver com os
estudos. Acompanhou com os olhos uma coruja planar pelo céu azul em direção à
escola, uma carta no bico. Hagrid era o único que lhe mandava cartas. Hagrid
jamais trairia Dumbledore. Hagrid jamais contaria a ninguém como passar por
Fofo... jamais... mas...
Harry
pôs-se de pé de um salto.
—
Onde é que você está indo? — perguntou Rony sonolento.
—
Acabei de me lembrar de uma coisa — estava branco — Temos que ver Hagrid agora.
— Por
quê? — ofegou Hermione, correndo para alcançá-lo.
—
Vocês não acham um pouco estranho — disse Harry, subindo, às carreiras, a
encosta gramada — Que o que Hagrid mais quer na vida é um dragão, e aparece um
estranho que por acaso tem ovos de dragão no bolso, quando isso é contra as
leis dos bruxos? Que sorte encontrar Hagrid, não acham? Por que não percebi
isto antes?
— Do
que é que você está falando? — perguntou Rony, mas Harry correndo pelos jardins
em direção à floresta, não respondeu.
Hagrid
estava sentado em um cadeirão na frente da casa: tinha as pernas das calças e
as mangas enroladas e descascava ervilhas em uma grande tigela.
— Olá
— disse, sorrindo — Terminaram os exames? Têm tempo para um refresco?
—
Temos, obrigado — disse Rony, mas Harry o interrompeu.
— Não,
estamos com pressa, Hagrid, preciso lhe perguntar uma coisa. Sabe aquela noite
que você ganhou o Norberto? Que cara tinha o estranho com quem você jogou
cartas?
— Não
lembro — respondeu Hagrid com displicência — Ele não quis tirar a capa...
Viu
os três fazerem cara de espanto e ergueu as sobrancelhas.
— Não
é nada de mais, tem muita gente esquisita no Cabeça de Javali, o pub do
povoado. Podia ser um vendedor de dragões, não podia? Nunca vi a cara dele, ele
não tirou o capuz.
Harry
se abaixou ao lado da tigela de ervilhas.
— O
que foi que você conversou com ele, Hagrid? Chegou a mencionar Hogwarts?
—
Talvez — disse Hagrid, franzindo a testa, tentando se lembrar — É... ele me
perguntou o que eu fazia e eu respondi que era guarda-caça aqui... depois
perguntou de que tipo de bichos eu cuidava... então eu disse... e disse também
que o que sempre quis ter foi um dragão... então... não me lembro muito bem...
porque ele não parava de pagar bebidas para mim... deixa eu ver.. ah, sim,
então ele disse que tinha um ovo de dragão, e que podíamos disputá-lo num jogo
de cartas se eu quisesse... mas precisava ter certeza de que eu podia cuidar do
bicho, não queria que ele fosse parar num asilo de velhos... então respondi que
depois do Fofo, um dragão seria moleza...
— E
ele pareceu interessado no Fofo? — perguntou Harry, tentando manter a voz
calma.
—
Bom... pareceu... quantos cachorros de três cabeças a pessoa encontra por ai,
mesmo em Hogwarts? Então contei a ele que Fofo é uma doçura se a pessoa sabe
como acalmá-lo, é só tocar um pouco de música e ele cai no sono...
Hagrid,
de repente, fez cara de horrorizado.
— Eu
não devia ter-lhe dito isto! — exclamou — Esqueçam que eu disse isto! Ei, aonde
é que vocês vão?
Harry,
Rony e Hermione não se falaram até parar no Saguão de Entrada, que parecia
muito frio e sombrio depois da caminhada pelos jardins.
—
Temos de procurar Dumbledore — falou Harry — Hagrid contou àquele estranho como
passar por Fofo e quem estava debaixo daquela capa era ou o Snape ou o
Voldemort, deve ter sido fácil, depois que embebedou Hagrid. Só espero que
Dumbledore acredite na gente. Firenze talvez confirme, se Agouro não o impedir.
Onde é a sala de Dumbledore?
Eles
olharam a toda volta, na esperança de ver uma placa apontando a direção certa.
Nunca alguém lhes havia dito onde trabalhava Dumbledore, tampouco conheciam
alguém que tivesse sido mandado à sala dele.
—
Acho que teremos de... — começou Harry, mas inesperadamente ouviram uma voz do
outro lado do Saguão.
— Que
é que vocês estão fazendo aqui dentro?
Era a
Profª. Minerva McGonagall, carregando uma pilha de livros.
—
Queremos ver o Prof. Dumbledore — disse Hermione enchendo-se de coragem,
pensaram Harry e Rony.
— Ver
o Prof. Dumbledore? — a Profª. McGonagall repetiu, como se isso fosse uma coisa
muito suspeita para alguém querer fazer — Por quê?
Harry
engoliu em seco. “E agora?”
— É
uma espécie de segredo — disse, mas desejou na mesma hora que não tivesse dito,
porque as narinas da Profª. McGonagall se alargaram.
— O
Prof. Dumbledore saiu faz dez minutos — informou ela secamente — Recebeu uma
coruja urgente do Ministro da Magia e partiu em seguida para Londres.
— Ele
saiu? — exclamou Harry frenético — Agora?
— O
Prof. Dumbledore é um grande mago, Potter, o tempo dele é muito solicitado.
— Mas
é importante.
—
Alguma coisa que você tenha a dizer é mais importante do que o Ministro da
Magia, Potter?
—
Olhe — disse Harry, mandando a cautela às favas — Professora... é sobre a Pedra
Filosofal...
Seja
o que for que a Profª. McGonagall esperava, certamente não era isso. Os livros
que levava despencaram dos seus braços, mas ela não os apanhou.
—
Como é que vocês sabem? — deixou escapar.
—
Professora, acho... que Sn... que alguém vai tentar roubar a Pedra. Preciso
falar com o Prof. Dumbledore.
Ela o
olhou com uma mescla de choque e desconfiança.
— O
Prof. Dumbledore volta amanhã — disse finalmente — Não sei como descobriu sobre
a Pedra, mas fique tranqüilo, não é possível ninguém roubá-la, está muitíssimo
bem protegida.
—
Mas, professora...
—
Potter, sei do que estou falando — curvou-se e recolheu os livros caídos —
Sugiro que vocês voltem para fora e aproveitem o sol.
Mas
eles não voltaram.
— É
hoje à noite — disse Harry, quando teve certeza de que a Profª. McGonagall não
podia mais ouvi-los — Snape vai entrar no alçapão hoje à noite. Ele já
descobriu tudo o que precisa e agora tirou Dumbledore do caminho. Foi ele quem
mandou aquela carta, aposto que o Ministro da Magia vai levar um choque quando
Dumbledore aparecer.
— Mas
o que é que podemos...
Hermione
perdeu a fala.
Harry
e Rony se viraram, Snape estava parado ali.
— Boa
tarde — disse com suavidade.
Eles
o encararam.
—
Vocês não deviam estar dentro do castelo num dia como este — falou com um
sorriso estranho e torto.
—
Estávamos... — começou Harry, sem fazer idéia do que ia dizer.
—
Vocês precisam ter mais cuidado. Andando por aqui assim, as pessoas vão pensar
que estão armando alguma coisa. E Grifinória realmente não pode se dar ao luxo
de perder mais nenhum ponto, não é mesmo?
Harry
corou. Viraram-se para sair, mas Snape os chamou de volta.
— E
fique avisado, Potter, se ficar perambulando outra vez à noite, vou
providenciar pessoalmente para que seja expulso. Bom dia para vocês.
E
saiu em direção à Sala dos Professores.
Lá
fora, nos degraus de pedra, Harry virou-se para os outros.
—
Certo isto é o que vamos fazer — cochichou com urgência — Um de nós tem que
ficar de olho no Snape, esperar do lado de fora da Sala dos Professores e
segui-lo se ele sair. Hermione é melhor você fazer isso.
— Por
que eu?
— É
óbvio — disse Rony — Você pode fingir que está esperando pelo Prof. Flitwick,
sabe, como é, — e fazendo voz de falsete — “Ah, Prof. Flitwick. Estou tão
preocupada, acho que errei a questão catorze b...”
— Ah,
cala a boca — disse Hermione, mas concordou em vigiar Snape.
— E é
melhor ficarmos no corredor do terceiro andar — disse Harry a Rony — Vamos.
Mas
aquela parte do plano não funcionou. Assim que chegaram a porta que separava
Fofo do resto da escola, a Profª. McGonagall apareceu de novo, e desta vez
perdeu as estribeiras.
—
Suponho que você ache que é mais difícil alguém passar por você do que por um
pacote de feitiços! — esbravejou — Chega de bobagens! E se eu souber que você
voltou aqui outra vez, vou descontar mais cinqüenta pontos da Grifinória! É,
Weasley, da minha própria Casa!
Harry,
e Rony voltaram à Sala Comunal. Harry acabara de dizer “pelo menos Hermione
está na cola de Snape”, quando o retrato da Mulher Gorda se abriu e Hermione
entrou.
—
Sinto muito, Harry — lamentou-se — Snape saiu e me perguntou o que eu estava
fazendo, então disse que estava esperando Flitwick, e Snape foi buscá-lo, e me
mandei, não sei aonde ele foi.
—
Bom, então acabou-se, não é? — disse Harry.
Os
outros dois olharam para ele. Estava pálido e seus olhos brilhavam.
— Vou
sair daqui hoje à noite e vou tentar apanhar a Pedra primeiro.
—
Você ficou maluco! — exclamou Rony.
—
Você não pode! — disse Hermione — Depois do que a Profª. McGonagall e Snape
disseram? Vai ser expulso!
— E
DAÍ? — gritou Harry — Vocês não percebem? Se Snape apanhar a Pedra, Voldemort
vai voltar! Vocês não ouviram contar como era quando ele estava tentando
conquistar o poder? Não vai haver Hogwarts para nos expulsar! Ele vai arrasar
Hogwarts, ou vai transformá-la numa escola de magia negra! Perder pontos não
importa mais, vocês não entendem? Acham que ele vai deixar vocês e suas
famílias em paz, e Grifinória ganhar o Campeonato das Casas? Se eu for pego
antes de conseguir a Pedra, bem, vou ter que voltar para os Dursley e esperar
Voldemort me encontrar lá. É só uma questão de morrer um pouquinho depois do
que teria morrido, porque eu nunca vou me aliar aos partidários da magia negra!
Vou entrar naquele alçapão hoje à noite e nada que vocês dois disserem vai me
impedir! Voldemort matou meus pais, estão lembrados?
E
olhou zangado para eles.
—
Você tem razão, Harry — disse Hermione com uma vozinha fraca.
— Vou
usar a Capa da Invisibilidade, foi uma sorte tê-la recuperado.
— Mas
ela dá para esconder nós três? — perguntou Rony.
—
Nós... nós três?
— Ah,
corta essa, você não acha que vamos deixar você ir sozinho?
—
Claro que não — disse Hermione com energia — Como acha que vai chegar à Pedra
sem nós? É melhor eu dar uma olhada nos meus livros, talvez encontre alguma
coisa útil.
— Mas
se formos pegos, vocês dois vão ser expulsos também.
— Não
se eu puder evitar — disse Hermione séria — Flitwick me disse em segredo que
tirei cento e vinte por cento no exame. Não vão me expulsar depois disso.
Depois
do jantar os três se sentaram, nervosos, a um canto do Salão Comunal. Ninguém
os incomodou, afinal nenhum aluno da Grifinória tinha mais nada a dizer a
Harry. Esta era a primeira noite que isto não o incomodava. Hermione folheava
seus apontamentos, esperando encontrar um dos feitiços que queriam anular.
Harry e Rony não falavam muito. Pensavam no que estavam prestes a fazer. A sala
foi-se esvaziando, à medida que as pessoas iam se deitar.
— É
melhor apanhar a capa — murmurou Rony, quando Lino Jordan finalmente saiu, se
espreguiçando e bocejando.
Harry
correu até o dormitório às escuras. Puxou a capa e então seus olhos bateram na
flauta que Hagrid lhe dera no Natal. Meteu-a no bolso para usá-la em Fofo, não
se sentia muito animado a cantar. E correu de volta ao Salão Comunal.
— É
melhor vestirmos a capa aqui para ter certeza de que cobre nós três, se Filch
vir os pés da gente andando sozinhos.
— O
que é que vocês estão fazendo? — perguntou uma voz a um canto da sala.
Neville
saiu de trás de uma poltrona, agarrando Trevo, o sapo, que parecia ter feito
uma nova tentativa para ganhar a liberdade.
— Nada,
Neville, nada — respondeu Harry, escondendo depressa a Capa às costas.
Neville
olhou bem para aquelas caras cheias de culpa.
—
Vocês vão sair outra vez.
—
Não, não, não — disse Hermione — Não vamos, não. Por que você não vai se
deitar, Neville?
Harry
olhou para o relógio de parede junto à porta. Não podiam se dar ao luxo de
perder mais tempo, Snape talvez estivesse naquele instante mesmo tocando para
adormecer Fofo.
—
Vocês não podem sair — disse Neville — Vocês vão ser pegos outra vez.
Grifinória vai ficar ainda mais enrolada.
—
Você não compreende — disse Harry — Isto é importante.
Mas
Neville estava claramente tomando coragem para fazer alguma coisa desesperada.
— Não
vou deixar vocês irem — disse, correndo a se postar diante do buraco do retrato
— Eu... eu vou brigar com vocês.
—
Neville — explodiu Rony — Se afaste desse buraco e não banque o idiota...
— Não
me chame de idiota! Acho que você não devia estar desrespeitando mais
regulamentos! E foi você quem me disse para enfrentar as pessoas!
—
Foi, mas não nós — respondeu Rony exasperado — Neville, você não sabe o que
está fazendo.
Ele
deu um passo à frente e Neville largou Trevo, o sapo, que desapareceu de vista.
—
Vem, então, tenta me bater! — disse Neville, erguendo os punhos — Estou
esperando!
Harry
voltou-se para Hermione.
— Faz
alguma coisa — pediu desesperado.
Hermione
se adiantou.
—
Neville — disse ela — Eu realmente lamento muito.
Ela
ergueu a varinha.
— Petrificus Totalus! — falou, apontando
para Neville.
Os
braços de Neville grudaram dos lados do corpo. As pernas se juntaram. Com o
corpo inteiro rígido, ele balançou no mesmo lugar e, em seguida, caiu de cara
no chão, duro como uma pedra. Hermione correu para desvirá-lo. Os maxilares de
Neville estavam trancados de modo que ele não podia falar. Somente os olhos se
moviam, mirando-os aterrorizados.
— O
que foi que você fez com ele? — sussurrou Harry.
— O
Feitiço do Corpo Preso — respondeu Hermione infeliz — Ah, Neville, me desculpe.
—
Tivemos de fazer isso, Neville, não temos tempo para explicar — disse Harry.
—
Você vai entender mais tarde — disse Rony, enquanto passavam por cima dele e se
envolviam na Capa da Invisibilidade.
Mas
deixar Neville deitado imóvel no chão não parecia um bom presságio.
No
estado de nervosismo em que estavam, cada sombra de estátua lembrava Filch,
cada sopro distante do vento parecia o Pirraça assombrando-os. Ao pé do
primeiro lance de escada, encontraram Madame Nor-r-ra, esquivando-se sorrateira
quase no alto.
— Ah,
vamos dar um pontapé nela, só desta vez — cochichou Rony no ouvido de Harry,
mas Harry balançou a cabeça. Enquanto subiam cautelosamente contornando a gata,
Madame Nor-r-ra virou os olhos de lanterna para eles, mas não fez nada.
Não
encontraram mais ninguém até chegarem à escada para o terceiro andar. O Pirraça
se balançava a meio caminho, soltando a passadeira para as pessoas tropeçarem.
—
Quem está aí? — perguntou de repente quando se aproximaram. E apertou os olhos
negros e malvados — Sei que está aí, mesmo que não consiga vê-lo. Você é um
vampiro, um fantasma ou um estudante nojento?
E
ergueu-se no ar e flutuou, tentando ver alguém.
— Eu
devia chamar o Filch, eu devia, se alguma coisa está andando por aí invisível.
Harry
teve uma idéia repentina.
—
Pirraça — disse num sussurro rouco — O Barão Sangrento tem suas razões para
andar invisível.
Pirraça
quase caiu, em choque. Recuperou-se a tempo e saiu planando a trinta
centímetros dos degraus.
—
Desculpe, Sua Sanguinidade, Sr. Barão, Cavalheiro — disse untuoso — Falha
minha, falha minha, não o vi, claro que não, o senhor está invisível. Perdoe o
velho Pirraça essa piadinha, cavalheiro.
—
Tenho negócios a tratar aqui, Pirraça — cochichou Harry — Fique longe deste
lugar hoje à noite.
— Vou
ficar, cavalheiro, pode ter certeza de que vou ficar — prometeu o Pirraça, erguendo-se
no ar outra vez — Espero que os seus negócios corram bem, Barão, não vou
perturbá-lo.
E,
partiu ligeirinho.
—
Genial Harry! — cochichou Rony.
Alguns
segundos depois estavam lá, no corredor do terceiro andar e a porta já fora
aberta.
—
Bom, aqui estamos — disse Harry baixinho — Snape já passou por Fofo.
A
visão da porta aberta por alguma razão parecia causar neles a impressão do que
os aguardava. Debaixo da Capa, Harry se virou para os outros dois.
— Se
vocês quiserem voltar, não vou culpá-los. Podem levar a Capa, não vou precisar
dela agora.
— Não
seja burro — respondeu Rony.
—
Vamos com você — disse Hermione.
Harry
empurrou a porta.
Quando
a porta rangeu baixinho, chegaram aos seus ouvidos rosnados surdos. Os três
focinhos do cachorro farejaram furiosamente em sua direção ainda que o bicho
não pudesse vê-los.
— O
que é isso nos pés dele? — sussurrou Hermione.
—
Parece uma harpa — respondeu Rony — Snape deve tê-la deixado ai.
— Ele
acorda no momento que se deixa de tocar — disse Harry —Bom, aqui vai...
Levou
a flauta de Hagrid aos lábios e soprou. Não era realmente uma música, mas as
primeiras notas os olhos da fera começaram a se fechar. Harry nem chegou a
tomar fôlego. Lentamente, os rosnados do cachorro cessaram, ele balançou nas
patas e caiu de joelhos, depois se estirou no chão, completamente adormecido.
—
Continue tocando — Rony preveniu a Harry enquanto saiam de baixo da Capa e
deslizavam para o alçapão.
Sentiram
o bafo quente e fedorento do cachorro ao se aproximarem de suas cabeçorras.
— Acho
que vamos conseguir abrir a porta — disse Rony, espiando por cima do dorso do
cachorro — Quer entrar primeiro, Hermione?
—
Não, eu não!
—
Tudo bem — Rony cerrou os dentes e passou com cautela pelas pernas do cachorro.
E
abaixando-se puxou o anel do alçapão, que se abriu.
— O
que é que você está vendo? — perguntou Hermione, ansiosa.
—
Nada... só escuridão... não tem como descer, teremos que nos jogar.
Harry,
que continuava a tocar a flauta, fez sinal para atrair a atenção de Rony e
apontou para si mesmo.
—
Você quer ir primeiro? Tem certeza? — disse Rony — Não sei qual é a
profundidade dessa coisa. Dá a flauta para Hermione manter Fofo adormecido.
Harry
passou a flauta a ela. Naqueles minutinhos de silêncio, o cachorro rosnou e se
mexeu, mas no instante que Hermione começou a tocar, ele tornou a cair em sono
profundo. Harry passou por cima de Fofo e espiou pelo alçapão. Não viu nem
sinal de fundo. Baixou o corpo pelo buraco até ficar pendurado pelas pontas dos
dedos.
Então
olhou para Rony no alto e disse:
— Se
alguma coisa acontecer comigo, não me siga. Vá direto ao Corujal e mande
Edwiges ao Dumbledore, certo?
—
Certo.
—
Vejo você daqui a pouco, espero...
E
Harry soltou os dedos. Um vento frio e úmido passou rápido por ele, que foi
caindo, caindo, caindo e...
PAM.
Com
um baque engraçado e surdo ele bateu em alguma coisa macia. Sentou-se e apalpou
à volta, os olhos desacostumados à escuridão. Parecia que estava sentado em uma
espécie de planta.
—
Tudo bem! — gritou para a claridade do tamanho de um selo lá no alto, que era o
alçapão aberto — A queda é macia pode pular!
Rony
seguiu-o imediatamente. Caiu esparramado ao lado de Harry.
— O
que é isso? — foram suas primeiras palavras.
— Sei
lá, uma espécie de planta. Suponho que esteja aqui para amortecer a queda. Venha,
Hermione!
A
música distante parou. Ouviu-se um latido alto do cachorro, mas Hermione já
pulara. Ela caiu do outro lado de Harry.
—
Devemos estar a quilômetros abaixo da escola — comentou.
— É
realmente uma sorte que esta planta esteja aqui — disse Rony.
—
Sorte! — gritou Hermione — Olhem só para vocês dois.
Ela
se levantou de um salto e lutou para chegar à parede úmida. Teve de lutar
porque, no momento em que chegou ao fundo, a planta começou a se enroscar como
as gavinhas de uma trepadeira em volta dos seus tornozelos.
Quanto
a Harry e Rony, suas pernas já tinham sido bem atadas por longos galhos sem que
eles notassem.
Hermione
conseguira se desvencilhar antes que a planta a agarrasse para valer. Agora
observava horrorizada os dois meninos lutarem para se livrar da planta, mas
quanto mais se esforçavam, mais depressa e mais firme a planta se enrolava
neles.
—
Parem de se mexer! — mandou Hermione — Sei o que é isso. É visgo do diabo!
— Ah
fico tão contente que você saiba como se chama, é uma grande ajuda — resmungou
Rony, tentando impedir que a planta se enroscasse em seu pescoço.
—
Cala a boca, estou tentando me lembrar como matá-la! — disse Hermione.
—
Bom, anda logo, não consigo respirar! — ofegava Harry, lutando com a planta que
se enroscava em torno de seu peito.
—
Visgo do diabo, visgo do diabo... o que foi que a Profª. Sprout disse? Gosta da
umidade e da escuridão...
—
Então acenda um fogo! — engasgou-se Harry.
—
É... é claro... mas não tem madeira... — lamentou-se Hermione, torcendo as mãos.
— VOCÊ
ENLOUQUECEU? — berrou Rony — VOCÊ É UMA BRUXA OU NÃO É?
— Ah,
certo! — disse Hermione e, puxando a varinha, sacudiu-a, murmurou alguma coisa
e despachou um jato daquelas chamas azuis que usara em Snape contra as plantas.
Em
questão de segundos, os dois meninos sentiram a planta afrouxar e se encolher
para longe da luz e do calor. Torcendo-se, ela se desenrolou dos corpos dos
meninos, que puderam se levantar.
— Que
sorte que você presta atenção às aulas de Herbologia, Hermione — disse Harry,
quando se juntou a ela ao pé da parede, enxugando o suor do rosto.
— É —
comentou Rony — E que sorte que Hermione não perde a cabeça numa crise, “não tem madeira”, francamente.
— Por
ali — disse Harry, apontando um corredor de pedra que era o único caminho que
havia.
Só o
que podiam ouvir além de seus passos eram os pingos abafados da água que
escorria pela parede. O corredor começou a descer e Harry se lembrou de
Gringotes. Com um sobressalto, lembrou-se dos dragões que, segundo diziam,
guardavam os cofres-fortes no banco dos bruxos. Se topassem com um dragão, um
dragão adulto... Norberto já fora bastante ruim.
—
Você está ouvindo alguma coisa? — Rony cochichou.
Harry
apurou os ouvidos. Um farfalhar acompanhado de ruído metálico parecia vir de um
ponto mais adiante.
— Você
acha que é um fantasma?
— Não
sei... para mim parecem asas.
— Há
luz à frente, estou vendo alguma coisa se mexendo.
Chegaram
ao fim do corredor e depararam com uma câmara muito iluminada, o teto abobadado
no alto. Era cheia de passarinhos, brilhantes como jóias, que esvoaçavam e
colidiam pelo aposento. Do lado oposto da câmara havia uma pesada porta de
madeira.
—
Você acha que nos atacarão se atravessarmos a câmara? — perguntou Rony.
—
Provavelmente — respondeu Harry — Eles não parecem muito bravos, mas suponho
que se todos mergulhassem ao mesmo tempo... bom, não tem remédio... vou correr.
Tomou
fôlego, cobriu o rosto com os braços e atravessou a câmara correndo. Esperava
sentir bicos afiados e garras atacando-o a qualquer minuto, mas nada aconteceu.
Alcançou a porta incólume. Baixou a maçaneta, mas a porta estava trancada.
Os
outros dois o seguiram. Fizeram força para abrir a porta, mas ela nem sequer se
moveu, nem mesmo quando Hermione experimentou o seu feitiço Alorromora.
— E
agora? — perguntou Rony.
—
Esses pássaros... não podem estar aqui só para enfeitar — disse Hermione.
Eles
observaram os pássaros voando no alto, brilhando. Brilhando?
—
Eles não são pássaros! — Harry exclamou de repente — São chaves! Chaves aladas,
olhe com atenção. Então isso deve querer dizer... — e olhou à volta da câmara
enquanto os outros dois apertavam os olhos para enxergar o bando de chaves no
alto — Olhe! Vassouras! Temos que apanhar a chave da porta.
Mas
eram centenas!
Rony
examinou a fechadura.
—
Estamos procurando uma chave bem grande e antiga, provavelmente de prata, como
a maçaneta.
Cada
um apanhou uma vassoura e deu impulso no ar, mirando o meio da nuvem de chaves.
Tentaram agarrá-las, mas as chaves encantadas fugiam e mergulhavam tão rápido
que era quase impossível apanhar uma. Mas não era à toa que Harry era o mais
jovem apanhador do século. Tinha um jeito para localizar coisas que os outros
não tinham. Depois de um minuto trançando pelo redemoinho de pernas, ele notou
uma chave grande de prata que tinha uma asa dobrada, como se já tivesse sido
apanhada e enfiada de qualquer jeito na fechadura.
—
Aquela ali! — gritou para os outros — Aquela grandona... ali... não... lá...
com as asas azul-forte. As penas estão todas amassadas de um lado.
Rony
precipitou-se na direção que Harry apontava, bateu no teto e quase caiu da
vassoura.
—
Temos que cercá-la! — gritou Harry, sem tirar os olhos da chave com a asa
danificada — Rony, você cerca por cima. Hermione, fica embaixo e não deixa ela
descer, e eu vou tentar pegar. Certo, AGORA!
Rony
mergulhou, Hermione disparou para o alto, a chave desviou-se dos dois e Harry
partiu atrás dela, a chave correu para a parede, Harry se curvou para frente e,
com uma pancada feia, prendeu-a contra a pedra com a mão.
Os
vivas de Rony e Hermione ecoaram pela câmara. Eles pousaram em seguida e Harry
correu para a porta, a chave a se debater em sua mão. Enfiou-a na fechadura e
virou-a, deu certo. No instante em que ouviram o barulho da lingüeta se
abrindo, a chave tornou a alçar vôo, parecendo agora muito maltratada depois de
ter sido apanhada duas vezes.
—
Estão prontos? — Harry perguntou aos dois, a mão na maçaneta da porta. Eles
fizeram um sinal afirmativo com a cabeça. Ele escancarou a porta.
A
câmara seguinte era tão escura que não dava para ver absolutamente nada. Mas,
ao entrarem nela, a luz inesperadamente inundou o aposento, revelando uma cena
surpreendente.
Estavam
parados na borda de um enorme tabuleiro de xadrez atrás das peças pretas, que
eram todas mais altas do que eles e talhadas em um material que parecia pedra.
De frente para eles, do outro lado da câmara, estavam dispostas as peças
brancas. Harry, Rony e Hermione sentiram um leve arrepio, as peças brancas e
altas não tinham feições.
—
Agora o que vamos fazer? — sussurrou Harry.
— É
óbvio, não é? — falou Rony — Temos que jogar para chegar ao outro lado da
câmara.
Por
trás das peças brancas eles podiam ver outra porta.
—
Como? — perguntou Hermione, nervosa.
—
Acho que vamos ter que virar peças.
Ele
se dirigiu a um cavalo preto e esticou a mão para tocar seu cavaleiro. No mesmo
instante, a pedra ganhou vida. O cavalo pateou o tabuleiro e seu cavaleiro
virou a cabeça protegida por um elmo pata olhar Rony.
—
Temos que nos unir a vocês para chegar ao outro lado?
O
cavaleiro preto confirmou com a cabeça.
Rony
virou-se para os outros dois.
—
Isto exige reflexão — disse — Suponho que a gente tenha que tomar o lugar de
três peças pretas...
Harry
e Hermione ficaram quietos, observando Rony refletir. Finalmente ele disse:
—
Agora não vão se ofender, mas nenhum dos dois é tão bom assim em xadrez...
— Não
estamos ofendidos — interrompeu Harry depressa — Diga o que vamos fazer.
—
Bom, Harry, você toma o lugar daquele Bispo e, Hermione, você fica ao lado dele
substituindo a Torre.
— E
você?
— Vou
ser o Cavaleiro.
As
peças pareciam estar escutando, porque ao ouvir isso um Cavaleiro, um Bispo e
uma Torre deram as costas às peças brancas e saíram do tabuleiro, deixando três
casas vazias, que Harry, Rony e Hermione ocuparam.
— No
xadrez as brancas sempre jogam primeiro — explicou Rony, observando o tabuleiro
— É... olhem...
Um
Peão Branco avançara duas casas.
Rony
começou a comandar as peças pretas. Elas se mexiam em silêncio indo aonde eram
mandadas. Os joelhos de Harry tremiam. E se perdessem?
—
Harry, ande quatro casas para a direita em diagonal.
O
primeiro choque de verdade que levaram foi quando o outro Cavalo foi comido. A
Rainha Branca esmagou-o no chão e arrastou-o para fora do tabuleiro, onde ele
ficou deitado imóvel, de borco no chão.
— Eu
tinha que deixar isso acontecer — disse Rony, parecendo abalado — Assim você
fica livre para comer aquele Bispo, Hermione, ande.
Todas
as vezes que eles perdiam uma peça, as peças brancas não mostravam piedade.
Dali a pouco havia uma coleção de peças pretas inertes encostadas à parede.
Duas vezes, Rony reparou, em cima do lance, que Harry e Hermione estavam em
perigo. Ele próprio disparou pelo tabuleiro comendo quase tantas peças brancas
quanto as pretas que haviam perdido.
—
Estamos quase chegando — murmurou de repente — Me deixem pensar... deixe-me
pensar...
A
Rainha Branca virou o rosto vazio para ele.
—
É... — continuou ele baixinho — É o jeito... preciso me sacrificar.
—
Não! — Harry e Hermione gritaram.
—
Isto é xadrez! — retorquiu Rony — A pessoa tem que fazer alguns sacrifícios!
Dou um passo à frente e ela me come, isso deixa você livre para dar o
xeque-mate no Rei, Harry!
—
Mas...
—
Você quer deter Snape ou não?
—
Rony...
—
Olhe, se você não se apressar, ele já terá apanhado a Pedra!
Não
havia opção.
—
Pronto? — perguntou Rony, o rosto pálido, mas decidido — Então vamos, agora,
não se demore depois de ganhar a partida.
Ele
avançou e a Rainha Branca o atacou. Golpeou Rony com força na cabeça com o
braço de pedra e ele caiu com estrondo no chão. Hermione gritou, mas continuou
parada em sua casa. A Rainha Branca arrastou Rony para um lado. Ele parecia ter
sido nocauteado.
Trêmulo,
Harry se deslocou três casas para a esquerda. O Rei Branco tirou a coroa e
jogou-a aos pés dele. Os meninos tinham ganhado o jogo. As peças se afastaram
para os lados e se curvaram, deixando o caminho livre para a porta em frente.
Com um último olhar desesperado para Rony, Harry e Hermione se precipitaram
para a porta e para o corredor seguinte.
— E
se ele...?
— Ele
vai ficar bem — disse Harry, tentando convencer a si mesmo — Que é que você
acha que vai acontecer agora?
—
Tivemos o feitiço da Sprout, o Visgo do Diabo. Flitwick deve ter encantado as
chaves. McGonagall transfigurou as peças de xadrez para lhes dar vida. Faltam o
feitiço de Quirrell e o de Snape.
Tinham
chegado à outra porta.
—
Tudo bem? — cochichou Harry.
—
Vamos.
Harry
empurrou a porta para abri-la.
Um
fedor horrível entrou por suas narinas, fazendo os dois puxarem as vestes para
cobrir o nariz. Com os olhos lacrimejando, eles viram, deitado no chão diante
deles, um trasgo ainda maior do que o que tinham enfrentado, desacordado e com
um calombo ensangüentado na cabeça.
— Que
bom que não precisamos lutar contra este aí — sussurrou Harry, enquanto,
cautelosamente, saltavam por cima da perna maciça do trasgo — Vamos, não estou
conseguindo respirar.
Harry
abriu a porta seguinte, os dois mal se atreviam a olhar o que vinha a seguir,
mas não havia nada muito assustador ali, apenas uma mesa e sobre ela sete
garrafas de formatos diferentes.
— É o
de Snape — disse Harry — O que temos de fazer?
Ao
cruzarem a soleira da porta, imediatamente irromperam chamas atrás deles. E não
eram chamas comuns tampouco, eram roxas. Ao mesmo tempo, surgiam chamas pretas
na porta adiante. Estavam encurralados.
—
Olhe! — Hermione apanhou um rolo de papel que havia ao lado das garrafas.
Harry
espiou por cima do seu ombro para ler o papel:
O perigo o aguarda à frente, a
segurança ficou atrás,
Duas de nós o ajudaremos no que quer
encontrar,
Uma dos sete o deixará prosseguir,
A outra levará de volta quem a beber,
Duas de nós conterão vinho de
urtigas,
Três de nós aguardam em fria para o
matar,
Escolha, ou ficará aqui para sempre,
E para ajudá-lo, lhe damos quatro
pistas:
Primeira, por mais dissimulado que
esteja o veneno,
Você sempre encontrará um à esquerda
do vinho de urtigas,
Segunda, são diferentes as garrafas
de cada lado,
Aliás, se você quiser avançar nenhuma
é sua amiga,
Terceira, é visível que temos
tamanhos diferentes,
Nem a anã nem a gigante leva a morte no
bojo,
Quarta, a segunda à esquerda e a
segunda a direita
São gêmeas ao paladar, embora
diferentes a vista.
Hermione
deixou escapar um grande suspiro e Harry, perplexo, viu que ela sorria, a
última coisa que ele tinha vontade de fazer.
—
Genial! — disse — Isto não é mágica, é lógica, uma charada, a maioria dos
grandes bruxos não tem um pingo de lógica, ficariam presos aqui para sempre.
— E
nós também, não?
—
Claro que não. Tudo o que precisamos está aqui neste papel. Sete garrafas: três
contêm veneno, duas vinho, uma nos ajudará a passar a salvo pelas chamas
negras, e uma nos levará de volta através das chamas roxas.
— Mas
como vamos saber qual delas beber?
— Me
dê um minuto.
Hermione
leu o papel diversas vezes. Depois passou em revista a fila de garrafas, para
cima e para baixo, resmungando de si para si e apontando para as garrafas.
Finalmente, bateu palmas.
— Já
sei. A garrafa menor nos fará atravessar as chamas negras, rumo à Pedra.
Harry
mirou a garrafinha.
— Ali
só tem o suficiente para um de nós. Não chega a ter um gole.
Eles
se entreolharam.
—
Qual é a que a fará voltar pelas chamas roxas?
Hermione
apontou para uma garrafa arredondada na ponta direita da fila.
—
Você bebe essa — disse Harry — Agora, escute, volte e recolha o Rony, apanhe
vassouras na câmara das chaves aladas, elas levarão vocês para fora do alçapão
e por cima de Fofo. Vão direto ao Corujal e mandem Edwiges a Dumbledore,
precisamos dele. Talvez eu possa segurar Snape por algum tempo, mas não sou
páreo para ele.
— Mas
Harry, e se Você-Sabe-Quem estiver com ele?
—
Bom... tive sorte uma vez, não tive? — falou Harry indicando a cicatriz —
Talvez tenha sorte outra vez.
A
boca de Hermione estremeceu e ela correu de repente para Harry e o abraçou.
—
Hermione...
—
Harry você é um grande bruxo, sabia?
— Não
sou tão bom quanto você — disse Harry, muito sem graça, quando ela o largou.
— Eu!
Livros! E inteligência! Há coisas mais importantes, amizade e bravura e, ah,
Harry tenha cuidado!
—
Você bebe primeiro — disse Harry — Você tem certeza de qual é qual, não tem?
—
Positivo.
Ela
tomou um demorado gole da garrafa arredondada na ponta e estremeceu.
— Não
é veneno? — perguntou Harry ansioso.
—
Não... mas parece gelo.
— Vai
logo antes que o efeito passe.
— Boa
sorte... cuide-se...
—
VAI!
Hermione
virou-se e passou direto pelas chamas roxas.
Harry
tomou fôlego e apanhou a garrafa menor de todas. Virou-se para encarar as
chamas negras.
—
Aqui vou eu — disse e esvaziou a garrafinha de um gole só.
Era
na verdade como se o gelo estivesse invadindo seu corpo. Ele deixou a garrafa
na mesa e avançou, enchendo-se de coragem, viu as chamas negras lamberem seu
corpo, mas não as sentiu, por um instante não viu nada a não ser as chamas
negras, então viu que estava do outro lado, na última câmara.
Havia
alguém lá, mas não era Snape.
Tampouco
Voldemort.
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