— CAPÍTULO TREZE —
O Diário Secretíssimo
HERMIONE PERMANECEU NA
ALA HOSPITALAR várias semanas. Houve uma boataria sobre o seu sumiço quando o
resto da escola voltou das férias de Natal, porque naturalmente todos pensaram
que ela fora atacada.
Foram
tantos os alunos que passaram pela Ala Hospitalar tentando dar uma olhada nela
que Madame Pomfrey pegou outra vez as cortinas e pendurou-as em torno da cama
da garota, para lhe poupar a vergonha de ser vista com a cara peluda.
Harry
e Rony iam visitá-la toda tarde. Quando o novo período letivo começou, eles lhe
levavam os deveres de casa do dia.
— Se
tivessem crescido bigodes de gato em mim, eu teria tirado umas férias dos
deveres — disse Rony, certa noite, despejando uma pilha de livros na
mesa-de-cabeceira de Mione.
—
Pare de ser bobo, Rony, tenho que me manter em dia — disse Mione decidida, seu
estado de ânimo melhorara muito desde que todos os pêlos desapareceram do seu
rosto, e os olhos estavam voltando lentamente à cor castanha — Suponho que não
encontraram nenhuma pista nova? — acrescentou aos sussurros, de modo que Madame
Pomfrey não a escutasse.
—
Nada — respondeu Harry, desanimado.
— Eu
tinha tanta certeza de que era Draco — disse Rony, pela centésima vez.
— Que
é isso? — perguntou Harry, apontando para alguma coisa dourada que aparecia por
baixo do travesseiro de Mione.
— É
só um cartão desejando que eu fique boa logo — disse Mione depressa, tentando
escondê-lo, mas Rony foi mais rápido.
Puxou
o cartão, abriu-o e leu em voz alta:
À Srta. Granger desejo
uma rápida convalescença, seu professor preocupado, Gilderoy Lockhart, Ordem de
Merlin, Terceira Classe, Membro Honorário da Liga de Defesa Contra as Forças
das Trevas, cinco vezes vencedor do Prêmio do Sorriso Mais Simpático do Mundo
do Semanário dos Bruxos.
Rony
olhou para Mione, enojado.
—
Você dorme com isso debaixo do travesseiro?
Mas
Mione não precisou responder por que Madame Pomfrey apareceu para lhe dar a
medicação noturna.
— O
Lockhart é o cara mais populista que você já conheceu ou o quê? — perguntou
Rony a Harry ao saírem da enfermaria e começarem a subir a escada que levava à
Torre da Grifinória.
Snape
passara tanto dever de casa, que Harry achou que provavelmente estaria na sexta
série quando terminasse tudo. Rony estava acabando de comentar que gostaria de
ter perguntado a Mione quantos rabos de rato devia usar na Poção de Arrepiar
Cabelos quando um vozerio no andar de cima chegou aos ouvidos dos dois.
— É o
Filch — murmurou Harry enquanto subiam depressa a escada e paravam, escondidos,
apurando os ouvidos.
—
Você acha que mais alguém foi atacado? — perguntou Rony tenso.
Os
dois ficaram quietos, as cabeças inclinadas na direção da voz de Filch, que
parecia um tanto histérica.
—...
sempre mais trabalho para mim! Enxugando o chão a noite inteira, como se já não
tivesse o suficiente para fazer! Não, isto é a última gota, vou procurar o
Dumbledore...
Os
passos dele cessaram e os meninos ouviram uma porta bater à distância. Os
garotos esticaram as cabeças para espiar mais além do canto. Filch, pelo que
viam, estivera em seu posto de vigia habitual: estavam mais uma vez no local em
que Madame Nor-r-ra fora atacada. Viram imediatamente a razão dos gritos de
Filch.
Uma
grande inundação se espalhava por metade do corredor e aparentemente a água
ainda não parara de correr por baixo da porta do banheiro da Murta Que Geme.
Quando Filch parou de gritar, eles puderam ouvir os lamentos da Murta ecoando
pelas paredes do banheiro.
—
Agora o que será que ela tem? — exclamou Rony.
—
Vamos até lá ver — disse Harry e, levantando as vestes bem acima dos
tornozelos, os dois atravessaram aquela agüeira até a porta com o letreiro
INTERDITADO, não lhe deram atenção, como sempre, e entraram.
Murta
Que Geme chorava, se é que isso era possível, cada vez mais alto e com mais
vontade do que nunca. Parecia ter-se escondido no seu boxe habitual. Estava
escuro no banheiro porque as velas haviam se apagado com a grande inundação que
deixara as paredes e o piso encharcados.
— Que
foi Murta?— perguntou Harry.
—
Quem é? — engrolou Murta, infeliz — Vêm jogar mais alguma coisa em mim?
Harry
meteu os pés na água até o boxe dela.
— Por
que eu iria jogar alguma coisa em você?
— É a
mim que você pergunta! — gritou Murta, surgindo em meio a mais uma onda
líquida, que se espalhou pelo chão já molhado — Estou aqui cuidando da minha
vida e alguém acha que é engraçado jogar um livro em mim...
— Mas
não deve machucar se alguém joga um livro em você — argumentou Harry — Quero
dizer, ele atravessa você, não é mesmo?
Disse
a coisa errada. Murta se estufou e gritou com voz aguda:
—
Vamos todos jogar livros na Murta, porque ela não é capaz de sentir! Dez pontos
se você fizer o livro atravessar a barriga dela! Muito bem, ha, ha, ha! Que
ótimo jogo, eu não acho!
— Mas
afinal quem jogou o livro em você? — perguntou Harry.
— Eu
não sei... eu estava sentada na curva do corredor, pensando na morte, e o livro
atravessou a minha cabeça — disse Murta olhando feio para os garotos — Está lá,
foi levado pela água...
Harry
e Rony espiaram embaixo da pia para onde Murta apontava. Havia um livro pequeno
e fino caído ali. Tinha uma capa preta e gasta e estava molhado como tudo o
mais naquele banheiro. Harry adiantou-se para apanhá-lo, mas Rony de repente
esticou o braço para impedi-lo.
— Que
foi?
—
Você está maluco — disse Rony — Pode ser perigoso.
—
Perigoso? — perguntou Harry rindo — Deixe disso, de que jeito poderia ser
perigoso?
—
Você ficaria surpreso — disse Rony, olhando apreensivo para o livro — Os livros
que o Ministério da Magia tem confiscado, papai me contou, tinha um que
queimava os olhos da pessoa. E todo mundo que leu Sonetos de um Bruxo passou a
falar em rima para o resto da vida. E uma velha bruxa em Bath tinha um livro
que a pessoa não conseguia parar de ler. Passava a andar com a cara no livro,
tentando fazer tudo com uma mão só. E...
—
Está bem, já entendi.
O
livrinho continuava no chão, empapado e indefinível.
—
Bem, não vamos descobrir se não dermos uma olhada — falou Harry. Abaixou-se
para se desvencilhar de Rony e apanhou o livro do chão.
Harry
viu num instante que era um diário, e o ano meio desbotado na capa lhe informou
que tinha cinqüenta anos de idade. Abriu-o ansioso. Na primeira página, mal e
mal, conseguiu ler o nome “T. S. Riddle”, em tinta borrada.
—
Calma aí — disse Rony, que se aproximara cautelosamente e espiava por cima do
ombro do amigo — Conheço esse nome... T. S. Riddle recebeu um prêmio por
Serviços Especiais Prestados à Escola há cinquenta anos.
—
Como é que você sabe? — perguntou Harry admirado.
—
Porque Filch me fez polir o escudo desse homem umas cinqüenta vezes durante a
minha detenção — disse Rony com raiva — Daquela vez que arrotei lesmas para
todo o lado. Se você tivesse tirado lesmas de um nome durante uma hora, você
também se lembraria.
Harry
separou as páginas molhadas. Estavam completamente em branco. Não havia o menor
vestígio de escrita em nenhuma delas, nem mesmo Aniversário de Tia Magda ou
dentista as três e meia.
— Não
entendo por que alguém quis se descartar dele — comentou Rony, curioso.
Harry
virou as costas do livro e viu impresso o nome de uma papelaria na Rua
Vauxhall, em Londres.
— O
dono deve ter nascido trouxa — disse Harry pensativo — Para ter comprado um
diário na Rua Vauxhall...
—
Bom, não vai servir para você — disse Rony. E baixando a voz — Cinquenta pontos
se você conseguir fazer ele atravessar o nariz da Murta.
Harry,
porém, meteu o diário no bolso.
Hermione
deixou a Ala Hospitalar, sem bigodes, sem rabo, sem pelos, no início de
Fevereiro. Na primeira noite de volta à Torre da Grifinória, Harry lhe mostrou
o diário de T. S. Riddle e lhe contou como o tinham encontrado.
—
Aaah, talvez tenha poderes secretos — disse a garota, entusiasmada, apanhando o
diário e examinando-o com atenção.
— Se
tiver, deve estar escondendo esses poderes muito bem — disse Rony — Vai ver é
tímido. Não sei por que você não joga esse diário fora, Harry.
— Eu
queria saber por que alguém tentou jogá-lo fora. E também gostaria de saber por
que foi que Riddle recebeu um prêmio por Serviços Especiais Prestados a
Hogwarts.
—
Pode ter sido por qualquer coisa — disse Rony — Talvez tenha ganho trinta
corujas ou salvou um professor dos tentáculos de uma lula gigante. Talvez tenha
assassinado a Murta. Isso teria sido um favor para todo mundo...
Mas
Harry podia dizer pela expressão parada no rosto de Mione que ela estava
pensando o que ele estava pensando.
— Que
foi? — perguntou Rony olhando de um para outro.
—
Bom, a Câmara Secreta foi aberta há cinqüenta anos, não foi? Foi o que Draco
disse.
—
E... — disse Rony lentamente.
— E
este diário tem cinqüenta anos — disse Hermione, tamborilando os dedos nele,
agitada.
— E
daí?
— Ah,
Rony, vê se acorda — retrucou a garota — Sabemos que quem abriu a Câmara da
última vez foi expulso há cinquenta anos. Sabemos que T. S. Riddle recebeu um
prêmio por Serviços Especiais Prestados à Escola há cinquenta anos. Muito bem,
e se Riddle recebeu o prêmio por ter pego o Herdeiro de Slytherin? O diário
dele provavelmente nos contaria tudo, onde fica a Câmara, como abri-la, que
tipo de criatura mora lá, e a pessoa que está por trás desses ataques desta vez
não gostaria de ver o diário rolando por aí, não é?
— É
uma teoria brilhante, Mione — disse Rony — Só tem um furinho pequenininho. Não
tem nada escrito no diário.
Mas
Hermione estava tirando a varinha de dentro da mochila.
—
Talvez a tinta seja invisível! — sussurrou.
A
garota deu três toques no diário e disse:
— Aparedum!
Nada
aconteceu. Sem desanimar, Mione meteu outra vez a mão na mochila e tirou uma
coisa que parecia uma borracha vermelho-berrante.
— É
um revelador que comprei no Beco Diagonal — explicou. Ela esfregou a borracha
com força em primeiro de janeiro.
Nada
aconteceu.
—
Estou dizendo que não tem nada aí para se achar — falou Rony — Riddle
simplesmente ganhou um diário de Natal e não se deu o trabalho de usá-lo.
Harry
não conseguiu explicar, nem para si mesmo, por que simplesmente não jogou fora
o diário de Riddle. O fato era que, mesmo sabendo que o diário estava em
branco, não parava de pegá-lo distraidamente e de folheá-lo, como se fosse uma
história que ele quisesse terminar.
E
embora tivesse certeza de que nunca ouvira falar em T. S. Riddle antes, ainda
assim o nome parecia significar alguma coisa para ele, quase como se Riddle fosse
um amigo que tivera quando era muito pequeno, e meio que esquecera. Mas isto
era absurdo. Nunca tivera amigos antes de Hogwarts. Duda cuidara disso.
Ainda
assim, Harry estava decidido a descobrir mais sobre Riddle. Por isso, próximo
ao amanhecer, rumou para a Sala de Troféus para examinar o prêmio especial de
Riddle, acompanhado por uma Mione interessada e um Rony completamente
descrente, que disse aos dois que já vira a Sala de Troféus o suficiente para
uma vida inteira.
O
escudo dourado de Riddle estava guardado em um armário de canto. Não continha
detalhes sobre as razões por que fora concedido (“Ainda bem, porque seria maior e eu ainda estaria polindo essa coisa”,
disse Rony). Mas eles encontraram o nome de Riddle em uma velha medalha de
Mérito em Magia e em uma lista de antigos monitores-chefes.
— Ele
até parece o Percy — disse Rony, torcendo o nariz enojado — Monitor,
monitor-chefe... provavelmente o primeiro aluno em todas as classes...
—
Você fala isso como se fosse uma coisa ruim — disse Hermione num tom
ligeiramente magoado.
O sol
agora voltara a brilhar palidamente sobre Hogwarts. No interior do castelo, as
pessoas se sentiam mais esperançosas. Não houvera mais ataques desde os de
Justino e Nick Sem Cabeça, e Madame Pomfrey tinha o prazer de informar que as
mandrágoras estavam ficando imprevisíveis e cheias de segredinhos, o que
significava que iam deixando depressa a infância.
—
Quando desaparecer a acne delas, estarão prontas para serem reenvasadas — Harry
ouviu-a dizer gentilmente ao Filch uma certa tarde — E depois disso, iremos
cortá-las e cozinhá-las. Num instante você terá a sua Madame Nor-r-ra de volta.
Talvez
o Herdeiro de Slytherin tenha perdido a coragem, pensou Harry. Devia estar-se
tornando cada vez mais arriscado abrir a Câmara Secreta, com a escola tão
atenta e desconfiada. Talvez o monstro, fosse o que fosse, estivesse neste
mesmo momento se aninhando para hibernar outros cinqüenta anos...
Ernesto
Macmillan da Lufa-Lufa não concordava com essa visão otimista. Continuava
convencido de que Harry era o culpado, que ele “se denunciara” no Clube de
Duelos. Pirraça não estava ajudando nada: a toda hora aparecia nos corredores
cheios de alunos, cantando: “Ah, Potter podre...”, agora com um número de dança
para acompanhar.
Gilderoy
Lockhart parecia pensar que, sozinho, fizera os ataques pararem. Harry ouviu-o
dizer isso à Profª. McGonagall quando os alunos da Grifinória faziam fila para
ir à aula de Transfiguração.
—
Acho que não vai haver mais problemas, Minerva — disse ele dando um tapinha no
nariz e uma piscadela com ar de quem sabe das coisas — Acho que a Câmara foi
fechada para sempre desta vez. O culpado deve ter sentido que era apenas uma
questão de tempo até nós o pegarmos. Achou mais sensato parar agora, antes que
eu o liquidasse. Sabe, o que a escola precisa agora é de uma injeção no moral.
Esquecer as lembranças do período passado! Não vou dizer mais nada por ora, mas
acho que sei exatamente o que...
E
dando outra pancadinha no nariz se afastou decidido.
A ideia
que Lockhart fazia de uma injeção no moral tornou-se clara no café da manhã de
catorze de Fevereiro. Harry não dormira o suficiente por causa de um treino de
Quadribol até tarde, na véspera, e correu para o Salão Principal, um pouco
atrasado. Pensou, por um momento, que tivesse entrado na porta errada.
As
paredes estavam cobertas com grandes flores rosa-berrante. E pior ainda, de um
teto azul-celeste caía confete em feitio de coração. Harry dirigiu-se à mesa da
Grifinória, onde Rony estava sentado com cara de enjoo, e Hermione parecia não
conseguir parar de rir.
— Que
é que está acontecendo? — perguntou Harry aos dois, sentando-se e limpando o
confete do bacon.
Rony
apontou para a mesa dos professores, aparentemente nauseado demais para falar.
Lockhart,
usando vestes rosa-berrante, para combinar com a decoração, gesticulava pedindo
silêncio. Os professores, de cada lado dele, estavam impassíveis. De onde se
sentara, Harry podia ver um músculo tremendo na bochecha da Profª. McGonagall.
Snape parecia que tinha acabado de tomar um grande copo de Esquelesce.
—
Feliz Dia dos Namorados! — exclamou Lockhart — E será que posso agradecer às
quarenta e seis pessoas que me mandaram cartões até o momento? Claro, tomei a
liberdade de fazer esta surpresinha para vocês, e ela não acaba aqui!
Lockhart
bateu palmas e, pela porta que abria para o Saguão de Entrada, entraram onze
anões de cara amarrada. Mas não eram uns anões quaisquer. Lockhart mandara-os
usar asas douradas e trazer harpas.
— Os
meus cupidos, entregadores de cartões! — sorriu Lockhart — Eles vão circular
pela escola durante o dia de hoje entregando os cartões dos namorados. E a
brincadeira não termina aí! Tenho certeza de que os meus colegas vão querer
entrar no espírito festivo da data! Por que não pedir ao Prof. Snape para lhes
ensinar a preparar uma Poção de Amor! E por falar nisso, o Prof. Flitwick
conhece mais Feitiços de Fascinação do que qualquer outro mago que eu conheça,
o santinho!
O
Prof. Flitwick escondeu o rosto nas mãos. Snape fez cara de que obrigaria a
beber veneno o primeiro aluno que lhe pedisse uma Poção de Amor.
— Por
favor, Mione, me diga que você não foi uma das quarenta e seis — disse Rony ao
deixarem o Salão Principal para assistir à primeira aula.
A
garota de repente ficou muito interessada em procurar na mochila o seu horário
e não respondeu.
O dia
inteiro, os anões não pararam de invadir as salas de aula e entregar cartões,
para irritação dos professores e, no fim daquela tarde, quando os alunos da
Grifinória iam subindo para a aula de Feitiços, um dos anões alcançou Harry.
— Oi,
você! “Arry” Potter! — gritou um anão
particularmente mal-encarado, que abria caminho às cotoveladas para chegar até
Harry.
Cheio
de calores só de pensar em receber um cartão do dia dos namorados na frente de
uma fileira de alunos de primeiro ano, que por acaso incluía Gina Weasley.
Harry tentou escapar. O anão, porém, meteu-se por entre a garotada chutando as
canelas de todos e o alcançou antes que o garoto pudesse se afastar dois
passos.
—
Tenho um cartão musical para entregar a “Arry” Potter em pessoa — disse,
empunhando a harpa de um jeito meio assustador.
—
Aqui não — sibilou Harry, tentando escapar.
—
Fique parado! — grunhiu o anão, agarrando a mochila de Harry e puxando-o de
volta.
— Me
solta! — rosnou o garoto, puxando.
Com
um barulho de pano rasgado, a mochila se rompeu ao meio. Os livros, a varinha,
o pergaminho e a pena se espalharam pelo chão, e o vidro de tinta se derramou
por cima de tudo.
Harry
virou-se para todos os lados, tentando reunir tudo antes que o anão começasse a
cantar, causando um certo engarrafamento no corredor.
— Que
é que está acontecendo aqui? — ouviu-se a voz fria e arrastada de Draco Malfoy.
Harry
começou a enfiar tudo febrilmente na mochila rasgada, desesperado para sair
dali antes que Draco pudesse ouvir o cartão musical.
— Que
confusão é essa? — perguntou outra voz conhecida.
Era
Percy Weasley que se aproximava.
Perdendo
a cabeça, Harry tentou correr, mas o anão o agarrou pelos joelhos e o derrubou
com estrondo no chão.
—
Muito bem — disse ele, sentando-se em cima dos calcanhares de Harry — Vamos ao
seu cartão cantado:
Teus olhos são verdes como sapinhos cozidos,
Teus cabelos negros como um quadro de aula.
Queria que tu fosses meu, garoto divino,
Herói que venceu o malvado Lorde das Trevas.
Harry
teria dado todo o ouro de Gringotes para se evaporar na hora. Fazendo um grande
esforço para rir com os colegas, ele se levantou, os pés dormentes com o peso
do anão, enquanto Percy Weasley fazia o possível para dispersar os alunos,
alguns chorando de tanto rir.
— Vão
andando, vão andando, a sineta tocou há cinco minutos, já para a aula — disse o
monitor, espantando os alunos mais novos — E você, Malfoy...
Harry,
erguendo a cabeça, viu Draco se abaixar e apanhar alguma coisa. Mostrou-a,
debochando, a Crabbe e Goyle, e Harry percebeu que ele se apossara do diário de
Riddle.
—
Devolva isso aqui — disse Harry controlado.
— Que
será que Potter andou escrevendo nisso? — disse Draco, que obviamente não
reparara na data impressa na capa e pensava que era o diário de Harry.
Fez-se
silêncio entre os presentes.
Gina
olhava do diário para Harry, com cara de terror.
—
Devolva, Malfoy — disse Percy com severidade.
—
Depois que eu olhar — disse Draco, agitando o diário no ar para enraivecer
Harry.
Percy
falou:
—
Como monitor... — mas Harry perdera a paciência.
Puxou
a varinha e gritou:
—
Expelliarmus! — e do mesmo jeito que Snape desarmara Lockhart, Draco viu o
diário sair voando de sua mão.
Rony,
com um grande sorriso, apanhou-o.
—
Harry! — disse Percy em voz alta — Nada de mágica nos corredores. Vou ter que
reportar isso, sabe!
Mas
Harry não se importou, ganhara uma vez de Draco e isso valia cinco pontos da
Grifinória em qualquer dia. Draco ficou furioso e, quando Gina passou por ele
para entrar na sala de aula, gritou despeitado:
—
Acho que Potter não gostou muito do seu cartão!
Gina
cobriu o rosto com as mãos e correu para dentro da sala. Rosnando, Rony puxou a
varinha também, mas Harry agarrou-o para afastá-lo. O amigo não precisava
passar a aula de Feitiços inteira arrotando lesmas.
Somente
quando chegaram à sala de aula do Prof. Flitwick foi que Harry notou uma coisa
muito estranha no diário de Riddle.
Todos
os seus livros estavam ensopados de tinta vermelha. O diário, porém, continuava
tão limpo como antes do tinteiro quebrar em cima dele. Tentou dizer isto a
Rony, que estava enfrentando novos problemas com a varinha; grandes bolhas
saiam da ponta, e ele não estava muito interessado em nada mais.
Harry
se recolheu ao dormitório antes dos colegas àquela noite. Em parte era porque
achava que não ia conseguir aguentar Fred e Jorge cantando “Teus olhos são
verdes como sapinhos cozidos” mais uma vez, e em parte porque queria examinar o
diário de Riddle e sabia que Rony achava que era uma perda de tempo.
Harry
sentou-se na cama de colunas e folheou as páginas em branco, nenhuma das quais
tinha sequer vestígio de tinta vermelha. Então tirou um tinteiro novo do
armário ao lado da cama, molhou a pena e deixou cair um pingo na primeira
página do diário.
A
tinta brilhou intensamente no papel durante um segundo e, em seguida, como se
estivesse sendo chupada pela página, desapareceu. Excitado, Harry tornou a
molhar a pena uma segunda vez e escreveu: “Meu
nome é Harry Potter”.
As
palavras brilharam momentaneamente na página e também desapareceram sem deixar
vestígios. Então, finalmente, aconteceu uma coisa. Filtrando-se de volta à
página, com a própria tinta de Harry, surgiram palavras que ele nunca
escrevera.
“Olá, Harry Potter! Meu nome é Tom Riddle.
Como foi que você encontrou o meu diário?”
Essas
palavras também se dissolveram, mas não antes de Harry recomeçar a escrever.
—
“Alguém tentou se desfazer dele no vaso sanitário”.
Ele
esperou, ansioso, pela resposta de Riddle.
“Que sorte que registrei minhas memórias em
algo mais durável que a tinta. Mas sempre soube que haveria gente que não ia
querer que este diário fosse lido”.
—
“Que quer dizer com isso?”, escreveu Harry, borrando a página de tanta
excitação.
“Quero dizer que este diário guarda memórias
de coisas terríveis. Coisas que foram abafadas. Coisas que aconteceram na
Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts”.
— “É
onde eu estou agora”, respondeu Harry depressa. “Estou em Hogwarts e coisas
terríveis estão acontecendo. Sabe alguma coisa sobre a Câmara Secreta?”
Seu
coração batia forte.
A
resposta de Riddle veio depressa, a caligrafia mais desleixada, como se
estivesse correndo para contar tudo o que sabia.
“Claro que sei alguma coisa sobre a Câmara
Secreta. No meu tempo, disseram à gente que era uma lenda, que não existia. Mas
era uma mentira. No meu quinto ano, a Câmara foi aberta e o monstro atacou
vários alunos e finalmente matou um. Peguei a pessoa que tinha aberto a Câmara
e ela foi expulsa. Mas o diretor, Prof. Dippet, constrangido porque uma coisa
dessas acontecera em Hogwarts, proibiu-me de contar a verdade. A história que
foi divulgada é que a menina morrera em um acidente imprevisível. Eles me deram
um troféu bonito, reluzente e gravado, pelo meu trabalho, e me avisaram para
ficar de boca fechada. O monstro continuou vivo, e aquele que tinha o poder de
libertá-lo não foi preso”.
Harry
quase derrubou o tinteiro na pressa de responder.
—
“Está acontecendo outra vez agora. Houve três ataques, e ninguém parece saber
quem está por trás deles. Quem foi da última vez?”
“Posso lhe mostrar, se você quiser”.
Veio a resposta de Riddle. “Você não
precisa acreditar no que digo. Posso levá-lo à minha lembrança da noite em que
o peguei”.
Harry
hesitou, a pena suspensa sobre o diário. Que é que Riddle queria dizer? Como é
que ele podia ser levado para dentro da lembrança de outra pessoa? Olhou
nervoso, para a porta do dormitório que estava ficando escuro. Quando tornou a
olhar para o diário, viu novas palavras se formando.
“Deixe eu lhe mostrar”.
Harry
parou por uma fração de segundo e em seguida escreveu duas letras:
—
“Ok.”
As
páginas do diário começaram a virar como se tivessem sido apanhadas por um
vendaval e pararam na metade do mês de Junho. Boquiaberto, Harry viu que o
quadradinho correspondente ao dia treze de Junho parecia ter-se transformado
numa telinha de televisão. Com as mãos ligeiramente trêmulas, ele ergueu o
livro para encostar o olho na janelinha e antes que entendesse o que estava
acontecendo, viu-se inclinando para frente, a janela foi se alargando, ele
sentiu o corpo abandonar a cama e mergulhar de cabeça na abertura da página,
num rodamoinho de cores e sombras. Depois, sentiu o pé bater em chão firme e
ficou parado, trêmulo, e as formas borradas à sua volta entraram de repente em
foco.
Soube
imediatamente onde se achava. Essa sala circular com os retratos que cochilavam
era o escritório de Dumbledore, mas não era Dumbledore quem se sentava à
escrivaninha. Um bruxo mirrado e frágil, careca, exceto por alguns fiapos de
cabelos brancos, lia uma carta à luz da vela. Harry nunca vira esse homem
antes.
—
Sinto muito — disse, trêmulo — Não tive intenção de entrar assim...
Mas o
bruxo não ergueu a cabeça. Continuou a ler, franzindo ligeiramente a testa.
Harry
se aproximou mais da escrivaninha e gaguejou:
—
Hum... vou me retirar, posso?
O
bruxo continuou a não lhe dar atenção. Nem parecia tê-lo ouvido. Achando que o
bruxo talvez fosse surdo, Harry falou mais alto.
—
Sinto muito se o incomodei. Vou-me embora agora — falou quase gritando.
O
bruxo dobrou a carta com um suspiro, levantou-se, passou por Harry sem olhá-lo
e foi abrir as cortinas da janela. O céu lá fora estava cor de rubi; parecia
ser o pôr-do-sol. O bruxo voltou à escrivaninha, sentou-se e ficou girando os
polegares, de olho na porta.
Harry
correu o olhar pela sala. Não havia Fawkes, a fênix, nem mecanismos barulhentos
de prata. Era a Hogwarts que Riddle conhecera, o que significava que este bruxo
desconhecido era o diretor em vez de Dumbledore, e que ele, Harry, era pouco
mais do que um fantasma, completamente invisível às pessoas de cinqüenta anos
atrás.
Alguém
bateu à porta da sala.
—
Entre — disse o velho bruxo com a voz fraca.
Um
menino de uns dezesseis anos entrou tirando o chapéu cônico. Um distintivo de
monitor brilhava em seu peito. Ele era mais alto do que Harry, mas seus cabelos
também eram muito negros.
— Ah,
Riddle — exclamou o diretor.
— O
senhor queria me ver, Prof. Dippet — disse o garoto, que parecia nervoso.
—
Sente-se — convidou Dippet — Acabei de ler a carta que você me mandou.
— Ah
— disse Riddle, e se sentou apertando as mãos com força.
— Meu
caro rapaz — disse Dippet bondosamente — Não posso deixá-lo permanecer na
escola durante o verão. Com certeza você quer ir para a casa passar as férias?
— Não
— respondeu Riddle na mesma hora — Preferia continuar em Hogwarts do que voltar
para aquele... aquele...
—
Você mora num orfanato de trouxas nas férias, não é? — perguntou Dippet,
curioso.
—
Moro, sim, senhor — respondeu Riddle, corando ligeiramente.
—
Você nasceu trouxa?
—
Mestiço. Pai trouxa e mãe bruxa.
— E
seus pais...
—
Minha mãe morreu logo depois que eu nasci. Me disseram no orfanato que ela só
viveu o tempo suficiente para me dar um nome... Tom, em homenagem ao meu pai,
Servolo, au meu avô.
Dippet
deu um muxoxo de simpatia.
— O
problema é, Tom — suspirou ele — Que talvez pudéssemos tomar providências para
acomodá-lo, mas nas atuais circunstâncias...
— O
senhor se refere aos ataques? — perguntou Riddle, e o coração de Harry deu um
salto, ao que ele se aproximou mais, com medo de perder alguma palavra.
—
Precisamente — disse o diretor — Meu rapaz, você deve entender que seria muito
insensato de minha parte permitir que você permaneça no castelo quando terminar
o ano letivo. Principalmente à luz da recente tragédia... a morte daquela pobre
menininha... você estará muito mais seguro no seu orfanato. Aliás, o Ministério
da Magia está neste momento falando em fechar a escola. Não estamos nem perto
de identificar a... hum... fonte de todos esses contratempos...
Os
olhos de Riddle se arregalaram.
—
Diretor, se a pessoa fosse apanhada, se tudo isso acabasse...
— Que
quer dizer? — perguntou Dippet esganiçando a voz e aprumando-se na cadeira —
Riddle, você está me dizendo que sabe alguma coisa sobre esses ataques?
—
Não, senhor — respondeu Riddle depressa.
Mas
Harry teve certeza de que era o mesmo tipo de “não” que ele próprio dissera a
Dumbledore.
Dippet
se recostou parecendo ligeiramente desapontado.
—
Pode ir, Tom...
Riddle
se levantou escorregando para fora da cadeira e saiu acabrunhado da sala.
Harry
acompanhou-o. Eles desceram pela escada em caracol e saíram ao lado da gárgula
no corredor que escurecia. Riddle parou, e Harry fez o mesmo, observando-o. Era
visível que Riddle estava pensando em coisas sérias. Mordia o lábio e franzia a
testa.
Então,
como se tivesse repentinamente chegado a uma decisão, afastou-se depressa, e
Harry deslizou silenciosamente atrás dele. Não viram mais ninguém até chegarem
ao Saguão de Entrada, onde um bruxo alto, com barba e longos cabelos acajus que
cascateavam pelos seus ombros, chamou Riddle da escadaria de mármore.
— Que
é que você está fazendo, andando por ai tão tarde, Tom?
Harry
boquiabriu-se ao ver o bruxo. Não era outro se não Dumbledore, cinqüenta anos
mais novo.
—
Tive que ir ver o diretor.
—
Então vá logo para a cama — disse Dumbledore, fixando em Riddle exatamente o
tipo de olhar penetrante que Harry conhecia tão bem — É melhor não perambular
pelos corredores hoje em dia. Não desde que...
Ele
soltou um pesado suspiro, desejou boa noite a Riddle e foi-se embora. Riddle
observou-o desaparecer de vista e então, andando depressa, rumou direto para a
escada de pedra que levava às masmorras, com Harry nos seus calcanhares.
Mas
para desapontamento de Harry, Riddle não o levou nem a um corredor oculto nem a
um túnel secreto, mas a mesmíssima masmorra em que Harry tinha aula de Poções
com Snape. Os archotes não tinham sido acesos e, quando Riddle empurrou a porta
quase fechada, Harry só conseguiu distinguir que ele parara imóvel à porta,
vigiando o corredor. Pareceu a Harry que ficaram ali no mínimo uma hora. Só o
que ele via era o vulto de Riddle à porta, espiando pela fresta, esperando como
uma estátua. E quando Harry esqueceu a ansiedade e a tensão e começou a desejar
voltar ao presente, ouviu alguma coisa do lado de fora da porta.
Alguém
estava andando sorrateiramente pelo corredor. Ouviu esse alguém passar pela
masmorra em que ele e Riddle estavam escondidos. Riddle, silencioso como uma
sombra, esgueirou-se pela porta e seguiu a pessoa, Harry acompanhou-o nas
pontas dos pés, esquecido de que ninguém podia ouvi-lo. Por uns cinco minutos,
talvez, os dois seguiram as pegadas, até que Riddle parou subitamente, a cabeça
inclinada, atento a novos ruídos.
Harry
ouviu uma porta se abrir com um rangido, e alguém falar num sussurro rouco.
—
Vamos... preciso sair daqui... vamos logo... para a caixa...
Havia
alguma coisa familiar naquela voz...
De um
salto Riddle contornou um canto. Harry foi atrás. Via a silhueta escura de um
garoto enorme, agachado diante de uma porta aberta, com uma grande caixa ao lado.
—
Noite, Rúbeo — disse Riddle rispidamente.
O
garoto bateu a porta e se levantou.
— Que
é que você está fazendo aqui em baixo, Tom?
Riddle
se aproximou.
—
Acabou — disse — Vou ter que entregá-lo, Rúbeo. Estão falando em fechar
Hogwarts se os ataques não pararem.
— Que
é que...
—
Acho que você não teve intenção de matar ninguém. Mas monstros não são
bichinhos de estimação. Imagino que você o tenha soltado para fazer exercício
e...
— Ele
nunca mataria ninguém! — disse o garotão, recuando contra a porta fechada.
Atrás
dele, Harry podia ouvir uns rumores e uns cliques esquisitos.
—
Vamos, Rúbeo — falou Riddle, aproximando-se ainda mais — Os pais da garota
morta estarão aqui amanhã. O mínimo que Hogwarts pode fazer é garantir que a
coisa que matou a filha deles seja abatida...
— Não
foi ele! — rugiu o garoto, a voz ecoando no corredor escuro — Ele não faria
isso! Nunca!
—
Afaste-se — disse Riddle, puxando a varinha.
Seu
feitiço iluminou repentinamente o corredor com uma luz flamejante. A porta
atrás do garotão se escancarou com tal força que o empurrou contra a parede
oposta. E pelo vão saiu uma coisa que fez Harry soltar um grito comprido e
penetrante que ninguém ouviu...
Um
corpanzil baixo e peludo e um emaranhado de pernas pretas, um brilho de muitos
olhos e um par de pinças afiadíssimas. Riddle tornou a erguer a varinha, mas
demorou demais. A coisa derrubou-o e fugiu, desembestou pelo corredor e
desapareceu de vista.
Riddle
levantou-se correndo, procurando a coisa. Ergueu a varinha, mas o garotão pulou
em cinta dele, tirou-lhe a varinha e o derrubou de novo no chão gritando:
—
NAAAAÂÂÃO!
A
cena girou, a escuridão foi total, Harry sentiu-se caindo e, com um baque,
aterrissou de braços e pernas abertas em sua cama de colunas no dormitório da
Grifinória, com o diário de Riddle aberto sobre a barriga. Antes que tivesse
tempo de recuperar o fôlego, a porta do dormitório se abriu e Rony entrou.
— Ah,
é aqui que você está! — disse.
Harry
se sentou. Estava suado e trêmulo.
— Que
aconteceu? — perguntou Rony, olhando-o preocupado.
— Foi
Hagrid, Rony. Hagrid abriu a porta da Câmara Secreta há cinqüenta anos.
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