quarta-feira, 25 de abril de 2012

Harry Potter e a Câmara Secreta - Capítulo 13








— CAPÍTULO TREZE —
O Diário Secretíssimo



HERMIONE PERMANECEU NA ALA HOSPITALAR várias semanas. Houve uma boataria sobre o seu sumiço quando o resto da escola voltou das férias de Natal, porque naturalmente todos pensaram que ela fora atacada.
Foram tantos os alunos que passaram pela Ala Hospitalar tentando dar uma olhada nela que Madame Pomfrey pegou outra vez as cortinas e pendurou-as em torno da cama da garota, para lhe poupar a vergonha de ser vista com a cara peluda.
Harry e Rony iam visitá-la toda tarde. Quando o novo período letivo começou, eles lhe levavam os deveres de casa do dia.
— Se tivessem crescido bigodes de gato em mim, eu teria tirado umas férias dos deveres — disse Rony, certa noite, despejando uma pilha de livros na mesa-de-cabeceira de Mione.
— Pare de ser bobo, Rony, tenho que me manter em dia — disse Mione decidida, seu estado de ânimo melhorara muito desde que todos os pêlos desapareceram do seu rosto, e os olhos estavam voltando lentamente à cor castanha — Suponho que não encontraram nenhuma pista nova? — acrescentou aos sussurros, de modo que Madame Pomfrey não a escutasse.
— Nada — respondeu Harry, desanimado.
— Eu tinha tanta certeza de que era Draco — disse Rony, pela centésima vez.
— Que é isso? — perguntou Harry, apontando para alguma coisa dourada que aparecia por baixo do travesseiro de Mione.
— É só um cartão desejando que eu fique boa logo — disse Mione depressa, tentando escondê-lo, mas Rony foi mais rápido.
Puxou o cartão, abriu-o e leu em voz alta:

À Srta. Granger desejo uma rápida convalescença, seu professor preocupado, Gilderoy Lockhart, Ordem de Merlin, Terceira Classe, Membro Honorário da Liga de Defesa Contra as Forças das Trevas, cinco vezes vencedor do Prêmio do Sorriso Mais Simpático do Mundo do Semanário dos Bruxos.

Rony olhou para Mione, enojado.
— Você dorme com isso debaixo do travesseiro?
Mas Mione não precisou responder por que Madame Pomfrey apareceu para lhe dar a medicação noturna.
— O Lockhart é o cara mais populista que você já conheceu ou o quê? — perguntou Rony a Harry ao saírem da enfermaria e começarem a subir a escada que levava à Torre da Grifinória.
Snape passara tanto dever de casa, que Harry achou que provavelmente estaria na sexta série quando terminasse tudo. Rony estava acabando de comentar que gostaria de ter perguntado a Mione quantos rabos de rato devia usar na Poção de Arrepiar Cabelos quando um vozerio no andar de cima chegou aos ouvidos dos dois.
— É o Filch — murmurou Harry enquanto subiam depressa a escada e paravam, escondidos, apurando os ouvidos.
— Você acha que mais alguém foi atacado? — perguntou Rony tenso.
Os dois ficaram quietos, as cabeças inclinadas na direção da voz de Filch, que parecia um tanto histérica.
—... sempre mais trabalho para mim! Enxugando o chão a noite inteira, como se já não tivesse o suficiente para fazer! Não, isto é a última gota, vou procurar o Dumbledore...
Os passos dele cessaram e os meninos ouviram uma porta bater à distância. Os garotos esticaram as cabeças para espiar mais além do canto. Filch, pelo que viam, estivera em seu posto de vigia habitual: estavam mais uma vez no local em que Madame Nor-r-ra fora atacada. Viram imediatamente a razão dos gritos de Filch.
Uma grande inundação se espalhava por metade do corredor e aparentemente a água ainda não parara de correr por baixo da porta do banheiro da Murta Que Geme. Quando Filch parou de gritar, eles puderam ouvir os lamentos da Murta ecoando pelas paredes do banheiro.
— Agora o que será que ela tem? — exclamou Rony.
— Vamos até lá ver — disse Harry e, levantando as vestes bem acima dos tornozelos, os dois atravessaram aquela agüeira até a porta com o letreiro INTERDITADO, não lhe deram atenção, como sempre, e entraram.
Murta Que Geme chorava, se é que isso era possível, cada vez mais alto e com mais vontade do que nunca. Parecia ter-se escondido no seu boxe habitual. Estava escuro no banheiro porque as velas haviam se apagado com a grande inundação que deixara as paredes e o piso encharcados.
— Que foi Murta?— perguntou Harry.
— Quem é? — engrolou Murta, infeliz — Vêm jogar mais alguma coisa em mim?
Harry meteu os pés na água até o boxe dela.
— Por que eu iria jogar alguma coisa em você?
— É a mim que você pergunta! — gritou Murta, surgindo em meio a mais uma onda líquida, que se espalhou pelo chão já molhado — Estou aqui cuidando da minha vida e alguém acha que é engraçado jogar um livro em mim...
— Mas não deve machucar se alguém joga um livro em você — argumentou Harry — Quero dizer, ele atravessa você, não é mesmo?
Disse a coisa errada. Murta se estufou e gritou com voz aguda:
— Vamos todos jogar livros na Murta, porque ela não é capaz de sentir! Dez pontos se você fizer o livro atravessar a barriga dela! Muito bem, ha, ha, ha! Que ótimo jogo, eu não acho!
— Mas afinal quem jogou o livro em você? — perguntou Harry.
— Eu não sei... eu estava sentada na curva do corredor, pensando na morte, e o livro atravessou a minha cabeça — disse Murta olhando feio para os garotos — Está lá, foi levado pela água...
Harry e Rony espiaram embaixo da pia para onde Murta apontava. Havia um livro pequeno e fino caído ali. Tinha uma capa preta e gasta e estava molhado como tudo o mais naquele banheiro. Harry adiantou-se para apanhá-lo, mas Rony de repente esticou o braço para impedi-lo.
— Que foi?
— Você está maluco — disse Rony — Pode ser perigoso.
— Perigoso? — perguntou Harry rindo — Deixe disso, de que jeito poderia ser perigoso?
— Você ficaria surpreso — disse Rony, olhando apreensivo para o livro — Os livros que o Ministério da Magia tem confiscado, papai me contou, tinha um que queimava os olhos da pessoa. E todo mundo que leu Sonetos de um Bruxo passou a falar em rima para o resto da vida. E uma velha bruxa em Bath tinha um livro que a pessoa não conseguia parar de ler. Passava a andar com a cara no livro, tentando fazer tudo com uma mão só. E...
— Está bem, já entendi.
O livrinho continuava no chão, empapado e indefinível.
— Bem, não vamos descobrir se não dermos uma olhada — falou Harry. Abaixou-se para se desvencilhar de Rony e apanhou o livro do chão.
Harry viu num instante que era um diário, e o ano meio desbotado na capa lhe informou que tinha cinqüenta anos de idade. Abriu-o ansioso. Na primeira página, mal e mal, conseguiu ler o nome “T. S. Riddle”, em tinta borrada.
— Calma aí — disse Rony, que se aproximara cautelosamente e espiava por cima do ombro do amigo — Conheço esse nome... T. S. Riddle recebeu um prêmio por Serviços Especiais Prestados à Escola há cinquenta anos.
— Como é que você sabe? — perguntou Harry admirado.
— Porque Filch me fez polir o escudo desse homem umas cinqüenta vezes durante a minha detenção — disse Rony com raiva — Daquela vez que arrotei lesmas para todo o lado. Se você tivesse tirado lesmas de um nome durante uma hora, você também se lembraria.
Harry separou as páginas molhadas. Estavam completamente em branco. Não havia o menor vestígio de escrita em nenhuma delas, nem mesmo Aniversário de Tia Magda ou dentista as três e meia.
— Não entendo por que alguém quis se descartar dele — comentou Rony, curioso.
Harry virou as costas do livro e viu impresso o nome de uma papelaria na Rua Vauxhall, em Londres.
— O dono deve ter nascido trouxa — disse Harry pensativo — Para ter comprado um diário na Rua Vauxhall...
— Bom, não vai servir para você — disse Rony. E baixando a voz — Cinquenta pontos se você conseguir fazer ele atravessar o nariz da Murta.
Harry, porém, meteu o diário no bolso.
Hermione deixou a Ala Hospitalar, sem bigodes, sem rabo, sem pelos, no início de Fevereiro. Na primeira noite de volta à Torre da Grifinória, Harry lhe mostrou o diário de T. S. Riddle e lhe contou como o tinham encontrado.
— Aaah, talvez tenha poderes secretos — disse a garota, entusiasmada, apanhando o diário e examinando-o com atenção.
— Se tiver, deve estar escondendo esses poderes muito bem — disse Rony — Vai ver é tímido. Não sei por que você não joga esse diário fora, Harry.
— Eu queria saber por que alguém tentou jogá-lo fora. E também gostaria de saber por que foi que Riddle recebeu um prêmio por Serviços Especiais Prestados a Hogwarts.
— Pode ter sido por qualquer coisa — disse Rony — Talvez tenha ganho trinta corujas ou salvou um professor dos tentáculos de uma lula gigante. Talvez tenha assassinado a Murta. Isso teria sido um favor para todo mundo...
Mas Harry podia dizer pela expressão parada no rosto de Mione que ela estava pensando o que ele estava pensando.
— Que foi? — perguntou Rony olhando de um para outro.
— Bom, a Câmara Secreta foi aberta há cinqüenta anos, não foi? Foi o que Draco disse.
— E... — disse Rony lentamente.
— E este diário tem cinqüenta anos — disse Hermione, tamborilando os dedos nele, agitada.
— E daí?
— Ah, Rony, vê se acorda — retrucou a garota — Sabemos que quem abriu a Câmara da última vez foi expulso há cinquenta anos. Sabemos que T. S. Riddle recebeu um prêmio por Serviços Especiais Prestados à Escola há cinquenta anos. Muito bem, e se Riddle recebeu o prêmio por ter pego o Herdeiro de Slytherin? O diário dele provavelmente nos contaria tudo, onde fica a Câmara, como abri-la, que tipo de criatura mora lá, e a pessoa que está por trás desses ataques desta vez não gostaria de ver o diário rolando por aí, não é?
— É uma teoria brilhante, Mione — disse Rony — Só tem um furinho pequenininho. Não tem nada escrito no diário.
Mas Hermione estava tirando a varinha de dentro da mochila.
— Talvez a tinta seja invisível! — sussurrou.
A garota deu três toques no diário e disse:
Aparedum!
Nada aconteceu. Sem desanimar, Mione meteu outra vez a mão na mochila e tirou uma coisa que parecia uma borracha vermelho-berrante.
— É um revelador que comprei no Beco Diagonal — explicou. Ela esfregou a borracha com força em primeiro de janeiro.
Nada aconteceu.
— Estou dizendo que não tem nada aí para se achar — falou Rony — Riddle simplesmente ganhou um diário de Natal e não se deu o trabalho de usá-lo.
Harry não conseguiu explicar, nem para si mesmo, por que simplesmente não jogou fora o diário de Riddle. O fato era que, mesmo sabendo que o diário estava em branco, não parava de pegá-lo distraidamente e de folheá-lo, como se fosse uma história que ele quisesse terminar.
E embora tivesse certeza de que nunca ouvira falar em T. S. Riddle antes, ainda assim o nome parecia significar alguma coisa para ele, quase como se Riddle fosse um amigo que tivera quando era muito pequeno, e meio que esquecera. Mas isto era absurdo. Nunca tivera amigos antes de Hogwarts. Duda cuidara disso.
Ainda assim, Harry estava decidido a descobrir mais sobre Riddle. Por isso, próximo ao amanhecer, rumou para a Sala de Troféus para examinar o prêmio especial de Riddle, acompanhado por uma Mione interessada e um Rony completamente descrente, que disse aos dois que já vira a Sala de Troféus o suficiente para uma vida inteira.
O escudo dourado de Riddle estava guardado em um armário de canto. Não continha detalhes sobre as razões por que fora concedido (“Ainda bem, porque seria maior e eu ainda estaria polindo essa coisa”, disse Rony). Mas eles encontraram o nome de Riddle em uma velha medalha de Mérito em Magia e em uma lista de antigos monitores-chefes.
— Ele até parece o Percy — disse Rony, torcendo o nariz enojado — Monitor, monitor-chefe... provavelmente o primeiro aluno em todas as classes...
— Você fala isso como se fosse uma coisa ruim — disse Hermione num tom ligeiramente magoado.
O sol agora voltara a brilhar palidamente sobre Hogwarts. No interior do castelo, as pessoas se sentiam mais esperançosas. Não houvera mais ataques desde os de Justino e Nick Sem Cabeça, e Madame Pomfrey tinha o prazer de informar que as mandrágoras estavam ficando imprevisíveis e cheias de segredinhos, o que significava que iam deixando depressa a infância.
— Quando desaparecer a acne delas, estarão prontas para serem reenvasadas — Harry ouviu-a dizer gentilmente ao Filch uma certa tarde — E depois disso, iremos cortá-las e cozinhá-las. Num instante você terá a sua Madame Nor-r-ra de volta.
Talvez o Herdeiro de Slytherin tenha perdido a coragem, pensou Harry. Devia estar-se tornando cada vez mais arriscado abrir a Câmara Secreta, com a escola tão atenta e desconfiada. Talvez o monstro, fosse o que fosse, estivesse neste mesmo momento se aninhando para hibernar outros cinqüenta anos...
Ernesto Macmillan da Lufa-Lufa não concordava com essa visão otimista. Continuava convencido de que Harry era o culpado, que ele “se denunciara” no Clube de Duelos. Pirraça não estava ajudando nada: a toda hora aparecia nos corredores cheios de alunos, cantando: “Ah, Potter podre...”, agora com um número de dança para acompanhar.
Gilderoy Lockhart parecia pensar que, sozinho, fizera os ataques pararem. Harry ouviu-o dizer isso à Profª. McGonagall quando os alunos da Grifinória faziam fila para ir à aula de Transfiguração.
— Acho que não vai haver mais problemas, Minerva — disse ele dando um tapinha no nariz e uma piscadela com ar de quem sabe das coisas — Acho que a Câmara foi fechada para sempre desta vez. O culpado deve ter sentido que era apenas uma questão de tempo até nós o pegarmos. Achou mais sensato parar agora, antes que eu o liquidasse. Sabe, o que a escola precisa agora é de uma injeção no moral. Esquecer as lembranças do período passado! Não vou dizer mais nada por ora, mas acho que sei exatamente o que...
E dando outra pancadinha no nariz se afastou decidido.
A ideia que Lockhart fazia de uma injeção no moral tornou-se clara no café da manhã de catorze de Fevereiro. Harry não dormira o suficiente por causa de um treino de Quadribol até tarde, na véspera, e correu para o Salão Principal, um pouco atrasado. Pensou, por um momento, que tivesse entrado na porta errada.
As paredes estavam cobertas com grandes flores rosa-berrante. E pior ainda, de um teto azul-celeste caía confete em feitio de coração. Harry dirigiu-se à mesa da Grifinória, onde Rony estava sentado com cara de enjoo, e Hermione parecia não conseguir parar de rir.
— Que é que está acontecendo? — perguntou Harry aos dois, sentando-se e limpando o confete do bacon.
Rony apontou para a mesa dos professores, aparentemente nauseado demais para falar.
Lockhart, usando vestes rosa-berrante, para combinar com a decoração, gesticulava pedindo silêncio. Os professores, de cada lado dele, estavam impassíveis. De onde se sentara, Harry podia ver um músculo tremendo na bochecha da Profª. McGonagall. Snape parecia que tinha acabado de tomar um grande copo de Esquelesce.
— Feliz Dia dos Namorados! — exclamou Lockhart — E será que posso agradecer às quarenta e seis pessoas que me mandaram cartões até o momento? Claro, tomei a liberdade de fazer esta surpresinha para vocês, e ela não acaba aqui!
Lockhart bateu palmas e, pela porta que abria para o Saguão de Entrada, entraram onze anões de cara amarrada. Mas não eram uns anões quaisquer. Lockhart mandara-os usar asas douradas e trazer harpas.
— Os meus cupidos, entregadores de cartões! — sorriu Lockhart — Eles vão circular pela escola durante o dia de hoje entregando os cartões dos namorados. E a brincadeira não termina aí! Tenho certeza de que os meus colegas vão querer entrar no espírito festivo da data! Por que não pedir ao Prof. Snape para lhes ensinar a preparar uma Poção de Amor! E por falar nisso, o Prof. Flitwick conhece mais Feitiços de Fascinação do que qualquer outro mago que eu conheça, o santinho!
O Prof. Flitwick escondeu o rosto nas mãos. Snape fez cara de que obrigaria a beber veneno o primeiro aluno que lhe pedisse uma Poção de Amor.
— Por favor, Mione, me diga que você não foi uma das quarenta e seis — disse Rony ao deixarem o Salão Principal para assistir à primeira aula.
A garota de repente ficou muito interessada em procurar na mochila o seu horário e não respondeu.
O dia inteiro, os anões não pararam de invadir as salas de aula e entregar cartões, para irritação dos professores e, no fim daquela tarde, quando os alunos da Grifinória iam subindo para a aula de Feitiços, um dos anões alcançou Harry.
— Oi, você! “Arry” Potter! — gritou um anão particularmente mal-encarado, que abria caminho às cotoveladas para chegar até Harry.
Cheio de calores só de pensar em receber um cartão do dia dos namorados na frente de uma fileira de alunos de primeiro ano, que por acaso incluía Gina Weasley. Harry tentou escapar. O anão, porém, meteu-se por entre a garotada chutando as canelas de todos e o alcançou antes que o garoto pudesse se afastar dois passos.
— Tenho um cartão musical para entregar a “Arry” Potter em pessoa — disse, empunhando a harpa de um jeito meio assustador.
— Aqui não — sibilou Harry, tentando escapar.
— Fique parado! — grunhiu o anão, agarrando a mochila de Harry e puxando-o de volta.
— Me solta! — rosnou o garoto, puxando.
Com um barulho de pano rasgado, a mochila se rompeu ao meio. Os livros, a varinha, o pergaminho e a pena se espalharam pelo chão, e o vidro de tinta se derramou por cima de tudo.
Harry virou-se para todos os lados, tentando reunir tudo antes que o anão começasse a cantar, causando um certo engarrafamento no corredor.
— Que é que está acontecendo aqui? — ouviu-se a voz fria e arrastada de Draco Malfoy.
Harry começou a enfiar tudo febrilmente na mochila rasgada, desesperado para sair dali antes que Draco pudesse ouvir o cartão musical.
— Que confusão é essa? — perguntou outra voz conhecida.
Era Percy Weasley que se aproximava.
Perdendo a cabeça, Harry tentou correr, mas o anão o agarrou pelos joelhos e o derrubou com estrondo no chão.
— Muito bem — disse ele, sentando-se em cima dos calcanhares de Harry — Vamos ao seu cartão cantado:

Teus olhos são verdes como sapinhos cozidos,
Teus cabelos negros como um quadro de aula.
Queria que tu fosses meu, garoto divino,
Herói que venceu o malvado Lorde das Trevas.

Harry teria dado todo o ouro de Gringotes para se evaporar na hora. Fazendo um grande esforço para rir com os colegas, ele se levantou, os pés dormentes com o peso do anão, enquanto Percy Weasley fazia o possível para dispersar os alunos, alguns chorando de tanto rir.
— Vão andando, vão andando, a sineta tocou há cinco minutos, já para a aula — disse o monitor, espantando os alunos mais novos — E você, Malfoy...
Harry, erguendo a cabeça, viu Draco se abaixar e apanhar alguma coisa. Mostrou-a, debochando, a Crabbe e Goyle, e Harry percebeu que ele se apossara do diário de Riddle.
— Devolva isso aqui — disse Harry controlado.
— Que será que Potter andou escrevendo nisso? — disse Draco, que obviamente não reparara na data impressa na capa e pensava que era o diário de Harry.
Fez-se silêncio entre os presentes.
Gina olhava do diário para Harry, com cara de terror.
— Devolva, Malfoy — disse Percy com severidade.
— Depois que eu olhar — disse Draco, agitando o diário no ar para enraivecer Harry.
Percy falou:
— Como monitor... — mas Harry perdera a paciência.
Puxou a varinha e gritou:
— Expelliarmus! — e do mesmo jeito que Snape desarmara Lockhart, Draco viu o diário sair voando de sua mão.
Rony, com um grande sorriso, apanhou-o.
— Harry! — disse Percy em voz alta — Nada de mágica nos corredores. Vou ter que reportar isso, sabe!
Mas Harry não se importou, ganhara uma vez de Draco e isso valia cinco pontos da Grifinória em qualquer dia. Draco ficou furioso e, quando Gina passou por ele para entrar na sala de aula, gritou despeitado:
— Acho que Potter não gostou muito do seu cartão!
Gina cobriu o rosto com as mãos e correu para dentro da sala. Rosnando, Rony puxou a varinha também, mas Harry agarrou-o para afastá-lo. O amigo não precisava passar a aula de Feitiços inteira arrotando lesmas.
Somente quando chegaram à sala de aula do Prof. Flitwick foi que Harry notou uma coisa muito estranha no diário de Riddle.
Todos os seus livros estavam ensopados de tinta vermelha. O diário, porém, continuava tão limpo como antes do tinteiro quebrar em cima dele. Tentou dizer isto a Rony, que estava enfrentando novos problemas com a varinha; grandes bolhas saiam da ponta, e ele não estava muito interessado em nada mais.
Harry se recolheu ao dormitório antes dos colegas àquela noite. Em parte era porque achava que não ia conseguir aguentar Fred e Jorge cantando “Teus olhos são verdes como sapinhos cozidos” mais uma vez, e em parte porque queria examinar o diário de Riddle e sabia que Rony achava que era uma perda de tempo.
Harry sentou-se na cama de colunas e folheou as páginas em branco, nenhuma das quais tinha sequer vestígio de tinta vermelha. Então tirou um tinteiro novo do armário ao lado da cama, molhou a pena e deixou cair um pingo na primeira página do diário.
A tinta brilhou intensamente no papel durante um segundo e, em seguida, como se estivesse sendo chupada pela página, desapareceu. Excitado, Harry tornou a molhar a pena uma segunda vez e escreveu: “Meu nome é Harry Potter”.
As palavras brilharam momentaneamente na página e também desapareceram sem deixar vestígios. Então, finalmente, aconteceu uma coisa. Filtrando-se de volta à página, com a própria tinta de Harry, surgiram palavras que ele nunca escrevera.
“Olá, Harry Potter! Meu nome é Tom Riddle. Como foi que você encontrou o meu diário?”
Essas palavras também se dissolveram, mas não antes de Harry recomeçar a escrever.
— “Alguém tentou se desfazer dele no vaso sanitário”.
Ele esperou, ansioso, pela resposta de Riddle.
“Que sorte que registrei minhas memórias em algo mais durável que a tinta. Mas sempre soube que haveria gente que não ia querer que este diário fosse lido”.
— “Que quer dizer com isso?”, escreveu Harry, borrando a página de tanta excitação.
“Quero dizer que este diário guarda memórias de coisas terríveis. Coisas que foram abafadas. Coisas que aconteceram na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts”.
— “É onde eu estou agora”, respondeu Harry depressa. “Estou em Hogwarts e coisas terríveis estão acontecendo. Sabe alguma coisa sobre a Câmara Secreta?”
Seu coração batia forte.
A resposta de Riddle veio depressa, a caligrafia mais desleixada, como se estivesse correndo para contar tudo o que sabia.
“Claro que sei alguma coisa sobre a Câmara Secreta. No meu tempo, disseram à gente que era uma lenda, que não existia. Mas era uma mentira. No meu quinto ano, a Câmara foi aberta e o monstro atacou vários alunos e finalmente matou um. Peguei a pessoa que tinha aberto a Câmara e ela foi expulsa. Mas o diretor, Prof. Dippet, constrangido porque uma coisa dessas acontecera em Hogwarts, proibiu-me de contar a verdade. A história que foi divulgada é que a menina morrera em um acidente imprevisível. Eles me deram um troféu bonito, reluzente e gravado, pelo meu trabalho, e me avisaram para ficar de boca fechada. O monstro continuou vivo, e aquele que tinha o poder de libertá-lo não foi preso”.
Harry quase derrubou o tinteiro na pressa de responder.
— “Está acontecendo outra vez agora. Houve três ataques, e ninguém parece saber quem está por trás deles. Quem foi da última vez?”
“Posso lhe mostrar, se você quiser”. Veio a resposta de Riddle. “Você não precisa acreditar no que digo. Posso levá-lo à minha lembrança da noite em que o peguei”.
Harry hesitou, a pena suspensa sobre o diário. Que é que Riddle queria dizer? Como é que ele podia ser levado para dentro da lembrança de outra pessoa? Olhou nervoso, para a porta do dormitório que estava ficando escuro. Quando tornou a olhar para o diário, viu novas palavras se formando.
“Deixe eu lhe mostrar”.
Harry parou por uma fração de segundo e em seguida escreveu duas letras:
— “Ok.”
As páginas do diário começaram a virar como se tivessem sido apanhadas por um vendaval e pararam na metade do mês de Junho. Boquiaberto, Harry viu que o quadradinho correspondente ao dia treze de Junho parecia ter-se transformado numa telinha de televisão. Com as mãos ligeiramente trêmulas, ele ergueu o livro para encostar o olho na janelinha e antes que entendesse o que estava acontecendo, viu-se inclinando para frente, a janela foi se alargando, ele sentiu o corpo abandonar a cama e mergulhar de cabeça na abertura da página, num rodamoinho de cores e sombras. Depois, sentiu o pé bater em chão firme e ficou parado, trêmulo, e as formas borradas à sua volta entraram de repente em foco.
Soube imediatamente onde se achava. Essa sala circular com os retratos que cochilavam era o escritório de Dumbledore, mas não era Dumbledore quem se sentava à escrivaninha. Um bruxo mirrado e frágil, careca, exceto por alguns fiapos de cabelos brancos, lia uma carta à luz da vela. Harry nunca vira esse homem antes.
— Sinto muito — disse, trêmulo — Não tive intenção de entrar assim...
Mas o bruxo não ergueu a cabeça. Continuou a ler, franzindo ligeiramente a testa.
Harry se aproximou mais da escrivaninha e gaguejou:
— Hum... vou me retirar, posso?
O bruxo continuou a não lhe dar atenção. Nem parecia tê-lo ouvido. Achando que o bruxo talvez fosse surdo, Harry falou mais alto.
— Sinto muito se o incomodei. Vou-me embora agora — falou quase gritando.
O bruxo dobrou a carta com um suspiro, levantou-se, passou por Harry sem olhá-lo e foi abrir as cortinas da janela. O céu lá fora estava cor de rubi; parecia ser o pôr-do-sol. O bruxo voltou à escrivaninha, sentou-se e ficou girando os polegares, de olho na porta.
Harry correu o olhar pela sala. Não havia Fawkes, a fênix, nem mecanismos barulhentos de prata. Era a Hogwarts que Riddle conhecera, o que significava que este bruxo desconhecido era o diretor em vez de Dumbledore, e que ele, Harry, era pouco mais do que um fantasma, completamente invisível às pessoas de cinqüenta anos atrás.
Alguém bateu à porta da sala.
— Entre — disse o velho bruxo com a voz fraca.
Um menino de uns dezesseis anos entrou tirando o chapéu cônico. Um distintivo de monitor brilhava em seu peito. Ele era mais alto do que Harry, mas seus cabelos também eram muito negros.
— Ah, Riddle — exclamou o diretor.
— O senhor queria me ver, Prof. Dippet — disse o garoto, que parecia nervoso.
— Sente-se — convidou Dippet — Acabei de ler a carta que você me mandou.
— Ah — disse Riddle, e se sentou apertando as mãos com força.
— Meu caro rapaz — disse Dippet bondosamente — Não posso deixá-lo permanecer na escola durante o verão. Com certeza você quer ir para a casa passar as férias?
— Não — respondeu Riddle na mesma hora — Preferia continuar em Hogwarts do que voltar para aquele... aquele...
— Você mora num orfanato de trouxas nas férias, não é? — perguntou Dippet, curioso.
— Moro, sim, senhor — respondeu Riddle, corando ligeiramente.
— Você nasceu trouxa?
— Mestiço. Pai trouxa e mãe bruxa.
— E seus pais...
— Minha mãe morreu logo depois que eu nasci. Me disseram no orfanato que ela só viveu o tempo suficiente para me dar um nome... Tom, em homenagem ao meu pai, Servolo, au meu avô.
Dippet deu um muxoxo de simpatia.
— O problema é, Tom — suspirou ele — Que talvez pudéssemos tomar providências para acomodá-lo, mas nas atuais circunstâncias...
— O senhor se refere aos ataques? — perguntou Riddle, e o coração de Harry deu um salto, ao que ele se aproximou mais, com medo de perder alguma palavra.
— Precisamente — disse o diretor — Meu rapaz, você deve entender que seria muito insensato de minha parte permitir que você permaneça no castelo quando terminar o ano letivo. Principalmente à luz da recente tragédia... a morte daquela pobre menininha... você estará muito mais seguro no seu orfanato. Aliás, o Ministério da Magia está neste momento falando em fechar a escola. Não estamos nem perto de identificar a... hum... fonte de todos esses contratempos...
Os olhos de Riddle se arregalaram.
— Diretor, se a pessoa fosse apanhada, se tudo isso acabasse...
— Que quer dizer? — perguntou Dippet esganiçando a voz e aprumando-se na cadeira — Riddle, você está me dizendo que sabe alguma coisa sobre esses ataques?
— Não, senhor — respondeu Riddle depressa.
Mas Harry teve certeza de que era o mesmo tipo de “não” que ele próprio dissera a Dumbledore.
Dippet se recostou parecendo ligeiramente desapontado.
— Pode ir, Tom...
Riddle se levantou escorregando para fora da cadeira e saiu acabrunhado da sala.
Harry acompanhou-o. Eles desceram pela escada em caracol e saíram ao lado da gárgula no corredor que escurecia. Riddle parou, e Harry fez o mesmo, observando-o. Era visível que Riddle estava pensando em coisas sérias. Mordia o lábio e franzia a testa.
Então, como se tivesse repentinamente chegado a uma decisão, afastou-se depressa, e Harry deslizou silenciosamente atrás dele. Não viram mais ninguém até chegarem ao Saguão de Entrada, onde um bruxo alto, com barba e longos cabelos acajus que cascateavam pelos seus ombros, chamou Riddle da escadaria de mármore.
— Que é que você está fazendo, andando por ai tão tarde, Tom?
Harry boquiabriu-se ao ver o bruxo. Não era outro se não Dumbledore, cinqüenta anos mais novo.
— Tive que ir ver o diretor.
— Então vá logo para a cama — disse Dumbledore, fixando em Riddle exatamente o tipo de olhar penetrante que Harry conhecia tão bem — É melhor não perambular pelos corredores hoje em dia. Não desde que...
Ele soltou um pesado suspiro, desejou boa noite a Riddle e foi-se embora. Riddle observou-o desaparecer de vista e então, andando depressa, rumou direto para a escada de pedra que levava às masmorras, com Harry nos seus calcanhares.
Mas para desapontamento de Harry, Riddle não o levou nem a um corredor oculto nem a um túnel secreto, mas a mesmíssima masmorra em que Harry tinha aula de Poções com Snape. Os archotes não tinham sido acesos e, quando Riddle empurrou a porta quase fechada, Harry só conseguiu distinguir que ele parara imóvel à porta, vigiando o corredor. Pareceu a Harry que ficaram ali no mínimo uma hora. Só o que ele via era o vulto de Riddle à porta, espiando pela fresta, esperando como uma estátua. E quando Harry esqueceu a ansiedade e a tensão e começou a desejar voltar ao presente, ouviu alguma coisa do lado de fora da porta.
Alguém estava andando sorrateiramente pelo corredor. Ouviu esse alguém passar pela masmorra em que ele e Riddle estavam escondidos. Riddle, silencioso como uma sombra, esgueirou-se pela porta e seguiu a pessoa, Harry acompanhou-o nas pontas dos pés, esquecido de que ninguém podia ouvi-lo. Por uns cinco minutos, talvez, os dois seguiram as pegadas, até que Riddle parou subitamente, a cabeça inclinada, atento a novos ruídos.
Harry ouviu uma porta se abrir com um rangido, e alguém falar num sussurro rouco.
— Vamos... preciso sair daqui... vamos logo... para a caixa...
Havia alguma coisa familiar naquela voz...
De um salto Riddle contornou um canto. Harry foi atrás. Via a silhueta escura de um garoto enorme, agachado diante de uma porta aberta, com uma grande caixa ao lado.
— Noite, Rúbeo — disse Riddle rispidamente.
O garoto bateu a porta e se levantou.
— Que é que você está fazendo aqui em baixo, Tom?
Riddle se aproximou.
— Acabou — disse — Vou ter que entregá-lo, Rúbeo. Estão falando em fechar Hogwarts se os ataques não pararem.
— Que é que...
— Acho que você não teve intenção de matar ninguém. Mas monstros não são bichinhos de estimação. Imagino que você o tenha soltado para fazer exercício e...
— Ele nunca mataria ninguém! — disse o garotão, recuando contra a porta fechada.
Atrás dele, Harry podia ouvir uns rumores e uns cliques esquisitos.
— Vamos, Rúbeo — falou Riddle, aproximando-se ainda mais — Os pais da garota morta estarão aqui amanhã. O mínimo que Hogwarts pode fazer é garantir que a coisa que matou a filha deles seja abatida...
— Não foi ele! — rugiu o garoto, a voz ecoando no corredor escuro — Ele não faria isso! Nunca!
— Afaste-se — disse Riddle, puxando a varinha.
Seu feitiço iluminou repentinamente o corredor com uma luz flamejante. A porta atrás do garotão se escancarou com tal força que o empurrou contra a parede oposta. E pelo vão saiu uma coisa que fez Harry soltar um grito comprido e penetrante que ninguém ouviu...
Um corpanzil baixo e peludo e um emaranhado de pernas pretas, um brilho de muitos olhos e um par de pinças afiadíssimas. Riddle tornou a erguer a varinha, mas demorou demais. A coisa derrubou-o e fugiu, desembestou pelo corredor e desapareceu de vista.
Riddle levantou-se correndo, procurando a coisa. Ergueu a varinha, mas o garotão pulou em cinta dele, tirou-lhe a varinha e o derrubou de novo no chão gritando:
— NAAAAÂÂÃO!
A cena girou, a escuridão foi total, Harry sentiu-se caindo e, com um baque, aterrissou de braços e pernas abertas em sua cama de colunas no dormitório da Grifinória, com o diário de Riddle aberto sobre a barriga. Antes que tivesse tempo de recuperar o fôlego, a porta do dormitório se abriu e Rony entrou.
— Ah, é aqui que você está! — disse.
Harry se sentou. Estava suado e trêmulo.
— Que aconteceu? — perguntou Rony, olhando-o preocupado.
— Foi Hagrid, Rony. Hagrid abriu a porta da Câmara Secreta há cinqüenta anos.









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