quarta-feira, 18 de abril de 2012

Harry Potter e a Câmara Secreta - Capítulo 6







— CAPÍTULO SEIS —
Gilderoy Lockhart



NO DIA SEGUINTE, PORÉM, Harry mal conseguiu sorrir. As coisas começaram a rolar morro abaixo desde o café da manha no Salão Principal. As quatro mesas compridas, cada uma de uma Casa, estavam cobertas de terrinas de mingau de aveia, travessas de peixe defumado, montanhas de torradas e pratos com ovos e bacon, sob o céu encantado (hoje, toldado por nuvens cinzentas).
Harry e Rony sentaram-se à mesa da Grifinória ao lado de Hermione, que tinha um exemplar de Viagens com Vampiros, aberto, e apoiado numa jarra de leite. Havia uma certa formalidade na maneira como ela deu “Bom dia”, o que informou a Harry que ela continuava a desaprovar a maneira como os garotos tinham chegado. Neville Longbottom, por outro lado, cumprimentou-os animado. Neville era um menino de rosto redondo e dado a acidentes, com a pior memória que Harry já vira em alguém.
— O correio deve chegar a qualquer momento, acho que vovó vai me mandar umas coisas que esqueci.
Harry mal tinha começado a comer o mingau quando, a confirmar o comentário, ouviu-se um rumorejo de asas, no alto, e uma centena de corujas entrou, descrevendo círculos pelo salão e deixando cair cartas e pacotes entre os alunos que tagarelavam.
Um grande embrulho disforme bateu na cabeça de Neville, um segundo depois, alguma coisa grande e cinzenta caiu na jarra de Hermione, salpicando todo mundo com leite e penas.
— Errol!— exclamou Rony, puxando pelos pés a coruja molhada para fora da jarra.
Errol caiu, desmaiada, em cima da mesa, as pernas para cima e um envelope vermelho e úmido no bico.
— Ah, não... — exclamou Rony.
— Tudo bem, ele ainda está vivo — disse Hermione, cutucando Errol devagarinho com a ponta do dedo.
— Não é isso, é isto.
Rony estava apontando para o envelope vermelho. Parecia um envelope comum para Harry, mas Rony e Neville olharam para ele como se fosse explodir.
— Que foi? — perguntou Harry.
— Ela... ela me mandou um “berrador” — disse Rony baixinho.
— É melhor abrir, Rony — sugeriu Neville com um sussurro tímido — Vai ser pior se você não abrir. Minha avó um dia me mandou um e eu não dei atenção — ele engoliu em seco — Foi horrível.
Harry olhava dos rostos paralisados dos amigos para o envelope vermelho.
— Que é um berrador? — perguntou.
Mas toda a atenção de Rony estava fixa na carta, que começara a fumegar nos cantos.
— Abra — insistiu Neville — Termina em poucos minutos...
Rony estendeu a mão trêmula, tirou o envelope do bico de Errol e abriu-o. Neville enfiou os dedos nos ouvidos. Uma fração de segundo depois, Harry descobriu o porquê. Pensou por um instante que o envelope explodira; um estrondo encheu o enorme salão, sacudindo a poeira do teto.

... ROUBAR O CARRO, EU NÃO TERIA ME SURPREENDIDO SE O TIVESSEM EXPULSADO, ESPERE ATE EU PÔR AS MÃOS EM VOCÊ, SUPONHO QUE NÃO PAROU PARA PENSAR NO QUE SEU PAI E EU PASSAMOS QUANDO VIMOS QUE O CARRO TINHA DESAPARECIDO...

Os berros da Sra. Weasley, cem vezes mais altos do que de costume, fizeram os pratos e talheres se entrechocarem na mesa e produziram um eco ensurdecedor nas paredes de pedra. As pessoas por todo o salão se viravam para ver quem recebera o berrador, e Rony afundou tanto na cadeira que só deixara a testa vermelha visível.

... A CARTA DE DUMBLEDORE Á NOITE PASSADA, PENSEI QUE SEU PAI IA MORRER DE VERGONHA, NÃO O EDUCAMOS PARA SE COMPORTAR ASSIM, VOCÊ E HARRY PODIAM TER MORRIDO...

Harry estava imaginando quando é que seu nome iria aparecer. Fez muita força para fingir que não estava escutando a voz que fazia seus tímpanos latejarem.

... ABSOLUTAMENTE DESGOSTOSA, SEU PAI ESTA ENFRENTANDO UM INQUÉRITO NO TRABALHO, E É TUDO CULPA SUA, E, SE VOCÊ SAIR UM DEDINHO DA LINHA, VAMOS TRAZÊ-LO DIRETO PARA CASA.

Seguiu-se um silêncio que chegou a ecoar. O envelope vermelho, que caíra das mãos de Rony, pegou fogo e encrespou-se em cinzas. Harry e Rony ficaram aturdidos, como se uma onda gigantesca tivesse acabado de passar por cima deles. Algumas pessoas riram e, aos poucos, a balbúrdia da conversa recomeçou.
Hermione fechou o Viagens com Vampiros e olhou para o cocuruto da cabeça de Rony.
— Bem, não sei o que é que você esperava, Rony, mas você...
— Não me diga que mereci — retrucou Rony com rispidez.
Harry empurrou o prato de mingau. Suas entranhas queimavam de remorso. O Sr. Weasley estava enfrentando um inquérito no trabalho. Depois de tudo que o Sr. e a Sra. Weasley tinham feito por ele durante o verão...
Mas não teve muito tempo para pensar nisso, a Profª. McGonagall vinha passando pela mesa da Grifinória, distribuindo os horários dos cursos. Harry recebeu o dele e viu que a primeira aula era uma aula dupla de Herbologia, com os alunos da Lufa-Lufa. Harry, Rony e Hermione deixaram o castelo juntos, atravessaram a horta e rumaram para as estufas, onde as plantas mágicas eram cultivadas. Pelo menos o berrador fizera uma coisa boa: Hermione parecia achar que tinham sido suficientemente castigados e voltara a ser absolutamente simpática.
Ao se aproximarem das estufas viram o resto da classe em pé, do lado de fora, esperando a Profª. Sprout. Harry, Rony e Hermione tinham acabado de se reunir à turma quando a professora surgiu caminhando pelo gramado, acompanhada de Gilderoy Lockhart. Ela trazia os braços carregados de bandagens, e, com outro aperto de remorso, Harry viu o salgueiro lutador ao longe, com vários ramos em tipóias.
A Profª. Sprout era uma bruxinha atarracada que usava um chapéu remendado sobre os cabelos soltos, geralmente tinha uma grande quantidade de terra nas roupas, e suas unhas teriam feito Tia Petúnia desmaiar. Gilderoy Lockhart, ao contrário, estava imaculado em suas espetaculares vestes azul-turquesa, os cabelos dourados brilhando sob um chapéu também turquesa, com galão dourado e perfeitamente assentado na cabeça.
— Ah, alô — cumprimentou ele, sorrindo para os alunos reunidos — Acabei de mostrar à Profª. Sprout a maneira certa de cuidar de um salgueiro lutador! Mas não quero que vocês fiquem com a ideia de que sou melhor do que ela em Herbologia! Por acaso encontrei várias dessas plantas exóticas nas minhas viagens...
— Estufa três hoje, rapazes! — disse a Profª. Sprout, que tinha um ar visivelmente contrariado, bem diferente de sua habitual expressão animada.
Houve um murmúrio de interesse. Até então, só tinham estudado na estufa número um. A estufa três guardava plantas muito mais interessantes e perigosas. A Profª. Sprout tirou uma chave enorme do cinto e destrancou a porta. Harry sentiu um cheiro de terra molhada e fertilizante mesclados ao perfume pesado de umas flores enormes, do tamanho de sombrinhas que pendiam do teto. Ia entrar em seguida a Rony e Hermione na estufa quando Lockhart estendeu a mão.
— Harry! Estou querendo dar uma palavra... a senhora não se importa se ele se atrasar uns minutinhos, não é, Profª. Sprout?
A julgar pela cara de desagrado da professora, ela se importava sim, mas Lockhart disse:
— É isso aí.
E fechou a porta da estufa na cara dela.
— Harry — disse Lockhart, os dentões brancos faiscando ao sol quando ele balançou a cabeça — Harry, Harry, Harry.
Completamente estupefato, Harry ficou calado.
— Quando ouvi, bem, é claro que foi tudo minha culpa. Tive vontade de me chutar.
Harry não fazia ideia do que é que o professor estava falando. Ia dizer isso quando Lockhart acrescentou:
— Nunca fiquei tão chocado em minha vida. Chegar a Hogwarts num carro voador! Bem, é claro, entendi na mesma hora por que você fez isso. Estava na cara. Harry, Harry, Harry.
Era incrível como é que ele conseguia mostrar cada um daqueles dentes brilhantes até quando não estava falando.
— Teve uma provinha de publicidade, não foi? — disse Lockhart — Ficou mordido. Esteve na primeira página comigo e não pôde esperar para repetir o feito.
— Ah, não, Professor, sabe...
— Harry, Harry, Harry — disse Lockhart, segurando-o pelo ombro — Eu compreendo. É natural querer mais depois de provar uma vez, e eu me culpo por ter-lhe dado a oportunidade, porque a coisa não podia deixar de lhe subir à cabeça, mas olhe aqui, rapaz, você não pode começar a voar em carros para tentar chamar atenção para a sua pessoa. É bom se acalmar, está bem? Tem muito tempo para isso quando for mais velho. E, é, sei o que está pensando! “Tudo bem para ele, já é um bruxo internacionalmente conhecido!”. Mas quando eu tinha doze anos, era um João-Ninguém como você é agora. Diria até que era mais João-Ninguém! Quero dizer, algumas pessoas já ouviram falar de você, não é mesmo? Todo aquele episódio com Ele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado! — ele olhou para a cicatriz em forma de raio na testa de Harry — Eu sei, eu sei, não é tão bom quanto ganhar o Prêmio do Sorriso mais Atraente do Semanário dos Bruxos cinco vezes seguidas, como eu, mas é um começo, Harry, é um começo.
Ele deu uma piscadela cordial a Harry e foi-se embora a passos largos. Harry continuou aturdido por alguns segundos, depois, lembrando-se de que devia estar na estufa, abriu a porta e entrou sem chamar atenção.
A Profª. Sprout estava parada atrás de uma mesa de cavalete no centro da estufa. Havia uns vinte pares de abafadores de ouvidos de cores diferentes arrumados sobre a mesa. Quando Harry tomou seu lugar entre Rony e Hermione, a professora disse:
— Vamos reenvasar mandrágoras hoje. Agora, quem é que sabe me dizer as propriedades da mandrágora?
Ninguém se surpreendeu quando a mão de Hermione foi a primeira a se levantar.
— A mandrágora é um tônico reconstituinte muito forte — disse Hermione, parecendo, como sempre, que engolira o livro-texto — É usada para trazer de volta as pessoas que foram transformadas ou foram enfeitiçadas no seu estado natural.
— Excelente. Dez pontos para a Grifinória — disse a Profª. Sprout — A mandrágora é parte essencial da maioria dos antídotos. Mas, é também perigosa. Quem sabe me dizer o porquê?
A mão de Hermione errou por pouco os óculos de Harry quando ela a levantou mais uma vez.
— O grito da mandrágora é fatal para quem o ouve — disse a garota prontamente.
— Exatamente. Mais dez pontos. Agora as mandrágoras que temos aqui ainda são muito novinhas.
Ela apontou para uma fileira de tabuleiros fundos ao falar, e todos se aproximaram para ver melhor. Umas cem moitinhas repolhudas, verde arroxeadas, cresciam em fileiras nos tabuleiros. Não pareciam ter nada de mais para Harry, que não fazia a menor idéia do que Hermione quisera dizer com o “grito” da mandrágora.
— Agora apanhem um par de abafadores de ouvidos — mandou a professora.
Os alunos correram para a mesa para tentar apanhar um par que não fosse peludo nem cor-de-rosa.
— Quando eu mandar vocês colocarem os abafadores, certifiquem-se de que suas orelhas ficaram completamente cobertas — disse ela — Quando for seguro remover os abafadores eu erguerei o polegar para vocês. Certo... coloquem os abafadores.
Harry ajustou os abafadores nos ouvidos. Eles vedaram completamente o som. A Profª. Sprout colocou o seu par peludo e cor-de-rosa nas orelhas, enrolou as mangas das vestes, agarrou uma moitinha de mandrágora com firmeza e puxou-a com força. Harry deixou escapar uma exclamação de surpresa que ninguém ouviu. Em vez de raízes, um bebezinho extremamente feio saiu da terra. As folhas cresciam diretamente de sua cabeça. Ele tinha a pele verde-clara malhada e era visível que berrava a plenos pulmões.
A professora tirou um vaso de plantas grande de sob a bancada e mergulhou nele a mandrágora, cobrindo-a com o composto escuro e úmido até ficarem apenas as folhas visíveis. Depois, limpou as mãos, fez sinal com o polegar para os alunos e retirou os abafadores dos ouvidos.
— As nossas mandrágoras são apenas miudinhas, por isso seus gritos ainda não dão para matar — disse ela calmamente como se não tivesse feito nada mais excitante do que regar uma begônia — Mas, elas deixarão vocês inconscientes por varias horas, e como tenho certeza de que nenhum de vocês quer perder o primeiro dia na escola, certifiquem-se de que seus abafadores estão no lugar antes de começarem a trabalhar. Chamarei sua atenção quando estiver na hora da saída. Quatro para cada tabuleiro, há um bom estoque de vasos aqui, o composto está nos sacos ali adiante, e tenham cuidado com aquela planta de tentáculos venenosos. Está criando dentes.
Ela deu uma palmada enérgica em uma planta vermelha e espinhosa ao falar, fazendo-a recolher os longos tentáculos que avançavam sorrateiramente pelo seu ombro.
Harry, Rony e Hermione dividiram o tabuleiro com um garoto de cabelos cacheados da Lufa-Lufa que Harry conhecia de vista, mas com quem nunca falara.
— Justino Finch-Fletchley — apresentou-se ele animado, apertando a mão de Harry — Eu sei quem você é, claro, o famoso Harry Potter... e você é Hermione Granger, sempre a primeira em tudo — Hermione deu um grande sorriso quando o garoto também apertou sua mão — E Rony Weasley. O carro voador era seu, não era?
Rony não sorriu. O berrador obviamente continuava em seus pensamentos.
— Aquele Lockhart é o máximo, não acha? — disse Justino, feliz, quando começaram a encher os vasos de planta com fertilizante de bosta de dragão — Um cara super corajoso. Você leu os livros dele? Eu teria morrido de medo se tivesse sido acuado em uma cabine telefônica por um lobisomem, mas ele continuou na dele e, zás, simplesmente fantástico. Eu estava inscrito em Eton[1], sabe. Nem sei dizer como estou contente de, em vez disso, ter vindo para cá. Claro, minha mãe ficou um pouco desapontada, mas desde que a fiz ler os livros de Lockhart acho que começou a perceber como será útil ter na família alguém formado em magia...

[1] Eton College é uma escola britânica de grande renome, exclusiva para garotos. Se Justino estava inscrito na Eton, certamente seus pais são o que os demais trouxas chamam de “ricos, muito ricos”.

Depois disso não houve muito o que conversar. Tinham tornado a colocar os abafadores e precisavam se concentrar nas mandrágoras.
A Profª. Sprout fizera a tarefa parecer extremamente fácil, mas não era. As mandrágoras não gostavam de sair da terra, mas tampouco pareciam querer voltar para ela. Contorciam-se, chutavam, sacudiam os pequenos punhos afiados e arreganhavam os dentes. Harry gastou dez minutos inteiros tentando espremer uma planta particularmente gorda dentro de um vaso.
Lá pelo fim da aula, Harry, como todos os outros, estava suado, dolorido e coberto de terra. Eles voltaram ao castelo para se lavar rapidamente, e então os alunos da Grifinória correram para a aula de Transfiguração.
As aulas da Profª. McGonagall eram sempre trabalhosas, mas a de hoje estava particularmente difícil. Tudo que Harry aprendera no ano anterior parecia ter-se esvaído de sua cabeça durante o verão. Devia transformar um besouro em um botão, mas a única coisa que conseguiu foi forçar o besouro a fazer muito exercício, pois o inseto corria por toda a superfície da carteira para fugir de sua varinha.
Rony estava enfrentando um problema muito pior. Tinha remendado a varinha com um pouco de fita adesiva que pedira emprestada, mas a varinha parecia danificada para sempre. Não parava de estalar e faiscar nas horas mais estranhas, e cada vez que Rony tentava transformar o besouro ela o envolvia em uma densa fumaça cinzenta que cheirava a ovos podres. Acidentalmente ele esmagou o seu besouro com o cotovelo e teve que pedir um novo. A Profª. McGonagall não ficou nada satisfeita.
Foi um alívio para Harry ouvir a sineta para o almoço. Seu cérebro parecia ter virado uma esponja espremida. Todos saíram da sala exceto ele e Rony, que, furioso, dava golpes de varinha na carteira.
— Coisa, burra, inútil.
— Escreva para casa pedindo uma nova — sugeriu Harry quando a varinha produziu uma saraivada de tiros feito um rojão.
— Ah, sim, e recebo outro berrador em resposta — disse Rony enfiando na mochila a varinha, que agora sibilava — “A culpa é sua se sua varinha partiu...”
Os três amigos desceram para o refeitório, onde o humor de Rony não melhorou ao ver a coleção de botões perfeitos que Hermione mostrava ter feito na aula de Transfiguração.
— Que vamos ter hoje à tarde? — perguntou Harry, mudando de assunto depressa.
— Defesa Contra as Artes das Trevas — respondeu Hermione na mesma hora.
— Por que — perguntou Rony, apanhando o horário dela — Você sublinhou com coraçõezinhos as aulas de Lockhart?
Hermione puxou o horário da mão de Rony, corando loucamente.
Quando terminaram o almoço os três saíram para o pátio nublado. Hermione se sentou em um degrau de pedra e tornou a enfiar o nariz em Viagens com Vampiros. Harry e Rony ficaram discutindo Quadribol durante vários minutos até Harry perceber que estava sendo atentamente vigiado. Ao erguer os olhos, viu que o garoto miudinho de cabelos louro-cinza que ele vira experimentando o Chapéu Seletor na véspera o encarava como que paralisado. Estava agarrado a um objeto que parecia uma máquina fotográfica de trouxas e, no momento em que Harry olhou para ele, ficou escarlate.
— Tudo bem, Harry? Sou... Colin Creevey — disse o menino sem fôlego, adiantando-se hesitante — Sou da Grifinória também. Você acha que tem algum problema se... posso tirar uma foto? — disse, erguendo a máquina, esperançoso.
— Uma foto? — repetiu Harry sem entender.
— Para provar que conheci você — disse Colin Creevey ansioso, aproximando-se mais — Sei tudo sobre você. Todo mundo me contou. Como foi que você sobreviveu quando Você-Sabe-Quem tentou matá-lo e como foi que ele desapareceu e tudo o mais, e como você ainda conserva a cicatriz em forma de raio na testa — seus olhos esquadrinharam a raiz dos cabelos de Harry — E um garoto no meu dormitório disse que se eu revelar o filme na poção correta, as fotos vão se mexer.
Colin inspirou profundamente, estremecendo de excitação, e disse:
— Isto aqui é fantástico, não acha? Eu não sabia que as coisas estranhas que eu fazia eram magia até receber uma carta de Hogwarts. Meu pai é leiteiro, ele também não conseguia acreditar. Então estou tirando um montão de fotos para levar para ele. E seria bem bom se tivesse a sua.
O garoto olhou para Harry como se implorasse.
— Quem sabe o seu amigo podia tirar, e eu podia ficar do seu lado? E depois você podia autografar a foto?
— Autografar a foto? Você está distribuindo fotos autografadas, Potter?
A voz de Draco Malfoy, alta e desdenhosa, ecoou pelo pátio. Ele parara logo atrás de Colin, ladeado, como sempre que estava em Hogwarts, pelos capangas grandalhões, Crabbe e Goyle.
— Todo mundo em fila! — gritou Malfoy para os outros alunos — Harry Potter está distribuindo fotos autografadas!
— Não, não estou não — disse Harry com raiva, cerrando os punhos — Cale a boca, Malfoy.
— Você está é com inveja — ouviu-se a voz fina de Colin, cujo corpo inteiro era da grossura do pescoço de Crabbe.
— Inveja? — disse Malfoy, que não precisava mais gritar: metade do pátio estava escutando — De quê? Não quero uma cicatriz nojenta na minha testa, muito obrigado. Por mim, não acho que ter a cabeça aberta faz ninguém especial.
Crabbe e Goyle davam risadinhas idiotas.
— Vá comer lesmas, Malfoy — disse Rony furioso.
Crabbe parou de rir e começou a esfregar os nós dos dedos de maneira ameaçadora.
— Cuidado, Weasley — caçoou Malfoy — Você não vai querer começar nenhuma confusão ou sua mamãe vai aparecer aqui para tirá-lo da escola — ele imitou a voz aguda e penetrante — “Se você sair um dedinho da linha...”
Um grupo de quintanistas da Sonserina que estava próximo deu gargalhadas ao ouvir isso.
— Weasley gostaria de ganhar uma foto autografada, Potter — riu-se Malfoy — Valeria mais do que a casa inteira da família dele...
Rony brandiu a varinha emendada, mas Hermione fechou o Viagens com Vampiros com um estalo e cochichou:
— Cuidado!
— Que está acontecendo, que está acontecendo? — Gilderoy Lockhart vinha em passos largos em direção à aglomeração, suas vestes turquesa rodopiando para trás — Quem é que está distribuindo fotos autografadas?
Harry começou a falar, mas foi interrompido por Lockhart que passou um braço pelos seus ombros e trovejou jovial:
— Não devia ter perguntado! Nos encontramos outra vez, Harry!
Preso contra o corpo de Lockhart e ardendo de humilhação, Harry viu Malfoy sair de fininho, rindo-se, para junto dos outros colegas.
— Vamos então, Sr. Creevey — disse Lockhart, sorrindo para o garoto — Uma foto dupla, nada melhor, e nós dois podemos autografá-la para o senhor.
Colin ajeitou a máquina e tirou a foto na hora em que a sineta tocava às costas do grupo, sinalizando o início das aulas da tarde.
— Está na hora, vamos andando vocês aí — gritou Lockhart para os alunos e voltou ao castelo com Harry, que teve vontade de conhecer um bom feitiço para desaparecer, ainda preso ao professor — Uma palavra para o bom entendedor, Harry — disse Lockhart paternalmente quando entravam no castelo por uma porta lateral — Dei cobertura a você lá com o jovem Creevey, se ele estivesse me fotografando, também, os seus colegas não iriam pensar que você está se dando ares...
Surdo aos murmúrios hesitantes de Harry, Lockhart arrebatou-o por um corredor ladeado por estudantes de olhos arregalados e subiu uma escada.
— Devo dizer que distribuir fotos autografadas nessa altura de sua carreira não é sensato, parece meio presunçoso, Harry, para ser franco. Haverá um dia em que, como eu, você vai precisar ter uma pilha de fotos à mão onde quer que vá, mas — ele deu uma risadinha — Acho que você ainda não chegou lá.
Ao chegarem à sala de aula de Lockhart ele finalmente soltou Harry. O garoto endireitou as vestes e se dirigiu a uma carteira bem no fundo da sala, onde se ocupou em empilhar os sete livros de Lockhart diante dele, de modo que pudesse evitar olhar para o autor em carne e osso. O resto da classe entrou fazendo barulho, e Rony e Hermione se sentaram um de cada lado de Harry.
— Você podia ter fritado um ovo na cara — comentou Rony — É melhor rezar para Creevey não conhecer a Gina, ou os dois vão começar um fã-clube do Harry Potter.
— Cale a boca — disse Harry ríspido — A última coisa que precisava era que Lockhart ouvisse a frase “fã-clube do Harry Potter”.
Quando a classe inteira se sentou, Lockhart pigarreou alto e fez-se silêncio. Ele esticou o braço, apanhou o exemplar de Viagens com Trasgos de Neville Longbottom e ergueu-o para mostrar a própria foto na capa, piscando o olho.
— Eu — disse apontando a foto e piscando também — Gilderoy Lockhart, Ordem de Merlin, Terceira Classe, Membro Honorário da Liga de Defesa Contra as Forças do Mal e vencedor do Prêmio Sorriso mais Atraente da Revista Semanário dos Bruxos cinco vezes seguidas, mas não falo disso. Não me livrei do espírito agourento de Bandon sorrindo para ela.
Ficou esperando que sorrissem, alguns poucos deram um sorrisinho amarelo.
— Vejo que todos compraram a coleção completa dos meus livros, muito bem. Pensei em começarmos hoje com um pequeno teste. Nada para se preocuparem, só quero verificar se vocês leram os livros com atenção, e o quanto assimilaram...
Depois de distribuir os testes ele voltou à frente da classe e falou:
— Vocês têm trinta minutos... começar, agora!
Harry olhou para o teste e leu:

1. Qual é a cor favorita de Gilderoy Lockhart?
2. Qual é a ambição secreta de Lockhart?
3. Qual é, na sua opinião, a maior realização de Gilderoy Lockhart até o momento?

E as perguntas continuavam, ocupando três páginas, até a última:

54. Quando é o aniversário de Gilderoy Lockhart e qual seria o presente ideal para ele?

Meia hora depois, Lockhart recolheu os testes e folheou-os diante da classe.
— Tsk, tsk, quase ninguém se lembrou que a minha cor favorita é lilás. Digo isto no Um Ano com o Ieti. E alguns de vocês precisam ler Passeios com Lobisomens com mais atenção, afirmo claramente no capítulo doze que o presente de aniversário ideal para mim seria a harmonia entre os povos mágicos e não-mágicos, embora eu não recuse um garrafão do Velho Uísque de Fogo Ogden!
E deu outra piscadela travessa para os alunos.
Rony fitava Lockhart com uma expressão de incredulidade no rosto. Simas Finnigan e Dino Thomas, que estavam sentados à frente, sacudiam-se de riso silencioso. Hermione, por outro lado, escutava Lockhart embevecida e atenta e se assustou quando o ouviu mencionar seu nome.
— Mas a Srta. Hermione Granger sabia que a minha ambição secreta era livrar o mundo do mal e comercializar a minha própria linha de poções para os cabelos, boa menina! Na realidade — ele virou o teste — Ela acertou tudo! Onde está a Srta. Hermione Granger?
Hermione levantou a mão trêmula.
— Excelente! — disse o sorridente Lockhart — Excelente mesmo! Dez pontos para a Grifinória! E agora, ao trabalho...
Virou-se para a mesa e depositou nela uma grande gaiola coberta.
— Agora, fiquem prevenidos! É meu dever ensiná-los a se defender contra a pior criatura que se conhece no mundo da magia! Vocês podem estar diante dos seus maiores medos aqui nesta sala. Saibam que nenhum mal vai lhes acontecer enquanto eu estiver aqui. Só peço que fiquem calmos.
Sem querer, Harry se curvou para um lado da pilha de livros que erguera para dar uma olhada melhor na gaiola.
Lockhart colocou a mão na cobertura.
Dino e Simas pararam de rir agora. Neville se afundou em sua carteira na primeira fila.
— Peço que não gritem — recomendou Lockhart em voz baixa — Pode provocá-los.
E a classe inteira prendeu a respiração.
Lockhart puxou a cobertura com um gesto largo.
— Sim, senhores — disse teatralmente — Diabretes da Cornualha recém capturados.
Simas Finnigan não conseguiu se controlar. Deixou escapar uma risada pelo nariz que nem mesmo Lockhart poderia confundir com um grito de terror.
— Que foi? — ele sorriu para Simas.
— Bem, eles não são... não são muito... perigosos, são? — engasgou-se Simas.
— Não tenha tanta certeza assim! — disse Lockhart, sacudindo um dedo, aborrecido, para Simas — Esses bandidinhos podem ser diabolicamente astutos!
Os diabretes eram azul-elétrico e tinham uns vinte centímetros de altura, os rostos finos e as vozes tão agudas que pareciam um bando de periquitos fazendo algazarra. No instante em que a cobertura foi retirada, eles começaram a falar e a voar de maneira rápida e excitada, a sacudir as grades e a fazer caras esquisitas para as pessoas mais próximas.
— Certo, então — disse Lockhart em voz alta — Vamos ver o que vocês acham deles!
E abriu a gaiola.
Foi um pandemônio.
Os diabretes disparavam em todas as direções como foguetes. Dois deles agarraram Neville pelas orelhas e o ergueram no ar. Vários outros voaram direto pelas janelas fazendo cair uma chuva de estilhaços de vidro no canteiro. Os demais se puseram a destruir a sala de aula com mais eficiência do que um rinoceronte desembestado. Agarraram tinteiros e salpicaram a sala de tinta, picaram livros e papéis, arrancaram quadros das paredes, viraram a cesta de lixo, pegaram as mochilas e livros e os atiraram contra as vidraças quebradas.
Em poucos minutos, metade da classe estava abrigada embaixo das carteiras e, Neville, pendurado no teto pelo lustre de ferro.
— Vamos, vamos, reúnam eles, reúnam eles, são apenas diabretes — gritou Lockhart.
Ele enrolou as mangas, brandiu a varinha e berrou:
Peskipiksi ksi pesternomi!
As palavras não produziam efeito algum; um dos diabretes se apoderou da varinha e atirou-a também pela janela. Lockhart engoliu em seco e mergulhou embaixo da mesa, escapando por pouco de ser esmagado por Neville, que despencou um segundo depois quando o lustre cedeu.
A sineta tocou, e todos desembestaram para a saída.
Na calma relativa que se seguiu, Lockhart levantou-se, viu Harry, Rony e Hermione, que estavam quase na porta, e disse:
— Bem, vou pedir a vocês que enfiem rapidamente os restantes de volta na gaiola.
E, passando pelos três, fechou a porta depressa.
— Dá para acreditar? — rugiu Rony quando um dos diabretes restantes lhe deu uma dolorosa mordida na orelha.
— Ele só quer nos dar uma experiência direta — disse Hermione, imobilizando dois diabretes ao mesmo tempo com um inventivo Feitiço Congelante e enfiando-os de volta na gaiola.
— Direta? — disse Harry, que estava tentando agarrar um diabrete que dançava fora do seu alcance dando-lhe língua — Mione, ele não tinha a menor ideia do que estava fazendo...
— Bobagem. Você leu os livros dele, vê só todas as coisas incríveis que ele fez...
— Que ele diz que fez — murmurou Rony.









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