quinta-feira, 26 de abril de 2012

Harry Potter e a Câmara Secreta - Capítulo 14








— CAPÍTULO CATORZE —
Cornélio Fudge



HARRY, RONY E MIONE SEMPRE SOUBERAM que Hagrid tinha uma lamentável queda por criaturas grandes e monstruosas. Durante o primeiro ano em Hogwarts, ele tentara criar um dragão em sua casinha de madeira, e levaria muito tempo para os garotos esquecerem o gigantesco cachorro de três cabeças a que ele dera o nome de “Fofo”. E se, quando era criança, Hagrid tivesse ouvido falar que havia um monstro escondido em algum lugar do castelo, Harry tinha certeza de que ele teria feito o possível para dar uma espiada. E provavelmente pensaria que era uma vergonha o monstro ficar preso tanto tempo e que merecia uma oportunidade de esticar as pernas. Harry bem podia imaginar o Hagrid de treze anos tentando pôr uma coleira e uma guia no bicho, mas tinha igualmente certeza de que Hagrid jamais quisera matar alguém. Chegou a desejar que não tivesse descoberto como trabalhar com o diário de Riddle.
Rony e Mione o fizeram repetir várias vezes o que vira, até ele ficar cheio de contar e cheio das conversas compridas e tortuosas que se seguiam à sua história.
— Riddle pode ter apanhado a pessoa errada — disse Mione — Talvez fosse outro o monstro que estava atacando as pessoas...
— Quantos monstros vocês acham que cabem aqui no castelo? — perguntou Rony abobado.
— Sempre soubemos que Hagrid foi expulso — disse Harry, infeliz — E os ataques devem ter parado depois que o mandaram embora. Do contrário, Riddle não teria ganho um prêmio.
Rony tentou um ângulo diferente.
— Riddle se parece com o Percy, afinal quem pediu a ele para dedurar o Hagrid?
— Mas o monstro tinha matado alguém, Rony — lembrou Mione.
— E Riddle ia voltar para um orfanato de trouxas se fechassem Hogwarts — disse Harry — Não posso culpá-lo por querer ficar aqui...
— Você encontrou o Hagrid na Travessa do Tranco, não foi, Harry?
— Ele estava comprando um repelente para lesmas carnívoras — respondeu Harry depressa.
Os três se calaram. Passado muito tempo Mione deu voz à pergunta mais cabeluda num tom hesitante.
— Vocês acham que devemos perguntar ao Hagrid o que aconteceu?
— Ia ser uma visita animada — disse Rony — Olá, Hagrid. Conte para a gente, você andou soltando alguma coisa selvagem e peluda no castelo, ultimamente?
Por fim, eles resolveram não dizer nada a Hagrid a não ser que houvesse outro ataque e, como muitos e muitos dias se passaram sem sequer um sussurro da voz invisível, começaram a alimentar esperanças de que nunca precisariam perguntar a ele os motivos de sua expulsão.
Fazia agora quase quatro meses desde que Justino e Nick Quase Sem Cabeça tinham sido petrificados, e quase todo mundo parecia pensar que o atacante, fosse quem fosse, tinha se retirado para sempre. Pirraça finalmente se cansara do seu refrão “Ah, Potter podre”, Ernesto Macmillan pediu certo dia a Harry, com muita educação, para lhe passar um balde de sapos saltitantes na aula de Herbologia, e em Março várias mandrágoras deram uma festa de arromba na estufa três, o que deixou a Profª Sprout muito feliz.
— Na hora em que começarem a tentar se mudar para os vasos umas das outras então saberemos que estão completamente adultas — explicou ela a Harry — Então poderemos ressuscitar aqueles pobrezinhos na Ala Hospitalar.

* * *

Os alunos do segundo ano receberam algo novo em que pensar durante os feriados de Páscoa. Chegara à hora de escolher as matérias para o terceiro ano, um assunto que pelo menos Mione levou muito a sério.
— Pode afetar todo o nosso futuro — disse a Harry e Rony enquanto examinavam as listas das novas matérias, marcando-as com tiques.
— Eu só quero desistir de Poções — falou Harry.
— Não podemos — contrapôs Rony desanimado — Continuamos com todas as matérias antigas ou eu teria descartado Defesa Contra as Artes das Trevas.
— Mas essa é muito importante! — exclamou Mione chocada.
— Não do jeito que o Lockhart ensina — disse Rony — Eu não aprendi nada com ele a não ser que é perigoso deixar diabretes soltos.
Neville Longbottom recebera cartas de todos os bruxos e bruxas da família, cada um deles lhe dando um conselho diferente sobre o que escolher. Confuso e preocupado, ele se sentou para ler as listas de matérias, com a língua de fora, perguntando às pessoas se achavam que Aritmancia parecia mais difícil do que o estudo das Runas Antigas. Dino Thomas que, como Harry, crescera entre trouxas, por fim fechou os olhos e ia apontando a varinha para a lista e escolhendo as matérias em que ela tocava.
Mione não pediu conselho de ninguém, matriculou-se em todas.
Harry sorriu constrangido em pensar o que o Tio Válter e a Tia Petúnia diriam se ele tentasse discutir sua carreira de bruxo com os dois. Não que ele não recebesse nenhuma orientação: Percy Weasley estava ansioso para partilhar com ele a experiência que tinha.
— Depende aonde você quer chegar Harry — disse — Nunca é cedo demais para pensar no futuro, por isso eu recomendo Adivinhação. As pessoas dizem que Estudo dos Trouxas é moleza, e pessoalmente acho que os bruxos deviam ter uma compreensão total da comunidade não-mágica, particularmente se estão pensando em trabalhar em contato com eles, olhe só o meu pai, tem que tratar de assuntos dos trouxas o tempo todo. Meu irmão Carlinhos sempre foi uma pessoa que gostou do ar livre, por isso se especializou na Criação de Criaturas Mágicas. Favoreça suas inclinações, Harry.
Mas a única coisa em que Harry se achava muito bom era no Quadribol. Por fim ele acabou escolhendo as mesmas matérias novas que Rony, achando que se fosse mal, pelo menos teria um amigo para ajudá-lo.

* * *

O próximo jogo da Grifinória seria contra a Lufa-Lufa. Wood insistia em fazer treinos todas as noites depois do jantar, de modo que Harry mal tinha tempo para mais nada, exceto o Quadribol e os deveres de casa. Entretanto, os treinos estavam mais amenos, ou pelo menos estavam mais secos e, na véspera do jogo de Sábado, ele foi ao dormitório guardar a vassoura, sentindo que as chances da Grifinória para a Taça de Quadribol nunca tinham sido maiores.
Mas sua animação não durou muito. No alto da escada para o dormitório, ele encontrou Neville Longbottom, que parecia transtornado.
— Harry, não sei quem fez aquilo, acabei de encontrar...
Olhando para Harry amedrontado, Neville abriu a porta.
O conteúdo do malão de Harry estava espalhado por todos os lados. Sua capa estava rasgada no chão. As roupas de cama tinham sido arrancadas, e a gaveta puxada do armário ao lado da cama, e seu conteúdo espalhado em cima do colchão.
Harry aproximou-se da cama, boquiaberto, pisando em cima de umas páginas soltas de Viagens com Trasgos. Enquanto ele e Neville rearrumavam a cama, Rony, Dino e Simas entraram. Dino disse um palavrão em voz alta.
— Que aconteceu, Harry?
— Não faço idéia — disse Harry.
Mas Rony examinava as vestes de Harry. Todos os bolsos tinham sido revirados.
— Alguém andou procurando alguma coisa — disse Rony — Tem alguma coisa faltando?
Harry começou a apanhar as coisas e a atirá-las para dentro do malão. Somente quando ele atirou o último livro de Lockhart foi que se deu conta do que estava faltando.
— O Diário de Riddle desapareceu — disse em voz baixa a Rony.
Harry indicou com a cabeça a porta do dormitório, e Rony o seguiu para fora. Juntos desceram correndo até a Sala Comunal da Grifinória, quase vazia àquela hora, e se reuniram a Mione, que estava sentada sozinha, lendo um livro chamado Runas Antigas Sem Mistérios.
Mione ficou perplexa com as notícias.
— Mas... só outro aluno da Grifinória poderia ter roubado, ninguém mais sabe a senha...
— Exatamente — disse Harry.
Eles acordaram na manhã seguinte com um sol radioso e uma brisa leve e fresca.
— Condições perfeitas para o Quadribol — exclamou Wood, entusiasmado, à mesa da Grifinória, enchendo os pratos dos jogadores com ovos mexidos — Harry, mexa-se, você precisa de um café da manhã decente.
Harry estivera observando a mesa da Grifinória, cheia de alunos, imaginando se o novo dono do diário de Riddle estaria ali, bem diante dos seus olhos. Mione andou insistindo que ele comunicasse o roubo, mas Harry não gostou da idéia. Teria que contar a um professor tudo que sabia sobre o diário, e quantas pessoas sabiam por que Hagrid fora expulso há cinqüenta anos? Não queria ser a pessoa a trazer tudo à tona de novo.
Quando saiu do Salão Principal com Rony e Mione para ir apanhar o equipamento de Quadribol, mais uma preocupação muito séria se somou à sua lista crescente. Tinha acabado de pôr o pé na escadaria de mármore quando ouviu outra vez:
“Matar desta vez... deixe-me cortar... estraçalhar...”
Ele deu um grito alto e Rony e Mione saltaram para longe assustados.
— A voz! — disse Harry, espiando por cima do ombro — Acabei de ouvi-la de novo, vocês não ouviram?
Rony sacudiu a cabeça, os olhos arregalados.
Mione, porém, deu uma palmada na testa.
— Harry, acho que acabei de entender uma coisa! Tenho de ir até a Biblioteca!
E, deixando os amigos, subiu as escadas correndo.
— Que é que ela entendeu? — perguntou Harry distraído, ainda olhando à volta, tentando descobrir de onde vinha a voz.
— Muito mais do que eu — disse Rony, sacudindo a cabeça.
— Mas por que ela tem de ir à Biblioteca?
— Porque é isso que Mione faz — disse Rony sacudindo os ombros — Quando tiver uma dúvida, vá à Biblioteca.
Harry ficou parado, indeciso, tentando ouvir a voz novamente, mas os alunos agora vinham saindo do Salão Principal as suas costas, falando alto, dirigindo-se à porta da frente a caminho do campo de Quadribol.
— É melhor você ir andando — disse Rony — São quase onze horas, o jogo...
Harry correu até a Torre da Grifinória, apanhou sua Nimbus 2000 e se juntou à multidão que atravessava os jardins, mas sua cabeça continuava no castelo com a voz invisível e, enquanto vestia o uniforme vermelho no vestiário, seu único consolo era que todo mundo estava lá fora para assistir ao jogo.
Os times entraram em campo sob aplausos estrondosos. Olívio Wood decolou para um vôo de aquecimento em volta das balizas, Madame Hooch lançou as bolas. Os jogadores da Lufa-Lufa, que jogavam de amarelo-canário, estavam amontoados num bolinho, discutindo táticas de última hora.
Harry ia montar a vassoura quando viu a Profª. McGonagall vir decidida em sua direção, quase correndo, com um enorme megafone púrpura na mão.
O coração de Harry sofreu um baque violento.
— O jogo foi cancelado! — a Profª. McGonagall anunciou pelo megafone, dirigindo-se ao estádio.
Ouviram-se vaias e gritos.
Olívio Wood, arrasado, pousou e correu para a professora sem desmontar da vassoura.
— Mas, professora! — gritou — Temos que jogar, a taça, Grifinória...
McGonagall não lhe deu atenção e continuou a falar pelo megafone:
— Todos os alunos devem se dirigir às Salas Comunais de suas casas, onde os Diretores das Casas darão maiores informações. O mais rápido que puderem, por favor!
Então, baixou o megafone e chamou Harry.
— Potter, acho que é melhor você vir comigo...
Imaginando como é que ela poderia suspeitar dele desta vez, Harry viu Rony se separar da multidão que reclamava; correu para os dois que já iam a caminho do castelo. Para surpresa de Harry, a professora não fez objeção.
— É, talvez seja melhor você vir também, Weasley...
Alguns alunos que caminhavam perto deles reclamavam do cancelamento do jogo, outros pareciam preocupados.
Harry e Rony acompanharam a Profª. McGonagall de volta à escola e subiram a escadaria de mármore. Mas não foram levados à sala de ninguém desta vez.
— Vai ser um pouco chocante para vocês — disse a Profª. McGonagall, num tom surpreendentemente gentil quando se aproximavam da enfermaria — Houve mais um ataque... mais um ataque duplo.
As entranhas de Harry deram uma terrível cambalhota. A professora abriu aporta e ele e Rony entraram. Madame Pomfrey estava curvada sobre uma menina do quinto ano, de cabelos longos e crespos. Harry reconheceu a aluna da Corvinal a quem por acaso perguntaram onde ficava a sala da Sonserina. E na cama ao lado achava-se...
— Mione! — gemeu Rony.
Mione estava deitada absolutamente imóvel, os olhos abertos e vidrados.
— Elas foram encontradas perto da Biblioteca — disse a Profª. McGonagall — Suponho que nenhum dos dois tenha uma explicação para isto. Estava no chão ao lado delas...
Segurava um pequeno espelho circular.
Harry e Rony balançaram a cabeça, com os olhos fixos em Mione.
— Vou acompanhá-los de volta à Torre da Grifinória — continuou a professora deprimida — Tenho mesmo que falar com os alunos.

* * *

— Todos os alunos devem voltar à Sala Comunal de suas casas até as seis horas da tarde. Nenhum aluno deve sair dos dormitórios depois dessa hora. Um professor os acompanhará a cada aula. Nenhum aluno deve usar o banheiro a não ser escoltado por um professor. Todos os treinos e jogos de Quadribol estão adiados. Não haverá mais atividades noturnas.
Os alunos da Grifinória aglomerados na Sala Comunal ouviram a professora em silêncio. Ela enrolou o pergaminho que acabara de ler e disse com a voz um tanto embargada:
— Não preciso acrescentar que raramente me senti tão aflita. É provável que fechem a escola a não ser que o autor desses ataques seja apanhado. Eu pediria a quem achar que talvez saiba alguma coisa que me procure.
Foi ela sair um tanto desajeitada pelo buraco do retrato e os alunos começarem a falar imediatamente.
— São dois alunos da Grifinória atacados, sem contar o nosso fantasma, um aluno da Corvinal e um da Lufa-Lufa — disse o amigo dos gêmeos Weasley, Lino Jordan, contando nos dedos — Será que nenhum professor reparou que os alunos da Sonserina não foram tocados? Não é óbvio que essa coisa toda está vindo da Sonserina? O Herdeiro de Slytherin, o monstro da Sonserina, por que é que eles não mandam embora todo o pessoal da Sonserina? — vociferou ele, em meio a acenos de concordância e aplausos.
Percy Weasley estava sentado em uma poltrona atrás de Lino, mas desta vez não parecia ansioso para dizer o que pensava. Parecia pálido e atordoado.
— Percy ficou em estado de choque — disse Jorge a Harry, baixinho — Aquela menina da Corvinal, Penélope Clearwater, é monitora. Acho que ele não pensou que o monstro se atrevesse a atacar um monitor.
Mas Harry só estava ouvindo com metade da atenção. Não estava conseguindo se livrar da visão de Mione deitada na cama de hospital como se tivesse sido talhada em pedra. E se o culpado não fosse apanhado logo, o que o aguardava era uma vida com os Dursley. Tom Riddle entregara Hagrid porque teria que enfrentar um orfanato de trouxas se a escola fechasse. Harry agora sabia exatamente o que ele sentira.
— Que é que vamos fazer? — perguntou Rony baixinho ao ouvido de Harry — Você acha que eles suspeitam de Hagrid?
— Precisamos ir falar com ele — disse Harry decidindo-se — Não posso acreditar que desta vez ele seja o culpado, mas se soltou o monstro da última vez saberá como entrar na Câmara Secreta, e isto é um começo.
— Mas McGonagall disse para ficarmos em nossa Torre a não ser na hora das aulas...
— Acho — disse Harry, mais baixinho ainda — Que está na hora de tirar outra vez da mala a velha capa do meu pai.
Harry herdara somente uma coisa do pai: uma longa Capa da Invisibilidade prateada. Era a única chance que tinham de sair escondidos da escola para visitar Hagrid, sem ninguém ficar sabendo.
Assim, foram se deitar na hora de costume, esperaram até Neville, Dino e Simas pararem de discutir sobre a Câmara Secreta e irem finalmente dormir, então se levantaram, vestiram-se outra vez e jogaram a capa por cima dos dois.
A viagem pelos corredores escuros e desertos do castelo não foi um prazer. Harry, que perambulara pelo castelo à noite várias vezes antes, nunca os vira tão cheios depois do pôr-do-sol. Professores, monitores e fantasmas andavam pelos corredores aos pares, olhando tudo atentamente, à procura de alguma atividade incomum.
A Capa da Invisibilidade não os impedia de fazer barulho, e houve um momento particularmente tenso em que Rony deu uma topada a poucos metros do lugar onde Snape estava montando guarda. Felizmente, Snape espirrou quase ao mesmo tempo que Rony xingou. Foi com alivio que chegaram às portas de entrada e as abriram devagarinho.
Fazia uma noite clara e estrelada. Eles correram em direção às janelas iluminadas da casa de Hagrid e despiram a capa somente quando estavam à sua porta de entrada. Segundos depois de terem batido, Hagrid escancarou a porta.
Eles deram de cara com um arco que o amigo apontava. Canino, o cão de caçar javalis, o acompanhava dando fortes latidos.
— Ah — exclamou ele, baixando a arma e encarando os meninos — Que é que vocês estão fazendo aqui?
— Para que é isso? — perguntou Harry, ao entrarem, apontando para o arco.
— Nada... nada... — murmurou Hagrid — Estava esperando... não faz mal... sentem... vou preparar um chá...
Ele parecia não saber muito bem o que estava fazendo. Quase apagou a lareira ao derramar água da chaleira e em seguida amassou o bule com um movimento nervoso da mão enorme.
— Você está bem, Hagrid? — perguntou Harry — Soube do que aconteceu com a Mione?
— Ah, soube, soube, sim — respondeu Hagrid, com a voz ligeiramente falha.
Ele não parava de olhar nervoso para as janelas. Serviu aos meninos dois canecões de água fervendo (esquecera-se de pôr chá na chaleira) e ia servindo uma fatia de bolo de frutas num prato quando ouviram uma forte batida na porta.
Hagrid deixou cair o bolo de frutas. Harry e Rony se entreolharam em pânico, mas logo se cobriram com a capa e se retiraram para um canto. Hagrid se certificou de que os garotos estavam escondidos, apanhou o arco e escancarou mais uma vez a porta.
— Boa noite, Hagrid.
Era Dumbledore. Ele entrou, parecendo mortalmente sério e vinha acompanhado por um homem de aspecto muito esquisito.
O estranho tinha os cabelos grisalhos despenteados, uma expressão ansiosa e usava uma estranha combinação de roupas: terno de risca de giz, gravata vermelha, uma longa capa preta e botas roxas de bico fino. Sob o braço carregava um chapéu-coco cor de limão.
— É o chefe do papai! — cochichou Rony — Cornélio Fudge, Ministro da Magia!
Harry deu uma forte cotovelada em Rony para fazê-lo calar-se.
Hagrid empalidecera e suava. Deixou-se cair em uma cadeira e olhava de Dumbledore para Cornélio Fudge.
— Problema sério, Hagrid — disse Fudge em tom seco — Problema muito sério. Tive que vir. Quatro ataques em alunos nascidos trouxas. As coisas foram longe demais. O Ministério teve que agir.
— Eu nunca... — disse Hagrid, olhando suplicante para Dumbledore — O senhor sabe que eu nunca, Prof. Dumbledore...
— Quero que fique entendido, Cornélio, que Hagrid goza de minha inteira confiança — disse Dumbledore fechando a cara para Fudge.
— Olhe, Alvo — respondeu Fudge, constrangido — A ficha de Hagrid depõe contra ele. O Ministério teve que fazer alguma coisa, o Conselho-Diretor da escola entrou em contato...
— Contudo, Cornélio, continuo a afirmar que levar Hagrid não vai resolver nada — disse Dumbledore. Seus olhos azuis tinham uma intensidade que Harry nunca vira antes.
— Procure entender o meu ponto de vista — disse Fudge, manuseando o chapéu coco — Estou sofrendo muita pressão. Precisam ver que estou fazendo alguma coisa. Se descobrirmos que não foi Hagrid, ele voltará e não se fala mais no assunto. Mas tenho que levá-lo. Tenho. Não estaria cumprindo o meu dever...
— Me levar? — perguntou Hagrid, começando a tremer — Me levar aonde?
— Só por um tempo — disse Fudge sem encarar Hagrid nos olhos — Não é um castigo, Hagrid, é mais uma precaução. Se outra pessoa for apanhada, você será solto com as nossas desculpas...
— Não para Azkaban? — lamentou Hagrid, rouco.
Antes que Fudge pudesse responder, ouviram outra batida forte na porta. Dumbledore atendeu-a. Foi a vez de Harry levar uma cotovelada nas costelas, deixara escapar uma exclamação audível.
O Sr. Lúcio Malfoy entrou decidido na cabana de Hagrid, envolto em uma longa capa de viagem, com um sorriso frio e satisfeito.
Canino começou a rosnar.
— Já está aqui, Fudge — disse em tom de aprovação — Muito bem...
— Que é que o senhor está fazendo aqui? — perguntou Hagrid furioso — Saia da minha casa!
— Meu caro, por favor acredite em mim, não me dá nenhum prazer estar na sua... hum... você chama isso de casa?— disse Lúcio Malfoy, desdenhoso, correndo os olhos pela pequena cabana — Simplesmente vim à escola e me disseram que o diretor se encontrava aqui.
— E o que era exatamente que você queria comigo, Lúcio? — perguntou Dumbledore.
Falou com cortesia, mas a intensidade ainda encandecia os seus olhos azuis.
— É lamentável, Dumbledore — disse Malfoy sem pressa, puxando um rolo de pergaminho — Mas os conselheiros acham que está na hora de você se retirar. Tenho aqui uma Ordem de Suspensão, com as doze assinaturas. Receio que o Conselho pense que você está perdendo o jeito. Quantos ataques houve até agora? Mais dois hoje à tarde, não foi? Nesse ritmo, não sobrarão alunos nascidos trouxas em Hogwarts, e todos sabemos que perda horrível isto seria para a escola.
— Ah, olhe aqui, Lúcio — disse Fudge, parecendo assustado — Dumbledore suspenso, não, não, a última coisa que queremos neste momento...
— A nomeação, ou a suspensão de um diretor é assunto do Conselho, Fudge — disse o Sr. Malfoy suavemente — E como Dumbledore não conseguiu fazer parar os ataques...
— Olhe aqui, Malfoy, se Dumbledore não consegue fazê-los parar — disse Fudge, cujo lábio superior estava úmido de suor — Eu pergunto, quem vai conseguir?
— Isto resta ver — disse o Sr. Malfoy com um sorriso desagradável — Mas como todo o Conselho votou...
Hagrid levantou-se de um salto, a cabeça desgrenhada raspando o teto.
— E quantos você precisou ameaçar e chantagear para concordarem hein, Malfoy? — vociferou.
— Ai, ai, ai, sabe, esse seu mau gênio ainda vai lhe causar problemas um dia desses, Hagrid — disse o Sr. Malfoy — Eu aconselharia você a não gritar assim com os guardas de Azkaban, eles não vão gostar nadinha.
— Você não pode afastar Dumbledore! — gritou Hagrid, fazendo Canino se agachar e choramingar no cesto de dormir — Afaste ele, e os alunos nascidos trouxas não terão a menor chance. Vai haver mortes em seguida.
— Acalme-se, Hagrid — ordenou Dumbledore. Virou-se então para Lúcio Malfoy — Se o Conselho quer que eu me afaste, Lúcio, naturalmente eu vou obedecer...
— Mas... — gaguejou Fudge.
— Não!— disse Hagrid com raiva.
Dumbledore não tirara seus olhos azuis cintilantes dos olhos frios e cinzentos de Lúcio Malfoy.
— Porém — continuou ele, falando muito lenta e claramente de modo que ninguém perdesse uma só palavra — Você vai descobrir que só terei realmente deixado a escola quando ninguém mais aqui for leal a mim. Você também vai descobrir que Hogwarts sempre ajudará aqueles que a ela recorrerem.
Por um segundo Harry teve quase certeza de que os olhos de Dumbledore piscaram em direção ao canto em que ele e Rony estavam escondidos.
— Admiráveis sentimentos — disse Malfoy fazendo uma reverência — Todos sentiremos falta do seu... hum... modo muito pessoal de dirigir as coisas, Alvo, e só espero que o seu sucessor consiga impedir... ah... matanças.
E dirigiu-se à porta da cabana, abriu-a, fez um gesto largo indicando a porta para Dumbledore.
Fudge, manuseando seu chapéu-coco, esperou Hagrid passar à sua frente, mas Hagrid continuou firme, inspirou profundamente e disse com clareza:
— Se alguém quiser descobrir alguma coisa, é só seguir as aranhas. Elas indicariam o caminho certo! É só o que digo.
Fudge olhou-o muito admirado.
— Tudo bem, estou indo — disse Hagrid, vestindo o casacão de pele de toupeira. Mas quando ia saindo para acompanhar Fudge, ele parou outra vez e disse em voz alta — Alguém vai ter que dar comida a Canino enquanto eu estiver fora.
A porta se fechou com força e Rony tirou a Capa da Invisibilidade.
— Estamos enrascados agora — disse ele rouco — Dumbledore foi-se embora. Seria melhor que fechassem a escola hoje à noite. Com a saída dele haverá um ataque por dia.
Canino começou a uivar, arranhando a porta fechada.









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