— SINOPSE —
HARRY POTTER ESTÁ DE
VOLTA em seu segundo ano em Hogwarts para uma nova e perigosa aventura. Durante
as férias de verão, Harry recebe a visita de Dobby, um elfo doméstico, que dá
um aviso: coisas terríveis estavam para acontecer na Escola de Magia e Bruxaria
de Hogwarts. Antes que a escola seja fechada, ajude Harry, Rony e Hermione a
desvendar o mistério de Harry Potter e a Câmara Secreta.
— CAPITULO UM —
O Pior Aniversário
NÃO ERA A PRIMEIRA VEZ
que irrompia uma discussão à mesa do café da manhã na Rua dos Alfeneiros número
4. O Sr. Válter Dursley fora acordado nas primeiras horas da manhã por um pio
alto que vinha do quarto do seu sobrinho Harry.
— É a
terceira vez esta semana! — berrou ele à mesa — Se você não consegue controlar
essa coruja, teremos que mandá-la embora!
Harry
tentou explicar, mais uma vez.
— Ela
está chateada. Está acostumada a voar ao ar livre. Se eu ao menos pudesse
soltá-la à noite...
— Eu
tenho cara de idiota? — rosnou Tio
Válter, um pedaço de ovo pendurado na bigodeira — Eu sei o que vai acontecer se
você soltar essa coruja.
Ele trocou
olhares assustados com sua mulher, Petúnia.
Harry
tentou argumentar, mas suas palavras foram abafadas por um alto e prolongado
arroto dado pelo filho de Dursley, Duda.
—
Quero mais bacon!
— Tem
mais na frigideira, fofinho — disse Tia Petúnia, voltando os olhos úmidos para
o filho maciço — Precisamos alimentá-lo bem enquanto temos oportunidade... não
gosto do jeito daquela comida da escola...
—
Bobagem, Petúnia, nunca passei fome quando estive em Smeltings — disse Tio
Válter animado — Duda come bastante, não come filho?
Duda,
que era tão gordo que a bunda sobrava para os lados da cadeira da cozinha,
sorriu e virou-se para Harry.
—
Passe a frigideira.
—
Você esqueceu a palavra mágica —
disse Harry irritado.
O
efeito desta simples frase no resto da família foi inacreditável.
Duda
ofegou e caiu da cadeira com um baque que sacudiu a cozinha inteira; a Sra.
Dursley soltou um gritinho e levou as mãos à boca; o Sr. Dursley levantou-se
com um salto, as veias latejando nas têmporas.
— Eu
quis dizer “por favor”! — explicou
Harry depressa — Não quis dizer...
— QUE
FOI QUE JÁ LHE DISSE — trovejou o tio, borrifando saliva pela mesa — COM
RELAÇÃO A DIZER ESSA PALAVRA COM “M” NA NOSSA CASA?
— Mas
eu...
—
COMO SE ATREVE A AMEAÇAR DUDA! — berrou Tio Válter, dando um soco na mesa.
— Eu
só...
— EU
O AVISEI! NÃO VOU TOLERAR A MENÇÃO DA SUA ANORMALIDADE DEBAIXO DO MEU TETO!
Harry
olhava do rosto purpúreo do tio para o rosto pálido da tia, que tentava pôr
Duda de pé.
—
Está bem — disse Harry — Está bem...
O Tio
Válter se sentou, respirando como um rinoceronte sem fôlego e observando Harry
com atenção pelos cantos dos olhinhos penetrantes.
Desde
que Harry voltara para passar as férias de verão em casa, Tio Válter o tratava
como uma bomba que fosse explodir a qualquer momento, porque Harry Potter não
era um menino normal. Aliás, ele era tão anormal quanto era possível ser.
Harry
Potter era um bruxo, um bruxo que
acabara de terminar o primeiro ano na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. E
se os Dursley se sentiam infelizes de tê-lo ali nas férias, isso não era nada
comparado ao que Harry sentia.
Sentia
tanta falta de Hogwarts que era como se tivesse uma dor de barriga permanente.
Sentia falta do castelo, com seus fantasmas e suas passagens secretas, das
aulas (exceto talvez a de Snape, o professor de Poções), do correio trazido
pelas corujas, dos banquetes no Salão Principal, de dormir em uma cama de
baldaquino no dormitório da Torre, das visitas ao guarda-caças, Hagrid, em sua
cabana na orla da Floresta Proibida nos terrenos da escola, e, principalmente,
do Quadribol, o esporte mais popular no mundo dos bruxos (seis postes altos
para delimitar o gol, quatro bolas voadoras e catorze jogadores montados em
vassouras).
Todos
os livros de feitiços, a varinha, as vestes, o caldeirão e a vassoura Nimbus
2000, último tipo, pertencentes à Harry, tinham sido trancados no armário
debaixo da escada pelo Tio Válter no instante em que o sobrinho pisara em casa.
Que importava aos Dursley se Harry perdesse o lugar no time de Quadribol da
Casa porque não praticara o verão inteiro? O que significava para os Dursley
que Harry voltasse para a escola sem os deveres de casa feitos? Os Dursley eram
o que bruxos chamavam de trouxas (sem um pingo de sangue mágico nas veias) e na
opinião deles ter um bruxo na família era uma questão da mais profunda
vergonha. Tio Válter havia até passado o cadeado na gaiola da coruja de Harry,
Edwiges, para impedi-la de levar mensagens para alguém no mundo dos bruxos.
Harry
não se parecia nada com o resto da família. Tio Válter era corpulento e sem
pescoço, com uma enorme bigodeira preta; a Tia Petúnia tinha uma cara de cavalo
e era ossuda; Duda era louro, rosado e lembrava um porquinho. Já o Harry era
pequeno e magricela, com olhos verdes vivos e cabelos muito pretos que estavam
sempre despenteados. Usava óculos redondos e, na testa, tinha uma cicatriz fina
em forma de raio.
Era
esta cicatriz que tornava Harry tão diferente, mesmo para um bruxo. A cicatriz
era o único vestígio do seu passado muito misterioso, da razão por que fora
deixado no batente dos Dursley, onze anos antes.
Com a
idade de um ano, Harry por alguma razão sobrevivera aos feitiços do maior bruxo
das trevas de todos os tempos, Lord
Voldemort, cujo nome a maioria dos bruxos e bruxas ainda tinha medo de
pronunciar. Os pais de Harry morreram ao serem atacados por Voldemort, mas o
garoto escapara com a cicatriz em forma de raio e por alguma razão — ninguém
entendia muito bem — os poderes de Voldemort tinham sido destruídos na hora em
que não conseguira matá-lo. Assim, Harry fora criado pela irmã e o cunhado de
sua falecida mãe. Passara dez anos com os Dursley, sem nunca compreender por
que fazia coisas estranhas acontecerem o tempo todo sem querer, acreditando na
história dos Dursley de que sua cicatriz resultara do acidente de automóvel que
matara seus pais. Então, há exatamente um ano, Hogwarts escrevera a Harry, e a
história toda fora revelada. O garoto ocupara sua vaga na escola de bruxaria,
onde ele e sua cicatriz eram famosos...
Mas
agora o ano letivo terminara, e ele voltara à casa dos Dursley para passar o
verão, voltara a ser tratado como um cachorro que andara se esfregando em
alguma coisa fedorenta.
Os
Dursley nem sequer se lembraram que hoje, por acaso, era o décimo segundo
aniversário de Harry. Naturalmente ele não alimentava grandes esperanças; seus
parentes jamais tinham lhe dado um presente de verdade, muito menos um bolo,
mas esquecê-lo completamente...
Naquele
momento, o Tio Válter pigarreou cheio de pose e disse:
—
Hoje, como todos sabemos, é um dia muito importante.
Harry
ergueu os olhos, mal se atrevendo a acreditar.
—
Hoje talvez venha a ser o dia em que vou fechar o maior negócio de minha
carreira.
Harry
tornou a se concentrar em sua torrada. Naturalmente, pensou com amargura, Tio
Válter estava falando daquele jantar idiota. Não falava de outra coisa havia
duas semanas. Um construtor rico e sua mulher vinham jantar e Tio Válter tinha
esperanças de receber um grande pedido (a companhia de Tio Válter fabricava
brocas).
—
Acho que devemos repassar o programa mais uma vez — disse ele — Precisamos
todos estar em posição às oito horas. Petúnia, você vai estar...?
— Na
sala de visitas — disse Tia Petúnia sem pestanejar — Esperando para dar as boas
vindas como manda a etiqueta.
—
Ótimo, ótimo. E o Duda?
— Vou
esperar para abrir a porta — Duda deu um sorriso desagradável e hipócrita —
“Posso guardar os seus casacos, Sr. e Sra. Mason?”
—
Eles vão adorá-lo! — exclamou Tia Petúnia arrebatada.
—
Excelente Duda — disse Tio Válter. Em seguida dirigiu-se zangado a Harry — E
você?
— Vou
ficar no meu quarto, sem fazer barulho, fingindo que não estou em casa — disse
Harry monotonamente.
—
Exatamente — disse Tio Válter, sarcástico — Eu levo o casal para a sala de
visitas, apresento você, Petúnia, e sirvo os drinques. Às oito e quinze...
— Eu
anuncio o jantar — disse Tia Petúnia.
— E
Duda, você vai dizer...
—
Posso acompanhá-la à sala de jantar, Sra. Mason? — disse Duda oferecendo o
braço gordo a uma mulher invisível.
— Meu
perfeito cavalheirinho! — fungou Tia Petúnia.
— E você?
— perguntou Tio Válter malevolamente a Harry.
— Vou
estar no meu quarto, sem fazer nenhum barulho, fingindo que não estou em casa —
respondeu Harry sem emoção.
—
Precisamente. Agora, vamos procurar fazer uns elogios realmente bons ao jantar.
Petúnia, alguma sugestão?
—
Válter me contou que o senhor é um excelente jogador de golfe, Sr. Mason...
onde foi que a senhora comprou o seu vestido, me conte, por favor Sra. Mason...
—
Perfeito... Duda?
— Que
tal... tivemos que fazer uma redação na escola sobre o nosso herói, Sr. Mason,
e eu escrevi sobre o senhor.
Essa
foi demais tanto para Petúnia quanto para Harry. Tia Petúnia debulhou-se em
lágrimas e abraçou o filho, e Harry mergulhou embaixo da mesa para que não o
vissem rindo.
— E
você, seu moleque?
Harry
fez força para manter a cara séria enquanto se endireitava.
— Vou
estar no meu quarto, sem fazer nenhum barulho, fingindo que não estou em casa.
— E
pode ter certeza que vai — disse Tio Válter com vigor — Os Mason não sabem que
você existe e vão continuar sem saber. Quando terminar o jantar, você leva a
Sra. Mason de volta à sala de visitas para o cafezinho, Petúnia, e eu vou puxar
o assunto das brocas. Com alguma sorte, o contrato vai estar assinado e selado
antes do noticiário das dez. Amanhã a estas horas vamos estar procurando uma
casa de férias em Majorca para comprar.
Harry
não conseguiu se animar muito com a ideia. Não achava que os Dursley fossem
gostar mais dele em Majorca do que gostavam na Rua dos Alfeneiros.
—
Tudo certo, estou indo à cidade apanhar os smokings para mim e Duda. E você —
rosnou ele para Harry — Trate de ficar fora do caminho de sua tia enquanto ela
está limpando a casa.
Harry
saiu pela porta dos fundos. Fazia um dia claro e ensolarado. Ele atravessou o
jardim, se largou em cima de um banco e cantou baixinho:
—
Parabéns para mim... Parabéns para mim...
Nada
de cartões, nada de presentes e ia passar a noite fingindo que não existia. Ele
contemplou infeliz, a sebe do jardim. Nunca se sentira tão solitário.
Mais
do que qualquer outra coisa em Hogwarts, mais até que do jogo de Quadribol,
Harry sentia falta dos seus melhores amigos, Rony Weasley e Hermione Granger.
Mas parecia que os amigos não estavam sentindo falta dele. Nenhum dos dois lhe
escrevera o verão inteiro, embora Rony tivesse dito que o convidaria para
passar uns dias em sua casa.
Inúmeras
vezes, Harry estivera a ponto de usar a magia para destrancar a gaiola de
Edwiges e mandá-la a Rony e Mione com uma carta, mas não valia o risco. Bruxos
menores de idade não podiam usar a magia fora da escola.
Harry
não contara isso aos Dursley; sabia que era apenas o terror que sentiam de que
ele os transformasse em besouros bosteiros que os impedira de trancá-lo no
armário embaixo da escada com a varinha e a vassoura. Mas, nas primeiras semanas
de sua volta, Harry se divertira em murmurar palavras sem sentido, baixinho e
em observar Duda sair correndo da sala o mais depressa que suas pernas gordas
podiam aguentá-lo.
Mas o
longo silêncio de Rony e Mione fizera com que Harry se sentisse tão desligado
do mundo da magia que até atormentar Duda tinha perdido a graça... e agora os
dois amigos tinham se esquecido do seu aniversário.
O que
ele não daria agora para receber uma mensagem de Hogwarts? De algum bruxo ou
bruxa? Conseguiria até se alegrar com a visão do seu arqui-inimigo, Draco
Malfoy, só para ter certeza de que tudo não passara de um sonho...
Não
que o ano todo em Hogwarts tivesse sido uma brincadeira. No finzinho do último
trimestre, Harry se vira frente a frente com Lord Voldemort em pessoa. O bruxo
poderia ser astuto, ainda estava decidido a retomar o poder. Harry escorregara
por entre as garras de Voldemort uma segunda vez, mas fora por um triz, e mesmo
agora, semanas depois, Harry continuava a acordar à noite, encharcado de suor
frio, imaginando onde estaria Voldemort neste momento, lembrando-se do seu
rosto lívido, dos seus olhos arregalados e delirantes...
Harry
endireitou-se de repente no banco do jardim. Estivera olhando distraidamente
para a sebe... e a sebe estava olhando para ele. Dois enormes olhos verdes
tinham aparecido entre as folhas. O garoto levantou-se de um salto no mesmo
instante em que uma voz debochada atravessou o gramado.
— Eu
sei que dia é hoje — cantarolou Duda, andando feito um pato em sua direção.
Os
olhos enormes piscaram e desapareceram.
—
Quê? — disse Harry sem despregar os olhos do lugar onde os tinha visto.
— Eu
sei que dia é hoje — repetiu Duda, aproximando-se.
—
Muito bem — disse Harry — Até que enfim você aprendeu os dias da semana.
—
Hoje é o seu aniversário — caçoou Duda — Como é que você não recebeu nenhum
cartão? Será que você não tem amigos nem naquele lugar esquisito?
— É
melhor não deixar sua mãe ouvir você falando da minha escola — disse Harry com
toda a calma.
Duda
puxou para cima as calças que estavam escorregando pelo seu traseiro gordo.
— Por
que é que você estava olhando para a sebe? — perguntou, desconfiado.
—
Estou tentando decidir qual seria o melhor feitiço para tocar fogo nela —
respondeu Harry.
Duda
recuou aos tropeços na mesma hora, com uma expressão de pânico no rosto.
—
Você não p-pode, papai disse que você não pode fazer mágicas, disse que expulsa
você de casa, e você não tem para onde ir, você não tem nenhum amigo que possa
ficar com você...
— Jigueri pokueri — disse Harry com
ferocidade — Ohocus pocus eskuigli
wigli...
—
MÃããããe! — berrou Duda, tropeçando nos próprios pés enquanto disparava para
dentro de casa — Mããããe! Ele está fazendo aquilo que você sabe!
Harry
pagou muito caro por aquele momento de prazer. Como nem Duda nem a cerca tinham
sido molestados, Tia Petúnia viu que ele não tinha feito mágica alguma, mas
ainda assim ele precisou se encolher quando a tia tentou acertar sua cabeça com
uma pesada frigideira cheia de sabão. Em seguida ela lhe deu trabalho para
fazer, com a promessa de que ele não iria comer nada até terminar.
Enquanto
Duda ficou por ali apreciando e se enchendo de sorvete, Harry lavou as janelas,
lavou o carro, aparou o gramado, limpou os canteiros, podou e regou as roseiras
e repintou o banco do jardim.
O sol
escaldava lá no alto, queimando sua nuca. Harry sabia que não devia ter mordido
a isca de Duda, mas o primo dissera exatamente aquilo que ele andara pensando
com os seus botões... Talvez não tivesse amigos em Hogwarts... Gostaria que
eles pudessem ver o famoso Harry Potter agora, pensou com selvageria enquanto
espalhava estrume nos canteiros, com as costas doendo e o suor escorrendo pelo
rosto.
Eram
sete e meia da noite quando finalmente, exausto, ele ouviu Tia Petúnia
chamá-lo.
—
Venha já aqui! E ande em cima dos jornais!
Harry
transferiu-se com prazer para a sombra da cozinha reluzente. Em cima da
geladeira estava o pudim do jantar: uma montanha de creme batido e violetas
cristalizadas. Um lombo de porco assado chiava no forno.
—
Coma depressa! Os Mason não vão demorar a chegar! — disse com rispidez Tia
Petúnia, apontando para as duas fatias de pão e um pedaço de queijo em cima da
mesa da cozinha. Ela já pusera o vestido de noite salmão.
Harry
lavou as mãos e engoliu seu jantar miserável. No instante em que terminou, a
tia retirou seu prato.
— Já
para cima! Depressa!
Ao
passar pela porta da sala de visitas, Harry vislumbrou o tio e Duda de gravata
borboleta e smoking. Mal acabara de chegar ao patamar do primeiro andar quando
a campainha tocou, e a cara furiosa do Tio Válter apareceu ao pé da escada.
—
Lembre-se, seu moleque, nem um pio...
Harry
foi para o seu quarto na ponta dos pés, se esgueirou para dentro, fechou a
porta e se virou para cair na cama.
O
problema foi que já havia alguém
sentado nela.
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