quarta-feira, 19 de outubro de 2011

O Senhor dos Anéis - O Retorno do Rei - Capítulo 3




— Capítulo III —
A Concentração Das Tropas De Rohan




Agora todas as estradas corriam juntas para o Leste, ao encontro da guerra iminente e do ataque da Sombra. E, no momento em que Pippin se postava no Grande Portão da Cidade e via o Príncipe de Dol Amroth entrar cavalgando com suas insígnias, o Rei de Rohan desceu as colinas.
O dia terminava.
Nos últimos raios do sol os Cavaleiros projetavam sombras longas e pontudas que os precediam. A escuridão já penetrara embaixo das florestas murmurantes de abetos que cobriam as encostas íngremes das montanhas. Agora o rei cavalgava devagar no fim do dia. De repente, a trilha contornou uma enorme saliência de pedra nua e mergulhou na escuridão das árvores que suspiravam suavemente. Foram descendo cada vez mais numa longa fila sinuosa. Quando finalmente chegaram ao fundo da garganta, viram que a noite já caíra nos lugares profundos. O sol se fora. O crepúsculo se deitava sobre as cachoeiras.
Durante todo o dia, bem abaixo deles, um riacho saltitante viera descendo da passagem alta que ficava mais atrás, abrindo seu caminho estreito por entre muralhas cobertas de pinheiros, agora corria através de um portão de pedra e passava para um vale mais largo. Os Cavaleiros o seguiram, e de repente o Vale Harg estendia-se diante deles, ressoando com o barulho das águas no início da noite. Ali o branco Riacho de Neve, encontrando-se com córregos menores, corria veloz, vaporizando-se nas pedras descendo para Edoras, para as colinas verdes e para as planícies. Mais ao longe e a direita, no topo do grande vale, o poderoso Picorrijo assomava sobre seus amplos contrafortes envoltos em nuvens, mas seu pico dentado, vestido de neve eterna, reluzia bem acima do mundo, com sombras azuladas no Leste, manchado pelo vermelho do pôr-do-sol no Oeste.
Merry observava surpreso aquela terra estranha, sobre a qual ouvira muitas histórias durante a longa viagem. Era um mundo sem céu, no qual seu olho, através de espaços escuros de ar sombrio, via apenas encostas sempre subindo, grandes muralhas de pedra atrás de grandes muralhas, e precipícios sinistros envoltos pela névoa. Ficou por um momento numa espécie de devaneio, ouvindo o ruído da água, o sussurro das árvores escuras, os estalidos das rochas, e o vasto silêncio de espera que pairava acima de qualquer som. Ele amava as montanhas, ou amara pensar nelas se erguendo à margem das histórias trazidas de longe, mas agora sentia-se acabrunhado pelo peso insuportável da Terra-Média. Desejava isolar-se da imensidão numa sala tranquila, ao lado de uma fogueira. Estava muito cansado pois, embora tivessem cavalgado devagar, haviam feito pouquíssimas pausas na viagem. Hora após hora por quase três dias fatigantes, ele estivera sacolejando sobre passagens, através de longos vales e cruzando muitos rios. Algumas vezes, nos pontos onde o caminho era mais largo, cavalgara ao lado do rei, sem notar que muitos dos Cavaleiros sorriam ao ver os dois juntos: o hobbit montando o pequeno pônei cinzento e peludo, e o Senhor de Rohan em seu grande cavalo branco.
Nessas ocasiões conversara com Théoden, contando-lhe sobre sua terra natal e sobre os afazeres do povo do Condado, ou ouvindo por sua vez histórias sobre a Terra dos Cavaleiros e seus poderosos homens de antigamente. Mas na maior parte do tempo, especialmente nesse último dia, Merry tinha cavalgado sozinho logo atrás do rei, sem dizer nada, e tentando entender a fala lenta e sonora de Rohan usada pelos homens que vinham atrás dele. Era uma língua da qual Merry tinha a impressão de conhecer muitas palavras, embora fossem pronunciadas com mais sonoridade e força do que no Condado, e apesar disso ele não conseguia juntar essas palavras. Algumas vezes algum Cavaleiro levantava sua voz cristalina numa canção animadora, e Merry sentia seu coração bater mais forte, embora sem saber sobre o que falava a canção.
Mesmo assim sentia-se solitário, mais ainda quando chegava o fim do dia. Perguntava-se onde, em todo aquele mundo estranho, fora parar Pippin e o que aconteceria com Aragorn, Legolas e Gimli. Depois, de repente, sentindo um frio em seu coração, pensou em Frodo e Sam.
Estou me esquecendo deles! — disse para si mesmo num tom reprovatório — E apesar disso eles são mais importantes que todos nós. E eu vim para ajudá-los, mas agora devem estar a centenas de milhas daqui, se ainda estiverem vivos.
Teve um calafrio.
— O Vale Harg, finalmente! — disse Éomer — Nossa viagem está quase no fim.
Eles pararam. As trilhas que desciam da garganta estreita eram íngremes. Era possível apenas entrever, como que olhando de uma janela alta, o grande vale no crepúsculo lá embaixo. Uma única luz fraca aparecia piscando ao lado do rio.
— Esta viagem talvez tenha acabado — disse Théoden — Mas ainda tenho muito o que viajar. Ontem à noite a lua estava cheia, e amanhã cedo devo cavalgar até Edoras para a concentração da Terra dos Cavaleiros.
— Mas, se o senhor aceitasse meu conselho — disse Éomer numa voz baixa — Depois o senhor voltaria para cá e aqui ficaria, até que a guerra estivesse terminada, com vitória ou derrota.
Théoden sorriu.
— Não, meu filho, pois dessa forma irei chamá-lo, não diga as palavras suaves de Língua de Cobra a meus ouvidos de velho! — esticou o corpo e olhou para trás, vendo a longa fileira de seus homens sumindo dentro do crepúsculo — Parece que longos anos se passaram no espaço de dias desde que cavalguei para o Oeste, mas jamais me apoiarei num cajado de novo. Se perdermos a guerra, de que adiantará eu me esconder nas colinas? E, se vencermos, que motivo haverá para tristeza, mesmo que eu pereça usando minhas últimas forças? Mas vamos deixar isso de lado agora. Esta noite vou descansar na Fortaleza do Vale Harg. Ao menos uma noite de paz nos resta. Vamos continuar a cavalgada!
No crepúsculo que se adensava eles desceram para o vale. Ali o Riacho de Neve corria próximo ás paredes ocidentais, e logo a trilha os conduziu a um vau onde as águas rasas murmuravam alto sobre as pedras. O vau estava guardado. Com a aproximação do rei, muitos homens saltaram da sombra das rochas, e, quando o viram, gritaram com vozes alegres:
— O Rei Théoden! O Rei Théoden! O Rei da Terra dos Cavaleiros retorna!
Então um deles fez soar um longo toque numa corneta, que ecoou no vale.
Outras cornetas responderam, e luzes brilharam do outro lado do rio.
De repente elevou-se um grande coro de trombetas lá de cima, emitido de algum lugar côncavo, ao que parecia, e que reunia as notas numa só voz, e a enviava retumbando e batendo nas muralhas de pedra.
Assim o Rei da Terra dos Cavaleiros retornou vitorioso do Oeste para o Templo da Colina, sob os pés das Montanhas Brancas. Ali encontrou já reunida a força que restava de seu povo, pois logo que ficaram sabendo da chegada os capitães cavalgaram ao seu encontro no vau, trazendo mensagens de Gandalf.
Dúnhere, chefe do povo do Vale Harg, vinha á frente.
— Três dias atrás, ao amanhecer, senhor — disse ele — Scadufax chegou a Edoras na velocidade do vento, vindo do Oeste. Gandalf trouxe notícias de sua vitória para alegrar nossos corações. Mas também trouxe mensagens suas para que apressássemos a reunião dos Cavaleiros. E então veio a Sombra Alada.
— A Sombra Alada? — disse Théoden — Nós também a vimos, mas foi na calada da noite anterior à partida de Gandalf.
— Pode ser, senhor — disse Dúnhere — Apesar disso, a mesma, ou outra semelhante a ela, uma escuridão que voa na forma de um pássaro monstruoso, sobrevoou Edoras naquela manhã, e todos os homens ficaram tomados de medo. Pois ela deu um vôo rasante sobre Meduseld, e, quando abaixou, quase tocando o cume, ouvimos um grito que paralisou nossos corações. Foi então que Gandalf nos aconselhou a não nos reunirmos nos campos, mas a encontrá-lo aqui no vale sob as montanhas. E ele ordenou que só acendêssemos luzes ou fogueiras em caso de extrema necessidade. E assim foi feito. Gandalf falou com grande autoridade. Confiamos que esse seja o seu desejo. Não se viu nenhuma dessas coisas malignas no Vale Harg.
— Isso é bom — disse Théoden — Agora vou cavalgar para a Fortaleza e lá, antes de descansar, encontrarei os marechais e capitães. Quero vê-los o mais cedo possível!
Agora a estrada conduzia para o Leste, direto através do vale, que nesse ponto não tinha muito mais que oitocentos metros de largura. Planícies e campinas de capim grosso, agora cinzento ao cair da noite, jaziam por toda a volta, mas à frente, do lado oposto do vale, Merry viu uma parede franzida, uma última saliência das grandes raízes do Picorrijo, fendida pelo rio em eras passadas.
Em todos os espaços planos havia um grande agrupamento de homens. Alguns apinhados na borda da estrada, saudando o rei e os cavaleiros que vinham do Oeste com gritos alegres, mas estendendo-se na distância atrás deles viam-se fileiras ordenadas de tendas e barracas, e colunas de cavalos amarrados em estacas, e um grande estoque de armas, e pilhas de lanças eretas como matas de árvores recém plantadas. Agora toda a grande assembléia estava mergulhando na escuridão e mesmo assim, embora o vento da noite soprasse gelado das alturas, nenhuma lamparina reluzia, nenhuma fogueira fora acesa. Sentinelas com vestes pesadas caminhavam de um lado para o outro.
Merry ficou imaginando quantos Cavaleiros havia. Não conseguia calcular o número na escuridão que se adensava, mas parecia-lhe um grande exército, com milhares de homens. Enquanto ele esquadrinhava todos os pontos, o grupo do rei atingiu o penhasco que assomava na encosta Leste do vale, ali, de repente, a trilha começou a subir, e Merry ergueu os olhos assombrado. Estava numa estrada como nunca vira antes, um grande trabalho de mãos humanas, feito em épocas além do alcance das canções.
Subia fazendo curvas, ziguezagueando como uma cobra, abrindo seu caminho através da encosta íngreme de pedra. Inclinada como uma escada, curvava-se para lá e para cá á medida que ia subindo. Para cima, os cavalos conseguiam andar, e as carroças podiam ser lentamente puxadas, mas nenhum inimigo poderia avançar por aquele caminho se este fosse defendido lá de cima, a não ser que esse inimigo chegasse pelos ares. A cada curva da estrada postavam-se grandes rochas que haviam sido esculpidas á semelhança de homens, enormes e desajeitados, agachados, de pernas cruzadas, com os braços fortes cruzados sobre barrigas robustas. Alguns, com o passar dos anos, tinham perdido todos os traços, exceto os buracos escuros dos olhos, que ainda fitavam tristes os passantes.
Os Cavaleiros mal olhavam para eles. Chamavam-nos de homens-púkel, pouca atenção lhes davam: naquelas imagens não restava qualquer poder ou terror, mas Merry os fixava surpreso e com um sentimento quase de dó, à medida que eles iam assomando melancolicamente no crepúsculo.
Depois de um tempo olhou para trás e percebeu que já tinha subido várias dezenas de metros acima do vale, mas ainda conseguia divisar lá embaixo uma linha sinuosa de cavaleiros atravessando o vau e avançando em fila ao longo da estrada em direção ao acampamento preparado para eles.
Apenas o rei e sua guarda subiriam até a Fortaleza.

[FIG. 06] A ESTRADA PARA O TEMPLO DA COLINA


Finalmente a companhia do rei atingiu uma borda íngreme, e a estrada ascendente avançou por um corte feito nas muralhas de pedra, e assim subiu uma pequena encosta e atingiu uma plataforma larga. Os homens a chamavam de Firienfeld, um campo de grama e charneca na montanha, bem acima do leito profundo do Riacho de Neve, que passava pelo colo das grandes montanhas lá atrás: o Picorrijo ao Sul, ao Norte o maciço de Serraferro com seus dentes de serrote, entre os quais, à frente dos cavaleiros, postava-se a muralha negra da Dwimorberg, a Montanha Assombrada, saindo de encostas íngremes cobertas de pinheiros sombrios. Dividindo a plataforma ao meio havia uma linha dupla de pedras fincadas e disformes, que iam desaparecendo no crepúsculo, sumindo entre as árvores. Aqueles que ousavam passar por aquela estrada logo atingiam o negro Dimholt sob Dwimorberg, e a ameaça do pilar de pedra, com a boca escura e escancarada da porta proibida. Assim era o escuro Templo da Colina, trabalho de homens havia muito esquecidos. Ninguém se lembrava dos seus nomes, e nenhuma canção ou lenda os celebrava. Com que propósito haviam construído esse lugar, para ser uma cidade ou um templo secreto ou um túmulo de reis, ninguém sabia dizer. Ali tinham trabalhado durante os Anos Escuros, antes que qualquer navio chegasse às praias do Oeste, ou Gondor dos dúnedain fosse construída, agora tinham desaparecido, e restavam apenas os velhos homens-púkel, ainda sentados nas curvas da estrada.
Merry olhou para as fileiras de pedras em desfile: estavam desgastadas e escuras, algumas inclinadas, algumas caídas, outras rachadas ou quebradas, pareciam fileiras de velhos dentes famintos. Ficou pensando o que poderiam ser, e esperava que o rei não fosse segui-las em direção à escuridão mais além. Então percebeu que havia tendas e barracas aglomerando se dos dois lados do caminho de pedra, mas que não estavam armadas perto das árvores, parecendo antes agruparem-se longe delas, na direção da borda do penhasco. A maioria estava à direita, onde o Fíríenfeld era mais amplo, à esquerda havia um acampamento menor, no meio do qual se erguia um alto pavilhão. Deste lado vinha agora um cavaleiro para encontrá-los, e eles deixaram a estrada.
Assim que se aproximaram, Merry percebeu que o cavaleiro era uma mulher com longos cabelos trançados que reluziam no crepúsculo, mas ela usava um elmo, e estava vestida até a cintura como um guerreiro, trazendo uma espada no cinto.
— Salve, Senhor da Terra dos Cavaleiros! — exclamou ela — Meu coração se alegra com seu retorno.
— É você, Éowyn — disse Théoden — Está tudo bem com você?
— Está tudo bem — respondeu ela, mas Merry teve a impressão de que sua voz a traía, e poderia pensar que Éowyn estivera chorando, se isso fosse possível em uma pessoa com o rosto tão austero — Está tudo bem. Foi uma estrada cansativa para o povo, afastado repentinamente de suas casas. Houve palavras duras, pois faz tempo que a guerra nos expulsou dos campos verdes, mas não houve más ações. Tudo agora está em ordem, o senhor vê e seu alojamento já está preparado, pois recebi notícias completas sobre vocês e a hora de sua chegada. Então Aragorn veio...
— Ele ainda está aqui? — disse Éomer.
— Não, ele se foi — disse Éowyn, virando-se e olhando para as montanhas, escuras contra o Leste e o Sul.
— Para onde foi? — perguntou Éomer.
— Eu não sei — respondeu ela — Chegou á noite, e partiu ontem de manhã, antes que o sol tivesse subido acima dos topos das montanhas. Ele partiu.
— Você está triste, filha — disse Théoden — O que aconteceu? Diga-me, ele falou daquela estrada?
O rei apontou a distância, ao longo das linhas de pedra que se escureciam na direção da Dwimorberg.
— Falou das Sendas dos Mortos?
— Sim, senhor — disse Éowyn — E penetrou nas sombras das quais nunca ninguém retornou. Não pude dissuadi-lo. Ele partiu.
— Então nossos caminhos estão separados — disse Éomer — Ele se perdeu. Devemos cavalgar sem ele, e nossa esperança diminui.
Devagar passaram através da charneca baixa e da grama das montanhas, sem falar mais nada, até chegarem ao pavilhão do rei. Ali Merry viu que tudo estava preparado, e que ele mesmo não fora esquecido. Uma pequena tenda fora armada para ele ao lado do alojamento do rei, ali sentou-se sozinho, enquanto os homens andavam de um lado para o outro, entrando para ver o rei e se aconselhar com ele.
A noite se aproximou, e os topos das colinas parcialmente visíveis a Oeste ficaram coroados de estrelas, mas o Leste estava escuro e vazio. As pedras enfileiradas foram lentamente desaparecendo de vista, mas ainda além delas, mais negra que a escuridão, espreitava a vasta sombra agachada da Dwimorberg.
— As Sendas dos Mortos — murmurou Merry para si mesmo — As Sendas dos Mortos? O que significa tudo isso? Todos me abandonaram agora. Cada um em direção a um destino: Gandalf e Pippin para a guerra no Leste, Sam e Frodo para Mordor, Passolargo, Legolas e Gimli para as Sendas dos Mortos. Mas minha vez chegará em breve, suponho eu. Gostaria de saber sobre o que estão conversando, e o que o rei pretende fazer. Pois agora devo ir aonde ele for.
Em meio a esses pensamentos melancólicos, Merry de repente se lembrou de que estava com muita fome! Levantou-se para ver se alguém naquele estranho acampamento sentia a mesma coisa. Mas nesse exato momento uma trombeta soou, e um homem veio chamando-o, ao escudeiro do rei, para que servisse à mesa do rei.
Na parte interna do pavilhão havia um espaço exíguo, isolado por telas bordadas, e coberto de peles, ali, a uma pequena mesa, estava sentado Théoden com Éomer, Éowyn e Dúnhere, senhor do Vale Harg. Merry ficou de pé ao lado do banco do rei e o serviu, até que o velho, saindo de pensamentos profundos, virou-se para ele e sorriu.
— Venha, Mestre Meriadoc! — disse ele — Você não ficará de pé. Vai sentar-se ao meu lado, enquanto eu permanecer em minhas próprias terras, e alegrará meu coração com histórias.
Abriu-se espaço para o hobbit á esquerda do rei, mas ninguém pediu qualquer história. Na realidade houve pouca conversa, e eles comeram e beberam em silêncio a maior parte do tempo, até que, finalmente, criando coragem, Merry fez a pergunta que o atormentava.
— Já duas vezes, senhor, ouvi sobre as Sendas dos Mortos — disse ele — O que são elas? Para onde foi Passolargo, quero dizer, o Senhor Aragorn, aonde ele foi?
O rei suspirou, mas ninguém respondeu, finalmente Éomer falou.
— Nós não sabemos, e nossos corações estão pesados — disse ele — Mas, quanto às Sendas dos Mortos, você mesmo caminhou nos primeiros passos dela. Não, não estou pronunciando palavras de mau agouro! A estrada que subimos é o acesso à Porta que fica mais além, no Dimholt. Mas o que fica atrás dela, homem nenhum sabe.
— Homem nenhum sabe — disse Théoden — Apesar disso, antigas lendas, agora raramente contadas, têm algo a reportar. Se essas histórias antigas, que passaram de pai para filho na Casa de Eorl, falam a verdade, então a Porta sob a Dwimorberg conduz a um caminho secreto que passa por baixo da montanha e se dirige para algum fim esquecido. Mas ninguém jamais se aventurou a entrar para vasculhar seus segredos desde que Baldor, filho de Brego, passou pela Porta e nunca mais foi visto entre os homens. Ele fez um juramento temerário, ao esvaziar o chifre naquele banquete que Brego fez para consagrar o recém-construído palácio de Meduseld, e ele jamais chegou ao trono do qual era herdeiro. As pessoas dizem que os Homens Mortos, dos Anos Escuros, guardam o caminho e não permitem que nenhum homem vivo penetre seus salões ocultos, mas algumas vezes eles próprios podem ser vistos saindo da Porta como sombras e descendo a pedregosa estrada. Então o povo do Vale tranca as portas e cobre as janelas, sentindo medo. Mas os Mortos raramente saem, e só em horas de grande inquietação ou quando a morte se aproxima.
— Apesar disso comenta-se no Vale Harg — disse Éowyn numa voz baixa — Que em noites sem luar, há pouco tempo, um grande exército numa formação estranha passou. De onde vinha ninguém pôde saber, mas subiu a estrada de pedra e desapareceu dentro da colina, como se estivesse rumando para um encontro marcado.
— Então por que Aragorn foi por esse caminho? — perguntou Merry — Vocês não conhecem nenhum motivo que pudesse explicar isso?
— A não ser que, como seu amigo, ele tenha lhe dito palavras que não ouvimos — disse Éomer — Ninguém agora na terra dos vivos pode dizer quais são os seus propósitos.
— Ele parecia muito mudado em comparação a quando o vi na casa do rei — disse Éowyn — Mais austero, mais velho. Pareceu-me alguém às portas da morte, como alguém que é chamado pelos Mortos.
— Talvez ele tenha sido chamado — disse Théoden — E meu coração me diz que não o verei de novo. Apesar disso, ele é um homem nobre, com um destino importante. E console-se com isso, filha, uma vez que você parece precisar de consolo em sua tristeza por esse hóspede. Comenta-se que, quando os Eorlingas vieram do Norte e finalmente passaram subindo ao longo do Riacho de Neve, procurando lugares seguros para se refugiarem em tempos de necessidade, Brego e seu filho Baldor subiram a Escada da Fortaleza e assim chegaram diante da Porta. No limiar estava sentado um velho, de uma idade incalculável em anos, fora alto e nobre, mas agora estava desgastado como uma pedra velha. Na realidade, tomaram-no por uma pedra, pois não se moveu, nem disse palavra alguma, até que eles tentaram passar por ele e entrar. E então uma voz saiu do corpo dele, como se viesse do chão, e para o assombro dos dois falou na língua do Oeste: O caminho está fechado. Então eles pararam e olharam para ele, percebendo que ainda estava vivo, mas ele não retribuiu o olhar. “O caminho está fechado”, disse a voz outra vez, “Foi fechado por aqueles que estão Mortos, e os Mortos o guardam, até que chegue o tempo. O caminho está fechado”.
— E quando será o tempo? — disse Baldor. Mas nunca conseguiu qualquer resposta. Pois o velho morreu naquela hora e caiu com o rosto no chão, e nunca mais meu povo teve notícias dos antigos moradores das montanhas. Apesar disso, talvez o tempo previsto tenha chegado, e Aragorn possa passar.
— Mas como poderá um homem descobrir se o tempo chegou ou não, a não ser desafiando a Porta? — disse Éomer — E por aquele caminho eu não iria nem mesmo se todos os exércitos de Mordor estivessem diante de mim, e eu estivesse sozinho e sem outro refúgio. É pena que uma disposição para a morte deva recair sobre um homem de coração tão grande nesta hora de necessidade! Já não há coisas malignas suficientes, sem que se precise procurar embaixo da terra? A guerra se aproxima.
Fez uma pausa, pois naquele momento ouviu-se um ruído do lado de fora, uma voz de homem chamando o nome de Théoden, e a sentinela exigindo a senha.
De repente o capitão da Guarda abriu a cortina.
— Está aqui um homem, senhor — disse ele — Um mensageiro de Gondor. Deseja vê-lo imediatamente.
— Faça-o entrar! — disse Théoden.
Um homem alto entrou, e Merry sufocou um grito, por um momento teve a impressão de que Boromir estava vivo outra vez e retornara.
Então viu que não era verdade, o homem era um forasteiro, embora parecido com Boromir como se fosse um parente dele, alto e de olhos cinzentos, de porte altivo. Estava vestido como um cavaleiro, com uma capa verde-escuro sobre uma cota de malha fina, na frente de seu elmo estava gravada uma pequena estrela de prata. Na mão trazia uma única flecha, adornada com plumas negras e com farpas de aço, mas a ponta era pintada de vermelho.
Ajoelhou-se e apresentou a flecha a Théoden.
— Salve, Senhor dos Rohirrim, amigo de Gondor! — disse ele — Sou Hirgon, mensageiro de Denethor, e trago-lhe este símbolo de guerra. Gondor está numa grande necessidade. Várias vezes os rohirrim nos ajudaram, mas agora o Senhor Denethor solicita toda a sua força e toda a sua velocidade, para que Gondor não venha a cair.
— A Flecha Vermelha! — disse Théoden, segurando-a como alguém que recebe uma convocação há muito esperada, mas terrível quando chega.
Sua mão tremeu.
— A Flecha Vermelha não foi vista na Terra dos Cavaleiros durante toda a minha vida! As coisas realmente chegaram a este ponto? E o que o Senhor Denethor calcula que seja toda a minha força e toda a minha velocidade?
— Isso é o senhor quem melhor sabe — disse Hirgon — Mas em breve pode acontecer que Minas Tirith seja cercada, e, a não ser que o senhor tenha a força para quebrar um cerco de muitos exércitos, o Senhor Denethor me ordena dizer-lhe que ele julga que as fortes armas dos rohirrim ficariam melhor no interior das muralhas do que do lado de fora.
— Mas ele sabe que somos um povo que luta de preferência montado em cavalos e em espaços abertos, e também sabe que somos um povo disperso, e precisamos de tempo para reunirmos nossos Cavaleiros. Não é verdade, Hirgon, que o Senhor de Minas Tirith sabe mais do que coloca em sua mensagem? Pois já estamos em guerra. Como você deve ter ouvido, você não nos encontra totalmente despreparados. Gandalf, o Cinzento, esteve entre nós, e neste exato momento estamos concentrando nossas tropas para a batalha no Leste.
— O que o Senhor Denethor possa saber ou supor sobre todas essas coisas não posso dizer — respondeu Hirgon — Mas realmente nosso caso é desesperador. Mas meu senhor não lhe envia nenhum comando, ele lhe implora apenas para que se recorde da velha amizade e dos juramentos feitos há muito tempo, e que para o seu próprio bem faça o que puder. Ficamos sabendo que muitos reis cavalgaram do Leste a serviço de Mordor. Do Norte até o campo de Dagorlad há conflitos e rumores de guerra. No Sul os haradrim estão se movendo, e o medo paira sobre todas as nossas regiões costeiras, de modo que receberemos pouca ajuda de lá. Apresse-se! Pois é diante das muralhas de Minas Tirith que o destino de nossa época será decidido, e, se a maré não for estancada ali, então inundará todos os belos campos de Rohan, e nem mesmo aqui, neste Forte entre as colinas, haverá refúgio.
— Notícias negras — disse Théoden — E apesar disso não de todo inesperadas. Mas diga a Denethor que, mesmo se Rohan não se sentisse ameaçada, ainda assim iríamos em seu auxílio. Mas sofremos muitas perdas em nossas batalhas contra o traidor Saruman, e precisamos ainda pensar em nossa fronteira ao Norte e a Leste, como esclarece a própria mensagem que ele envia. Um poder tão grande como o que o Senhor do Escuro parece agora controlar poderia muito bem nos cercar em batalha dentro da Cidade, e mesmo assim atacar com grande força do outro lado do Rio, lá adiante, além do Portão dos Reis. Mas não faremos mais planos de prudência. Iremos. O encontro de armas está marcado para o dia de amanhã. Quando tudo estiver em ordem, partiremos. Poderia ter enviado dez mil lanceiros através da planície para o desalento de nossos inimigos. O número será menor agora, receio eu, pois não deixarei minhas fortalezas totalmente desprotegidas. Apesar disso, no mínimo seis mil deverão cavalgar atrás de mim. Pois diga a Denethor que nesta hora o Rei da Terra dos Cavaleiros descerá até Gondor, embora seja possível que ele não retorne. Mas é uma longa estrada, e homens e animais devem chegar ao fim com forças ainda para lutar. Pode levar uma semana, a contar do dia de amanhã, até que vocês ouçam o grito dos Filhos de Eorl chegando do Norte.
— Uma semana! — disse Hirgon — Se deve ser assim, que seja. Mas é provável que só encontrem muralhas arruinadas daqui a sete dias, a não ser que outro auxilio inesperado chegue. Ainda assim, vocês poderão pelo menos perturbar os orcs e os homens morenos em seu banquete na Torre Branca.
— Pelo menos faremos isso — disse Théoden — Mas eu próprio acabei de chegar de uma batalha e de uma longa viagem, e agora vou descansar. Permaneça aqui esta noite. Então poderá assistir à concentração das tropas de Rohan e partir mais feliz pelo espetáculo que viu, e mais depressa pelo descanso. Pela manhã os conselhos são melhores, e a noite altera muitos pensamentos.
Com isso o rei ficou de pé, e todos se levantaram.
— Agora todos devem ir descansar — disse ele — E durmam bem. E de você, Mestre Meriadoc, não necessito mais esta noite. Mas fique pronto para minha convocação assim que o sol nascer.
— Estarei a postos — disse Merry — Mesmo que ordene que eu cavalgue com o senhor pelas Sendas dos Mortos.
— Não pronuncie palavras de mau agouro! — disse o rei — Pois é possível que haja mais de uma estrada digna de tal nome. Mas eu não disse que ordenaria que você cavalgasse comigo em qualquer estrada. Boa noite!
— Não vou ficar para trás, para ser apanhado na volta! — disse Merry.
“Não vou ficar para trás, não vou!”. E repetindo isso inúmeras vezes para si mesmo finalmente adormeceu em sua tenda.
Foi acordado por um homem que o sacudia.
— Acorde, acorde, Mestre Hobbit! — exclamou ele, e finalmente Merry despertou de seus sonhos profundos e sentou-se num sobressalto. Achou que ainda estava muito escuro.
— Qual é o problema? — perguntou ele.
— O rei o chama.
— Mas o sol ainda não nasceu — disse Merry.
— Não, e não nascerá hoje, Mestre Hobbit. E nunca mais, poderíamos presumir sob esta nuvem. Mas o tempo não para, embora o sol esteja perdido. Depressa!
Jogando sobre o corpo algumas roupas, Merry olhou lá fora.
O mundo estava sombrio. O próprio ar parecia escuro, e todas as coisas ao redor estavam negras, cinzentas e sem sombras, havia uma grande imobilidade. Não se via o vulto de uma nuvem sequer, a não ser que estivesse muito distante, na direção do Oeste, onde os mais longínquos dedos da grande escuridão ainda avançavam rastejando, e uma pequena luz escoava através deles. Acima pairava um teto pesado, sombrio e disforme, e a luz mais parecia estar se extinguindo do que aumentando.
Merry viu muitas pessoas de pé, olhando para o alto e murmurando, seus rostos estavam sombrios e tristes, alguns amedrontados. Com o coração pesado, o hobbit se dirigiu até onde se encontrava o rei. Hirgon, o cavaleiro de Gondor, estava lá diante dele, e ao lado agora estava um outro homem, parecido com ele e com roupas semelhantes, mas mais baixo e troncudo.
Quando Merry entrou ele estava falando com o rei.
— Vem de Mordor, senhor— disse ele — Começou ontem, ao pôr-do-sol das colinas do Folde Oriental de seu reino eu a vi se erguendo e se alastrando no céu, e toda a noite, durante a minha cavalgada, ela me seguiu, devorando as estrelas. Agora a grande nuvem paira sobre toda a região daqui até as Montanhas da Sombra, e está ficando mais densa. A guerra já começou.
Por um tempo o rei ficou sentado e em silêncio. Finalmente falou.
— Então por fim chegamos a ela — disse ele — A grande batalha de nossa era, na qual muitas coisas deverão morrer. Mas pelo menos não há mais necessidade de nos escondermos. Vamos cavalgar pelo caminho direto e na estrada aberta com toda a nossa velocidade. A concentração das tropas deve começar imediatamente, sem esperar por ninguém que esteja atrasado. Vocês têm bons estoques em Minas Tirith? Pois, se devemos cavalgar com a maior rapidez possível, então devemos estar leves, levando apenas comida e bebida que nos sustentem até a batalha.
— Temos um enorme estoque, preparado há muito tempo – respondeu Hirgon — Partam agora com a maior leveza e velocidade possível!
— Então chame os arautos, Éomer — disse Théoden — Que os Cavaleiros sejam reunidos!
Éomer saiu e de repente as trombetas soaram na Fortaleza e muitas outras lá de baixo responderam, mas suas vozes não mais soavam cristalinas e corajosas como Merry as ouvira na noite anterior. Pareciam abafadas e roucas, zurrando funestas.
O rei virou-se para Merry.
— Estou indo para a guerra, Mestre Meriadoc — disse ele — Em breve deverei tomar a estrada. Dispenso-o de meu serviço, mas não de minha amizade. Você permanecerá aqui, e, se quiser, poderá servir à Senhora Éowyn, que governará o povo em meu lugar.
— Mas, mas, senhor — gaguejou Merry — Eu lhe ofereci minha espada. Não quero me separar de sua pessoa desta forma, Rei Théoden. E, como todos os meus amigos foram para a batalha, eu me sentiria envergonhado se ficasse para trás.
— Mas nós montamos cavalos altos e velozes — disse Théoden — E, embora você possa ter grande coragem, não pode cavalgar esses animais.
— Então amarre-me ao lombo de um, ou deixe-me andar pendurado num estribo, ou qualquer outra coisa — disse Merry — Há uma longa estrada a percorrer, mas eu irei correndo, se não puder cavalgar, mesmo que tenha de gastar meus pés e chegar com semanas de atraso.
Théoden sorriu.
— Seria melhor que eu o levasse comigo na garupa de Snawmana — disse ele — Mas pelo menos você cavalgará comigo até Edoras para ver Meduseld, pois devo fazer esse caminho. Até lá Stybba pode levá-lo: a grande corrida não começará até atingirmos as planícies.
Então Éowyn se levantou.
— Venha agora Merriadoc. Vou lhe mostrar as armas que preparei para você.
Os dois saíram juntos.
— Apenas esse pedido Aragorn me fez — disse Éowyn, enquanto eles passavam por entre as tendas — Que você fosse armado para a batalha. Eu garanti que seria assim, que faria o possível. Pois meu coração me diz que você vai precisar dessas armas antes do fim.
Então ela levou Merry a uma barraca em meio aos alojamentos da guarda do rei, e lá um armeiro lhe trouxe um pequeno elmo, um escudo redondo, e outras armas.
— Não temos malhas que lhe sirvam — disse Éowyn — Nem tempo para forjar uma cota desse tipo, mas aqui também há um gibão de couro resistente, um cinto e uma faca. A espada você já tem.
Merry fez uma reverência, e a senhora lhe mostrou o escudo, que era parecido com aquele que dera a Gimli e ostentava a insígnia do cavalo branco.
— Pegue todas essas coisas — disse ela — E conduza-as a um bom desenlace! Adeus agora, Mestre Meriadoc! Mas talvez nos encontremos outra vez, você e eu.
Foi assim que, em meio a uma escuridão que se adensava, o Rei da Terra dos Cavaleiros se aprontou para conduzir todos os seus homens na estrada para o Leste.
Os corações estavam pesados, e muitos estremeciam diante da sombra. Mas eram um povo resoluto, leal ao seu senhor, e ouvia-se pouco choro ou murmúrio, mesmo no acampamento da Fortaleza, onde se abrigavam os exilados de Edoras, mulheres, crianças e velhos. O destino pairava sobre eles, que o enfrentavam em silêncio.
Duas rápidas horas se passaram, e agora o rei montava seu cavalo branco, refulgindo na meia-luz. Parecia orgulhoso e altivo, embora o cabelo que esvoaçava embaixo de seu alto elmo parecesse neve, muitos se surpreenderam com ele, e alegraram-se ao vê-lo ereto e destemido.
Lá nas amplas planícies ao lado do rio ruidoso estavam agrupadas muitas companhias que perfaziam quase cinco mil e quinhentos Cavaleiros completamente armados, e muitas centenas de outros homens com cavalos avulsos levemente carregados.
Uma única trombeta soou.
O rei levantou a mão, e então, em silêncio, o exército da Terra dos Cavaleiros começou a se mover. Na frente iam doze dos homens da casa do rei, Cavaleiros de renome. Depois ia o rei com Éomer à sua direita.
Dissera adeus a Éowyn em cima, no Forte, e a lembrança lhe trazia tristeza, mas agora voltava sua mente para a estrada que se estendia à frente. Atrás dele Merry montado em Stybba, com os mensageiros de Gondor, e mais atrás outros doze homens da casa do rei. Passaram pelas longas fileiras de homens que esperavam com rostos austeros e imóveis. Mas, quando chegaram quase ao fim da fileira, um deles ergueu os olhos, lançando um olhar agudo para o hobbit.
“Um jovem”, pensou Merry ao retribuir o olhar, “Menor em tamanho e corpulência que muitos”. Merry capturou o brilho de olhos cristalinos e cinzentos, e então estremeceu, pois de repente lhe ocorreu o pensamento de que aquele era o rosto de uma pessoa sem esperança que partia ao encontro da morte.
Continuaram descendo pela estrada cinzenta ao lado do Riacho de Neve, correndo sobre suas pedras, através das aldeias de Sob-Templo e de Sobre-Riacho, onde muitos rostos tristes de mulheres olhavam através de portas escuras, assim, sem cornetas ou harpas ou música de vozes humanas, começou a grande cavalgada para o Leste, da qual as canções de Rohan se ocuparam por muitas vidas de homem posteriormente.

         Do Templo da Colina na manhã calada com nobre e capitão saiu o filho de Thengel: para Edoras ele veio, para os velhos salões dos guardas de Rohan envoltos em neblina, das madeiras douradas imersas em dor. Adeus ele deu ao seu povo em liberdade, ao lar, ao alto assento e aos sagrados recintos, onde tanto celebrara até a luz se apagar. Em frente vai o rei, o medo atrás ficando, adiante o destino. Sua lealdade ele manteve, juras que fizera, todos as cumpriram.
Em frente vai Théoden.
Cinco noites, cinco dias, avante para o Leste foram os eorlingas Pelo Folde e por Fenmark e por Firienholt, seis milhares de lanças para Sunlending, Mundburg magnífica aos pés do Mindolluin, dos reis do Mar cidade no reino do Sul infestado de inimigos, sitiado pelo fogo. O Destino os dirigia. As trevas dominaram cavalo e cavaleiro, cascos na distância sumiram no silêncio: assim rezam as canções.

Foi realmente numa escuridão cada vez mais profunda que o rei chegou a Edoras, embora não passasse do meio-dia. Ali fizeram apenas uma pausa curta e fortaleceram seu exército com algumas dezenas de Cavaleiros que haviam chegado atrasados para o encontro de armas. Agora, tendo comido, ele se aprontava para partir novamente, e desejou ao seu escudeiro uma estada feliz. Mas Merry implorou pela última vez que não se separasse dele.
— Esta não é uma viagem para animais como Stybba, como eu já lhe falei — disse Théoden — E, numa batalha como a que pensamos travar nos campos de Gondor, o que você faria, Mestre Meriadoc, embora você seja um espadachim, e maior na coragem do que na estatura?
— Quanto a isso, quem pode saber? — respondeu Merry — Mas por que, meu senhor, fui aceito como espadachim, senão para ficar ao seu lado? E eu não permitiria que de mim as canções dissessem que sempre fiquei para trás.
— Recebi-o para protegê-lo — respondeu Théoden — E também para que cumprisse minhas ordens. Nenhum de meus Cavaleiros pode levá-lo como fardo. Se a batalha estivesse diante de meus portões, talvez seus feitos fossem recordados pelos menestréis mas são cento e duas léguas daqui até Mundburg, onde Denethor é senhor. Não direi mais nada.
Merry fez uma reverência e se afastou infeliz, olhando as fileiras de cavaleiros. As companhias já estavam se aprontando para partir: os homens apertando cilhas, tratando das selas, acariciando seus cavalos, alguns olhavam aflitos para o céu ameaçador. Sem ser notado, um cavaleiro se aproximou e falou baixinho ao ouvido do hobbit.
— Quando a vontade não falta, caminho se abre, assim dizemos nós — sussurrou ele — E foi isso o que aconteceu comigo.
Merry ergueu os olhos e viu que era o jovem cavaleiro que notara durante a manhã.
— Você deseja ir aonde o Senhor da Terra dos Cavaleiros for: vejo isso em seus olhos.
— Desejo — disse Merry.
— Então irá comigo — disse o Cavaleiro — Vou levá-lo sentado na minha frente sob minha capa até que estejamos bem longe, e esta escuridão esteja ainda mais escura. Essa boa vontade não lhe deveria ter sido negada. Não diga mais nada para ninguém, mas venha!
— Fico imensamente grato! — disse Merry — Obrigado, senhor, embora eu não saiba seu nome.
— Não sabe? — disse o Cavaleiro baixinho — Então chame-me de Dernhelm.
Foi assim que, quando o rei partiu, na frente de Dernhelm foi montado Meriadoc, o hobbit, e o grande corcel cinzento Windfola fez pouco do fardo, pois Bernhelm era menos pesado que muitos homens, embora esbelto e de corpo bem feito.
Avançaram para dentro da sombra. Nos maciços de salgueiros, onde o Riacho de Neve corria para desembocar no Entágua, doze léguas a Leste de Edoras, eles acamparam naquela noite. E depois continuaram de novo através do Folde, e através de Fenmark, onde á direita grandes florestas de carvalhos subiam nas encostas das colinas, sob as sombras do escuro Halifirien, ao lado das fronteiras de Gondor, mas á esquerda a névoa pairava nos pântanos alimentados pelas desembocaduras do Entágua. Enquanto cavalgavam chegaram-lhes aos ouvidos os boatos da guerra no Norte. Homens sozinhos, cavalgando alucinados, trouxeram notícias sobre os inimigos atacando as fronteiras orientais, sobre exércitos de orcs marchando no Descampado de Rohan.
— Avante! Avante! — gritou Éomer — É tarde demais agora para desviarmos. Os charcos do Entágua deverão guardar nosso flanco. Precisamos agora de velocidade. Avante!
E assim o Rei Théoden partiu de seu próprio reino, e milha após milha a longa estrada avançava sinuosa, e as colinas dos faróis passaram marchando: Calenhad, Min-Rimmon, Erelas, Nardol. Mas suas fogueiras estavam apagadas. Toda a terra estava cinzenta e quieta, e cada vez mais a escuridão se adensava diante deles, e a esperança minguava em seus corações.




 continua...





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Lei de MurphyO companheirismo é essencial à sobrevivência. Ele dá ao inimigo outra pessoa em quem atirar.

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