segunda-feira, 24 de outubro de 2011

O Conde de Monte Cristo - Capítulo 108





CVIII

O JUIZ




L
embramos que o Abade Busoni ficara sozinho com Noirtier no quarto mortuário e que o velho e o padre se tinham constituído guardas do corpo da jovem. Talvez as exortações cristãs do abade, talvez a sua suave caridade ou talvez a sua palavra persuasiva tivessem restituído a coragem ao velho; porque a partir do momento em que pudera conferenciar com o padre, em vez do desespero que se apoderara dele inicialmente, tudo em Noirtier denotara uma grande resignação e uma calma deveras surpreendente para todos aqueles que se recordavam da profunda afeição que dedicava a Valentine.
O Sr. de Villefort não tornara a ver o velho desde a manhã do falecimento. Toda a casa fora renovada: Villefort contratara novo criado de quarto para si e outro criado para Noirtier; ao serviço da Sra. de Villefort tinham entrado duas novas criadas; todos, incluindo o porteiro e o cocheiro, ofereciam de novo caras que se tinham interposto por assim dizer entre os diversos patrões da casa maldita e interceptado as relações já bastante frias que existiam entre eles.
De resto, os tribunais abriam dentro de três dias e Villefort, encerrado no seu gabinete, prosseguia com febril atividade a elaboração do processo contra o assassino de Caderousse. Este caso, como todos aqueles com que o Conde de Monte Cristo se encontrava relacionado, dera muito que falar na alta sociedade parisiense. As provas não eram convincentes, pois baseavam-se em algumas palavras escritas por um forçado moribundo, antigo companheiro de galés do acusado, ao qual poderia querer incriminar por ódio ou por vingança. Somente a convicção do magistrado se encontrava formada: o Procurador Régio acabara por adquirir essa temível convicção e para ele Benedetto era culpado e, custasse o que custasse, havia de tirar dessa vitória difícil uma dessas satisfações de amor-próprio que só por si revelavam um pouco de que fibra era feito o seu coração insensível.
O processo ia, pois sendo instruído graças ao trabalho incessante de Villefort, que queria abrir com ele o próximo período judicial. Isso obrigara-o a isolar-se mais do que nunca, para não ter de responder à quantidade prodigiosa de pedidos que lhe dirigiam para obter bilhetes de audiência.
E depois passara tão pouco tempo desde que a pobre Valentine fora sepultada. A dor da família era ainda tão recente que ninguém se admirava de ver o pai tão severamente absorto no seu dever, isto é, na única distração que podia encontrar para o seu desgosto.
Apenas uma vez, no dia seguinte àquele em que Benedetto recebera a visita de Bertuccio, na qual este lhe deveria indicar o nome do pai, apenas uma vez, no dia seguinte a esse, que era um Domingo, uma única vez, insistimos, Villefort vira o pai.
Fora num momento em que o magistrado, cansadíssimo, descera ao jardim do palácio, e sombrio, curvado a um pensamento implacável, qual Tarquínio abatendo com a sua chibata as papoulas mais altas, abatia com a bengala as longas hastes das malvas-rosas que se erguiam ao longo das alamedas como os espectros dessas flores tão brilhantes na estação que acabava de terminar.
Já por mais de uma vez chegara ao fundo do jardim, ou seja, ao famoso portão que dava para o recinto abandonado, voltando sempre pela mesma alameda e retomando o passeio com o mesmo passo e a mesma atitude, quando olhara maquinalmente para casa, na qual ouvia brincar ruidosamente o filho vindo do colégio para passar o Domingo e a Segunda-Feira junto da mãe.
Nesse momento viu a uma das janelas abertas o Sr. Noirtier, que fizera rodar até ali a sua poltrona a fim de fruir os últimos raios de um Sol ainda quente que vinham saudar as flores moribundas dos volúveis e as folhas avermelhadas das vinhas-virgens que atapetavam a varanda.
O olhar do velho cravara-se, por assim dizer, num ponto que Villefort só distinguia imperfeitamente. Mas esse olhar de Noirtier era tão rancoroso, tão feroz, tão ardente de impaciência, que o Procurador Régio, habituado a captar todas as impressões daquele rosto, que conhecia tão bem, se afastou da linha que percorria para ver quem era a pessoa que o velho observava assim.
Viu então, debaixo de um maciço de tílias com os ramos já quase desguarnecidos, a Sra. de Villefort, que, sentada com um livro na mão, interrompia de vez em quando a leitura para sorrir ao filho ou devolver-lhe a bola de borracha que ele atirava obstinadamente da sala para o jardim.
Villefort empalideceu, pois sabia o que queria o velho. Noirtier não tirava os olhos do mesmo alvo, mas, de súbito, o seu olhar desviou-se da mulher para o marido, e o próprio Villefort teve de suportar o ataque daqueles olhos fulminantes que, ao mudarem de alvo, mudaram também de linguagem, sem, no entanto perderem nada da sua expressão ameaçadora.
A Sra. de Villefort, alheia a todas aquelas paixões, cujos fogos cruzados lhe passavam por cima da cabeça, segurava naquele momento a bola do filho, ao qual fazia sinal para a vir buscar com um beijo. Mas Edouard fez-se rogar longamente. O mais provável era que a carícia maternal lhe não parecesse recompensa suficiente para o incômodo que ia ter. Por fim decidiu-se, saltou da janela para o meio de um canteiro de heliotrópios e rainhas-margaridas e correu para a Sra. de Villefort com a testa coberta de suor. A Sra. de Villefort limpou-a, pousou os lábios naquele marfim úmido e mandou o garoto embora com a bola numa das mão e um punhado de bombons na outra.
Levado por invencível atração, tal como o passarinho‚ atraído pela serpente, Villefort aproximou-se de casa. À medida que se aproximava, o olhar de Noirtier baixava-se para segui-lo, e o fogo das suas pupilas parecia adquirir tal grau de incandescência que Villefort se sentia devorado por ele até ao fundo do coração. Com efeito, lia-se naquele olhar uma cruel censura, ao mesmo tempo que uma terrível ameaça. Então, as pálpebras e os olhos de Noirtier ergueram-se ao céu, como se recordasse ao filho um juramento esquecido.
— Está bem, senhor — replicou Villefort de baixo, do pátio — Está bem! Tenha paciência durante mais um dia. O que disse está dito.
Noirtier pareceu acalmar-se com estas palavras e os seus olhos viraram-se com indiferença para outro lado. Villefort desabotoou violentamente a sobrecasaca que o sufocava, passou a mão lívida pela testa e regressou ao seu gabinete.
A noite passou-se fria e tranqüila; todas as pessoas se deitaram e dormiram como de costume naquela casa.
Apenas, também como de costume, Villefort não se deitou ao mesmo tempo que os outros e trabalhou até às cinco da manhã, a rever os últimos interrogatórios feitos na véspera pelos magistrados instrutores, a compulsar os depoimentos das testemunhas e a burilar o seu libelo acusatório, um dos mais enérgicos e habilmente concebidos que até então redigira.
Era no dia seguinte, Segunda-Feira, que se devia realizar a primeira audiência. Villefort viu despontar esse dia baço e sinistro e a sua claridade acinzentada fez brilhar no papel as linhas traçadas a tinta vermelha. O magistrado adormecera um instante, enquanto o candeeiro dava os últimos suspiros. As crepitações da torcida acordaram-no, com os dedos úmidos e avermelhados como se os tivesse mergulhado em sangue.
Abriu a janela.
Uma grande faixa alaranjada atravessava ao longe o céu e cortava em dois os álamos esguios que se perfilavam a negro no horizonte. No campo de luzerna, do outro lado do portão dos castanheiros, uma cotovia subia no céu, emitindo o seu canto claro e matinal.
O ar úmido do amanhecer inundou a cabeça de Villefort e refrescou-lhe a memória.
— Será hoje — disse com esforço — Hoje, o homem que vai empunhar o gládio da justiça deve ferir onde quer que se encontrem os culpados.
O seu olhar dirigiu-se então, mal-grado seu, para a janela de Noirtier, que se projetava em ângulo reto, para a janela onde vira o velho na véspera.
O cortinado estava corrido.
E, no entanto a imagem do pai estava-lhe de tal modo presente que se dirigiu à janela fechada como se estivesse aberta e visse ainda o velho ameaçador.
— Sim — murmurou — Sim, pode estar tranqüilo!
A cabeça descaiu-lhe para o peito e com ela assim inclinada, deu alguns passos no gabinete. Por fim; atirou-se vestido para cima de um canapé, menos para dormir do que para descontrair os membros insensibilizados pela fadiga e pelo frio, que lhe penetrara até à medula dos ossos.
Pouco a pouco todos se levantaram. Do seu gabinete, Villefort ouviu os sucessivos ruídos que constituíam por assim dizer a vida da casa: as portas maciças em movimento, o toque da campainha da Sra. de Villefort a chamar a sua criada de quarto, os primeiros gritos do garoto, que se levantava alegre como nos levantamos habitualmente na sua idade. Villefort tocou por seu turno o seu novo criado de quarto entrou e entregou-lhe os jornais.
Juntamente com os jornais trouxe uma xícara de chocolate.
— Que me traz aí? — perguntou Villefort.
— Uma xícara de chocolate.
— Não a pedi. Quem tomou essa decisão por mim?
— A senhora. Disse-me que o senhor falaria decerto muito hoje, nesse caso de assassínio, e que necessitava recuperar forças.
E o criado pôs em cima da mesa colocada junto do canapé — mesa, como todas as outras, carregada de papéis — a xícara de prata dourada.
Depois, saiu.
Villefort olhou um instante a xícara, com ar sombrio, e depois, de súbito, pegou-lhe com um gesto nervoso e bebeu de um só trago a beberagem que continha. Diria esperar que a beberagem fosse mortal e que procurava a morte para o libertar de um dever que lhe ordenava coisa muito mais difícil do que morrer. Depois levantou-se e passeou no gabinete com uma espécie de sorriso, que seria terrível de ver se alguém o visse.
O chocolate era inofensivo e o Sr. de Villefort não experimentou nada.
Chegada a hora do almoço, o Sr. de Villefort não apareceu à mesa. O criado de quarto voltou a entrar-lhe no gabinete.
— A senhora manda prevenir o senhor de que acabam de dar onze horas e a audiência está marcada para o meio-dia.
— E depois? — perguntou Villefort.
— A senhora arranjou-se, está pronta, e pergunta se pode acompanhar o senhor.
— Onde?
— Ao Palácio da Justiça.
— Para quê?
— A senhora diz que gostaria muito de assistir à audiência.
— Ah, ela disse isso?! — exclamou Villefort num tom quase assustador.
O criado recuou um passo e sugeriu:
— Se o senhor deseja ir só, eu vou dizer à senhora.
Villefort ficou um instante calado, cravava as unhas no rosto, em que sobressaía a barba, de um negro de ébano.
— Diga à senhora — respondeu por fim — Que desejo falar-lhe e que lhe peço que me espere nos seus aposentos.
— Sim, senhor.
— Depois volte para me barbear e vestir.
— Imediatamente.
O criado de quarto saiu e, de fato, voltou pouco depois para barbear Villefort e vesti-lo solenemente de preto.
Quando terminou informou:
— A senhora disse que esperaria o senhor assim que o senhor acabasse de se vestir.
— Vou já.
E Villefort, com os processos debaixo do braço e o chapéu na mão, dirigiu-se para os aposentos da mulher. A porta parou um instante e enxugou com o lenço o suor que lhe brotava da fronte lívida. Depois empurrou a porta.
A Sra. de Villefort estava sentada numa otomana a folhear com impaciência jornais e brochuras que o jovem Edouard se entretinha a rasgar ainda antes de a mãe ter tempo de acabar de os ler. Encontrava-se completamente vestida para sair. O chapéu esperava-a pousado numa poltrona. Já calçara as luvas.
— Até que enfim, senhor! — exclamou na sua voz natural e calma — Meu Deus, como está pálido, senhor! Trabalhou toda a noite? Porque não foi almoçar conosco? Então, leva-me consigo ou vou sozinha com Edouard?
A Sra. de Villefort multiplicou, como se vê, as perguntas para obter uma resposta; mas a todas as suas perguntas o Sr. de Villefort ficou frio e mudo como uma estátua.
— Edouard — disse Villefort, cravando no garoto um olhar imperioso — Vá brincar na sala, meu filho, pois preciso falar com a sua mãe.
Ao ver esta atitude fria, este tom resoluto, estes preparativos preliminares estranhos, a Sra. de Villefort estremeceu. Edouard levantara a cabeça e olhara para a mãe. Depois, vendo que ela não confirmava a ordem do Sr. de Villefort, dedicara-se a cortar a cabeça dos seus soldados de chumbo.
— Edouard! — gritou o Sr. de Villefort tão asperamente que o garoto deu um salto no tapete — Não me ouviu? Saia!
O pequeno, muito pouco habituado a ser tratado assim, levantou-se e empalideceu. Seria, no entanto difícil de dizer se de cólera ou de medo. O pai foi ao seu encontro, agarrou-o por um braço e beijou-o na testa.
— Vá, meu filho, vá!...
Edouard saiu.
O Sr. de Villefort, dirigiu-se para a porta e fechou-a atrás do filho. Em seguida correu o fecho.
— Meu Deus! — exclamou a jovem senhora, olhando o marido até ao fundo da alma e esboçando um sorriso que a impassibilidade de Villefort lhe gelou nos lábios — Que se passa?
— Minha senhora, onde guarda o veneno de que se serve habitualmente? — perguntou sem rodeios o magistrado, colocado entre a mulher e a porta.
A Sra. de Villefort experimentou o que deve experimentar a cotovia quando vê o milhafre apertar por cima da sua cabeça os seus círculos mortais. Um som rouco, quebrado, que não era nem um grito nem um suspiro, escapou-se do peito da Sra. de Villefort, que empalideceu até à lividez.
— Senhor, não... não compreendo...
E como se tinha levantado num paroxismo de terror, num segundo paroxismo, mais forte sem dúvida do que o primeiro, deixou-se cair novamente no sofá.
— Perguntei-lhe — continuou Villefort em voz perfeitamente calma — Em que lugar escondia o veneno com que matou o meu sogro, Sr. de Saint-Méran, a minha sogra, Sra. de  Saint-Méran, Barrois e a minha filha, Valentine.
— Meu Deus, que diz o senhor?! — gritou a Sra. de Villefort, juntando as mãos.
— Não lhe cabe interrogar-me, mas sim responder.
— Ao marido ou ao juiz? — balbuciou a Sra. de Villefort.
— Ao juiz, minha senhora! Ao juiz!
Era um espetáculo medonho ver a palidez da mulher, a angústia do seu olhar, a tremura de todo o seu corpo.
— Senhor!... — murmurou — Ah, senhor!... — foi tudo quanto disse.
— Não me respondeu, senhora! — gritou o terrível inquiridor.
Depois, acrescentou, com um sorriso ainda mais assustador do que a sua cólera:
— É verdade, pois nem se atreve a negá-lo!
A mulher esboçou um gesto. Villefort prosseguiu, estendendo a mão para ela como se a fosse prender em nome da justiça:
— Nem poderia negá-lo! A senhora cometeu esses vários crimes com impudente habilidade, mas que só poderia enganar as pessoas dispostas, devido à sua afeição, a deixarem-se cegar a seu respeito. Desde a morte da Sra. de Saint-Méran que sabia existir um envenenador em minha casa; o Sr. de Avrigny avisara-me. Depois da morte de Barrois, Deus me perdoe!, as minhas suspeitas incidiram sobre alguém, sobre um anjo! As minhas suspeitas, que, mesmo quando não existe crime, estão constantemente despertas no fundo do meu coração. Mas depois da morte de Valentine deixei de ter dúvidas, minha senhora, e não fui só eu que deixei de as ter, o mesmo aconteceu com outras pessoas. Assim o seu crime, é agora conhecido por duas pessoas e suspeitado por diversas, vai tornar-se público; e como lhe dizia há pouco, minha senhora, já não é um marido que lhe fala, é um juiz!
A jovem senhora escondeu o rosto nas mãos.
— Oh, senhor, suplico-lhe que não acredite nas aparências!... — balbuciou.
— Será covarde? — perguntou Villefort em tom de desprezo. — Com efeito, sempre notei que os envenenadores eram covardes. Será covarde, a senhora que teve a horrível coragem de ver expirar diante de si dois velhos e uma jovem, assassinados por si?
— Senhor! Senhor!
— Será covarde — continuou Villefort, com crescente exaltação — A senhora que contou um a um os minutos de quatro agonias, que imaginou os seus planos infernais e preparou as suas beberagens infames com uma habilidade e uma precisão tão miraculosas? A senhora, que tão bem calculou tudo, terá se esquecido de calcular uma única coisa, isto é, aonde podia levá-la a revelação dos seus crimes? Oh, é impossível, e decerto guardou algum veneno mais suave, mais sutil e mais mortífero do que os outros para escapar ao castigo que lhe era devido!... Espero que ao menos tenha feito isso.
A Sra. de Villefort torceu as mãos e caiu de joelhos.
— Bem sei... bem sei que confessa — prosseguiu o marido — Mas a confissão feita a juízes, a confissão feita no último momento, a confissão feita quando já não se pode negar, essa confissão não diminui em nada o castigo que eles infligem ao culpado.
— O castigo! — gritou a Sra. de Villefort — O castigo! É a segunda vez que o senhor pronuncia essa palavra...
— Sem dúvida. Seria por ser quatro vezes culpada que julgara escapar-lhe? Seria por ser a mulher daquele que reclama o castigo que se convenceu de que o castigo não a atingiria? Não, minha senhora, não! Seja ela quem for, o cadafalso espera a envenenadora, sobretudo se, como lhe dizia há pouco, a envenenadora não teve o cuidado de conservar para si algumas gotas do seu veneno mais seguro.
A Sra. de Villefort soltou um grito selvagem e um terror medonho e incontível invadiu-lhe as feições descompostas.
— Oh, não receie o cadafalso, minha senhora! — disse o magistrado — Não quero desonrá-la, porque isso seria desonrar a mim mesmo. Não, pelo contrário, se me ouviu bem, deve ter compreendido que não pode morrer no cadafalso.
— Não, não compreendi. Que quer dizer? — balbuciou a pobre mulher completamente aterrada.
— Queria e quero dizer que a mulher do primeiro magistrado da capital não conspurcará com a sua infâmia um nome sem mácula, nem desonrar  ao mesmo tempo o marido e o filho.
— Não! Oh, não!
— Pois bem, minha senhora, será uma boa ação da sua parte, uma boa ação que lhe agradeço.
— Agradece-me?... E o quê?
— O que acaba de dizer.
— Que disse eu? Estou de cabeça perdida; já não compreendo nada. Meu Deus! Meu Deus!
E levantou-se, com o cabelo em desalinho e os lábios espumantes.
— Respondeu à pergunta que lhe fiz quando entrei aqui. Lembra-se que lhe perguntei onde estava o veneno de que se servia habitualmente, minha senhora?
A Sra. de Villefort ergueu os braços ao céu e apertou convulsivamente as mãos uma na outra.
— Não! Não! — vociferou — Não, o senhor não pode querer isso!
— O que não quero senhora, é que morra num cadafalso, entende? — perguntou Villefort.
— Oh, senhor, perdão!
— O que quero é que seja feita justiça. Estou no mundo para castigar, senhora — acrescentou ele com um olhar chamejante — A qualquer outra mulher, ainda que fosse uma rainha, a mandaria ao carrasco; mas consigo serei misericordioso. A si digo-lhe: “Não é verdade, minha senhora, que guardou algumas gotas do seu veneno mais suave, mais rápido e mais seguro?”
— Oh, perdoe, senhor, deixe-me viver!
— Covarde! — gritou Villefort.
— Lembre-se de que sou sua mulher!
— O que é, é uma envenenadora!
— Em nome do céu!...
— Não!
— Em nome do amor que teve por mim!...
— Não, não!
— Em nome do nosso filho! Ah, pelo nosso filho, deixe-me viver!
— Não, não e não, já disse! Um dia, se a deixasse viver, talvez o matasse também, como aos outros.
— Eu matar o meu filho?! — gritou aquela mãe selvagem correndo para Villefort — Eu, matar o meu Edouard?!... Ah, ah!
E um riso horrível, um riso de demônio, um riso de louca concluiu a frase e terminou num estertor cruel. A Sra. de Villefort caíra aos pés do marido.
Villefort aproximou-se dela.
— Tome bem nota disto, senhora: se no meu regresso não estiver feita justiça, a denunciarei por minha própria boca e a prenderei por minhas próprias mãos.
Ela escutava palpitante, abatida, esmagada; só o olhar vivia nela e alimentava um fogo terrível.
— Ouviu o que disse — prosseguiu Villefort — Vou ao tribunal pedir a pena de morte para um assassino... se no regresso a encontrar viva, dormirá esta noite na Conciergerie.
A Sra. de Villefort soltou um suspiro, os nervos distenderam-se e caiu desamparada no tapete.
O Procurador Régio pareceu esforçar um gesto de piedade, olhou-a com menos severidade e inclinou-se ligeiramente diante dela.
— Adeus, minha senhora, adeus! — disse devagar.
Este adeus caiu como o cutelo mortal sobre a Sra. de Villefort, que perdeu os sentidos.
O Procurador Régio saiu e fechou a porta à chave.




 continua...





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Lei de ComimAs pessoas aceitarão sua idéia muito mais facilmente se você disser a elas que quem a criou foi Albert Einstein.
Lei de MurphyO companheirismo é essencial à sobrevivência. Ele dá ao inimigo outra pessoa em quem atirar.

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