sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Harry Potter e as Relíquias da Morte - Capítulo 1





— EPÍGRAFES —


Ah, desgraça inerente à raça!
         grito torturante da morte
                     o golpe que atinge a veia,
         sangramento inestancável, a dor,
a maldição insuportável.

Mas há uma cura dentro
         e não fora de casa, não
                     vinda de outros mas deles próprios
         por sua disputa sangrenta. Apelamos a vós,
deuses da sombria terra.

Ouvi bem-aventurados poderes soterrâneos,
         atendei o nosso apelo, socorrei-nos
Favorecei os filhos, dai-lhes à vitória.

Ésquilo, as coéforas



A morte é apenas uma travessia do mundo, tal como os amigos que atravessam o mar e permanecem vivos uns nos outros. Porque sentem necessidade de estar presentes, para amar e viver o que é onipresente. Nesse espelho divino veem-se face a face, e sua conversa é livre e pura. Este é o consolo dos amigos e embora se diga que morrem, sua amizade e convívio estão, no melhor sentido, sempre presentes, por que são imortais.
Willian Penn, More fruits of Solitude



— SINOPSE —


HARRY ESTÁ AGUARDANDO na Rua dos Alfeneiros. A Ordem da Fênix chegará em breve para transferi-lo, em segurança, do endereço de sua família trouxa, sem que Voldemort e seus seguidores saibam. A partir daí, o que Harry deverá fazer? Como será capaz de cumprir a missão, aparentemente impossível, que Dumbledore lhe deixou?



— CAPITULO UM —
A ASCENSÃO DO LORDE DAS TREVAS


OS DOIS HOMENS SE MATERIALIZARAM inesperadamente, a poucos metros de distância, na estreita ruazinha iluminada pelo luar. Por um momento eles ficaram imóveis, as varinhas apontadas para o peito um do outro, então, reconhecendo-se, guardaram a varinha sob a roupa e começaram a andar apressados na mesma direção.
— Novidades? — perguntou o mais alto dos dois.
— As melhores — respondeu Severo Snape.
A rua era ladeada por um silvado, à esquerda, e por uma sebe alta cuidadosamente aparada, à direita. As longas capas dos homens esvoaçavam ao redor dos tornozelos enquanto eles caminhavam.
— Pensei que fosse me atrasar — disse Yaxley, suas feições grosseiras desaparecendo e reaparecendo à sombra dos galhos de árvores que se interpunham ao luar — Foi um pouco mais complicado do que imaginei. Mas acho que ele ficará satisfeito. Você tem certeza de que será bem recebido?
Snape assentiu sem, contudo, dar explicações.
Os homens viraram para um largo caminho de entrada, à direita. A alta sebe margeava e se estendia para além do impressionante portão de ferro trabalhado que barrava a entrada. Em silêncio, ambos ergueram o braço esquerdo numa espécie de saudação e atravessaram o portão, como se o metal escuro fosse apenas fumaça.
As sebes de teixo abafaram os passos dos homens. Ouviu-se um farfalhar à direita. Yaxley tornou a sacar a varinha, apontando-a por cima da cabeça do seu companheiro, mas a fonte do ruído fora apenas um pavão alvíssimo, que caminhava, majestoso, ao longo do topo da sebe.
— Ele sempre soube viver, o Lúcio. Pavões... — com um bufo de desdém, Yaxley tornou a guardar a varinha sob a capa.
Um belo casarão se destacou nas trevas, no final do caminho reto, as luzes faiscando nas janelas em formato de losango do andar térreo. Em algum lugar no jardim escuro, atrás dos arbustos, uma fonte jorrava. O saibro começou a estalar sob os pés, quando Snape e Yaxley apressaram o passo em direção à porta da frente, que se abriu à sua aproximação, embora ninguém parecesse tê-la aberto.
O hall de entrada era grande, mal iluminado e suntuosamente decorado, e um magnífico tapete cobria quase todo o piso de pedra. Os olhos dos rostos pálidos nos retratos das paredes acompanharam Snape e Yaxley assim que eles passaram. Os dois homens se detiveram à frente de uma pesada porta de madeira que levava a outro cômodo, hesitaram o tempo de uma pulsação, então Snape girou a maçaneta de bronze.
A sala estava cheia de pessoas silenciosas, sentadas a uma comprida mesa ornamentada. Os móveis que habitualmente a guarneciam tinham sido empurrados descuidadamente contra as paredes. A iluminação provinha das chamas vivas de uma bela lareira, cujo console de mármore era encimado por um espelho dourado.
Snape e Yaxley pararam um instante à entrada.
A medida que seus olhos se acostumaram à penumbra, sua atenção foi atraída para o detalhe mais estranho da cena: o vulto de uma pessoa aparentemente desacordada suspensa de cabeça para baixo sobre a mesa, girando lentamente como se estivesse presa por uma corda invisível, e se refletindo no espelho e na superfície nua e lustrosa da mesa. Nenhuma das pessoas sentadas à roda dessa visão singular a encarava, exceto um jovem pálido que estava praticamente embaixo. Parecia incapaz de se conter e erguia os olhos a todo instante.
— Yaxley, Snape — falou uma voz aguda e clara da cabeceira da mesa — Vocês estão praticamente atrasados.
O dono da voz estava sentado defronte à lareira, de modo que, a princípio, os recém-chegados tiveram dificuldade em distinguir mais que a sua silhueta. A medida que se aproximaram, porém, seu rosto se destacou na obscuridade, imberbe, ofídico, com fendas estreitas no lugar das narinas e olhos vermelhos e brilhantes de pupilas verticais. Era tão pálido que parecia emitir uma aura perolada.
— Severo, aqui — disse Voldemort, indicando a cadeira imediatamente à sua direita — Yaxley, ao lado de Dolohov.
Os dois homens ocuparam os lugares designados. Os olhares da maioria dos que estavam à mesa seguiram Snape, e foi a ele que Voldemort se dirigiu primeiro.
— Então?
— Milorde, a Ordem da Fênix pretende transferir Harry Potter do lugar seguro em que está, no Sábado, ao anoitecer.
O interesse ao redor da mesa se intensificou perceptivelmente. Alguns enrijeceram, outros se mexeram, todos atentos a Snape e Voldemort.
— Sábado... ao anoitecer — repetiu Voldemort. Seus olhos vermelhos se fixaram nos olhos pretos de Snape com tanta intensidade que alguns dos observadores desviaram o olhar, aparentemente receosos de serem atingidos pela ferocidade daquela fixidez.
Snape, no entanto, sustentou esse olhar calmamente, e, após um momento, os lábios descarnados de Voldemort se curvaram num aparente sorriso.
— Bom. Muito bom. E essa informação veio de...?
— Da fonte sobre a qual conversamos — disse Snape.
— Milorde.
Yaxley tinha se inclinado para a frente procurando ver Voldemort e Snape.
Todos os rostos se voltaram para ele.
— Milorde, eu ouvi coisa diferente.
Yaxley aguardou, mas Voldemort não objetou, então ele prosseguiu.
— Dawlish, o auror, deixou escapar que Potter não será transferido até o dia trinta à noite, na véspera do seu aniversário de dezessete anos.
Snape sorriu.
— Minha fonte informou que planejam divulgar uma pista falsa, deve ser essa. Sem dúvida, lançaram em Dawlish um Feitiço para Confundir. Não seria a primeira vez, todos conhecem a sua suscetibilidade a feitiços.
— Posso lhe assegurar, Milorde, que Dawlish me pareceu muito seguro do que dizia — contrapôs Yaxley.
— Se foi confundido, é óbvio que parecerá seguro — disse Snape — Garanto a você, Yaxley, que a Seção de Aurores não irá participar da proteção de Harry Potter. A Ordem acredita que estamos infiltrados no Ministério.
— Então, pelo menos nisso a Ordem acertou, hein? — comentou um homem atarracado, a pouca distância de Yaxley, dando uma risada sibilada que ecoou pela mesa.
Voldemort não riu. Seu olhar se desviou para o alto, para o corpo que girava vagarosamente, e ele pareceu se alhear.
— Milorde — continuou Yaxley — Dawlish acredita que vão usar um destacamento inteiro de aurores na transferência do garoto...
Voldemort ergueu a mão grande e branca, e Yaxley calou-se imediatamente, observando, rancoroso, o Lorde se dirigir outra vez a Snape.
— E em seguida, onde irão esconder o garoto?
— Na casa de um dos membros da Ordem — respondeu Snape — O lugar, segundo a minha fonte, recebeu toda a proteção que a Ordem e o Ministério juntos puderam lhe dar. Acredito que seja mínima a chance de pormos as mãos nele uma vez que chegue ao destino, Milorde, a não ser, é claro, que o Ministério tenha caído antes de Sábado, o que, talvez, nos desse a oportunidade de descobrir e desfazer um número suficiente de feitiços, e passar pelos demais.
— E então, Yaxley? — interpelou-o Voldemort, a luz das chamas se refletindo estranhamente em seus olhos vermelhos — O Ministério terá caído até Sábado?
Mais uma vez, todas as cabeças se viraram.
Yaxley empertigou-se.
— Milorde, a esse respeito tenho boas notícias. Consegui, com dificuldade e após muito esforço, lançar uma Maldição Imperius em Pio Thicknesse.
Muitos dos que estavam próximos de Yaxley pareceram impressionados. Seu vizinho, Dolohov, um homem de cara triste e torta, deu-lhe um tapinha nas costas.
— É um começo — disse Voldemort — Mas Thicknesse é apenas um homem, Scrimgeour precisa estar cercado por gente nossa para eu agir. Um atentado malsucedido à vida do Ministro me causará um enorme atraso.
— É verdade, Milorde, mas o senhor sabe que, na função de Chefe do Departamento de Execução das Leis da Magia, Thicknesse tem contato frequente não só com o próprio Ministro como também com os chefes dos outros departamentos do Ministério. Acho que será fácil dominar os demais, agora que temos um funcionário graduado sob controle, e então todos podem trabalhar juntos para derrubar Scrimgeour.
— Isso se o nosso amigo Thicknesse não for descoberto antes de ter convertido o resto — afirmou Voldemort — De qualquer forma, é pouco provável que o Ministério seja meu antes de Sábado. Se não pudermos pôr a mão no garoto no lugar de destino, então teremos que fazer isso durante a transferência.
— Nesse particular, estamos em posição vantajosa, Milorde — disse Yaxley, que parecia decidido a receber alguma aprovação — Já plantamos várias pessoas no Departamento de Transportes Mágicos. Se Potter aparatar ou usar a Rede de Flu, saberemos imediatamente.
— Ele não fará nenhum dos dois — disse Snape — A Ordem está evitando qualquer forma de transporte controlada ou regulada pelo Ministério, desconfiam de tudo que esteja ligado àquele lugar.
— Tanto melhor — disse Voldemort — Ele terá que se deslocar em campo aberto. Será muitíssimo mais fácil apanhá-lo.
Mais uma vez Voldemort ergueu o olhar para o corpo que girava vagarosamente, então prosseguiu:
— Cuidarei do garoto pessoalmente. Cometeram-se erros demais com relação a Harry Potter. Alguns foram meus. Que Potter ainda viva deve-se mais aos meus erros do que aos seus êxitos.
As pessoas em volta da mesa fitaram Voldemort apreensivas, cada qual deixando transparecer o medo de ser responsabilizada por Harry Potter ainda estar vivo. Voldemort, no entanto, parecia estar falando mais consigo mesmo do que com os demais, ainda atento ao corpo inconsciente no alto.
— Por ter sido descuidado, fui frustrado pela sorte e a ocasião, essas destruidoras dos planos, a não ser os mais bem traçados. Mas aprendi. Agora compreendo coisas que antes não compreendia. Eu é que devo matar Harry Potter, e assim farei.
Nisso, e em aparente resposta às suas palavras, ouviu-se um lamento repentino, um grito terrível e prolongado de infelicidade e dor. Muitos ao redor da mesa olharam para baixo, assustados, pois o som parecia vir do chão.
— Rabicho? — chamou Voldemort, sem alterar o seu tom de voz, baixo e reflexivo, e sem tirar os olhos do corpo que girava no alto — Já não lhe disse para manter essa escória calada?
— Disse, M-Milorde — falou um homenzinho sentado na segunda metade da mesa, tão encolhido que, à primeira vista, sua cadeira parecia estar desocupada.
E, levantando-se de um salto, saiu correndo da sala, deixando em seu rastro apenas um estranho brilho prateado.
— Como eu ia dizendo — continuou Voldemort, olhando mais uma vez para os rostos tensos dos seus seguidores — Agora compreendo melhor. Precisarei, por exemplo, pedir emprestada a varinha de um de vocês antes de sair para matar Potter.
Os rostos à sua volta expressaram apenas incredulidade, como se ele tivesse anunciado que queria um braço deles emprestado.
— Nenhum voluntário? — perguntou Voldemort — Vejamos... Lúcio, não vejo razão para você continuar a ter uma varinha.
Lúcio Malfoy ergueu a cabeça. Sua pele parecia amarela e cerosa à luz das chamas, e tinha os olhos encovados e sombrios. Quando falou, sua voz saiu rouca.
— Milorde?
— Sua varinha, Lúcio. Preciso de sua varinha.
—Eu...
Malfoy olhou de esguelha para sua mulher. Narcisa tinha o olhar fixo à frente, tão pálida quanto o marido, os longos cabelos louros descendo pelas costas, mas, sob a mesa, seus dedos finos apertaram brevemente o pulso dele. Ao seu toque, Malfoy enfiou a mão nas vestes e tirou uma varinha que passou a Voldemort, que a ergueu diante dos olhos vermelhos e examinou-a detidamente.
— De que é?
— Olmo, Milorde — sussurrou Malfoy.
— E o núcleo?
— Dragão... fibra do coração.
— Ótimo — aprovou Voldemort.
E, sacando a própria varinha, comparou os comprimentos.
Lúcio Malfoy fez um movimento involuntário: por uma fração de segundo, pareceu que esperava receber a varinha de Voldemort em troca da sua. O gesto não passou despercebido ao Lorde, cujos olhos se arregalaram maliciosamente.
— Dar-lhe a minha varinha, Lúcio? Minha varinha?
Alguns dos presentes riram.
— Dei-lhe a liberdade, Lúcio, não é suficiente? Mas tenho notado que você e sua família ultimamente parecem menos felizes... alguma coisa na minha presença em sua casa os incomoda, Lúcio?
— Nada... nada, Milorde.
— Quanta mentira, Lúcio...
A voz suave parecia silvar, mesmo quando a boca cruel parava de mexer. Um ou dois bruxos mal conseguiram refrear um tremor quando o silvo foi se intensificando, ouviu-se uma coisa pesada deslizar pelo chão embaixo da mesa. A enorme cobra apareceu e subiu vagarosamente pela cadeira de Voldemort. Foi emergindo, como se fosse interminável, e parou sobre os ombros do mestre: o pescoço do réptil tinha a grossura de uma coxa masculina, seus olhos com as pupilas verticais não piscavam.
Voldemort acariciou-a, distraído, com seus dedos longos e finos, ainda encarando Lúcio Malfoy.
— Por que os Malfoy parecem tão infelizes com a própria sorte? Será que o meu retorno, minha ascensão ao poder, não é exatamente o que disseram desejar durante tantos anos?
— Sem dúvida, Milorde — respondeu Lúcio Malfoy. Sua mão tremeu quando secou o suor sobre o lábio superior — É o que desejávamos... desejamos.
À esquerda de Malfoy, sua mulher fez um aceno rígido e estranho com a cabeça, evitando olhar para Voldemort e a cobra. À direita, seu filho Draco, que estivera mirando o corpo inerte no teto, lançou um brevíssimo olhar a Voldemort, aterrorizado de encarar o bruxo.
— Milorde — disse uma mulher morena na outra metade da mesa, sua voz embargada pela emoção — É uma honra tê-lo aqui, na casa de nossa família. Não pode haver prazer maior.
Estava sentada ao lado da irmã, tão diferente desta na aparência, com seus cabelos negros e olhos de pálpebras pesadas, quanto o era no porte e na atitude. Enquanto Narcisa sentava-se dura e impassível, Belatriz se curvava para Voldemort, porque meras palavras não podiam demonstrar o seu desejo de maior proximidade.
— Não pode haver prazer maior — repetiu Voldemort, a cabeça ligeiramente inclinada para o lado, estudando Belatriz — Isso significa muito, Belatriz, vindo de você.
O rosto da mulher enrubesceu, seus olhos lacrimejaram de prazer.
— Milorde sabe que apenas digo a verdade!
— Não pode haver prazer maior... mesmo comparado ao feliz evento que, segundo soube, houve em sua família esta semana?
Belatriz fitou-o, os lábios entreabertos, nitidamente confusa.
— Eu não sei a que está se referindo, Milorde.
— Estou falando de sua sobrinha. E de vocês também, Lúcio e Narcisa. Ela acabou de casar com o lobisomem Remo Lupin. A família deve estar muito orgulhosa.
Gargalhadas debochadas explodiram à mesa. Muitos se curvaram para trocar olhares divertidos, alguns socaram a mesa com os punhos. A cobra, incomodada com o barulho, escancarou a boca e silvou irritada, mas os Comensais da Morte nem a ouviram, tão exultantes estavam com a humilhação de Belatriz e dos Malfoy. O rosto da mulher, há pouco rosado de felicidade, tingiu-se de feias manchas vermelhas.
— Ela não é nossa sobrinha, Milorde — disse em meio às gargalhadas — Nós, Narcisa e eu, nunca mais pusemos os olhos em nossa irmã depois que ela casou com aquele sangue-ruim. A fedelha não tem a menor ligação conosco, nem qualquer fera com quem se case.
— E você, Draco, que diz? — perguntou Voldemort, e, embora falasse baixo, sua voz ressoou claramente em meio aos assobios e caçoadas — Vai bancar a babá dos filhotes?
A hilaridade aumentou. Draco Malfoy olhou aterrorizado para o pai, que contemplava o próprio colo, e seu olhar cruzou com o de sua mãe. Ela balançou a cabeça quase imperceptivelmente, depois retomou seu olhar fixo na parede oposta.
— Já chega — disse Voldemort, acariciando a cobra raivosa — Basta.
E as risadas pararam imediatamente.
— Muitas das nossas árvores genealógicas mais tradicionais, com o tempo, se tornaram bichadas — disse, enquanto Belatriz o mirava, ofegante e súplice — Vocês precisam podar as suas, para mantê-las saudáveis, não? Cortem fora as partes que ameaçam a saúde do resto.
— Com certeza, Milorde — sussurrou Belatriz, mais uma vez com os olhos marejados de gratidão — Na primeira oportunidade!
— Você a terá — respondeu Voldemort — E, tal como fazem na família, façam no mundo também... vamos extirpar o câncer que nos infecta até restarem apenas os que têm o sangue verdadeiramente puro.
Voldemort ergueu a varinha de Lúcio Malfoy, apontou-a diretamente para a figura que girava lentamente, suspensa sobre a mesa, e fez um gesto quase imperceptível. O vulto recuperou os movimentos com um gemido e começou a lutar contra invisíveis grilhões.
— Você está reconhecendo a nossa convidada, Severo? — indagou Voldemort.
De baixo para cima, Snape ergueu os olhos para o rosto pendurado. Todos os Comensais agora olhavam para a prisioneira, como se tivessem recebido permissão para manifestar sua curiosidade. Quando girou para o lado da lareira, a mulher disse, com a voz entrecortada de terror:
— Severo, me ajude!
— Ah, sim — respondeu Snape enquanto o rosto da prisioneira continuava a virar para o outro lado.
— E você, Draco? — perguntou Voldemort, acariciando o focinho da cobra com a mão livre.
Draco sacudiu a cabeça com um movimento brusco. Agora que a mulher acordara, ele parecia incapaz de continuar encarando-a.
— Mas você não teria se matriculado no curso dela — disse Voldemort — Para os que não sabem, estamos reunidos aqui esta noite para nos despedir de Caridade Burbage que, até recentemente, lecionava na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts!
Ouviram-se breves sons de assentimento ao redor da mesa. Uma mulher corpulenta e curvada, de dentes pontiagudos, soltou uma gargalhada.
— Sim... a Profª. Burbage ensinava às crianças bruxas tudo a respeito dos trouxas... e como se assemelham a nós...
Um dos Comensais da Morte cuspiu no chão.
Em seu giro, Caridade Burbage tornou a encarar Snape.
— Severo... por favor... por favor...
— Silencio — ordenou Voldemort, com outro breve movimento da varinha de Lúcio, e Caridade silenciou como se tivesse sido amordaçada — Não contente em corromper e poluir as mentes das crianças bruxas, na semana passada, a Profª. Burbage escreveu uma apaixonada defesa dos sangues-ruins no Profeta Diário. Os bruxos, disse ela, devem aceitar esses ladrões do seu saber e magia. A diluição dos puros-sangues é, segundo Burbage, uma circunstância extremamente desejável... ela defende que todos casemos com trouxas... ou, sem dúvida, com lobisomens...
Desta vez ninguém riu: não havia como deixar de perceber a raiva e o desprezo na voz de Voldemort.
Pela terceira vez, Caridade Burbage encarou Snape. Lágrimas escorriam dos seus olhos para os cabelos. Snape retribuiu seu olhar, totalmente impassível, enquanto ela ia girando o rosto para longe dele.
— Avada Kedavra!
O lampejo de luz verde iluminou todos os cantos da sala. Caridade caiu estrondosamente sobre a mesa, que tremeu e estalou. Vários Comensais pularam para trás ainda sentados.
Draco caiu da cadeira para o chão.
— Jantar, Nagini — disse Voldemort com suavidade, e a grande cobra deslizou sinuosamente dos ombros dele para a lustrosa mesa de madeira.









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