terça-feira, 16 de outubro de 2012

Harry Potter e as Relíquias da Morte - Capítulo 8




— CAPÍTULO OITO —
O CASAMENTO


ÀS TRÊS HORAS DA TARDE DO DIA SEGUINTE, Harry, Rony, Fred e Jorge estavam parados diante da grande tenda branca no pomar, aguardando a chegada dos convidados para o casamento. Harry tomara uma boa dose de Poção Polissuco e virara o duplo de um trouxa ruivo, morador da aldeia local, Ottery St. Catchpole, de quem Fred roubara alguns fios de cabelo usando um Feitiço Convocatório. O plano era apresentar Harry como o “primo Barny” e confiar que o grande número de parentes dos Weasley o camuflasse.
Os quatro estavam segurando mapas da disposição das cadeiras para poder levar os convidados aos seus lugares. Uma legião de garçons vestidos de branco chegara uma hora antes, ao mesmo tempo que uma banda de paletós dourados. No momento, todos esses bruxos estavam sentados a uma pequena distância sob uma árvore, Harry viu uma nuvem azulada de fumaça de cachimbos se elevando do local.
Atrás do garoto, a entrada da tenda revelava filas e mais filas de frágeis cadeiras douradas dispostas nas laterais de um longo tapete roxo. Os postes de sustentação estavam enfeitados com guirlandas de flores brancas e douradas. Fred e Jorge tinham prendido um enorme buquê de balões dourados sobre o ponto exato em que Gui e Fleur em breve se tornariam marido e mulher. Fora da tenda, abelhas e borboletas pairavam preguiçosamente sobre a grama e a sebe. Harry se sentia bastante desconfortável. O garoto trouxa cuja aparência ele assumira era ligeiramente mais gordo, e suas próprias vestes a rigor estavam quentes e apertadas à claridade ofuscante do dia de verão.
— Quando eu me casar — disse Fred, repuxando a gola de suas vestes — Não vou me preocupar com nenhuma dessas bobagens. Vocês todos podem vestir o que quiserem, e lançarei um Feitiço do Corpo Preso na mamãe até terminar a cerimônia.
— Ela não esteve tão ruim assim hoje de manhã — comentou Jorge — Chorou um pouco porque Percy não veio, mas quem queria a presença dele? Ah, caramba, se preparem... aí vêm eles, olhem.
Vultos muito coloridos vinham surgindo do ar, um a um, na distante divisa do quintal. Em minutos formou-se uma procissão, que começou a serpear pelo jardim em direção à tenda. Flores exóticas e pássaros enfeitiçados esvoaçavam nos chapéus das bruxas, e pedras preciosas cintilavam nas gravatas de muitos bruxos, o murmúrio das conversas animadas foi crescendo cada vez mais, abafando o zumbido das abelhas à medida que a multidão se aproximava da tenda.
— Excelente, acho que estou avistando algumas primas veelas — disse Jorge, espichando o pescoço para ver melhor — Elas vão precisar de ajuda para entender os nossos costumes ingleses, podem deixar que eu cuido delas.
— Calma aí, seu mal-amado — disse Fred, passando como uma flecha pelo bando de bruxas de meia-idade que vinham à frente da procissão — Por aqui, permettez-moi de assister vous — ofereceu-se ele a duas belas francesinhas, que aceitaram entre risadinhas, que ele as conduzisse à tenda.
A Jorge, couberam as bruxas de meia-idade, Rony se encarregou de um velho colega do Sr. Weasley no Ministério, Perkins, e, para Harry, sobrou um casal um tanto surdo.
— E aí, beleza? — disse uma voz conhecida quando Harry tornou a emergir da tenda e deparou com Tonks e Lupin à frente da fila. Ela virara loura para a ocasião — Arthur disse que você era o de cabelos crespos. Desculpe pela noite passada — acrescentou a bruxa em um sussurro, enquanto o garoto os conduzia pelo corredor central da tenda — No momento, o Ministério está se mostrando muito anti-lobisomem, e achamos que a nossa presença poderia prejudicar você.
— Tudo bem, eu entendo — respondeu Harry mais para Lupin do que para Tonks.
O bruxo sorriu brevemente, mas, assim que os dois viraram as costas, o garoto percebeu que o rosto do ex-professor retomou as rugas de infelicidade. Ele não estava entendendo, mas não tinha tempo para aprofundar o assunto.
Hagrid estava causando um certo tumulto. Tendo entendido mal a orientação que Fred lhe dera, acomodou-se, não na cadeira magicamente aumentada e reforçada que lhe prepararam na última fila, mas era cinco cadeiras que agora pareciam uma montanha de palitos dourados.
Enquanto o Sr. Weasley reparava o dano e Hagrid gritava suas desculpas para quantos quisessem ouvi-lo, Harry voltou rapidamente à entrada e encontrou Rony diante de um bruxo excepcionalmente excêntrico. Um tanto vesgo, cabelos brancos que lembravam a textura do algodão-doce e lhe desciam pelos ombros, ele usava um barrete cuja borla balançava diante do seu nariz e era cor de gema de ovo tão berrante que fazia doer os olhos. Um símbolo estranho, em forma de um olho triangular, brilhava em uma corrente de ouro pendurada ao seu pescoço.
— Xenófilo Lovegood — apresentou-se, estendendo a mão a Harry — Minha filha e eu moramos ali atrás do morro, foi muita gentileza dos Weasley nos convidarem. Mas acho que conhece a minha Luna, não? — acrescentou para Rony.
— Conheço. Ela não veio com o senhor?
— Luna parou um instante naquele jardinzinho encantador para dizer alô aos gnomos, que gloriosa infestação! São muito poucos os bruxos que entendem o quanto podemos aprender com esses pequenos gnomos sábios, ou, para chamá-los pelo seu nome correto, os Gernumbli qaiàensi.
— Os nossos sabem realmente um tesouro de palavrões — acrescentou Rony — Mas acho que aprenderam com Fred e Jorge.
Dito isso, saiu para levar um grupo de bruxos à tenda no momento em que Luna os alcançava.
— Alô, Harry! — cumprimentou-o a garota.
— Ãh... meu nome é Barny — respondeu ele, surpreso.
— Ah, você trocou o nome também? — replicou Luna animada.
— Como soube...?
— Ah, a sua expressão.
Tal como o pai, a garota estava usando vestes amarelas berrantes, que complementara com um grande girassol nos cabelos. Uma vez que os olhos se acostumassem com o excesso de cor, o efeito geral era bem agradável. Pelo menos desta vez não trazia rabanetes pendurados nas orelhas.
Xenófilo, que estava absorto a conversar com um conhecido, perdera o diálogo entre Luna e Harry. Despedindo-se do bruxo, virou-se para a filha, que, erguendo o dedo, disse:
— Papai, olhe... um dos gnomos me mordeu!
— Que maravilha! A saliva de gnomo é extremamente benéfica! — comentou o Sr. Lovegood, segurando o dedo que a filha lhe estendia e examinando os furinhos ensanguentados — Luna, meu amor, se hoje você sentir um novo talento despontar, talvez uma inesperada vontade de cantar ópera ou de declamar em Serêiaco, não se reprima! Talvez tenha recebido uma dádiva dos Geraumblies!
Rony que cruzava por eles, desdenhou com uma risadinha.
— Rony, pode rir — comentou Luna serenamente, enquanto Harry conduzia ela e o Sr. Lovegood aos seus lugares — Mas meu pai fez muitas pesquisas sobre a magia Gernumbli.
— Sério?! — exclamou Harry, que há muito tempo resolvera parar de questionar as excêntricas opiniões de Luna e seu pai — Mas tem certeza que não quer pôr alguma coisa nessa mordida?
— Ah, não se preocupe — disse Luna, chupando o dedo, distraidamente, e medindo Harry de alto a baixo — Você está elegante. Eu disse a papai que a maioria das pessoas provavelmente usaria vestes a rigor, mas ele acredita que se deve usar cores solares em um casamento, para dar sorte, entende.
Quando ela se afastou para acompanhar o pai, Rony reapareceu com uma bruxa idosa agarrada ao seu braço. Seu nariz curvo, os olhos de contornos vermelhos, e o chapéu rosa enfeitado com penas lhe davam a aparência de um flamingo mal-humorado.
—... e os seus cabelos estão compridos demais, por um momento cheguei a pensar que você era a Ginevra. Pelas barbas de Merlim, que é que o Xenófilo está vestindo? Parece uma omelete. E quem é você? — perguntou rispidamente a Harry.
— Ah, sim, Tia Muriel, esse é o nosso primo Barny.
— Mais um Weasley? Vocês se reproduzem como gnomos. E Harry Potter não está aqui? Eu tinha esperança de conhecê-lo. Pensei que fosse seu amigo, Ronald, ou você andou apenas se gabando?
— Não... ele não pôde vir...
— Humm. Deu uma desculpa, foi? Então, não é tão retardado quanto aparenta ser nas fotos da imprensa. Estive ensinando a noiva como é melhor usar a minha tiara — gritou para Harry — Artesanato dos duendes, sabe, está na minha família há séculos. Ela é uma moça bonita, mas... francesa. Bem, bem, me arranje um bom lugar, Ronald, tenho cento e sete anos e não devo ficar em pé muito tempo.
Ao passar por Harry, Rony lançou-lhe um olhar significativo e não reapareceu por algum tempo, quando tornaram a se encontrar na entrada, Harry tinha levado mais de dez pessoas aos seus lugares. A tenda estava quase cheia agora e, pela primeira vez, não havia fila do lado de fora.
— Um pesadelo, essa Muriel! — exclamou Rony, enxugando a testa com a manga da roupa — Costumava vir todo ano passar o Natal conosco, então, graças a Deus, se ofendeu porque Fred e Jorge estouraram uma bomba de bosta embaixo da cadeira dela na hora da ceia. Papai sempre comenta que ela deve ter riscado os dois do testamento, como se eles se importassem, nesse ritmo, eles vão acabar sendo os mais ricos da família... uau! — acrescentou, pestanejando rapidamente quando viu Hermione vindo apressada ao encontro dos dois — Que máximo!
— Sempre o tom de surpresa — respondeu Hermione, embora sorrisse.
Usava um esvoaçante vestido lilás com sapatos altos da mesma cor, seus cabelos estavam lisos e sedosos.
— Sua tia-avó Muriel não concorda, acabei de encontrá-la lá em cima entregando a tiara a Fleur: “Ai, não, essa é a menina que nasceu trouxa?”, e em seguida “Má postura e tornozelos finos demais”.
— Não se ofenda, ela é grosseira com todo o mundo — disse Rony.
— Falando de Muriel? — perguntou Jorge, emergindo da tenda com Fred — E, ela acabou de dizer que as minhas orelhas estão desiguais. Morcega velha. Mas eu gostaria que o Tio Abílio ainda fosse vivo, ele era gargalhada certa em casamentos.
— Não foi ele que viu um Sinistro e morreu vinte e quatro horas depois? — perguntou Hermione.
— Bem, foi, ele ficou meio esquisito mais para o fim da vida — admitiu Jorge.
— Mas, antes de ficar caduco, ele era a alma das festas — comentou Fred — Costumava beber uma garrafa inteira de uísque de fogo, depois ia para o meio do salão de dança, levantava as vestes e começava a tirar buquês de flores do...
— É, era realmente encantador — interrompeu-o Hermione, enquanto Harry se acabava de rir.
— Jamais casou, não sei por quê — disse Rony.
— Você me espanta — replicou Hermione.
Estavam rindo tanto que nenhum deles notou um convidado atrasado, um rapaz de cabelos escuros com um narigão curvo e grossas sobrancelhas negras, até ele apresentar o convite a Rony e dizer, com os olhos em Hermione:
— Você está marravilhosa!
— Vítor! — exclamou ela, deixando cair a bolsinha de contas, que produziu um baque desproporcional ao tamanho.
Ao se abaixar, corando, para recuperá-la, disse:
— Eu não sabia que você foi... nossa... que prazer ver... como vai?
As orelhas de Rony tinham mais uma vez ficado muito vermelhas. Examinando o convite de Krum como se não acreditasse em uma palavra do que via escrito, falou, um pouco alto demais:
— Por que está aqui?
— Fleur me convidou — respondeu Krum, erguendo as sobrancelhas.
Harry, que não tinha nada contra o búlgaro, apertou a mão do rapaz, depois, sentindo que seria prudente retirá-lo das imediações de Rony, ofereceu-se para lhe mostrar onde sentar.
— O seu amigo não ficou satisfeito em me verr — comentou Krum, entrando na tenda agora inteiramente lotada — Ou ele é seu parrente? — acrescentou, reparando nos cabelos ruivos e crespos de Harry.
— Primo — murmurou, mas Krum parara de escutar. Sua aparição estava causando certo rebuliço, particularmente entre as primas veelas: afinal, era um famoso jogador de quadribol.
Enquanto as pessoas ainda se esticavam para dar uma boa olhada nele, Rony, Hermione, Fred e Jorge vieram, apressados, pelo corredor central.
— Hora de sentar — disse Fred a Harry — Ou vamos ser atropelados pela noiva.
Harry, Rony e Hermione sentaram-se na segunda fila atrás de Fred e Jorge. A garota ainda estava muito rosada, e as orelhas de Rony continuavam escarlates. Passados alguns instantes, ele resmungou para Harry:
— Você viu a barbicha idiota que ele deixou crescer?
Harry respondeu com um grunhido indefinido.
Uma sensação de ansiedade perpassava a tenda quente, os murmúrios eram pontuados por ocasionais risadas de excitação. O Sr. e a Sra. Weasley entraram no corredor sorrindo e acenando para os parentes, ela trajando um conjunto novo de vestes ametistas e um chapéu da mesma cor.
No momento seguinte, Gui e Carlinhos se postaram à frente da tenda, os dois de vestes a rigor com grandes rosas brancas nas botoeiras, Fred deu um assovio de aprovação, que foi acompanhado por nova erupção de risinhos das primas veelas.
Então a multidão fez silêncio e o volume da música foi aumentando, aparentemente vinda dos balões dourados.
— Aaaah! — exclamou Hermione virando-se na cadeira para olhar a entrada.
Um suspiro coletivo se ergueu dos bruxos e bruxas reunidos quando Monsieur Delacour e Fleur entraram pelo corredor, ela deslizando, ele balançando o corpo com um largo sorriso no rosto. A noiva usava um vestido branco simples e parecia desprender uma forte aura prateada. Embora, por comparação, sua radiância normalmente ofuscasse a de qualquer pessoa, hoje embelezava todos sobre quem incidia. Gina e Gabrielle, ambas usando trajes dourados, pareciam ainda mais bonitas do que de costume, e quando Fleur chegou aonde estava Gui, ele pareceu jamais ter enfrentado Fenrir Greyback.
— Senhoras e senhores — anunciou uma voz ligeiramente cantada, e, com um leve choque, Harry reconheceu o mesmo bruxo franzino com cabelos em tufos que presidira o funeral de Dumbledore, agora diante de Gui e Fleur — Estamos aqui reunidos para celebrar a união de dois fiéis...
— Decididamente, a minha tiara valoriza toda a cerimônia — comentou Tia Muriel, com um poderoso sussurro — Mas é preciso que se diga, o vestido de Ginevra está decotado demais.
Gina olhou para o lado, sorrindo, piscou para Harry e em seguida virou-se de novo para a frente. O pensamento de Harry transportou-se a grande distância da tenda, para as tardes em que passaram a sós em lugares isolados dos jardins da escola. Pareciam ter sido há tanto tempo, sempre bons demais para serem reais, como se ele tivesse furtado horas ensolaradas da vida de alguém normal, alguém sem cicatriz em forma de raio no meio da testa...
— Guilherme Arthur, você aceita Fleur Isabelle...?
Na primeira fila, a Sra. Weasley e Madame Delacour choravam baixinho em lencinhos de renda. Sons de trombeta ao fundo da tenda anunciaram que Hagrid puxara do bolso um dos seus lenços tamanho-toalha. Hermione virou-se sorridente para Harry, seus olhos também estavam marejados de lágrimas.
—... então eu os declaro unidos para toda a vida!
O bruxo de cabelos em tufos ergueu a varinha sobre as cabeças de Gui e Fleur e uma chuva de estrelas caiu sobre os noivos, envolvendo em espirais os seus corpos agora entrelaçados. Enquanto Fred e Jorge puxavam uma salva de palmas, os balões dourados no alto estouraram: flutuaram no ar aves do paraíso e minúsculos sinos de prata que somaram seus cantos e tinidos à zoada geral.
— Senhoras e senhores! — falou o bruxo de cabelos em tufos — Por favor, queiram se levantar!
Todos obedeceram, Tia Muriel resmungando audivelmente, ele acenou a varinha. As cadeiras em que as pessoas tinham estado sentadas se ergueram graciosamente no ar, ao mesmo tempo que as paredes da tenda desapareciam, deixando agora os convidados apenas sob o toldo sustentado pelos postes dourados, com uma vista gloriosa do pomar ensolarado e do campo ao redor. Em seguida, uma poça de ouro líquido se espalhou do centro para a periferia da tenda formando uma pista de dança reluzente, as cadeiras suspensas se agruparam em torno das mesinhas, cobertas com toalhas brancas, o conjunto flutuou suavemente de volta ao jardim, e a banda de paletós dourados marchou em direção a um pódio.
— Legal — aprovou Rony, enquanto os garçons surgiam de todos os lados, alguns trazendo bandejas de prata com suco de abóbora, cerveja amanteigada e uísque de fogo, outros equilibrando montanhas de tortinhas e sanduíches.
— Temos que ir cumprimentá-los! — disse Hermione, ficando nas pontas dos pés para localizar onde Gui e Fleur tinham desaparecido cercados por uma multidão que lhes desejava felicidades.
— Bem, teremos tempo depois — disse Rony dando de ombros, e, tirando três cervejas amanteigadas de uma bandeja que passava, entregou uma a Harry — Hermione, é agora, vamos pegar uma mesa... ali não! O mais longe da Muriel...
Rony atravessou a pista de dança vazia, olhando para os lados: Harry teve certeza de que ele estava atento a Krum. Quando finalmente alcançaram o lado oposto do toldo, a maior parte das mesas já estava tomada: a mais vazia era a que Luna ocupava sozinha.
— Tudo bem se a gente sentar com você? — perguntou Rony.
— Ah, claro — respondeu ela contente — Papai foi entregar a Gui e Fleur o nosso presente.
— Que é... um estoque de raízes-de-cuia para a vida toda? — perguntou Rony.
Hermione deu-lhe um pontapé por baixo da mesa, mas acertou em Harry. Com os olhos lacrimejando de dor, o garoto perdeu o fio da conversa por alguns momentos.
A banda começara a tocar. Gui e Fleur foram os primeiros na pista de dança, sob os aplausos gerais, passado um momento, o Sr. Weasley chegou com Madame Delacour, no que foi seguido pela Sra. Weasley com o pai de Fleur.
— Gosto dessa música — disse Luna, balançando-se no ritmo de uma valsa, e segundos depois ela se levantou e deslizou para a pista, onde dançou sem sair do lugar, sozinha, agitando os braços de olhos fechados.
— Ela é ótima, não é? — comentou Rony com admiração — Sempre vale a pena olhar.
O sorriso, porém, apagou-se imediatamente do seu rosto: Vítor Krum havia sentado na cadeira desocupada por Luna. Hermione pareceu agradavelmente perturbada, mas desta vez Krum não viera cumprimentá-la. Com o rosto contraído, ele perguntou:
— Quem é aquele homem de amarrelo?
— É o Xenófilo Lovegood, pai de uma amiga nossa — respondeu Rony. Seu tom agressivo indicava que eles não iriam rir de Xenófilo, apesar da clara provocação — Vamos dançar — acrescentou ele, bruscamente, para Hermione.
Ela pareceu surpresa, mas também feliz, e se levantou: eles desapareceram na pista de dança que agora ia enchendo de dançarinos.
— Ah, eles estão juntos agora? — perguntou Krum, momentaneamente distraído.
— Ah... mais ou menos — respondeu Harry.
— E você quem é? — tornou Krum.
— Barny Weasley.
Eles se apertaram as mãos.
— Você, Barny... conhece bem esse tal Lovegood?
— Não, eu o conheci hoje. Por quê?
Krum franziu o cenho por cima da borda do copo de bebida, observando Xenófilo, que conversava com vários bruxos do lado oposto da pista de dança.
— Porrque — disse Krum — Se ele não fosse convidado da Fleur, eu o desafiarria parra um duelo aqui e agorra, porr usarr aquele símbolo nojento no peito.
— Símbolo? — admirou-se Harry, olhando também para Xenófilo.
O estranho olho triangular brilhava em seu peito.
— Por quê? Qual é o problema?
— Grrindelvald. Aquele é o símbolo de Grrindelvald.
— Grindelwald... o bruxo das trevas que Dumbledore derrotou?
— Exatamente — os músculos do queixo de Krum se moveram como se estivesse mascando, e ele continuou — Grrindelvald matou muitas pessoas, meu avô, porr exemplo. Naturralmente ele nunca foi muito poderroso em seu país, diziam que temia Dumbledorre: e com razão, sabendo como foi derrotado. Mas isto... — ele apontou para Xenófilo — Isto é o símbolo dele, reconheci na hora: Grrindelvald grravou-o em uma parrede de Durrmstrrang quando estudou lá. Alguns idiotas o copiarram nos livros e nas roupas, querrendo chocarr, se fazerr de imporrtantes, até que aqueles, como nós, que tínhamos perrdido familiarres porr culpa de Grrindelvald demos uma lição neles.
Krum estalou as juntas dos dedos ameaçadoramente, amarrando a cara para Xenófilo. Harry ficou perplexo. Parecia-lhe extremamente improvável que o pai de Luna fosse um seguidor das Artes das Trevas, e ninguém mais na tenda parecia ter reconhecido o triângulo, cujo formato lembrava uma runa.
— Você tem, ah, certeza que é de Grindelwald...?
— Não estou enganado — replicou Krum com frieza — Passei porr aquele símbolo durrante anos, conheço-o bem.
— Bem, tem uma probabilidade de que Xenófilo não saiba o que o símbolo realmente significa. Os Lovegood são muito... incomuns. Ele pode muito bem tê-lo comprado por aí, achando que é o corte transversal de uma cabeça de Bufadores de Chifre Enrugado ou outra coisa qualquer.
— Um corrte trransverrsal do quê?
— Bom, não sei muito bem o que são, mas aparentemente ele e a filha viajam nas férias para procurá-los...
Harry sentiu que não estava sendo muito convincente ao explicar Luna e o pai.
— É ela ali — disse apontando a garota, que ainda dançava sozinha, agitando os braços em torno da cabeça como quem tenta espantar maruins.
— Porr que ela está fazendo aquilo? — perguntou Krum.
— Provavelmente está tentando se livrar de um zonzóbulo — arriscou Harry, que reconheceu os sintomas.
Krum não soube dizer se Harry estava ou não gozando com a cara dele. Puxou a varinha de dentro das vestes e bateu-a ameaçadoramente na coxa, da ponta saltaram faíscas.
— Gregorovitch! — exclamou Harry em voz alta, e Krum se sobressaltou, mas o garoto estava excitado demais para ligar. Lembrara-se, afinal, ao ver a varinha de Krum: Olivaras a apanhara e examinara cuidadosamente antes do Torneio Tribruxo.
— Que tem ele? — perguntou Krum, desconfiado.
— É fabricante de varinhas!
— Eu sei.
— Fabricou sua varinha! Foi por isso que pensei... quadribol...
Krum parecia mais e mais desconfiado.
— Como sabe que foi Gregorovitch que fabrricou a minha varrinha?
— Li... li em algum lugar, acho. Em um... um fanzine — improvisou sem pensar, e Krum pareceu mais tranquilo.
— Eu não me lembrrava de ter jamais discutido minha varrinha com os fãs.
— Então... ah... onde anda Gregorovitch ultimamente?
Krum pareceu intrigado.
— Ele se aposentou faz anos. Fui um dos últimos a comprarr uma varrinha fabrricada porr ele. São as melhorres, embora eu saiba, é clarro, que os brritânicos dão grrande valorr a Olivaras.
Harry não respondeu. Fingiu observar, tal como Krum, os pares que dançavam, mas estava pensando com grande concentração.
Então Voldemort estava procurando um célebre fabricante de varinhas, e o garoto não precisava ir muito longe para saber a razão: certamente era por causa da reação da varinha de Harry na noite em que ele o perseguira pelo céu. A varinha de azevinho e pena de fênix tinha vencido a que Voldemort tomara emprestada, algo que Olivaras não tinha previsto nem compreendia. Gregorovitch saberia explicar? Seria, de fato, mais qualificado que Olivaras? Conheceria segredos sobre varinhas que Olivaras ignorava?
— Essa garota é muito bonita — comentou Krum, fazendo Harry voltar ao presente.
Krum estava apontando para Gina, que acabara de se juntar a Luna.
— Também é sua parenta?
— É — informou Harry, repentinamente irritado — E está namorando alguém. Um cara ciumento. Grandalhão. Você não iria querer atravessar o caminho dele.
Krum resmungou:
— Qual é — disse, esvaziando o copo e se pondo de pé — A vantagem de ser jogador internacional de quadribol se todas as moças bonitas já estão comprometidas?
E se afastou, deixando Harry, que, depois de apanhar um sanduíche com um garçom que ia passando, contornou a pista de dança apinhada. Queria achar Rony e lhe falar sobre Gregorovitch, mas o amigo estava dançando com Hermione no meio da multidão. Harry se encostou em um dos postes dourados e ficou observando Gina, que dançava com o amigo de Fred e Jorge, Lino Jordan, tentando não sentir raiva da promessa que fizera a Rony.
Ele nunca fora a um casamento antes, portanto não era capaz de avaliar as diferenças entre as celebrações dos bruxos e as dos trouxas, embora tivesse certeza de que essas últimas não teriam um bolo de casamento coroado por duas fênix falsas que levantaram voo quando os noivos cortaram a primeira fatia, nem garrafas de champanhe que flutuavam entre os convidados. A noite foi chegando e as mariposas começaram a mergulhar sob o toldo, agora iluminado por lanternas douradas suspensas no ar, e a festa foi se tornando mais descontraída.
Fred e Jorge tinham desaparecido na escuridão, havia muito tempo, com duas primas de Fleur. Carlinhos, Hagrid e um bruxo atarracado com um chapéu de abas reviradas entoavam, a um canto, “Odo, o herói”.
Andando entre os convidados para fugir de um tio bêbado de Rony que parecia não ter certeza se Harry era ou não seu filho, o garoto localizou um velho bruxo sentado sozinho a uma mesa. A nuvem de cabelos brancos que envolvia sua cabeça lhe dava a aparência de um diáfano dente-de-leão, encimado por um fez roído de traças. Achou-o vagamente familiar: vasculhando a memória, Harry de repente lembrou que era Elifas Doge, membro da Ordem da Fênix e autor do obituário de Dumbledore.
Harry se aproximou.
— Posso me sentar?
— Claro, claro — respondeu Doge. Tinha uma voz aguda e chiada.
Harry se inclinou para ele.
— Sr. Doge, sou Harry Potter.
Doge ofegou.
— Meu caro rapaz! Arthur me disse que você estava aqui disfarçado... é uma grande alegria e uma grande honra!
Em um arroubo de prazer e agitação, Doge serviu-lhe uma taça de champanhe.
— Pensei em lhe escrever — sussurrou o bruxo — Depois que Dumbledore... o choque... e para você, tenho certeza...
Os olhinhos de Doge se encheram de repentinas lágrimas.
— Li o obituário que o senhor escreveu no Profeta Diário. Não sabia que o senhor conhecia o Prof. Dumbledore tão bem.
— Tão bem quanto qualquer outro — replicou ele, secando as lágrimas com um guardanapo — Com certeza conheci-o por mais tempo, se não contarmos o irmão Aberforth que, por alguma razão, as pessoas parecem jamais levar em conta.
— Voltando ao Profeta Diário... não sei se viu, Sr. Doge...
— Ah, por favor me chame de Elifas, caro rapaz.
— Elifas, não sei se viu a entrevista que Rita Skeeter deu sobre Dumbledore.
Uma vermelhidão de cólera afluiu ao rosto de Doge.
— Ah, sim, Harry, vi. Aquela mulher, ou urubu seria um termo mais apropriado, decididamente me importunou para conversar com ela. Envergonho-me de dizer que fui grosseiro, chamei-a de metida, e o resultado, como você pôde ver, foram insinuações sobre a minha sanidade.
— Bem, naquela entrevista — continuou Harry — Rita Skeeter sugeriu que, na juventude, o Prof. Dumbledore se envolveu com as Artes das Trevas.
— Não acredite em uma palavra do que leu! — retrucou Doge na mesma hora — Em nenhuma, Harry! Não deixe nada macular as lembranças que tem de Alvo Dumbledore!
Harry olhou para o rosto sério e atormentado de Doge e não se sentiu confiante, mas sim frustrado. Será que Doge realmente pensava que era fácil, que ele simplesmente poderia decidir não acreditar? Será que Doge não compreendia que Harry precisava ter certeza, saber de tudo? Talvez Doge suspeitasse dos sentimentos de Harry, porque pareceu preocupado e se apressou a enfatizar:
— Harry, Rita Skeeter é uma horrenda...
Mas o bruxo foi interrompido por uma gargalhada aguda.
— Rita Skeeter? Ah, eu adoro aquela mulher, eu sempre leio o que ela escreve!
Harry e Doge ergueram os olhos e deram com a Tia Muriel parada ali, as penas balançando no chapéu, uma taça de champanhe na mão.
— Ela escreveu um livro sobre Dumbledore, sabem!
— Olá, Muriel — cumprimentou-a Doge — Sim, estávamos mesmo discutindo...
— Você aí! Me ceda a sua cadeira, tenho cento e sete anos!
Outro primo ruivo dos Weasley saltou de uma cadeira, assustado, e Tia Muriel virou-a com surpreendente força e sentou-se entre Doge e Harry.
— Olá de novo, Barry, ou que nome tenha — disse ela para Harry — Então, que estava dizendo sobre Rita Skeeter, Elifas? Já sabe que ela escreveu uma biografia de Dumbledore? Mal posso esperar para ler, preciso me lembrar de encomendá-la na Floreios e Borrões!
Doge se tornou frio e grave ao ouvir isso, mas Tia Muriel esvaziou a taça que trazia e estalou os dedos ossudos para um garçom que ia passando. Tomou mais um grande gole, arrotou e acrescentou:
— Não precisam fazer cara de sapos empalhados! Antes de se tornar respeitado e respeitável e toda essa baboseira, correram boatos bem esquisitos sobre o Alvo!
— Calúnias sem fundamento — replicou Doge, ficando outra vez cor de rabanete.
— É bem o que você diria, Elifas — cacarejou Tia Muriel — Notei como você pulou os pontos controvertidos naquele seu obituário!
— Lamento que pense assim — disse Doge, com a maior frieza — Posso lhe assegurar que escrevi com o coração.
— Ah, todo o mundo sabe que você venerava Dumbledore, ouso dizer que continuará a achá-lo um santo, mesmo se revelarem que ele matou aquela bruxa abortada que era a irmã dele.
— Muriel! — exclamou Doge.
Uma frialdade que não se devia ao champanhe gelado começou a invadir o peito de Harry.
— Como assim? — perguntou ele a Muriel — Quem disse que a irmã dele era uma bruxa abortada? Pensei que fosse doente, não?
— Pois pensou errado, não foi, Barry?! — exclamou Tia Muriel, parecendo satisfeita com o efeito que causara — Enfim, como você poderia saber alguma coisa sobre isso? Aconteceu há muitos anos, antes mesmo que você fosse cogitado, meu caro, e a verdade é que nós que estávamos vivos à época nunca soubemos o que realmente aconteceu. É por isso que mal posso esperar para ler o que Skeeter desenterrou! Dumbledore guardou silêncio sobre aquela irmã por tempo demais!
— Não é verdade — chiou Doge — Absolutamente não é verdade.
— Ele nunca me disse que teve uma irmã que era um aborto — disse Harry sem pensar, ainda frio por dentro.
— E por que lhe diria isso? — esganiçou-se Muriel, oscilando um pouco na cadeira, tentando focalizar Harry.
— A razão por que Alvo nunca falava em Ariana — começou Elifas, com a voz emocionada — É, imagino, muito clara. Ficou arrasado com a morte da irmã...
— Por que ninguém nunca a via, Elifas? — grasnou Muriel — Por que metade de nós sequer soube que ela existia, até o caixão sair da casa para os funerais? Onde estava o santo Dumbledore, enquanto Ariana viveu trancada no porão? Estava brilhando em Hogwarts sem se importar com o que acontecia em sua própria casa!
— Como assim “trancada no porão”? — perguntou Harry — Que quer dizer com isso?
Doge era a imagem da infelicidade.
Tia Muriel tornou a responder a Harry com sua voz aguda.
— A mãe de Dumbledore era uma mulher apavorante, simplesmente apavorante. Nasceu trouxa, embora tenham me dito que ela fingia não ser...
— Ela nunca fingiu nada! Kendra era uma excelente mulher! — sussurrou Doge angustiado, mas Tia Muriel não lhe deu atenção.
—... orgulhosa e muito dominadora, o tipo de bruxa que se sentiria mortificada de produzir um aborto da natureza...
— Ariana não era um aborto da natureza! — chiou Doge.
— É o que você diz, Elifas, mas me explique, então, por que ela nunca frequentou Hogwarts! — e, voltando-se para Harry — No nosso tempo, era comum as famílias esconderem os bruxos abortados. Embora chegar ao extremo de trancafiar uma menininha em casa e fingir que ela não existia...
— Estou lhe afirmando que não foi o que aconteceu! — retorquiu Doge, mas Tia Muriel passou de rolo compressor e continuou a se dirigir a Harry.
— Os bruxos abortados normalmente iam para escolas de trouxas e eram incentivados a se integrarem na comunidade trouxa... muito mais caridoso do que tentar encontrar um lugar para eles no mundo bruxo, onde seriam sempre considerados inferiores, mas naturalmente Kendra Dumbledore não sonharia em deixar a filha frequentar uma escola trouxa.
— Ariana era delicada! — argumentou Doge desesperado — A saúde dela sempre foi precária demais para lhe permitir...
— Permitir sair de casa? — cacarejou Muriel — No entanto, ela jamais foi levada ao St. Mungus e nenhum curandeiro jamais foi chamado para atendê-la!
— Francamente, Muriel, como é possível você saber se...
— Para sua informação, Elifas, meu primo Lancelote era curandeiro no St. Mungus naquela época e contou à minha família, em confiança, que Ariana nunca fora vista por lá. Tudo muito suspeito, era o que o Lancelote pensava!
Doge parecia à beira das lágrimas.
Tia Muriel, que parecia estar se divertindo imensamente, estalou os dedos para que lhe trouxessem mais champanhe.
Sem sentir, Harry pensou nos Dursley e como, no passado, o tinham calado, trancado e mantido fora de vista, tudo pelo crime de ser bruxo. A irmã de Dumbledore teria sofrido o reverso do mesmo destino? Presa por lhe faltar magia? E Dumbledore teria realmente deixado a irmã entregue à própria sorte enquanto partia para Hogwarts, para provar sua genialidade e talento?
— Agora, se Kendra não tivesse morrido primeiro — retomou Muriel — Eu diria que foi ela quem liquidou Ariana...
— Como pode dizer isso, Muriel? — gemeu Doge — Uma mãe matar a própria filha? Pense no que está dizendo!
— Se a mãe em questão fosse capaz de manter a filha presa durante anos, por que não? — retrucou Muriel sacudindo os ombros — Mas, como digo, a história não se encaixa, porque Kendra morreu antes de Ariana, portanto, ninguém jamais soube direito...
— Ah, com certeza Ariana assassinou a mãe — replicou Doge, tentando corajosamente desdenhar — Por que não?
— É, Ariana talvez tenha feito uma desesperada tentativa para se libertar e, no esforço, matou Kendra — concluiu Tia Muriel, pensativa — Pode balançar a cabeça o quanto quiser, Elifas! Você esteve nos funerais de Ariana, não esteve?
— Estive — confirmou Doge, com os lábios trêmulos — E não me lembro de ocasião mais desesperadamente triste. Alvo estava com o coração despedaçado...
— E não era só o coração. Aberforth não quebrou o nariz de Dumbledore durante a encomendação do corpo?
Se Doge parecera horrorizado antes, não se comparava ao que demonstrava agora. Era como se Muriel o tivesse esfaqueado. A bruxa riu alto e tomou mais um gole de champanhe, que escorreu pelo seu queixo.
— Como você...?! — exclamou Doge rouco.
— Minha mãe era amiga da velha Batilda Bagshot — disse ela, alegre — Batilda contou tudo a minha mãe, e eu ouvi atrás da porta. Uma briga ao lado do caixão. Pelo que Batilda descreveu, Aberforth gritou que era culpa de Alvo que Ariana tivesse morrido e, em seguida, deu-lhe um murro na cara. Ela contou ainda que Alvo nem sequer se defendeu, o que é estranho, porque poderia ter acabado com o irmão em um duelo com as mãos amarradas nas costas.
Muriel continuou bebendo champanhe. A enumeração desses velhos escândalos parecia animá-la tanto quanto horrorizava Doge. Harry não sabia o que pensar, em que acreditar: queria a verdade, contudo, Doge não reagia, apenas balia debilmente que Ariana adoecera. Harry não conseguia acreditar que Dumbledore não tivesse intervindo se estivesse ocorrendo uma crueldade daquelas em sua própria casa, mas, sem dúvida, havia alguma coisa estranha na história toda.
— E vou lhe dizer mais — continuou Muriel, com um leve soluço, baixando sua taça — Acho que Batilda deu com a língua nos dentes para Rita Skeeter. Aquelas insinuações que ela fez na entrevista sobre uma importante fonte chegada aos Dumbledore... todos sabem que Batilda presenciou o que aconteceu com Ariana, e se encaixaria perfeitamente!
— Batilda jamais falaria com Rita Skeeter! — murmurou Doge.
— Batilda Bagshot? — indagou Harry — A autora de História da Magia?
O nome estava impresso na capa de um de seus livros de escola, embora o garoto reconhecesse que não era um dos que ele tivesse lido com muita atenção.
— É — confirmou Doge, agarrando-se à pergunta de Harry como um afogado se agarra a uma boia — Uma talentosa historiadora da magia e uma velha amiga de Alvo.
— E ultimamente bem gagá, segundo ouvi dizer — acrescentou Tia Muriel animada.
— Se isso é verdade, foi ainda mais desonroso Skeeter ter se aproveitado dela — disse Doge — E ninguém pode confiar em nada que Batilda possa ter dito!
— Há maneiras de se recuperar lembranças, e tenho certeza de que Rita Skeeter conhece todas. Mas, mesmo que Batilda esteja completamente lelé, tenho certeza de que ainda guarda velhas fotos e talvez até cartas. Conheceu os Dumbledore durante anos... o que valeria uma viagem a Godric’s Hollow, na minha opinião.
Harry, que estivera bebericando sua cerveja amanteigada, se engasgou. Doge deu-lhe palmadas nas costas enquanto o garoto tossia, olhando para Tia Muriel com os olhos cheios de lágrimas. Quando recuperou a voz, perguntou:
— Batilda Bagshot mora em Godric’s Hollow?
— Ah, sim, há uma eternidade! Os Dumbledore se mudaram para lá depois que Percival foi preso, e ela foi vizinha da família.
— Os Dumbledore moraram em Godric’s Hollow?
— Sim, Barry, foi o que acabei de dizer — respondeu Tia Muriel irritada.
Harry se sentiu esgotado, vazio. Nem uma vez, naqueles seis anos, Dumbledore lhe contara que os dois tinham morado e perdido familiares queridos em Godric’s Hollow. Por quê? Seus pais teriam sido enterrados perto da mãe e da irmã de Dumbledore? Dumbledore teria visitado seus túmulos e, talvez, passado pelos de Lílian e Tiago a caminho? E jamais contara a Harry... jamais se preocupara em dizer...
E por que era tão importante, Harry não sabia explicar nem para si mesmo, contudo sentia que equivalia a uma mentira não ter mencionado que tinham aquele lugar e aquelas experiências em comum.
O garoto ficou olhando duro em frente, mal notando o que estava acontecendo ao seu redor, e não percebeu que Hermione se destacara da multidão de convidados, até ela puxar uma cadeira e sentar ao seu lado.
— Simplesmente não consigo dançar mais — ofegou, tirando um dos sapatos e esfregando a sola de um pé — Rony foi buscar mais cerveja amanteigada. Que coisa estranha, acabei de ver Vítor se afastando enfurecido do pai de Luna, parecia que estiveram discutindo... — ela baixou a voz, olhando-o — Harry, você está bem?
O garoto não sabia por onde começar, mas não fez diferença.
Naquele momento, algo volumoso e prateado atravessou o toldo sobre a pista de dança. Gracioso e reluzente, o lince aterrissou com leveza entre os espantados convidados. Cabeças se viraram, e as pessoas que estavam mais próximas congelaram absurdamente em meio a passos de dança. Então a boca do Patrono se abriu desmesuradamente e ele anunciou na voz alta, grave e lenta de Kingsley Shacklebolt:
— O Ministério caiu. Scrimgeour está morto. Eles estão vindo.








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