sábado, 1 de outubro de 2011

O Conde de Monte Cristo - Capítulo 88




LXXXIII

O INSULTO







A
 porta do banqueiro, Beauchamp deteve Morcerf.
— Escute — disse-lhe — Há pouco sugeri-lhe em casa do Sr. Danglars que era ao Conde de Monte Cristo que devia pedir uma explicação.
— É verdade e vamos para sua casa.
— Um momento, Morcerf. Antes de irmos a casa do Conde, reflita.
— Em que quer que reflita?
— Na gravidade da diligência.
— É mais grave do que vir a casa do Sr. Danglars?
— É. O Sr. Danglars é um argentário, e como não ignora, os argentários sabem muito bem o capital que arriscam e não se batem facilmente. O outro, pelo contrário, é um gentil-homem, na aparência, pelo menos; mas não receia encontrar um valente debaixo da capa do gentil-homem?
— Só receio uma coisa: encontrar um homem que se não bata.
— Oh, a esse respeito esteja tranqüilo! — declarou Beauchamp — Esse se baterá. Temo até uma coisa: que se bata demasiado bem. Acautele-se!
— Amigo, isso é tudo o que peço — perguntou Morcerf com um belo sorriso — Nada me pode tornar mais feliz do que ser morto por meu pai; isso nos salvará a todos.
— Mas isso será a morte de sua mãe!
— Pobre mãe, bem o sei! — suspirou Albert, passando a mão pelos olhos — Mas mais vale que morra por isso do que de vergonha.
— Está realmente decidido, Albert?
— Estou.
— Vamos então! Mas acha que o encontraremos?
— Ele devia regressar algumas horas depois de mim e certamente regressou.
Meteram-se na carruagem e mandaram seguir para a Avenida Champs-Élysées, nº. 30. Beauchamp queria descer sozinho, mas Albert observou-lhe que como o caso saía das regras habituais lhe permitia afastar-se da etiqueta do duelo.
O jovem agia em tudo aquilo por uma causa tão sagrada que Beauchamp nada mais tinha a fazer do que submeter-se a todos os seus desejos. Cedeu, portanto a Morcerf e limitou-se a acompanhá-lo.
Albert transpôs apenas de um salto a distância que ia do cubículo do porteiro à escadaria. Foi Baptistin quem o recebeu. Efetivamente, o Conde acabava de chegar, mas estava tomando banho e proibira que se recebesse quem quer que fosse.
— Mas depois do banho? — perguntou Morcerf.
— O senhor jantará.
— E depois do jantar?
— O senhor dormirá uma hora.
— E em seguida?
— Em seguida irá à Ópera.
— Tem certeza? — perguntou Albert.
— Absoluta. O senhor pediu os seus cavalos para as oito horas precisas.
— Muito bem, era tudo o que queria saber — declarou Albert.
Depois, virando-se para Beauchamp, disse-lhe:
— Se tem alguma coisa a fazer, Beauchamp, faça-a imediatamente, e se tem algum encontro marcado para esta noite, adie-o para amanhã. Decerto compreende que conto consigo para ir à Ópera. Se puder, traga-me o Château-Renaud.
Beauchamp aproveitou a dispensa e deixou Albert, depois de prometer ir buscá-lo às oito horas menos um quarto. Regressado a casa, Albert preveniu Franz, Debray e Morrel de que gostaria de os ver naquela noite na Ópera. Depois foi visitar a mãe, que desde os acontecimentos da véspera não recebia ninguém e se conservava no seu quarto. Encontrou a de cama, esmagada pela dor daquela humilhação pública.
A visita de Albert produziu em Mercedes o efeito que era de esperar: apertou a mão do filho e rompeu em soluços. Contudo, as lágrimas aliviaram-na.
Albert permaneceu um instante de pé e mudo junto da mãe. Via-se pelo seu rosto pálido e pelo sobrolho franzido que a sua resolução de vingança se arraigava cada vez mais no seu coração.
— Minha mãe, conhece algum inimigo do Sr. de Morcerf? — perguntou Albert.
Mercedes estremeceu. Notara que o jovem não dissera “ao meu pai”.
— Meu filho — respondeu — As pessoas na posição do Conde têm muitos inimigos que não conhecem. Aliás, os inimigos que se conhecem não são, como sabe, os mais perigosos.
— Sim, bem sei; por isso apelo para toda a sua perspicácia. Minha mãe é uma mulher tão superior que nada lhe escapa!
— Porque me diz isso?
— Porque a senhora notou, por exemplo, que na noite do baile que demos o Sr. de Monte Cristo não quis tomar nada em nossa casa.
Mercedes soergueu-se toda trêmula num braço, a arder em febre.
— O Sr. de Monte Cristo! — exclamou — E que relação tem isso com a pergunta que me faz?
— Como sabe, minha mãe, o Sr. de Monte Cristo é quase um homem do Oriente, e os Orientais, para conservarem toda a liberdade de vingança, nunca comem nem bebem em casa dos seus inimigos...
— Diz que o Conde de Monte Cristo é nosso inimigo, Albert? — perguntou Mercedes, tornando-se mais pálida do que o lençol que a cobria — Quem lhe disse isso? Por quê? Está louco, Albert. O Sr. de Monte Cristo só tem tido atenções para conosco. O Sr. de Monte Cristo salvou-lhe a vida, foi o senhor mesmo que o apresentou. Oh, peço-lhe, meu filho, se teve semelhante idéia, afaste-a! E já agora quero fazer-lhe uma recomendação, direi mais, quero fazer-lhe um pedido: dê-se bem com ele.
— Minha mãe — replicou o jovem, com um olhar sombrio — Tem decerto as suas razões para me dizer que poupe esse homem.
— Eu?! — exclamou Mercedes, corando com a mesma rapidez com que empalidecera e tornando-se quase imediatamente ainda mais pálida do que anteriormente.
— Sim, sem dúvida, e essa razão — insistiu Albert — É que esse homem nos pode fazer mal, não é verdade?
Mercedes estremeceu e pousou no filho um olhar perscrutador.
— Diz-me coisas muito estranhas, Albert, e tem singulares prevenções, parece-me... que lhe fez o Conde? Ainda há três dias estava com ele na Normandia, e também ainda há três dias eu o considerava, assim como o senhor, o seu melhor amigo.
Um sorriso irônico aflorou aos lábios de Albert. Mercedes viu esse sorriso, e com o seu duplo instinto de mulher e de mãe adivinhou tudo. Mas prudente e forte, ocultou a sua perturbação e os seus receios. Albert deixou morrer a conversa; passado um instante, a condessa reatou-a.
— Vinha perguntar-me como ia; respondo-lhe francamente, meu filho, que me não sinto bem. Devia instalar-se aqui, Albert, e fazer-me companhia. Preciso de não estar só.
— Minha mãe, estaria às suas ordens, e bem sabe com que prazer, se um assunto urgente e importante me não obrigasse a deixá-la durante toda a noite.
— Ah, muito bem! — respondeu Mercedes com um suspiro — Vá, Albert, não quero torná-lo de modo algum escravo da sua piedade filial.
Albert simulou não compreender, cumprimentou a mãe e saiu. Assim que o jovem fechou a porta, Mercedes mandou chamar um criado de confiança e ordenou-lhe que seguisse Albert para toda a parte onde fosse naquela noite e que viesse informá-la imediatamente do que visse.
Depois, tocou chamando a criada de quarto e, por muito fraca que estivesse, vestiu-se para estar pronta para qualquer eventualidade.
A missão dada ao lacaio não era difícil de cumprir. Albert regressou aos seus aposentos e vestiu-se com uma espécie de esmero severo. Beauchamp chegou às oito horas menos dez minutos; falara com Château-Renaud, o qual prometera encontrar-se no seu lugar de orquestra antes de o pano subir. Meteram-se ambos no cupé de Albert, o qual, não tendo qualquer motivo para ocultar aonde ia, disse em voz alta:
— À Ópera!
Na sua impaciência, chegou antes de o pano subir. Château-Renaud encontrava-se no seu lugar. Prevenido de tudo por Beauchamp, Albert não tinha nenhuma explicação a dar-lhe. O comportamento dos filhos que procuram vingar o pai era tão simples que Château-Renaud nem sequer tentou dissuadi-lo e limitou-se a renovar-lhe a certeza de que estava ao seu dispor.
Debray ainda não chegara, mas Albert sabia que raramente faltava a um espetáculo da Ópera. Albert vagueou pelo teatro até ao subir do pano. Esperava encontrar Monte Cristo, quer no corredor, quer na escada. A campainha chamou-o ao seu lugar e ele foi sentar-se nas cadeiras de orquestra, entre Château-Renaud e Beauchamp. Mas os seus olhos não largavam o camarote entre colunas, que durante o primeiro ato pareceu obstinar-se em permanecer fechado.
Por fim, quando Albert consultava pela centésima vez o relógio, no inicio do segundo ato, a porta do camarote abriu-se e Monte Cristo, vestido de preto, entrou e encostou-se à balaustrada para olhar a sala. Morrel, que o acompanhava, pôs-se também a procurar com os olhos a irmã e o cunhado. Descobriu-os num camarote de segunda ordem e fez-lhes sinal.
Ao dar uma vista de olhos circular pela sala, o Conde descobriu um rosto pálido e olhos cintilantes que pareciam querer atrair avidamente os seus. Reconheceu Albert, mas a expressão que notou naquele rosto transtornado aconselhou-o sem dúvida a fazer de conta que o não vira. Sem esboçar, portanto nenhum gesto que revelasse o seu pensamento, sentou-se, tirou o binóculo do estojo e apontou-o para outro lado.
Mas, sem parecer ver Albert, o Conde não o perdia de vista, e quando o pano desceu, no fim do segundo ato, o seu golpe de vista infalível e seguro seguiu o jovem, que saía da platéia acompanhado dos seus dois amigos.
Depois, a mesmo rosto reapareceu num camarote de primeira ordem, defronte do seu. O Conde sentia aproximar-se a tempestade, e quando ouviu a chave girar na fechadura do seu camarote, embora falasse nesse momento com Morrel com o seu rosto mais risonho, o Conde sabia a que se ater e estava preparado para tudo.
A porta abriu-se. Só então Monte Cristo se virou e viu Albert, lívido e trêmulo, e atrás dele Beauchamp e Château-Renaud.
— Ora vejam, o meu cavaleiro sempre conseguiu aqui chegar! — exclamou com a benevolente delicadeza que distinguia habitualmente a sua saudação das vulgares cortesias da sociedade — Boa noite, Sr. de Morcerf.
E o rosto daquele homem, tão singularmente senhor de si mesmo, exprimia a mais perfeita cordialidade.
Morrel lembrou-se da carta que recebera do visconde e na qual, sem outra explicação, este lhe pedia que fosse à ópera, e adivinhou que ia acontecer algo terrível.
— Não vimos aqui para trocar cumprimentos hipócritas ou manter aparências enganosas de amizade — perguntou o jovem — Vimos pedir-lhe uma explicação, Sr. Conde.
A voz trêmula do jovem passava-lhe a custo por entre os dentes cerrados.
— Uma explicação na Ópera? — observou o Conde, no tom tão calmo e num relance de olhos tão penetrante, só característicos do homem eternamente senhor de si mesmo — Apesar de pouco familiarizado com os hábitos parisienses, nunca imaginei, senhor, que fosse aqui que as explicações se pedissem.
— No entanto, quando as pessoas se recusam a receber, quando se não pode chegar até elas a pretexto de que estão no banho, à mesa ou na cama, tem-se de as procurar onde é possível encontrá-las — replicou Albert.
— Não sou difícil de encontrar — declarou Monte Cristo — Ainda ontem senhor, se me não falha a memória, o vi em minha casa.
— Ontem, senhor — disse o jovem, cuja cabeça parecia um vulcão — Estava em sua casa porque ignorava quem o senhor era!
Ao pronunciar estas palavras, Albert elevara a voz de maneira que as pessoas sentadas nos camarotes contíguos o ouvissem, assim como as que passavam no corredor. Por isso, as pessoas dos camarotes viraram-se e as do corredor pararam atrás de Beauchamp e Château-Renaud ao ouvirem a altercação.
— De onde diabo vem o senhor? — perguntou Monte Cristo, sem a menor emoção aparente — Não me parece estar em seu juízo perfeito...
— Desde que compreenda as suas perfídias, senhor, e que consiga levá-lo a compreender que quero vingar-me delas, é quanto me basta para não considerar-me de todo louco — perguntou Albert, furioso.
— Senhor, não o compreendo — replicou Monte Cristo — E mesmo que o compreendesse, ainda assim o senhor estaria a falar demasiado alto. Estou no meu camarote, senhor, e aqui só eu tenho o direito de elevar a voz acima da dos outros. Saia, senhor!
E Monte Cristo indicou a porta a Albert, com um admirável gesto de autoridade.
— Ah, eu o obrigarei a sair da toca! — gritou Albert amarrotando nas mãos convulsas a luva, que o Conde não perdia de vista.
— Bem, bem! — exclamou fleumaticamente o Conde — Já vejo que o senhor me quer provocar. Mas um conselho, visconde, e retenha-o bem é mau costume fazer barulho quando se provoca alguém. O barulho não é favorável a todas as pessoas, Sr. de Morcerf...
Este nome provocou um murmúrio de surpresa, que passou como um arrepio por entre aqueles que assistiam à cena. Desde a véspera que o nome de Morcerf andava em todas as bocas.
Melhor e primeiro que todos Albert compreendeu a alusão, e fez um gesto para lançar a luva à cara do Conde; mas Morrel agarrou-lhe o pulso, enquanto Beauchamp e Château-Renaud, receando que a cena excedesse os limites de uma provocação, o seguravam por detrás.
Mas Monte Cristo, sem se levantar, inclinando a cadeira, limitou-se a estender a mão e a tirar dos dedos crispados do jovem a luva úmida e amarrotada.
— Senhor — disse-lhe com um acento terrível — Considero a sua luva lançada e a devolverei enrolada numa bala. Agora saia ou chamo os meus criados e mando colocá-lo para fora.
Aturdido, espantado, com os olhos injetados de sangue, Albert deu dois passos atrás. Morrel aproveitou para fechar a porta. Monte Cristo voltou a pegar o binóculo e pôs-se a observar a sala como se nada de extraordinário se tivesse passado. Aquele homem tinha um coração de bronze e um rosto de mármore.
Morrel inclinou-se ao ouvido.
— Que lhe fez? — inquiriu.
— Eu? Nada, pelo menos pessoalmente — respondeu Monte Cristo.
— Contudo, esta cena estranha deve ter uma causa...
— A aventura do conde de Morcerf exasperou o pobre rapaz.
— E o senhor teve alguma coisa a ver com isso?
— Foi por intermédio de Haydée que a Câmara teve conhecimento da traição do pai.
— De fato, disseram-me, mas não quis acreditar, que a escrava grega que tenho visto consigo neste mesmo camarote era filha de Ali-Paxá.
— No entanto, é verdade.
— Oh, meu Deus, compreendo tudo agora! — exclamou Morrel — Esta cena foi premeditada.
— Como?
— Sim. Albert escreveu-me a pediu-me que estivesse esta noite na Ópera. Era para me tornar testemunha do insulto que lhe queria fazer.
— Provavelmente — admitiu Monte Cristo, com a sua imperturbável tranqüilidade.
— Mas que fará dele?
— De quem?
— De Albert!
— De Albert? — repetiu Monte Cristo no mesmo tom — Que farei de Albert, Maximilien? Tão certo como o senhor estar aqui e eu apertar-lhe a mão, o matarei amanhã antes das dez horas da manhã. Aqui tem o que farei dele.
Morrel pegou por sua vez na mão de Monte Cristo com as suas e estremeceu ao sentir aquela mão fria e calma.
— Ah, Conde, o pai ama-o tanto!... — murmurou.
— Não me diga isso! — gritou Monte Cristo, no primeiro movimento de cólera que deixava transparecer — Eu o farei!
Morrel, estupefato, deixou cair a mão de Monte Cristo.
— Conde! Conde!
— Meu caro Maximilien — interrompeu-o o Conde — Escute de que forma adorável Duprez canta esta frase: “ô Matilde, ídolo da minha alma!” Fui o primeiro a descobrir Duprez em Nápoles e o primeiro a aplaudi-lo. Bravo! Bravo!
Morrel compreendeu que não havia mais nada a dizer e calou-se. O pano, que subira no fim da cena de Albert, desceu quase imediatamente.
Bateram à porta.
— Entre — disse Monte Cristo, sem que a sua voz denota-se a menor emoção.
Apareceu Beauchamp.
— Senhor — disse a Monte Cristo — Há pouco acompanhava, como deve ter visto, o Sr. de Morcerf.
— O que significa — perguntou Monte Cristo, rindo — Que vinham provavelmente de jantar juntos. Ainda bem, Sr. Beauchamp, que está mais sóbrio do que ele.
— Senhor — disse Beauchamp — Albert cometeu a inconveniência, reconheço, de se encolerizar; venho por minha própria conta apresentar-lhe desculpas. E agora que as desculpas estão apresentadas, as minhas, como compreende, Sr. Conde, quero dizer-lhe que o considero demasiado cortês para me recusar algumas explicações acerca das suas relações com a gente de Janina. Depois, acrescentarei algumas palavras a respeito dessa jovem grega.
Monte Cristo fez com os lábios e com os olhos um sinalzinho a recomendar silêncio.
— Pronto, lá estão todas as minhas esperanças destruídas! — acrescentou rindo.
— Como assim? — perguntou Beauchamp.
— Sem dúvida está mortinho por me arranjar fama de excêntrico. Em seu entender, sou um Lara, um Manfredo, um Lorde Ruthwen. Depois, passado o momento de me ver como um excêntrico, destrói o seu tipo e tenta transformar-me num homem vulgar. Quer-me comum, banal. Por fim, pede-me explicações. Então, Sr. Beauchamp, só por piada!
— No entanto — perguntou Beauchamp com altivez — Há ocasiões em que a probidade ordena...
— Sr. Beauchamp — interrompeu-o aquele homem estranho — Quem dá ordens ao Sr. de Monte Cristo é o Sr. de Monte Cristo. Portanto, nem mais uma palavra a tal respeito, por favor. Faço o que entendo Sr. Beauchamp, e acredite que o faço sempre muito bem feito.
— Senhor — respondeu o rapaz — Não se paga a pessoas honestas nessa moeda; a honra exige garantias.
— Mas eu sou uma garantia viva — replicou Monte Cristo, impassível, embora nos seus olhos brilhassem clarões ameaçadores — Temos ambos nas veias sangue que desejamos verter; é essa a nossa garantia mútua. Leve esta resposta ao visconde e diga-lhe que amanhã, antes das dez horas, verei a cor do sangue dele.
— Só me resta portanto — declarou Beauchamp — Fixar as condições do combate.
— Isso me é absolutamente indiferente, senhor — disse o Conde — Por tão pouca coisa escusava de vir incomodar-me no espetáculo. Na França, as pessoas batem-se à espada ou à pistola; nas colônias usa-se a carabina, e na Arábia, o punhal. Diga ao seu cliente que, apesar de insultado, para ser excêntrico até ao fim, lhe deixo a escolha das armas e que aceitarei tudo sem discussão, sem contestação. Tudo, ouviu bem? Tudo, incluindo o combate à sorte, que é sempre estúpido. Mas comigo é diferente; tenho certeza de ganhar.
— Tem certeza de ganhar?... — repetiu Beauchamp, olhando o Conde com os olhos esbugalhados.
— Claro — respondeu Monte Cristo, encolhendo ligeiramente os ombros — Sem isso não me bateria com o Sr. de Morcerf. O matarei, tem de ser e assim será. Mande-me apenas um bilhete a minha casa, esta noite, indicando a arma e a hora. Não gosto de me fazer esperar.
— À pistola, às oito horas da manhã, no Bosque de Vincennes — disse Beauchamp, desconcertado, sem saber se lidava com um fanfarrão insolente ou com um ser sobrenatural.
— Pronto, senhor — disse Monte Cristo — Agora que está tudo tratado, deixe-me ouvir o espetáculo, peço-lhe, e diga ao seu amigo Albert que não volte aqui esta noite: se prejudicaria com todas as suas brutalidades de mau gosto. Que vá para casa e durma.
Beauchamp saiu de boca aberta.
— Agora, conto consigo, não é verdade? — perguntou Monte Cristo, virando-se para Morrel.
— Certamente — respondeu Morrel — Pode dispor de mim, Conde. No entanto...
— O quê?
— Seria importante, Conde, que eu conhecesse a verdadeira causa...
— Quer dizer que recusa?
— Não.
— A verdadeira causa, Morrel? — repetiu o Conde — Mesmo esse rapaz caminha às cegas e não a conhece. A verdadeira causa só eu e Deus a conhecemos. Mas dou-lhe a minha palavra de honra, Morrel, que Deus, que a conhece, será por nós.
— Basta-me isso, Conde — disse Morrel — Quem é a sua segunda testemunha?
— Não conheço ninguém em Paris a quem queira conceder essa honra a não ser você e o seu cunhado Emmanuel. Acha que Emmanuel quererá fazer-me esse favor?
— Respondo-lhe por ele como por mim, Conde.
— Bom, é tudo o que preciso. Amanhã às sete em minha casa, está bem?
— Lá estaremos.
— E agora, silêncio. O pano sobe; escutemos. Tenho o hábito de não perder uma nota desta Ópera. Não há música mais adorável do que a do Guilherme Tell!



continua...




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Lei de ComimAs pessoas aceitarão sua idéia muito mais facilmente se você disser a elas que quem a criou foi Albert Einstein.
Lei de Murphy

O companheirismo é essencial à sobrevivência. Ele dá ao inimigo outra pessoa em quem atirar.

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