quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Quer emagrecer? Siga essas regras fácies. Emagrecimento rápido e garantido!


Visitando o site: PerguntasCretinas.com, eu encontrei a melhor receita emagrecedora. Não é brincadeira! Esta é na verdade a única e verdadeira receita para emagrecer. Os resultados são garantidos.



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Frase Curiosa"Há apenas duas maneiras de obter sucesso neste mundo: pelas próprias habilidades ou pela incompetência alheia." Jean de La Bruyère

Indo direto ao ponto!


Fique atento: quando escrever um aviso, você tem que ser bastante direto, para que as pessoas entendam a importância da atitude do aviso. Um bom exemplo é o aviso abaixo, que foi encontrado fixado no banheiro de um restaurante:



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Frase Curiosa"Há apenas duas maneiras de obter sucesso neste mundo: pelas próprias habilidades ou pela incompetência alheia." Jean de La Bruyère

Vamos rir um pouco!


Quadro do programa "BALANÇA MAIS NÃO CAI", de 1982, com os grandes atores Paulo Gracindo e Brandão Filho. É uma comédia muito superior a dos dias de hoje. Como já disse Adônis, de Toma Lá Dá Cá: "Eu tenho saudades de épocas em que não vivi!".





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Frase Curiosa"Há apenas duas maneiras de obter sucesso neste mundo: pelas próprias habilidades ou pela incompetência alheia." Jean de La Bruyère

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O PODEROSO CHEFÃO - CAPÍTULO 20



CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA: 14 ANOS






LIVRO
V




CAPÍTULO
20


A
 MORTE DE SANTINO CORLEONE causou enorme sensação no submundo do país. E quando se soube que Don Corleone se levantara de sua cama de enfermo para assumir a direção dos negócios da Família, quando os espiões presentes ao enterro informaram que Don Corleone parecia estar plenamente recuperado, os chefes das cinco Famílias empreenderam frenéticos esforços para preparar a defesa contra a sangrenta guerra de represálias que certamente sobreviria. Ninguém cometia o erro de subestimar Don Corleone por causa de suas últimas adversidades. Ele era um homem que tinha cometido apenas poucos erros em sua carreira e havia aprendido com cada um deles.
Somente Hagen pressentia as verdadeiras intenções de Don Corleone e não ficou surpreso quando emissários foram enviados às cinco Famílias para propor paz. Não somente para propor paz, mas também uma reunião de todas as Famílias da cidade e com convites para que comparecessem as Famílias de toda parte dos Estados Unidos. Como as Famílias de Nova York eram as mais poderosas do país, compreendia-se que o bem-estar delas afetaria as do país em geral.
A princípio houve desconfiança. Será que Don Corleone estava preparando uma armadilha? Será que estava procurando encontrar os inimigos sem a guarda deles? Será que tencionava preparar um massacre total para vingar o filho? Mas Don Corleone logo tornou claro que estava sendo sincero. Não somente envolveu todas as Famílias do país na reunião, mas também não fez qualquer movimento no sentido de pôr a sua própria gente em pé de guerra nem de conquistar aliados. E então deu o passo final irrevogável que estabeleceu a autenticidade de suas intenções e garantiu a reunido do grande conselho. Ele invocou os serviços da Família Bocchicchio.
A Família Bocchicchio era única pelo fato de que, tendo sido outrora um ramo particularmente feroz da Máfia na Sicília, tornara-se um instrumento de paz na América. Outrora um grupo de homens que ganhava a vida por meio de uma determinação selvagem, agora ganhava a vida por um meio que talvez pudesse ser chamado santo. O único acervo dos Bocchicchio era uma estrutura bem consolidada e de relações consangüíneas, uma lealdade familiar severa, mesmo para uma sociedade em que a lealdade familiar estava acima da lealdade à esposa.
A Família Bocchicchio, estendendo-se até os primos em terceiro grau, tinha outrora atingido quase o número de duzentos membros, quando dirigia a economia de uma pequena região da Sicília meridional. A renda da família inteira provinha de quatro ou cinco moinhos de farinha de trigo, de forma alguma de propriedade comunal, mas garantindo trabalho, sustento e uma segurança mínima para todos os membros da Família. Isso era bastante, com os casamentos entre si, para que eles apresentassem uma frente comum contra os inimigos.
Nenhum moinho concorrente, nenhuma represa que criasse um abastecimento de água para os seus concorrentes ou arruinasse a sua própria venda de água tinha permissão para ser construído no seu cantinho da Sicília. Um poderoso barão proprietário de terras, certa vez, tentou construir seu próprio moinho estritamente para seu uso pessoal. O moinho foi destruído por um incêndio. Ele chamou os carabinieri e autoridades mais altas, que prenderam três membros da Família Bocchicchio. Mesmo antes do julgamento, a casa senhorial do barão foi incendiada. O pronunciamento e as acusações foram retirados. Alguns meses depois, um alto funcionário do governo italiano chegou à Sicília e procurou resolver a crônica falta de água dessa ilha, propondo a construção de uma grande represa. Engenheiros vieram de Roma para fazer os levantamentos necessários, sendo olhados por nativos mal-encarados, membros do clã dos Bocchicchio. A polícia tomou conta da área, abrigada num quartel especialmente construído para este fim.
Parecia que nada poderia impedir a construção da represa, e material e equipamento foram realmente desembarcados em Palermo. Isso foi o máximo que conseguiram. Os Bocchicchio entraram em contato com os outros chefes da Máfia e firmaram acordos para receber ajuda deles. O equipamento pesado foi sabotado e o leve roubado. Os deputados da Máfia no Parlamento italiano lançaram um contra-ataque burocrático aos planejadores. Isso durou vários anos e, nesse ínterim, Mussolini ascendeu ao poder. O ditador decretou que a represa devia ser construída. Não foi. O ditador sabia que a Máfia seria uma ameaça ao seu regime, formando o que equivalia a uma autoridade separada por sua própria conta. Deu plenos poderes a um alto funcionário da polícia, que prontamente resolveu o problema jogando todo mundo na prisão ou deportando gente para as ilhas de trabalho penal. Em poucos anos, ele destruiu o poder da Máfia, simplesmente pelo processo de prender arbitrariamente qualquer pessoa que fosse apenas suspeita de ser um mafioso. E assim levou também a ruína a um grande número de famílias inocentes.
Os Bocchicchio foram bastante arrojados e recorreram à força contra esse poder ilimitado. Metade dos homens foi morta em combate armado, a outra metade deportada para as colônias das ilhas penais. Restava apenas um punhado deles, quando se começou a providenciar a sua emigração para a América por meio da rota clandestina de ir de navio até o Canadá. Havia quase vinte imigrantes e eles se estabeleceram numa pequena cidade não longe de Nova York, no vale do Hudson, onde, começando de baixo, trabalharam arduamente e subiram até se tornarem proprietários de uma firma de coleta de lixo com seus próprios caminhões. Prosperaram porque não tinham concorrência. Não tinham concorrência porque os caminhões dos concorrentes eram incendiados e sabotados. Um sujeito persistente que reduziu os preços foi encontrado enterrado no lixo que ele recolhera durante o dia: fora asfixiado até morrer.
Mas à medida que os homens se casavam, com moças sicilianas, é desnecessário dizer, vieram os filhos, e o negócio do lixo, embora desse para o sustento, não proporcionava realmente o bastante para comprar-se as boas coisas que a América oferece. E assim, como uma diversificação, os membros da Familia Bocchicchio se tornaram negociadores e reféns nos esforços de paz das Famílias da Máfia em guerra.
Uma espécie de estupidez caracterizava o clã dos Bocchicchio, ou talvez eles fossem apenas primitivos. De qualquer forma, reconheciam suas limitações e sabiam que não podiam concorrer com outras Famílias da Máfia no esforço de organizar e controlar estruturas de negócios mais complexos como a prostituição, o jogo, os entorpecentes e a fraude pública. Eram pessoas simples que podiam oferecer um suborno a um rondante qualquer, mas não sabiam como entrar em contato com um figurão da política. Tinham apenas duas vantagens a seu favor: a honra e a ferocidade.
Um Bocchicchio jamais mentia, jamais cometia um ato de traição. Tal conduta era muito complicada. Outrossim, um Bocchicchio jamais esquecia um insulto e jamais deixava de vingá-lo custasse o que custasse. E assim, por acidente, eles toparam com o que provaria ser a sua profissão mais lucrativa.
Quando as Famílias em guerra desejavam fazer paz e queriam parlamentar, entravam em contato com o clã dos Bocchicchio. O chefe do clã promovia as negociações iniciais e fornecia os reféns necessários. Por exemplo, quando Michael foi encontrar-se com Sollozzo, um Bocchicchio fora deixado com a Família Corleone como garantia pela segurança de Michael, tendo o serviço sido pago por Sollozzo. Se Michael fosse assassinado por Sollozzo, então o refém Bocchicchio mantido pela Família Corleone seria morto pelos Corleone. Nesse caso, os Bocchicchio se vingariam de Sollozzo como a causa da morte do membro de seu clã. Já que os Bocchicchio eram tão primitivos, nunca deixavam que qualquer coisa, qualquer espécie de castigo, os impedisse de praticar a devida vingança. Sacrificariam a própria vida, não havendo proteção contra eles se fossem traídos.
Um refém Bocchicchio era uma garantia de inteira confiança.
E agora, quando Don Corleone empregava os Bocchicchio como negociadores e combinava com eles que fornecessem reféns para que todas as Famílias comparecessem à reunião de paz, não podia haver dúvida quanto à sua sinceridade. Não podia haver dúvida quanto à traição. A reunião seria tão segura como um casamento.
Fornecidos os reféns, a reunião realizou-se na sala de conferências do diretor de um pequeno banco comercial cujo presidente devia favores a Don Corleone, e na verdade este último possuía algumas ações desse banco, embora estivessem elas no nome do presidente. O presidente sempre mantinha na lembrança aquele momento em que se prontificara a dar a Don Corleone um documento escrito provando ser ele o dono das ações, para evitar qualquer traição. Don Corleone mostrou-se horrorizado.
— Eu confiaria a você toda a minha fortuna — respondeu ele ao presidente — Eu confiaria a você a minha vida e o bem-estar dos meus filhos. É inconcebível para mim que você alguma vez pensasse em me enganar ou em me trair. Todo o meu mundo, toda a minha fé em meu julgamento do caráter humano ruiriam por terra. Naturalmente tenho os meus próprios apontamentos a respeito disso para que, se algo me acontecer, os meus herdeiros saibam que você tem em seu poder alguma coisa que pertence a eles. Mas sei que, mesmo que eu não estivesse aqui neste mundo para guardar os interesses dos meus filhos, você seria fiel às necessidades deles.
O presidente do banco, embora não fosse siciliano, era um homem de delicada sensibilidade. Compreendia perfeitamente Don Corleone. Agora o pedido do Padrinho era uma ordem para o presidente e assim, naquele sábado, a sala da diretoria do banco, onde eram realizadas conferências, com suas fundas cadeiras de couro, com seu isolamento absoluto, foi posta à disposição das Famílias.
A segurança no banco foi formada por um pequeno exército de homens escolhidos a dedo usando uniformes de guardas do banco. As dez horas de uma manhã, a sala de conferências começou a se encher. Além das cinco Famílias de Nova York, havia representantes de dez outras Famílias de outras partes do país, com exceção de Chicago, esta ovelha-negra do submundo. Tinham desistido de tentar civilizar Chicago, e não viam razão para incluir aqueles cães danados em conferência tão importante.
Instalaram ali um bar e um pequeno bufê. Cada representante presente à conferência tinha direito a um assistente. A maioria dos Dons levou seu consigliori como assistente, de modo que havia relativamente poucos jovens na sala. Tom Hagen era um desses jovens e o único que não era siciliano. Ele era um objeto de curiosidade, uma excentricidade.
Hagen sabia como devia portar-se. Não falava, não sorria. Atendia seu chefe, Don Corleone, com todo o respeito de um conde favorito atendendo o seu rei; trazendo-lhe uma bebida gelada, acendendo-lhe o charuto, arranjando.lhe um cinzeiro; com respeito, mas não com servilismo.
Hagen era a única pessoa naquela sala que conhecia a identidade dos retratos pendurados nas paredes de painéis escuros. Havia principalmente retratos de fabulosas figuras do mundo financeiro feitos em ricas pinturas a óleo. Um era o do Secretário do Tesouro, Hamilton. Hagen não podia deixar de pensar que Hamilton possivelmente aprovaria aquela reunião de paz realizada numa instituição bancária. Nada era mais calmante, mais conducente à razão pura do que a atmosfera do dinheiro.
A hora da chegada tinha sido elasticamente estabelecida entre 9:30 e 10 horas da manhã. Don Corleone, que em certo sentido era o anfitrião, pois fora ele quem iniciara as conversações de paz, tinha sido o primeiro a chegar; uma de suas virtudes era a pontualidade.
O seguinte foi Carlo Tramonti, que fizera da parte meridional dos Estados Unidos seu território. Era um homem de meia-idade, impressionantemente bonito, alto para um siciliano, muito queimado pelo sol, esquisitamente trajado e barbeado. Não parecia italiano, dava a impressão de um desses tipos de pescadores milionários refestelados em seus iates, cujos retratos saíam nas revistas. A Família Tramonti tirava o seu sustento do jogo, e ninguém, ao deparar com o seu Don, podia sequer imaginar com que ferocidade ele conquistara o seu império.
Emigrando da Sicília ainda quando menino, Tramonti foi morar na Flórida e ali cresceu, empregado pelo sindicato americano de políticos das pequenas cidades sulistas que controlavam o jogo. Esses indivíduos eram homens duros apoiados por funcionários da polícia muito severos e jamais desconfiaram de que pudessem ser derrotados por um imigrante simplório. Estavam despreparados para a ferocidade dele e não podiam retribuir à altura simplesmente porque achavam que as recompensas pelas quais brigavam não valiam tanta carnificina. Tramonti venceu a polícia dando maior participação aos pequenos; exterminou aqueles bandidos bisonhos que dirigiam seu negócio com tamanha falta de imaginação. Foi Tramonti quem iniciou a ligação com Cuba e o Governo Batista e finalmente investiu grandes somas de dinheiro nos lugares de prazer das casas de jogo de Havana, os prostíbulos, para atrair jogadores do continente americano. Tramonti era agora muitas vezes milionário e possuía um dos hotéis mais luxuosos de Miami.
Quando entrou na sala de conferências seguido de seu assistente, um consigliori igualmente queimado de sol, Tramonti abraçou Don Corleone e fez uma cara de tristeza para mostrar que sentia a morte de Sonny.
Outros Dons foram chegando. Todos eles conheciam-se uns aos outros, tinham-se encontrado no decorrer dos anos, quer socialmente, quer tratando de interesses de seus negócios. Sempre se mostravam reciprocamente corteses e, nos tempos mais difíceis de sua juventude, tinham-se prestado mutuamente pequenos serviços.
O segundo Don a chegar foi Joseph Zaluchi, de Detroit. A Família Zaluchi, sob convenientes disfarces e coberturas, possuía um dos hipódromos da área de Detroit. Controlava também uma boa parte do jogo. Zaluchi era um homem de rosto redondo, de aspecto afável, que morava numa casa de cem mil dólares no elegante bairro de Grosse Point, de Detroit. Um de seus filhos se casara com uma moça de antiga e conceituada família americana. Zaluchi, como Don Corleone, era um tipo requintado. Detroit apresentava a menor incidência de violência física de qualquer das cidades controladas pelas Famílias; houvera apenas duas execuções, nos últimos três anos, naquela cidade. Zaluchi não aprovava o tráfico de entorpecentes.
Zaluchi trouxera o seu consigliori consigo, e os dois homens se aproximaram de Don Corleone para abraçá-lo. Zaluchi tinha uma voz retumbantemente americana com apenas um ligeiro vestígio de sotaque. Vestia-se à moda conservadora, era um grande homem de negócios e tinha igualmente uma calorosa boa vontade. Ele disse a Don Corleone:
— Somente o seu apelo poderia trazer-me aqui.
Don Corleone curvou a cabeça agradecendo. Ele podia contar com o apoio de Zaluchi.
Os dois Dons seguintes a chegar foram da Costa Oeste, tendo viajado no mesmo carro, pois trabalhavam intimamente juntos em qualquer caso. Eram Frank Falcone e Anthony Molinari, e ambos eram os mais jovens chefes presentes à reunião; tinham quarenta e poucos anos. Vestiam-se um pouco mais informalmente do que os outros, havia um toque de Hollywood no estilo deles e eram pouco mais amáveis do que o necessário. Frank Falcone controlava os sindicatos cinematográficos e o jogo nos estúdios e ainda uma rede de prostituição que fornecia garotas para os prostíbulos dos Estados do Extremo Oeste. Não estava dentro da possibilidade de qualquer Don tornar-se o “dono do espetáculo”, mas Falcone tinha a sua atração pessoal. Os outros Dons, em conseqüência, desconfiavam dele.
Anthony Molinari controlava as docas de São Francisco e era uma figura de destaque no império de apostas em jogos esportivos. Descendia de uma linhagem de pescadores italianos e era proprietário do melhor restaurante de produtos do mar de São Francisco, do qual ele se orgulhava tanto que corria a lenda de que perdia dinheiro no empreendimento servindo bastante comida em troca do preço cobrado. Tinha o rosto impassível do jogador profissional e sabia-se que ele tinha alguma ligação com o contrabando de entorpecentes através da fronteira mexicana e dos navios que faziam a rota dos oceanos orientais. Os seus assistentes eram homens jovens, de constituição robusta, obviamente não conselheiros, mas guarda-costas, embora não ousassem portar armas para essa reunião. Era do conhecimento geral que esses guarda-costas sabiam lutar caratê, um fato que divertia os outros Dons, mas não os assustava nem um pouco, era como se os Dons da Califórnia tivessem vindo para a reunião usando amuletos benzidos pelo Papa. Embora se deva notar que alguns desses homens eram religiosos e acreditavam em Deus.
Em seguida, chegou o representante da Família de Boston. Este era o único Don que não tinha o respeito dos colegas. Era conhecido como um homem que não agia bem com o seu “pessoal”, que o trapaceava impiedosamente. Isso podia ser perdoado, cada homem sabe a medida de sua própria ganância. O que não podia ser perdoado era que ele não conseguia manter a ordem em seu império. A área de Boston tinha muitos assassinatos, muitas guerrinhas pelo poder, muitas atividades de franco-atiradores sem qualquer apoio; escarnecia da lei muito descaradamente. Se os membros da Máfia de Chicago eram selvagens, então os de Boston eram gavoones, palermas rústicos; rufiões. O nome do Don de Boston era Domenick Panza. Era baixo, atarracado e, como disse dele um Don, parecia um ladrão.
O sindicato de Cleveland, talvez a mais poderosa das organizações rigorosamente do jogo dos Estados Unidos, era representado por um homem idoso de aspecto sensível com feições sombrias e cabelo branco como neve. Era conhecido, naturalmente não devido ao seu rosto, como “o judeu”, porque se cercava de assistentes judeus e não-sicilianos. Murmurava-se até que ele nomearia um judeu para ser seu consigliori se assim resolvesse. Em todo caso, assim como a Família de Don Corleone era conhecida como a Quadrilha Irlandesa devido à presença de Tom Hagen, assim também a Família de Don Vincent Forlenza era conhecida como a Família Judia, com um pouco mais de precisão. Mas ele dirigia uma organização extremamente eficiente e se sabia que jamais havia desmaiado à vista de sangue, apesar de suas feições sensíveis. Ele dominava com mão de ferro, embora usasse luva de veludo.
Os representantes das cinco Famílias de Nova York foram os últimos a chegar, e Tom Hagen ficou impressionado com o aspecto imponente, arrogante, desses cinco homens em comparação com os “forasteiros”, os caipiras. Por algum motivo, os cinco Dons de Nova York estavam dentro da velha tradição siciliana, eram “homens de peito estufado”, significando, figuradamente, homens de poder e coragem; e, literalmente, força física, como se as duas coisas andassem juntas, como na verdade pareciam ter feito na Sicília. Os cinco Dons de Nova York eram homens robustos, corpulentos, com cabeças leoninas maciças, feições grosseiras, narizes carnosos, bocas espessas, faces sisudas, enrugadas. Não estavam muito bem vestidos ou barbeados; tinham o aspecto de homens ocupados com coisas sérias e despidos de vaidade.
Havia Anthony Stracci, que controlava a área de Nova Jersey e o embarque nas docas da Zona Oeste de Manhattan. Dirigia a jogatina em Jersey e era muito forte junto à máquina política democrática. Possuía uma frota de caminhões de carga que lhe rendia uma fortuna, principalmente porque os seus caminhões podiam trafegar com uma enorme sobrecarga, sem serem detidos nem multados pelos fiscais de peso das rodovias. Esses caminhões contribuíam para estragar as estradas e então a sua firma de construção de rodovias, com contratos lucrativos com o Estado, consertava os estragos feitos. Era o tipo da operação financeira que agradava a qualquer homem, o próprio negócio criando mais negócio. Stracci também era antiquado e jamais se metia no ramo da prostituição, mas como o seu negócio era nas docas, era-lhe impossível não envolvê-lo no tráfico de entorpecentes. Das cinco Famílias de Nova York que se opunham aos Corleone, a dele era a menos poderosa, mas a que tinha mais disposição.
A Família que dominava a parte superior do Estado de Nova York, que providenciava a entrada clandestina de imigrantes italianos através do Canadá, controlava a jogatina daquela parte do Estado e exercia o poder do veto na concessão de licença estadual para o funcionamento de hipódromos, era chefiada por Ottilio Cuneo. Este era um homem de espírito conciliatório, com o rosto de um padeiro jovial inteiramente rústico, cuja atividade legítima era uma grande companhia de leite. Cuneo era um desses homens que adorava crianças e levava o bolso cheio de balas, na esperança de poder agradar um de seus inúmeros netos ou a prole de seus sócios. Usava um chapéu de feltro redondo com a aba virada para baixo em toda a volta, como um chapéu de sol de mulher, que alargava o seu rosto já arredondado numa verdadeira máscara de jovialidade. Era um dos poucos Dons que nunca fora preso e cujas atividades verdadeiras jamais haviam sido objeto de suspeita. Tanto que ele servira em comitês cívicos e fora votado como o “Negociante do Ano do Estado de Nova York” pela Câmara de Comércio.
O maior aliado da Família Tattaglia era Don Emilio Barzini. Controlava uma parte da jogatina no Brooklyn e uma parte no Queens. Tinha alguma ligação com a prostituição. Possuía casas de jogo que usavam de falcatruas. Controlava completamente a Staten lsland. Operava um pouco nas apostas em jogos esportivos no Bronx e Westchester. Operava também no ramo dos entorpecentes. Tinha fortes ligações com Cleveland e a Costa Oeste; era um dos poucos homens bastante astutos para estar interessado em Las Vegas e Reno as cidades abertas de Nevada. Tinha também interesse em Miami e em Cuba. Depois da Família Corleone, a sua era talvez a mais forte de Nova York e mesmo do pais. A sua influencia se estendia até a Sicília.
O seu poder se exercia em toda “boca rica” ilegal. Corria até o boato de que Barzini tinha um pé em Wall Street. Ele apoiara a Família Tattaglia com dinheiro e influência desde o início da guerra Sua ambição era suplantar Don Corleone como o mais poderoso e respeitado líder da Máfia no país e encampar uma parte do império dos Corleone. Era um homem bem semelhante a Don Corleone, porém mais moderno, menos artificial, mais negociante. Nunca poderia ser chamado de velho antiquado e gozava da confiança dos líderes mais novos, mais jovens e mais ousados em ascensão. Era um homem de grande força pessoal, que agia de modo frio, não tendo nada da vivacidade de Don Corleone, e era talvez nesse momento o homem mais “respeitado” do grupo.
O último a chegar foi Don Phillip Tattaglia, o chefe da Família Tattaglia, que desafiara diretamente o poder dos Corleone, apoiando Sollozzo, e quase conseguira êxito. Contudo, o que bastante curioso, ele era tratado com certo desprezo pelos outros. Por um motivo: sabia-se que se deixara dominar por Sollozzo. Que de fato fora completamente subjugado por aquele finório turco. Era considerado o responsável por toda aquela agitação, aquele barulho que afetara tanto a conduta dos negócios diários das Famílias de Nova York. Além disso, era um almofadinha de sessenta anos e mulherengo. E tinha ampla oportunidade de mostrar sua fraqueza.
Pois a Família Tattaglia operava com mulheres. Seu negócio principal era a prostituição. Controlava também a maior parte dos cabarés dos Estados Unidos e podia pôr qualquer artista em qualquer parte do país. Phillip Tattaglia não tinha escrúpulos em usar da violência para conseguir o controle de cantores e humoristas promissores e entrar à força nas gravadoras de discos. Mas a prostituição era a principal fonte da renda da Família.
Sua personalidade era desagradável para aqueles homens. Ele era um “chorão”, sempre se queixando das despesas no negócio da Família. As contas de lavanderia, todas aquelas toalhas, devoravam os lucros (mas a lavanderia que fazia o trabalho era de sua propriedade). As garotas eram preguiçosas e volúveis, fugindo, cometendo suicídio. Os cáftens eram traiçoeiros e desonestos, sem qualquer sombra de lealdade. Era difícil encontrar gente que ajudasse. Os rapazes de sangue siciliano torciam o nariz para esse tipo de trabalho, considerando ser vergonhoso traficar e maltratar mulheres; aqueles canalhas que cortariam o pescoço de uma vítima com uma canção nos lábios e um raminho de Páscoa na lapela do paletó. Assim Phillip Tattaglia se lastimava para ouvintes indiferentes e desdenhosos. O seu maior lamento era reservado para as autoridades que tinham o poder de conceder e cassar a concessão de licenças de venda de bebidas alcoólicas em seus cabarés e boates. Ele jurava que tinha feito mais milionários do que Wall Street com o dinheiro que tinha pago àqueles desonestos guardiões dos selos oficiais.
De maneira curiosa a sua guerra quase vitoriosa contra a Família Corleone não lhe havia granjeado o respeito que merecia. Todos sabiam que sua força vinha, primeiro, de Sollozzo e, depois, da Família Barzini. Também o fato de que com a vantagem da surpresa ele não havia conseguido a vitória completa era uma prova contra ele. Se tivesse sido mais eficiente, toda essa complicação poderia ser evitada. A morte de Don Corleone teria significado o fim da guerra.
Era compreensível, desde que ambos perderam filhos na guerra entre eles, que Don Corleone e Phillip Tattaglia reconhecessem a presença um do outro apenas com um aceno formal. Don Corleone era o objeto da atenção, os outros homens estudando-o, para verem que marca de fraqueza fora deixada nele pelos ferimentos e derrotas. O fator enigmático era porque Don Corleone solicitara paz, depois da morte de seu filho favorito. Era um reconhecimento de derrota e quase certamente levaria a uma redução de seu poder. Mas eles logo saberiam.
Houve saudações, bebidas foram servidas e quase outra meia-hora transcorreu, antes que Don Corleone tomasse assento à mesa de nogueira envernizada. Discretamente, Hagen sentou-se na cadeira ligeiramente à esquerda do Don e atrás dele. Isso era o sinal para que os outros Dons se encaminhassem para a mesa. Seus consigliori sentaram-se imediatamente atrás deles, a fim de oferecer qualquer conselho quando necessário.
Don Corleone foi o primeiro a falar e agiu como se nada tivesse acontecido. Como se ele não tivesse sido gravemente ferido e seu filho mais velho assassinado, seu império não se achasse em desordem completa, sua família pessoal dispersa, Freddie no Oeste e sob a proteção da Família Molinari e Michael escondido nos ermos da Sicília. Ele falava naturalmente, em dialeto siciliano.
— Quero agradecer a todos vocês por terem vindo — começou — Considero isso um serviço feito a mim pessoalmente e sinto-me devedor de cada um e de todos vocês. E assim quero dizer no início que estou aqui não para discutir ou convencer, mas apenas para argumentar e, como um homem razoável, fazer tudo o que for possível a todos nós para sermos amigos aqui também. Dou a minha palavra quanto a isso, e alguns de vocês que me conhecem bem sabem que não dou minha palavra levianamente. Ah, bem, vamos diretamente ao assunto. Somos todos homens honrados, não temos de dar uns aos outros garantias como se fôssemos advogados.
Ele fez uma pausa. Nenhum dos outros falou. Alguns estavam fumando charuto, outros sorvendo tranqüilamente sua bebida. Todos esses homens eram bons ouvintes, pacientes. Além disso, tinham outra coisa em comum. Eram homens que se haviam recusado a aceitar a autoridade da sociedade organizada, homens que recusavam o domínio de outros homens. Não havia força humana que pudesse curvá-los à sua vontade, a não ser que eles o quisessem. Eram homens que defendiam a sua vontade livre com artimanhas e assassinatos. A vontade deles só podia ser destruída pela morte. Ou pela sensatez extrema.
Don Corleone deu um suspiro.
— Como é que as coisas foram tão longe? — perguntou retoricamente — Bem, não importa. Um bocado de asneiras acaba de ocorrer. Foi tão infeliz, tão desnecessário. Mas permitam-me contar o que aconteceu, segundo o meu ponto de vista.
Fez uma pausa para ver se alguém objetaria a que contasse a sua versão da história.
— Graças a Deus, minha saúde está restabelecida e talvez eu possa ajudar a resolver esta questão acertadamente. Talvez meu filho tenha sido muito precipitado, muito voluntarioso, não digo que não. De qualquer modo, quero apenas dizer que Sollozzo veio a mim com a proposta de um negócio em que solicitava meu dinheiro e minha influência. Disse-me que contava com o apoio da Família Tattaglia. O negócio envolvia entorpecentes, no qual não tenho interesse. Sou um homem tranqüilo e tais esforços são muito intensos para meu gosto. Expliquei isso a Sollozzo com todo o respeito por ele e pela Família Tattaglia. Dei-lhe “não” com toda a cortesia. Disse-lhe que o negócio dele não interferia no meu, que eu não fazia objeção a que ele ganhasse a vida desse jeito. Ele levou isso a mal e trouxe a desgraça para todos nós. Bem, assim é a vida. Todos aqui podiam contar a sua própria história triste. Este não é o meu propósito.
Don Corleone fez uma pausa e acenou a Hagen para que lhe servisse uma bebida gelada, o que Hagen rapidamente providenciou. Don Corleone molhou a boca.
— Estou disposto a fazer a paz — declarou — Tattaglia perdeu um filho, eu perdi um filho. Estamos quites. A que chegará o mundo se todos continuarem a guardar rancor contra toda a razão? Isso tem sido o infortúnio da Sicília, onde os homens se acham tão ocupados com vendettas que não têm tempo de ganhar o sustento da família. Ë bobagem. Portanto, declaro agora, deixemos as coisas como eram antes. Não tomei qualquer medida para descobrir quem traiu e matou meu filho. Feita a paz, também nada farei a respeito. Tenho um filho que não pode voltar para casa e devo receber garantias de que, quando eu arranjar as coisas para que ele possa retornar com segurança, não haverá interferência, nem perigo, por parte das autoridades. Uma vez que isto seja estabelecido, talvez possamos falar sobre outros assuntos que nos interessam e nos dêem, a todos nós, um serviço proveitoso hoje.
Corleone fez um gesto expressivo, resignado, com as mãos.
— Isso é tudo o que quero — finalizou.
Tudo foi muito bem-feito. Era o Don Corleone dos velhos tempos. Sensato. Maleável. De fala macia. Mas todos os presentes tinham notado que ele alegara estar gozando boa saúde, o que significava que era um homem que não podia ser subestimado, apesar dos infortúnios da Família Corleone. Tinham notado que ele dissera que era inútil a discussão de outros assuntos, enquanto a paz que ele solicitava não fosse concedida. Tinham notado que pedira o estabelecimento do status quo antigo, que não perderia nada apesar de ter levado a pior durante o último ano.
Contudo, foi Emilio Barzini quem respondeu a Don Corleone, não Tattaglia. Foi sucinto e objetivo sem ser rude ou afrontoso.
— Isso tudo é verdade — afirmou Barzini — Porém há um pouco mais. Don Corleone é bem modesto. O fato é que Sollozzo e os Tattaglia não podiam entrar no novo negócio deles sem a assistência de Don Corleone. Na realidade a sua desaprovação os prejudicou. Isso é culpa sua. O fato é que juízes e políticos que aceitariam favores de Don Corleone, mesmo quanto a entorpecentes, não concordariam em ser influenciados por qualquer outra pessoa quando o negócio fosse narcótico. Sollozzo não podia operar se não tivesse alguma garantia de que seu pessoal não seria molestado. Todos nós sabemos disso. Do contrário, seríamos homens pobres. E agora que aumentaram as penalidades, os juízes e os promotores públicos regateiam bastante quando um elemento nosso se complica com o tráfico de entorpecentes. Mesmo um siciliano condenado a vinte anos pode quebrar a omertà e acabar falando muita coisa. Isso não pode acontecer. Don Corleone controla toda a máquina. A sua recusa em nos deixar usá-la não é um ato de amizade. Ele tira o pão da boca de nossas famílias. Os tempos mudaram, não é mais como antigamente, quando todo mundo podia seguir o seu próprio caminho. Se Corleone controla todos os juízes de Nova York, então deve dividi-los conosco ou permitir que os usemos. Certamente pode apresentar uma conta por tais serviços, não somos comunistas, afinal de contas. Mas tem de permitir que tiremos água do poço. A coisa é assim muito simples.
Quando Barzini acabou de falar houve um silêncio. As linhas agora estavam traçadas, não se podia voltar ao status quo anterior. O mais importante era que Barzini, ao falar, dissera que, se a paz não fosse feita, ele abertamente se uniria aos Tattaglia na sua guerra contra os Corleone. E assinalara um ponto de distinção. A vida e a fortuna deles dependiam de que se prestassem serviços uns aos outros, e a negação de um favor pedido por um amigo era um ato de agressão. Favores não eram pedidos levianamente e assim não podiam ser levianamente recusados.
Don Corleone, finalmente, tomou a palavra para responder:
— Meus amigos — começou— Não recuso por despeito. Todos vocês me conhecem. Quando foi que já recusei um ajuste de negócio? Isso simplesmente não está em minha natureza. Mas tive de recusar desta vez. Por quê? Por que penso que esse negócio de entorpecentes nos destruirá nos próximos anos. Há um retraimento muito forte contra tal tráfico neste país. Não é como uísque, jogo ou mesmo mulheres, que a maior parte das pessoas quer e os pezzonovanti da Igreja e do governo os proíbem. Mas os entorpecentes são perigosos para toda pessoa ligada a eles. Pode comprometer todos os outros negócios. E deixem-me dizer que me sinto lisonjeado pela crença de que sou tão poderoso com os juízes e os funcionários da justiça; eu queria que isso fosse verdade. Tenho realmente alguma influência, mas muita gente que respeita meu conselho pode perder esse respeito se os entorpecentes se meterem nessa relação. Tem medo de se ver envolvida em tal negócio e tem fortes ressentimentos contra ele. Mesmo muitos policiais que nos ajudam na jogatina e em outras coisas se recusariam a nos ajudar em entorpecentes. Portanto, pedir-me que preste um serviço nessa questão é pedir-me que preste um desserviço a mim mesmo. Mas estou disposto a fazer até mesmo isso se todos vocês acharem conveniente a fim de se acertarem outras coisas.
Quando Don Corleone acabou de falar, a sala ficou muito menos tensa, com mais sussurros e conversações. Ele recuara no ponto principal. Oferecia sua proteção a qualquer empreendimento organizado para o tráfico de entorpecentes. Don Corleone estava, com efeito, concordando quase inteiramente com a proposta original de Sollozzo, desde que ela fosse endossada por todo o grupo ali reunido. Compreendia-se que ele jamais participaria da fase operacional, tampouco investiria seu dinheiro. Simplesmente usaria sua influência protetora junto ao aparelho legal. Mas isso era uma concessão formidável.
O Don de Los Angeles, Frank Falcone, tomou a palavra para responder.
— Não há meio de impedir que a nossa gente entre nesse negócio. Ela entra por sua própria conta e se complica. Há muito dinheiro nisso e é difícil resistir. Assim, é mais perigoso se não entrarmos nele. Pelo menos se o controlarmos podemos protegê-lo melhor, organizá-lo melhor, assegurar que ele cause menos complicação. Estar nesse negócio não é tão mau assim, deve haver controle, deve haver proteção, deve haver organização, não podemos permitir que todo mundo viva correndo e faça o que bem entenda como se pertencesse a um grupo de anarquistas.
O Don de Detroit, mais amigo de Corleone que qualquer dos outros, também falou agora contra a posição do amigo, no interesse do bom senso.
— Não acredito em entorpecentes — começou ele — Por anos paguei ao meu pessoal um pouco mais para que ele não se metesse nesse tipo de negócio. Mas isso não adiantou, não ajudou. Alguém se aproxima dos meus homens e diz: “Tenho uns pozinhos, e se vocês colocarem o investimento de três, ou quatro mil dólares, podemos fazer uma distribuição de cinqüenta mil”. Quem pode resistir a tal lucro? E passam a ficar tão ocupados com o seu biscatezinho que se esquecem de fazer o trabalho pelo qual pago a eles. Ganham muito mais nos entorpecentes. O negócio cresce a cada momento. Não há meio de pará-lo, portanto temos de controlar o negócio e mantê-lo respeitável. Não o quero perto das escolas, não o quero vendido a crianças. Isso é uma infamita. Em minha cidade eu tentaria manter tal tráfico com a gente de cor, com os pretos. São os melhores fregueses, os que trazem menos complicações e de qualquer maneira eles são animais. Não têm respeito por suas mulheres, suas famílias ou por si mesmos. Que percam a alma com entorpecentes. Mas alguma coisa deve ser feita, pois não podemos deixar que cada um faça o que bem entenda e arranje complicação para todo mundo.
Esse discurso do Don de Detroit foi recebido com altos murmúrios de aprovação. Ele tinha acertado na mosca. Não se podia nem mesmo pagar ao pessoal para ficar fora do tráfico de entorpecentes. Quanto às suas observações sobre as crianças, isso se devia à sua bem conhecida sensibilidade, á sua ternura. Afinal de contas, quem venderia entorpecentes às crianças? Onde elas conseguiriam o dinheiro? Quanto às suas observações sobre os homens de cor, isso nem foi ouvido. Os negros eram considerados como não tendo qualquer importância, qualquer força. O fato de terem permitido que a sociedade os reduzisse a pó provava que eles não tinham importância, e o fato de Zaluchi mencioná-los de qualquer modo provava que o Don de Detroit tinha o espírito sempre voltado para coisas descabidas.
Todos os Dons falaram. Todos deploraram o tráfico de entorpecentes como um coisa má que causaria complicação, mas concordaram que não havia meio de controlá-lo. Havia, simplesmente, muito dinheiro a ser ganho no negócio, portanto concluía-se que haveria homens que fariam tudo para dedicar-se a ele. Assim era a natureza humana.
Finalmente chegou-se a um acordo. O tráfico de entorpecentes seria permitido e Don Corleone deveria dar-lhe alguma proteção legal no Leste. Ficou entendido que as Famílias Barzini e Tattaglia fariam a maior parte das operações em grande escala. Com isso já resolvido, a conferência podia prosseguir para tratar de outras questões de interesse mais amplo. Havia muitos problemas complexos a serem resolvidos. Concordou-se que Las Vegas e Miami seriam consideradas cidades livres, onde qualquer das Famílias poderia operar. Todos eles reconheciam que essas eram as cidades do futuro. Concordou-se também que não seria permitida qualquer violência nessas cidades, e os pequenos criminosos de todos os tipos deveriam ser desencorajados. Concordou-se que nos negócios importantes, nas execuções que eram necessárias, mas poderiam causar um grande clamor público, deveria haver aprovação daquele conselho. Concordou-se que os capangas e outros soldados deveriam ser impedidos de cometer crimes violentos e atos de vingança, uns contra os outros, por questões policiais. Concordou-se que as Famílias prestariam serviços umas às outras, tais como fornecer executores, assistência técnica para a realização de certas ações, como subornar jurados, que em alguns casos poderiam ser vitais. Essas discussões, informais, coloquiais e de alto nível, tomaram tempo e foram interrompidas para almoço e bebidas fornecidas pelo bar.
— Isso é toda a questão, então — disse finalmente Don Barzini — Estabelecemos a paz e quero apresentar os meus respeitos a Don Corleone, a quem todos nós conhecemos no decorrer dos anos como um homem de palavra. Se surgirem novas divergências, poderemos encontrar-nos novamente, não devemos bancar os tolos outra vez. De minha parte, a estrada é nova e agradável. Estou satisfeito por ver tudo isso resolvido.
Somente Phillip Tattaglia estava ainda um pouco preocupado. O assassinato de Santino Corleone tornara-o a pessoa mais vulnerável do grupo, se a guerra irrompesse novamente. Ele falou afinal pela primeira vez.
— Concordei com tudo aqui, estou disposto a esquecer meu próprio infortúnio. Mas gostaria de ouvir algumas garantias concretas de Corleone. Tentará ele alguma vingança individual? Quando o tempo passar e a sua posição se tornar talvez mais forte, esquecerá que juramos manter nossa amizade? Como saberei que em três ou quatro anos ele não achará que foi mal servido, forçado contra a sua vontade a fazer este acordo e assim sentir-se livre para rompê-lo? Teremos de nos manter em guarda uns contra os outros todo o tempo? Ou podemos verdadeiramente ir em paz, com paz no espírito? Poderia Corleone dar-nos todas as suas garantias como eu agora dou as minhas?
Foi então que Don Corleone fez o discurso que seria longamente lembrado, e que reafirmou sua posição como o estadista mais sagaz dentre eles, tão dotado de bom senso, tão direto do fundo do coração; e para o coração da questão. Nessa oportunidade Don Corleone criou uma expressão que se tornaria tão famosa a seu modo como a Cortina de Ferro de Churchill, embora só chegasse ao conhecimento público mais de dez anos depois.
Pela primeira vez, se levantou para se dirigir ao conselho. Ele era baixo e estava um pouco magro em virtude de sua “doença”, talvez seus 60 anos sugerissem um pouco mais, porém não havia dúvida de que ele recuperara toda a sua antiga força e toda a sua sagacidade.
— Que espécie de homens somos nós, então, se não temos o nosso próprio raciocínio? — disse — Todos nós não somos melhores do que fera numa selva, se este fosse o caso. Mas temos raciocínio, podemos raciocinar uns com os outros e podemos raciocinar conosco mesmos. Com que propósito começaria eu novamente todas essas complicações, a violência e a agitação? Meu filho está morto e isso é uma infelicidade que devo suportar, não fazer que o mundo inocente em torno de mim sofra comigo. Portanto, digo, dou a minha palavra de honra de que jamais procurarei vingança, jamais procurarei reviver os atos que foram praticados no passado. Deixarei este lugar com o coração purificado.
E prosseguiu:
— Permitam-me dizer que devemos sempre olhar os nossos interesses. Todos nós somos homens que se recusaram a ser bobos, que se recusaram a ser marionetes que dançam num cordel puxado pelos homens que estão no alto. Temos sido felizes aqui nesse país. A maior parte de nossos filhos já criou uma vida melhor. Alguns de vocês têm filhos que são professores, cientistas, músicos, e vocês são felizes. Talvez seus netos se tornem os novos pezzonovanti. Nenhum de nós aqui quer ver nossos filhos seguir nossos passos, é uma vida muito dura. Eles podem ser como outras pessoas, conquistar posição e segurança com sua própria coragem. Tenho netos agora e espero que os filhos deles possam algum dia, quem sabe, ser um governador, um presidente, nada é impossível aqui na América. Mas temos de progredir com os tempos. Já passou a época das armas, dos assassinatos e dos massacres. Temos que ser astutos como os homens de negócios, há muito dinheiro para se ganhar e assim é melhor para os nossos filhos e os nossos netos.
— Quanto aos nossos próprios feitos — continuou — Não somos responsáveis pelos elementos de alto gabarito, os pezzonovanti que tomam a si o encargo de decidir o que faremos de nossas vidas, que declaram as guerras nas quais querem que entremos e combatamos para proteger o que eles possuem. Quem deve dizer que precisamos obedecer às leis que eles fazem para defender o seu próprio interesse e para nos prejudicar? E quem são eles então para se intrometer quando cuidamos de nossos interesses? Sonna cosa nostra — disse Don Corleone — Esses negócios são exclusivamente nossos. Dirigiremos o nosso mundo para nós mesmos porque é nosso mundo, cosa nostra. E assim temos de permanecer juntos para nos guardarmos contra os intrometidos de fora. Do contrário, eles nos subjugarão como subjugaram todos os milhões de napolitanos e outros italianos deste país.
— Por este motivo — prosseguiu Don Corleone — Desisto de minha vingança pelo meu filho morto, para o bem comum. Juro agora que enquanto eu for responsável pelas ações de minha Família ninguém levantará um dedo contra qualquer homem aqui presente sem causa justa e a mais extrema provocação. Estou disposto a sacrificar meus interesses comerciais pelo bem comum. Esta é a minha palavra, minha palavra de honra, e os que estão aqui presentes sabem que eu nunca a traí.
Continuou Don Corleone:
— Mas tenho um interesse egoísta. Meu filho mais moço teve de fugir, acusado do assassinato de Sollozzo e de um capitão de polícia. Devo agora arranjar para que ele volte para casa com segurança, livre de todas essas falsas acusações. Isso é uma coisa que me diz respeito e farei esse arranjo. Talvez eu deva encontrar os verdadeiros culpados ou talvez deva convencer as autoridades de sua inocência, talvez as testemunhas e os informantes desdigam suas mentiras. Mas repito que isso é uma coisa que me diz respeito e acredito que conseguirei trazer meu filho para casa.
E concluiu:
— Mas permitam-me dizer isto. Sou um homem supersticioso, um defeito ridículo, mas devo confessá-lo aqui. E assim se algum acidente infeliz ocorrer ao meu filho caçula, se algum oficial da polícia acidentá-lo, baleá-lo, se ele enforcar-se na prisão, se novas testemunhas aparecerem para depor contra ele, minha superstição me fará sentir que foi o resultado da má vontade que algumas pessoas aqui presentes ainda alimentam a meu respeito. Permitam-me que eu vá mais longe. Se meu filho for atingido por um raio de relâmpago culparei algumas das pessoas aqui presentes. Se seu avião cair no mar ou seu navio afundar sob as ondas do oceano, se ele pegar uma febre mortal, se seu automóvel for colhido por um trem, tamanha é a minha superstição que porei a culpa na má vontade que algumas pessoas aqui presentes alimentam. Senhores, essa má vontade, esse azar, eu jamais esquecerei. Mas, à parte isso, permitam-me jurar pela alma de meus netos que eu jamais romperei a paz que estabelecemos. Afinal de contas, somos ou não melhores do que esses pezzonovanti que mataram milhões e milhões de homens no decorrer de nossa existência?
Pronunciadas estas palavras, Don Corleone afastou-se de seu lugar e saiu da mesa, encaminhando-se para onde estava sentado Don Phillip Tattaglia.
Este levantou-se para saudá-lo e os dois homens se abraçaram, beijando-se reciprocamente na face. Os outros Dons presentes à sala aplaudiram e levantaram-se para apertar a mão de quem estivesse por perto e para felicitar Don Corleone e Don Tattaglia pela nova amizade estabelecida por eles. Não seria talvez a amizade mais calorosa do mundo, eles não mandariam saudações de boas festas um para o outro, mas não se matariam mutuamente, isso já era bastante amizade neste mundo, tudo o que era necessário.
Como seu filho Freddie estava sob a proteção da Família Molinari no Oeste, Don Corleone demorou-se com o Don de São Francisco depois da reunião para agradecer-lhe. Molinari disse o bastante a Don Corleone para que ele compreendesse que Freddie lá estava em seu ambiente, era feliz e se tornara como que um conquistador de mulheres. Ele era um gênio para dirigir um hotel, assim parecia. Don Corleone balançou a cabeça admirado, como fazem muitos pais quando são informados sobre aptidões, até então ignoradas, possuídas pelos filhos. Não era verdade que às vezes as maiores infelicidades traziam recompensas imprevistas? Ambos concordaram que isso de fato era assim. Entrementes, Don Corleone tornou claro ao Don de São Francisco que era devedor daquele grande serviço prestado, a fim de proteger Freddie. Por tanto, informava-o de que exerceria a sua influência para que as importantes comunicações telegráficas sobre as corridas estivessem sempre à disposição de seu pessoal, quaisquer que fossem as modificações na estrutura de poder nos anos vindouros, uma garantia importantissima, já que a luta em torno desse ponto era uma constante ferida aberta, complicada pelo fato de que o pessoal de Chicago mantinha um domínio autoritário sobre aquilo. Mas Don Corleone tinha também influência naquela terra de bárbaros e assim a sua promessa era um presente valiosíssimo.
Já era noite, quando Don Corleone, Tom Hagen e o motorista e guarda-costas, um homem chamado Rocco Lampone, chegaram à alameda de Long Beach. Quando entraram na casa, Don Corleone disse a Hagen:
— Nosso motorista, esse tal de Lampone, mantenha o olho nele. É um sujeito que merece coisa melhor, penso eu.
Hagen não compreendeu esta observação. Lampone não dissera uma só palavra durante o dia todo, nem sequer lançara um olhar para os dois homens do assento traseiro. Abrira a porta para Don Corleone, o carro estava em frente do banco quando eles saíram, fizera tudo corretamente, mas nada mais do que qualquer motorista bem treinado certamente faria. Evidentemente, o olho de Don Corleone percebera algo que ele não vira.
Don Corleone dispensou Hagen e disse-lhe para voltar depois da ceia, aconselhando-o a aproveitar o tempo e descansar um pouco, pois eles teriam uma longa noite de discussão. Disse também a Hagen que fizesse Clemenza e Tessio estarem presentes. Deviam chegar às 10 horas da noite, não antes. Hagen deveria informar Clemenza e Tessio sobre o que acontecera na reunião.
Às dez horas, Don Corleone estava esperando os três homens em seu escritório, a sala do canto da casa, com sua biblioteca jurídica e telefone especial. Havia uma bandeja com garrafas de uísque, gelo e soda. Don Corleone deu as suas instruções.
— Fizemos a paz esta tarde — disse ele — Empenhei a minha palavra e a minha honra, e isso deve ser bastante para todos vocês. Mas nossos amigos não merecem tanta confiança, assim devemos manter todos eles ainda sob nossa vigilância. Não queremos mais pequenas e sujas surpresas.
Don Corleone voltou-se para Hagen e perguntou:
— Você deixou os reféns Bocchicchio irem embora?
Hagen acenou com a cabeça afirmativamente.
— Telefonei para Clemenza assim que cheguei em casa.
Don Corleone virou-se para o maciço Clemenza. O caporegime acenou com a cabeça afirmativamente.
— Eu os soltei. Diga-me uma coisa, Padrinho, é possível que um siciliano seja tão estúpido como os Bocchicchio fingem ser?
Don Corleone deu uma pequena risada.
— Eles são bastante espertos para ter um bom meio de vida. Por que é necessário ser mais esperto do que isso? Não são os Bocchicchio que causam as complicações deste mundo. Mas, é verdade, eles não têm a cabeça de um bom siciliano.
Estavam todos com uma disposição de ânimo calma, agora que a guerra tinha acabado, O próprio Don Corleone preparou as bebidas e trouxe uma para cada homem. Bebeu a sua tranqüilamente e acendeu um charuto.
— Não quero que se faça nada para descobrir o que aconteceu com Sonny, isso está combinado e deve ser esquecido. Quero toda a cooperação com as outras Famílias, mesmo que elas se tornem um pouco gananciosas e não obtenhamos a parte que realmente nos compete nas transações. Não quero que nada rompa essa paz, qualquer que seja a provocação, enquanto não descobrirmos um meio de trazer Michael de volta. E quero que isso seja a primeira coisa na cabeça de vocês. Lembrem-se disto, quando ele voltar deve estar em segurança absoluta. Não me refiro aos Tattaglia ou aos Barzini. O que me preocupa é a polícia. Certamente, podemos destruir toda prova concreta contra ele; o garçom não vai depor, nem aquele espectador ou pistoleiro ou seja lá o que for. A prova concreta é o que menos nos preocupa, pois sabemos tudo sobre ela. O que nos deve preocupar é a prova falsa que a polícia pode forjar porque os seus informantes lhe garantiram que Michael Corleone é o homem que matou o capitão. Muito bem. Temos de pedir que as cinco Famílias façam tudo o que puderem para anular essa crença da polícia. Todos os seus informantes que trabalham com a polícia devem surgir com novas histórias. Acho que depois do meu discurso desta tarde eles compreenderão que é do interesse deles que façam assim. Mas isso não é o bastante. Temos de surgir com alguma coisa especial para que Michael nunca mais tenha de se preocupar com isso novamente. Do contrário, não há vantagem em que ele volte para este país. Assim, vamos todos pensar no assunto. Isso é a coisa mais importante.
— Agora — prosseguiu — Todo homem tem direito de fazer uma besteira na vida. Já pensei na minha. Quero todos os terrenos em torno da alameda, assim como as casas, comprados. Não quero que homem algum possa olhar pela sua janela para o meu jardim, mesmo da distância de quase dois quilômetros. Quero uma cerca em torno da alameda, que deve ser protegida durante todo o tempo. Quero um portão nessa cerca. Resumindo, desejo agora morar numa fortaleza. Deixem-me dizer-lhes agora que nunca mais irei à cidade trabalhar novamente. Estarei semi-aposentado. Sinto necessidade de trabalhar no jardim, de fazer um pouco de vinho quando chegar a época das uvas. Quero viver em minha casa. A única possibilidade de sair dela será quando eu tirar umas pequenas férias, ou quando tiver de ver alguém sobre um negócio importante, e então quero que se tomem todas as precauções. Agora, não levem isso a mal. Não estou preparando nada. Sou e sempre fui um homem prudente, não há nada que eu ache pior neste mundo do que a negligência pela vida. As mulheres e as crianças podem ser negligentes, os homens não. Ajam vagarosamente em todas essas coisas, nada de preparativos frenéticos para assustar os nossos amigos. Pode ser feito de tal maneira que pareça natural.
E Don Corleone continuou:
— Agora vou deixar as coisas cada vez mais a cargo de cada um de vocês três. Quero o regime de Santino debandado e os homens colocados nos regimes de vocês. Isto tranqüilizará nossos amigos e mostrará que eu quero realmente a paz. Tom, quero que você reúna um grupo de homens que vá a Las Vegas e me forneça um informe completo sobre o que se passa por lá. Conte-me o que há com Fredo, o que está realmente acontecendo, ouço dizer que eu não reconheceria o meu próprio filho. Parece que ele agora é cozinheiro, que se diverte com as garotas mais do que deve um homem normal. Bem, ele sempre foi muito sério quando mais jovem e nunca foi o homem indicado para o negócio da Família. Mas vamos ver o que é que realmente se pode fazer lá.
Hagen perguntou tranqüilamente:
— Devemos mandar o seu genro? Afinal de contas, Carlo nasceu em Nevada, conhece tudo aquilo
Don Corleone balançou a cabeça.
— Não, minha mulher está sozinha aqui sem nenhum de seus filhos. Quero que Constanzia e seu marido se mudem para uma das casas da alameda. Quero que Carlo tenha uma função de responsabilidade, talvez eu tenha sido muito duro com ele e — Don Corleone fez uma careta — Tenho carência de filhos. Tire-o do negócio de jogo e ponha-o com os sindicatos trabalhistas, onde ele possa fazer algum trabalho burocrático e conversar um pouco. Ele é um bom papo.
Havia um longínquo tom de desprezo na voz de Don Corleone.
Hagen acenou com a cabeça.
— Muito bem, Clemenza e eu vamos examinar todo o pessoal e reunir um grupo para fazer o serviço de Las Vegas. Você quer que eu chame Freddie para passar alguns dias aqui em casa?
Don Corleone balançou a cabeça e respondeu cruelmente:
— Para quê? Minha mulher ainda pode cozinhar a nossa comida. Deixe que ele fique por lá.
Os três homens mexeram-se intranqüilamente em seus assentos. Não sabiam que Freddie estivesse assim tão desprestigiado com o pai e desconfiaram que devia haver algo que eles ignoravam.
Don Corleone deu um suspiro.
— Espero plantar alguns pimentões verdes e tomates na horta este ano, mais do que o que podemos comer. Eu os presentearei a vocês. Quero um pouco de paz, um pouco de sossego e tranqüilidade para a minha velhice. Bem, é só isso. Tomem outra bebida se vocês quiserem.
Era uma despedida. Os homens se levantaram. Hagen acompanhou Clemenza e Tessio até o carro de cada um deles e combinou as reuniões para discutir os detalhes operacionais a fim de cumprir os desejos externados pelo Don. Depois voltou para a casa onde sabia que Don Corleone estaria esperando por ele.
Don Corleone tirara o paletó e a gravata e estava deitado no sofá. Seu rosto severo apresentava sinais de cansaço. Fez um gesto para que Hagen se sentasse e perguntou:
— Bem, Consigliori, você desaprova algum dos meus atos de hoje?
Hagen levou tempo para responder.
— Não — disse ele — Mas não acho isso coerente, não acho de acordo com a sua natureza. Você diz que não quer descobrir como Santino foi morto nem quer vingança. Não acredito nisso. Você deu a sua palavra de que queria a paz e manterá a paz, mas não posso acreditar que você dê a seus inimigos s vitória que eles parecem ter obtido hoje. Você construiu um magnífico enigma que não sou capaz de resolver; assim, como posso aprovar ou desaprovar?
Um olhar de contentamento se estampou no rosto de Don Corleone.
— Bem, você me conhece melhor do que qualquer outra pessoa. Mesmo que você não seja siciliano, fiz de você um siciliano. Tudo o que você diz é verdade, mas há uma solução e você a compreenderá antes que a coisa chegue ao fim. Você concorda que todos têm de aceitar a minha palavra e que eu a manterei. E quero que as minhas ordens sejam obedecidas fielmente. Mas, Tom, a coisa mais importante é que temos de fazer Michael voltar para casa o mais cedo possível. Conserve isso em primeiro lugar em sua mente e em seu trabalho. Explore todos os caminhos legais, não me importo quanto dinheiro você tem de gastar. Ele terá de estar completamente seguro quando voltar para casa. Consulte os melhores advogados sobre direito criminal. Eu lhe darei os nomes de alguns juízes que lhe concederão uma audiência particular. Até aquele momento, teremos de estar realmente prevenidos contra todas as traições.
— Como você — retrucou Hagen — Não estou tão preocupado com a prova concreta, mas, sim, com a prova que eles forjarão. Também algum amigo do capitão poderá matar Michael depois que ele for preso. Poderão matá-lo dentro da prisão ou arranjar para que um dos presos o faça. Como vejo a coisa, não podemos nem admitir que ele seja preso ou acusado.
Don Corleone deu um suspiro.
— Eu sei, eu sei. Esta é a dificuldade. Mas não podemos perder muito tempo. Há complicações na Sicília. Os rapazes de lá não querem mais ouvir os mais velhos e alguns dos homens deportados para a América são muito difíceis de ser manobrados pelos Dons antiquados. Michael pode ser apanhado nesse meio tempo. Tomei algumas precauções contra isso, e ele ainda tem uma boa cobertura, mas esta cobertura não pode durar sempre. Este foi um dos motivos que me levaram a fazer a paz. Barzini tem amigos na Sicília e eles estão começando a farejar a pista de Michael. Isso lhe fornece uma das respostas para o seu enigma. Tive de fazer a paz para garantir a segurança de meu filho. Nada mais podia fazer.
Hagen não se preocupou em perguntar a Don Corleone como ele havia obtido essa informação. Isso nem sequer o surpreendeu, e era verdade que resolvia parte do enigma.
— Quando eu me encontrar com o pessoal de Tattaglia para estabelecer os detalhes, devo insistir em que todos os seus intermediários do tráfico de entorpecentes sejam limpos? Os juízes ficarão um pouco intranqüilos quanto a dar sentenças leves a um homem com ficha na polícia.
Don Corleone deu de ombros.
— Eles devem ser bastante espertos para pensar nisso. Mencione apenas esse fato, mas não insista nele. Faremos o possível, mas se eles usarem um verdadeiro cocainômano e ele for apanhado não levantaremos sequer um dedo. Diremos a eles apenas que nada pode ser feito. Mas Barzini é um homem que saberá isso sem que ninguém lhe diga. Você percebeu como ele nunca se comprometeu nesse negócio, como é difícil notar-se que ele está interessado nisso. É um homem que nunca está no lado perdedor
— Você quer dizer que ele estava atrás de Sollozzo e de Tattaglia todo o tempo? — perguntou Hagen surpreso.
Don Corleone deu um suspiro.
— Tattaglia é um cáften. Ele jamais poderia derrotar Santino. Este é o motivo por que não preciso saber o que aconteceu. Basta saber que Barzini estava por trás disso.
Hagen deu isso por entendido. Don Corleone lhe estava fornecendo pistas, mas havia algo muito importante que ele deixara de fora. Hagen sabia o que era, mas sabia também que não lhe competia perguntar. Ele disse boa noite e virou-se para ir embora. Don Corleone ainda tinha o que lhe dizer.
— Lembre-se, use a sua inteligência para conceber um plano a fim de trazer Michael de volta — recomendou Don Corleone — E outra coisa. Fale com o homem do telefone de forma que todo mês eu tenha uma lista dos telefonemas feitos e recebidos por Clemenza e Tessio. Não tenho desconfiança deles. Posso até jurar que eles jamais me trairiam. Mas não há mal algum em saber qualquer coisinha que nos possa ajudar antes do acontecimento.
Hagen acenou com a cabeça e saiu. Ele ignorava se Don Corleone mantinha alguma vigilância sobre ele também e depois se envergonhou de sua desconfiança. Mas agora tinha certeza de que na mente complexa do Padrinho se estava formando um plano de ação de longo alcance que tornava os acontecimentos do dia nada mais do que uma retirada estratégica. E havia aquele fato obscuro que ninguém mencionara, que ele próprio não ousara perguntar, que Don Corleone ignorava.
Tudo apontava para um dia de ajuste de contas no futuro.




Continua... 






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Frase Curiosa"Há apenas duas maneiras de obter sucesso neste mundo: pelas próprias habilidades ou pela incompetência alheia." Jean de La Bruyère

domingo, 26 de fevereiro de 2012

O PODEROSO CHEFÃO - CAPÍTULO 19



CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA: 14 ANOS



CAPÍTULO
19




T
ALVEZ FOSSE O IMPASSE que fizesse Sonny Corleone empreender a ação sangrenta do atrito que terminou com a sua própria morte. Talvez fosse sua violenta natureza que se soltou por completo. Em todo caso, naquela primavera e verão, ele realizou ataques estúpidos aos auxiliares dos inimigos. Gigolôs da Família Tattaglia foram mortalmente baleados no Harlem, terroristas das docas foram massacrados. Funcionários dos sindicatos que deviam fidelidade às cinco Famílias foram advertidos para que se mantivessem neutros, e quando os bookmakers e agiotas de Corleone estavam ainda impossibilitados de trabalhar nas docas, Sonny mandou Clemenza e seu regime fazer uma enorme devastação ao longo do cais.
Essa carnificina não tinha sentido porque não podia alterar o resultado da guerra. Sonny era um tático de valor e conseguiu vitórias brilhantes. Mas o que se precisava era do gênio estratégico de Don Corleone. Toda a coisa degenerou numa tal luta mortal de guerrilhas que os dois lados estavam perdendo um bocado de receita e de vidas sem qualquer objetivo. A Família Corleone foi finalmente obrigada a fechar algumas de suas mais rendosas bancas de apostas, inclusive a que fora dada ao genro Carlo Rizzi para ganhar a vida. Carlo passou a beber e a andar com coristas e a dar duro na sua mulher, Connie. Desde que apanhara de Sonny, ele não mais se atrevera a bater na mulher, mas não dormira mais com ela. Connie atirou-se a seus pés, ele a rejeitara com pontapés, como pensava ele, como um romano, com um esquisito prazer patrício. Ele zombara dela, dizendo:
— Vá chamar seu irmão para dizer a ele que eu não trepo mais com você; talvez ele me bata tanto que o cacete fique duro.
Mas ele tinha um medo mortal de Sonny, embora se tratassem reciprocamente com fria cortesia. Carlo tinha a impressão de que Sonny o mataria, por que Sonny era um homem que podia, com a naturalidade de um animal, matar outro homem, enquanto ele próprio teria de reunir toda a sua coragem, toda a sua vontade para cometer um assassinato. Jamais ocorrera a Carlo que devido a isso ele era um homem melhor do que Sonny Corleone, se se pudessem usar tais palavras; ele invejava a selvageria de Sonny, que já se tornara lendária.
Tom Hagen, como consigliori, não aprovava a tática de Sonny e contudo decidira não protestar junto a Don Corleone simplesmente porque a tática, até certo ponto, produzia bom resultado. As cinco Famílias pareciam estar acovardadas, finalmente, à medida que o atrito prosseguia, e seus contragolpes foram enfraquecendo e afinal cessaram por completo. Hagen a princípio desconfiou dessa aparente pacificação do inimigo, mas Sonny estava jubiloso.
— Vou atacar rijamente — disse ele a Hagen — E então esses salafrários virão implorar um acordo.
Sonny se preocupava com outras coisas. A sua mulher estava dando duro nele porque ouvira o boato de que Lucy Mancini enfeitiçara seu marido. E embora ela zombasse publicamente do “equipamento” e da técnica de Sonny, ele se mantivera afastado da esposa muito tempo e ela sentia falta dele na cama, tornando assim a vida dele miserável com suas amolações.
Além disso, Sonny estava sob a enorme tensão de ser um homem marcado. Tinha que ser extraordinariamente cauteloso em todos os seus movimentos e sabia que as suas visitas a Lucy Mancini haviam sido farejadas pelo inimigo. Mas aí ele tomava precauções rigorosas, pois esse era o lugar tradicionalmente vulnerável, estava seguro ali. Embora Lucy não tivesse a mais leve suspeita, era vigiada 24 horas por dia por homens do regime de Santino, e quando vagava um apartamento no andar dela, era imediatamente alugado por um dos homens de mais confiança do regime.
Don Corleone se estava restabelecendo e logo se encontraria em condições de reassumir o comando. Aí, então, a sorte da batalha deveria virar a favor da Família Corleone. Disso Sonny tinha certeza. Entrementes, ele guardaria o império da Família, ganharia o respeito do pai, e desde que a posição não era hereditária até um ponto absoluto, consolidaria sua pretensão de herdeiro do Império Corleone.
Mas os inimigos estavam fazendo seus planos. Também haviam analisado a situação e chegado à conclusão de que o único meio de evitar a derrota completa era matar Sonny Corleone. Compreendiam a situação melhor agora e sentiam que era possível negociar com Don Corleone, conhecido por sua lógica sensatez. Passaram a odiar Sonny por sua sede de sangue, que eles consideravam bárbara. Também por sua falta de bom senso de negócio. Ninguém queria que voltassem os velhos tempos com todo o seu tumulto e complicação.
Uma noite, Connie Corleone recebeu um telefonema anônimo, uma voz de moça, perguntando por Carlo.
— Quem é você? — perguntou Connie.
A moça do outro lado da linha riu zombeteiramente e respondeu:
— Sou uma amiga de Carlo. Eu queria dizer a ele que não posso vê-lo esta noite. Tenho de sair da cidade.
— Sua cadela ordinária! — retrucou Connie Corleone — Sua cadela vagabunda, ordinária! — gritou Connie outra vez no telefone.
Houve um estalo do outro lado da linha.
Carlo fora às corridas de cavalo naquela tarde e quando voltou para casa já de noite estava aborrecido por ter perdido e achava-se meio embriagado, pois levava sempre consigo uma garrafa de bebida. Assim que ele atravessou a porta, Connie começou a xingá-lo aos berros. Ele não tomou conhecimento dela e foi tomar um banho de chuveiro. Quando saiu do banheiro, enxugou-se na frente dela e começou a se enfarpelar para sair novamente.
Connie estava ali postada com as mãos nas cadeiras, o rosto pontudo e branco de raiva.
— Você não vai a lugar algum — disse ela — Sua amiga telefonou e disse que não pode encontrar-se com você esta noite. Seu salafrário nojento, você tem coragem de dar às suas prostitutas o número de meu telefone. Eu o mato, seu sacana!
Ela atirou-se em cima dele, dando-lhe pontapés e arranhando-o.
Ele conseguiu afastá-la com um antebraço musculoso.
— Você está maluca! — retrucou ele friamente.
Mas Connie percebeu que ele estava preocupado, como se soubesse que a garota doida com quem ele estava trepando fizesse realmente aquela maluquice.
— Ela estava brincando, alguma doideira — acrescentou Carlo.
Connie mergulhou por dentro do seu braço e arranhou furiosamente o rosto do marido. Trouxe um pedacinho de sua bochecha em suas unhas. Com surpreendente paciência, Carlo a afastou. Ela percebeu que ele estava tomando cuidado por causa de sua gravidez e isso deu-lhe coragem de alimentar a sua própria raiva. Ela também estava excitada. Daí a pouco, ela não poderia fazer mais nada, o médico dissera que nada de sexo durante os últimos meses e ela queria agora, antes que começassem os dois últimos meses. Contudo, seu desejo de ferir fisicamente Carlo era muito real também. Ela o seguiu até o quarto.
Connie viu que ele estava apavorado e isso a encheu de prazer desdenhoso.
— Você vai ficar em casa — disse ela — Você não vai sair.
— Está bem, está bem — respondeu ele.
Carlo já tinha tirado a roupa e ficara apenas de shorts. Gostava de andar em casa assim, orgulhava-se de seu corpo em forma de V, de sua pele dourada. Connie olhou para ele ansiosamente. Ele procurou rir.
— Você pelo menos vai-me dar alguma coisa para comer?
Isso a amoleceu, o fato de Carlo lembrar-lhe o cumprimento de seus deveres, um deles pelo menos, já era alguma coisa. Connie era uma boa cozinheira, aprendera isso com a mãe. Fez um refogado de vitela com pimentão, preparando uma salada mista enquanto a panela fervia. Entrementes, Carlo se esticara na cama para ler o programa das corridas do dia seguinte. Tinha um copo cheio de uísque ao lado do qual bebia um pouco, de vez em quando.
Connie entrou no quarto. Parou no vão da porta como se não pudesse aproximar-se da cama sem ser convidada.
— A comida está na mesa — anunciou ela.
— Ainda não estou com fome — respondeu ele, continuando a ler o programa das corridas.
— Está na mesa! — repetiu Connie teimosamente.
— Enfie na bunda! — retrucou Carlo.
Carlo bebeu o resto do uísque do copo, e virou a garrafa para enchê-lo novamente. Não deu mais atenção à mulher.
Connie foi para a cozinha, apanhou os pratos cheios de comida e atirou-os na pia, quebrando-os ruidosamente. O barulho fez Carlo vir precipitadamente do quarto. Olhou para a vitela refogada com pimentão espalhada por todas as paredes da cozinha e a sua reação foi violenta.
— Sua imunda carcamana mimada! — gritou ele com rancor — Limpe tudo isto agora mesmo ou eu a encho de pontapés!
— Dane-se, que eu não limpo nada! — respondeu Connie.
Ela estava com as mãos em forma de garras prontas para arranhar-lhe violentamente o peito nu. Carlo voltou para o quarto e quando saiu de lá segurava na mão seu cinto dobrado.
— Limpe tudo isto — gritou ele, e a ameaça em sua voz não deixava qualquer dúvida.
Ele estava ali parado sem se mover e brandiu o cinto nas ancas avantajadas da mulher; a pancada ardeu, mas não doeu realmente. Connie recuou até os armários da cozinha, meteu a mão numa das gavetas e puxou uma faca de pão comprida. Segurou-a em posição de ataque.
Carlo deu uma gargalhada.
— Até as mulheres da Família Corleone são assassinas — disse ele.
Pôs o cinto na mesa da cozinha e avançou para ela. Connie tentou um mergulho repentino, mas o seu pesado corpo em estado de gravidez tornou-a morosa e Carlo conseguiu desviar-se do ataque desfechado por ela à sua virilha com decisão implacável. Ele a desarmou facilmente, depois começou a esbofetear-lhe o rosto com golpes lentos sem muita força para não romper-lhe a pele. Atingia-a seguidamente, enquanto ela recuava em volta da mesa da cozinha, procurando escapar dele, e ele a perseguia até o quarto. Connie tentou morder-lhe a mão e Carlo agarrou-a pelos cabelos para levantar-lhe a cabeça. Ele bateu-lhe no rosto até que ela começou a chorar como uma criancinha, de dor e humilhação. Depois atirou-se desdenhosamente na cama. Bebeu diretamente da garrafa de uísque que ainda estava em cima da mesinha. Ele parecia muito bêbedo agora, seus olhos azuis apresentavam um brilho louco e finalmente Connie ficou realmente com medo.
Carlo escarrapachou as pernas e continuou a beber da garrafa. Estendeu a mão para baixo e agarrou um pedaço da pesada coxa dela, inchada devido à gravidez. Deu-lhe um aperto forte, machucando-a e fazendo-a pedir misericórdia.
— Você está gorda como uma porca — disse com repugnância e saiu do quarto.
Completamente apavorada e acovardada, ela jazia na cama, não se atrevendo a ir ver o que o marido estava fazendo na sala. Finalmente levantou-se e foi até a porta para dar uma espiada na sala de estar. Carlo tinha aberto outra garrafa de uísque e bebia esparramado no sofá. Daí a pouco ele estaria tão embriagado que cairia num sono profundo e ela poderia ir sorrateiramente até a cozinha e telefonar para a família em Long Beach. Pediria à mãe que mandasse alguém ali apanhá-la. Ela esperava que Sonny não atendesse o telefone, sabia que seria melhor falar com Tom Hagen ou com a mãe.
Eram quase dez horas da noite, quando o telefone da cozinha da casa de Don Corleone tocou. Foi atendido por um dos guarda-costas, que respeitosamente passou o telefone para a mãe de Connie. Mas a Sra. Corleone não conseguia compreender o que a filha estava dizendo, a moça estava histérica e, além disso, falava muito baixinho para que o marido que se achava na sala de estar ao lado não a ouvisse. O seu rosto havia inchado em conseqüência das bofetadas, e os seus lábios túmidos deformavam a sua fala. A Sra. Corleone fez um sinal para o guarda-costas ir chamar Sonny, que se encontrava na sala de estar com Tom Hagen.
Sonny entrou na cozinha e tomou o telefone da mãe.
— Sim, Connie — disse ele.
Connie estava tão apavorada com o marido e com o que o irmão poderia fazer, que sua fala piorou. Ela balbuciou:
— Sonny, mande um carro me apanhar agora em casa, eu lhe conto depois, não é nada, Sonny. Não venha você. Mande Tom, por favor, Sonny. Não é nada, é só que eu quero ir até aí.
Nesse momento, Hagen entrara na cozinha. Don Corleone já estava dormindo sob o efeito de um sedativo, no quarto de cima, e Hagen queria manter certa vigilância sobre Sonny em todas as crises. Os dois guarda-costas internos também se encontravam na cozinha. Todos fitavam Sonny enquanto ele escutava no telefone.
Não havia dúvida de que a violência da natureza de Sonny Corleone emergia de algum poço misterioso e profundo. Enquanto observavam, podiam ver realmente o sangue afluir para o seu pescoço de veias grossas, podiam ver a película dos olhos cheia de ódio, as feições de seu rosto se comprimirem, cada vez mais, depois o seu rosto tomar a tonalidade acinzentada de um homem doente lutando contra um tipo de morte, exceto que o bombeamento de adrenalina através do seu corpo fazia-lhe as mãos tremer. Mas a sua voz estava controlada, e em tom baixo quando ele falou para a irmã.
— Você espere aí. Só isso, espere aí — desligou o telefone. Ficou parado por um momento, completamente atordoado com a própria raiva, depois exclamou — Grande filho da puta! Grande filho da puta!
E saiu correndo da casa.
Hagen reconheceu o aspecto do rosto de Sonny, todo o poder de raciocínio o havia abandonado. Nesse momento, Sonny era capaz de tudo. Hagen sabia também que a viagem até a cidade esfriaria Sonny, faria que ele ficasse mais racional. Mas essa racionalidade poderia torná-lo até mais perigoso, embora isso o tornasse capaz de proteger.se contra as conseqüências de sua fúria. Hagen ouviu o motor do carro roncar e disse para os dois guarda-costas:
— Vão atrás dele.
Em seguida, dirigiu-se ao telefone e fez algumas chamadas. Arranjou para que alguns homens do regime de Sonny que moravam na cidade fossem até o apartamento de Carlo Rizzi e tirassem Carlo dali. Outros homens ficariam com Connie até Sonny chegar. Ele estava se arriscando ao tentar contrariar Sonny, mas sabia que Don Corleone o apoiaria. Tinha medo de que Sonny pudesse matar Carlo na frente de testemunhas. Não esperava complicação do inimigo. As cinco Famílias haviam sossegado há muito tempo e obviamente procuravam manter a trégua.
No momento em que o Buick de Sonny saiu roncando da alameda, ele já tinha recuperado, em parte, seus sentidos. Percebeu os dois guarda-costas entrarem no carro para segui-lo e gostou da idéia. Ele não esperava que houvesse perigo; as cinco Famílias tinham parado de contra-atacar, não estavam realmente combatendo mais. Agarrara o paletó no vestíbulo e havia um revólver num compartimento secreto do painel de instrumentos do carro, estando o carro registrado no nome de um membro do seu regime para que ele pessoalmente não pudesse envolver-se em alguma complicação com a lei. Mas ele não previa que fosse precisar de qualquer arma. Nem sabia ainda o que ia fazer com Carlo Rizzi.
Agora que tinha tempo para pensar, Sonny compreendeu que não podia matar o pai de uma criança que ainda não nascera, e esse pai era o marido de sua irmã. Não por causa de uma briga doméstica. Com a diferença que não era apenas uma briga doméstica. Carlo era um mau elemento e Sonny sentia-se responsável porque a irmã conhecera o salafrário por seu intermédio.
O paradoxo da natureza violenta de Sonny era que ele não podia bater numa mulher e nunca fizera isso. Nem podia maltratar uma criança ou qualquer coisa indefesa. Quando Carlo se recusou a reagir naquele dia em que Sonny o agrediu, isto evitou que ele o matasse, a submissão completa desarmava a sua violência. Quando menino, ele fora realmente muito sensível. O fato de se ter tornado assassino depois de adulto era simplesmente seu destino.
Mas ele resolveria a coisa de uma vez para sempre, pensava Sonny, enquanto dirigia o Buick para a via elevada que o levaria, por cima da água, de Long Beach até as avenidas largas de Jones Beach. Ele sempre usava esse caminho quando ia a Nova York. Havia menos tráfego.
Resolveu que mandaria Connie para casa com os guarda-costas e depois conversaria com o cunhado. O que aconteceria depois disso ele não sabia. Se Carlo tivesse realmente machucado Connie, ele aleijaria o salafrário, Mas o vento que soprava sobre a via elevada, a frescura salgada do ar, esfriou a sua raiva. Ele baixou todo o vidro da janela.
Sonny tomara a pista elevada de Jones Beach, como sempre, porque geralmente era deserta a essa hora da noite, nessa época do ano, e ele podia correr desenfreadamente até chegar às avenidas largas do outro lado. E mesmo ali o tráfego seria pequeno. O alívio de dirigir muito depressa dissiparia o que ele sabia ser uma tensão perigosa. Ele já deixara o carro dos guarda-costas bem para trás.
A via elevada era mal-iluminada, não havia um só carro. Muito à frente, Sonny via o cone branco da cabina de pedágio. Havia outras cabinas de pedágio, além daquela, mas só funcionavam durante o dia, quando havia mais tráfego. Sonny começou a frear o Buick e ao mesmo tempo a procurar nos bolsos dinheiro miúdo. Não tinha nenhum. Puxou a carteira de notas, abriu-a com uma só mão e tirou uma cédula com os dedos. Chegou à arcada de luz e viu, para sua ingênua surpresa, um carro na passagem da cabina de pedágio obstruindo-a, sendo que o motorista evidentemente estava se informando sobre alguma coisa com o cobrador do pedágio. Sonny tocou a buzina e o outro carro obedientemente afastou-se para deixar o seu carro atravessar a passagem.
Sonny entregou ao cobrador do pedágio a nota de um dólar e esperou o troco. Ele agora tinha pressa para fechar a janela. O ar do Atlântico esfriara o carro todo. Mas o cobrador estava demorando a dar o troco; o estúpido na verdade deixara-o cair no chão. A cabeça e o corpo do homem desapareceram quando ele se abaixou em sua cabina para apanhar o dinheiro.
Naquele momento, Sonny percebeu que o outro carro não continuara a andar, tendo estacionado poucos metros adiante, ainda obstruindo-lhe o caminho. Naquele exato momento, pelo visor lateral notou outro homem na escura cabina de pedágio à sua direita. Mas ele não teve tempo de pensar nisso porque dois homens saíram do carro estacionado na frente e vieram andando na direção dele. O cobrador do pedágio ainda não aparecera. E então, numa fração de segundo, antes que qualquer coisa realmente acontecesse, Santino Corleone soube que sua hora havia chegado.
E naquele momento a sua mente estava lúcida, destituída de qualquer violência, como se o medo oculto, finalmente real e presente, o tivesse purificado.
Mesmo assim, o seu corpo enorme, num reflexo de autodefesa, atirou-se pesadamente na porta do Buick, arrebentando o trinco. O homem da cabina escura abriu fogo e os tiros atingiram Sonny Corleone na cabeça e no pescoço quando a sua figura maciça se projetava para fora do carro. Os dois homens que estavam na frente seguravam agora suas armas, o homem da cabina escura parou de atirar e o corpo de Sonny se esparramou no asfalto com parte das pernas ainda dentro do carro. Cada um dos homens atirou no corpo de Sonny e depois chutaram-lhe o rosto para desfigurar-lhe ainda mais as feições.
Segundos depois, todos os quatro homens, os três que atiraram em Sonny e o falso cobrador de pedágio, estavam em seu automóvel correndo a toda a velocidade na direção da Meadowbrook Avenue do outro lado de Jones Beach. Sua perseguição estava obstruída pelo carro com o corpo de Sonny na passagem da cabina de pedágio, mas quando os guarda-costas de Sonny chegaram, alguns minutos depois, e encontraram o corpo ali, não tiveram a intenção de perseguir ninguém. Dera a volta com o carro em torno de um enorme arco e regressaram a Long Beach. No primeiro telefone público fora da via elevada, um deles saltou e chamou Tom Hagen. Ele foi muito lacônico e rápido.
— Sonny está morto, eles o apanharam na cabina de pedágio de Jones Beach.
A voz de Hagen estava perfeitamente calma.
— Está bem — disse ele — Vá à casa de Clemenza e diga a ele para vir aqui imediatamente. Ele dirá a você o que fazer.
Hagen recebera o telefonema na cozinha, com a Sra. Corleone preparando afobadamente uma refeição ligeira para a chegada da filha. Ele manteve a compostura e a velha não notou nada de anormal. Não que ela não pudesse notar, se quisesse, mas na sua vida com Don Corleone ela aprendera que era mais prudente não perceber. Que se fosse necessário saber de alguma coisa dolorosa, alguém logo contaria a ela. E se fosse uma dor que lhe pudesse ser poupada, ela poderia passar sem tomar conhecimento disso. Ela sentia-se bem contente por não participar da dor dos homens que a rodeavam, afinal de contas eles participavam da dor das mulheres? Impassivelmente, esquentou o café e pôs a comida na mesa. Em sua experiência, a dor e o medo não mitigavam a fome; em sua experiência, a ingestão de comida mitigava a dor. Ela ficaria furiosa se um médico tentasse dar-lhe um sedativo, mas café e uma crosta de pão eram outra coisa; ela provinha, naturalmente, de uma cultura mais primitiva.
E assim ela deixou Tom Hagen escapulir para a sala de reunião do canto, onde ele entrou tremendo tão violentamente que teve de sentar-se com as pernas bem unidas uma na outra, a cabeça curvada nos ombros contraídos, as mãos apertadas uma na outra entre os joelhos como se estivesse rezando para o diabo.
Ele não servia, agora sabia disso, para ser o consigliori de uma Família em guerra. Fora enganado, trapaceado, pelas cinco Famílias e pela aparente timidez delas. Tinham ficado sossegadas, preparando a sua terrível emboscada. Tinham planejado e esperado, contendo as suas mãos ensangüentadas qualquer que fosse a provocação que lhes fizessem. Tinham esperado para dar um golpe terrível. E o deram. O velho Genco Abbandando jamais cairia nele; teria farejado até um rato, teria descoberto todos eles, triplicado suas precauções. E através de tudo isso Hagen sentia sua mágoa. Sonny fora um verdadeiro irmão para ele, seu salvador; seu herói quando meninos criados juntos. Sonny nunca fora ordinário nem fanfarrão com ele, sempre o havia tratado com carinho, ele o tomara nos braços quando Sollozzo o libertou. A alegria de Sonny naquela reunião fora realmente sincera. Que Sonny se tivesse tornado um homem cruel, violento e sanguinário não tinha, para Hagen, importância alguma.
Saíra da cozinha porque sabia que jamais poderia dar à Sra. Corleone a notícia da morte do filho. Jamais a considerava sua mãe como considerava Don Corleone seu pai e Sonny seu irmão. A sua afeição por ela era como a sua afeição por Freddie, Michael e Connie. A afeição por alguém que tinha sido bondoso, mas não amoroso. Mas não podia dar a notícia a ela. Em poucos meses, ela perdera todos os filhos; Freddie exilado em Nevada, Michael escondido na Sicília, para salvar a vida, e agora Santino morto. Qual dos três ela amava mais? Ela mesma nunca soubera.
Poucos minutos depois, Hagen conseguiu recuperar o controle e pegou o telefone. Chamou o número de Connie. Tocou um bocado de tempo até que Connie atendeu numa voz muito baixa.
— Connie, aqui é Tom — disse Hagen delicadamente — Acorde o seu marido, preciso falar com ele.
— Tom, Sonny está vindo para cá? — perguntou ela numa voz baixa assustada.
— Não — respondeu Hagen — Sonny não está indo para aí. Não se preocupe com isso. Acorde imediatamente Carlo e diga-lhe que é muito importante que eu fale com ele agora.
Connie retrucou com voz chorosa:
— Tom, ele me bateu, tenho medo que me machuque novamente se souber que eu telefonei para casa.
Hagen voltou a falar delicadamente:
— Ele não vai saber. Ele falará comigo e eu explicarei a coisa a ele. Tudo estará bem. Diga a ele que é muito importante, muito importante mesmo, que ele venha ao telefone. Está bem?
Passaram-se quase cinco minutos para que Hagen ouvisse a voz de Carlo através do telefone, uma voz não muito clara em conseqüência do uísque e do sono. Hagen falou vigorosamente para alertá-lo.
— Escute, Carlo. Vou-lhe contar uma coisa muito chocante- Agora prepare-se porque, quando eu terminar, quero que você me responda muito despreocupadamente como se tivesse recebido uma notícia comum. Eu disse a Connie que era uma coisa importante, assim você vai ter que contar outra história a ela. Diga-lhe que a Família resolveu mudar vocês dois para uma das casas da alameda e dar a você um bom emprego. Que Don Corleone resolveu finalmente lhe oferecer uma oportunidade com a esperança de melhorar a vida doméstica de vocês dois. Entendeu bem?
Havia um tom de esperança na voz de Carlo quando ele respondeu:
— Sim, está bem.
— Daqui a alguns minutos — prosseguiu Hagen — Dois dos meus homens vão bater na sua porta para apanhar vocês. Diga-lhes que quero primeiro que eles telefonem para mim. Diga-lhes apenas isto. Não diga nada mais. Eu os instruirei por deixá-lo aí com Connie. Está bem?
— Sim, sim, entendi — respondeu Carlo.
Sua voz estava excitada. A tensão na voz de Hagen parecia finalmente tê-lo alertado para o fato de que a notícia que ele iria receber era realmente importante.
Hagen transmitiu-a diretamente.
— Mataram Sonny esta noite. Não diga nada. Connie chamou-o enquanto você dormia e ele estava a caminho daí, mas não quero que ela saiba disso, mesmo que ela tenha o pressentimento, não quero que Connie saiba disso com certeza. Ela vai começar a pensar que tudo foi culpa dela. Agora quero que você passe a noite com ela, mas não lhe conte nada. Quero que você seja o perfeito marido amoroso. E quero que você se comporte assim pelo menos até ela ter a criança. Amanhã de manhã alguém, talvez você, talvez Don Corleone, talvez a mãe, dirá a ela que o irmão foi assassinado. E quero que você esteja ao seu lado. Faça-me este favor e eu lhe ajudarei no futuro. Entendeu bem?
A voz de Carlo estava um pouco trêmula.
— Certamente, Tom, certamente. Escute, eu e você sempre nos demos bem. Eu lhe agradeço. Compreendeu?
— Sim — retrucou Hagen — Ninguém vai dizer que a sua briga com Connie foi que causou isso, não se preocupe. Eu me encarregarei disso — fez ima pausa e falou de modo brando e animador — Toque para a frente agora, cuide de Connie.
Hagen cortou a ligação.
Ele aprendera a jamais fazer uma ameaça. Don Corleone lhe ensinara isso, mas Carlo compreendera bem a mensagem: ele estava a um passo da morte.
Hagen deu outro telefonema, para Tessio, pedindo-lhe que viesse imediatamente à alameda de Long Beach. Não disse por que, nem Tessio perguntou. Hagen deu um suspiro. Agora viria a parte que ele receava.
Ele teria de acordar Don Corleone do seu sono narcotizado. Teria de dizer ao homem a quem mais tinha afeição no mundo que falhara, que falhara na guarda de seu domínio e da vida de seu filho mais velho. Teria de dizer a Don Corleone que tudo estava perdido, a menos que o próprio homem doente pudesse entrar na batalha. Pois Hagen não se iludia. Somente o grande Don Corleone podia transformar em vitória essa terrível derrota. Hagen não se preocupou nem mesmo em consultar o médico de Don Corleone, não adiantaria nada. Não importava o que os médicos aconselhassem, mesmo que dissessem que Don Corleone não podia levantar-se da sua cama de enfermo sob pena de morte, ele devia contar o fato ao seu pai adotivo e depois seguir as suas instruções. E, naturalmente, não havia dúvida sobre o que Don Corleone faria. As opiniões dos médicos eram descabidas agora; tudo era descabido agora. Don Corleone devia receber a notícia e assumir o comando ou mandar que Hagen entregasse todo o poder dos Corleone às cinco Famílias.
Contudo, Hagen temia profundamente a hora seguinte. Procurou preparar tudo à sua maneira. Teria de ser, de qualquer maneira, rigoroso com a sua própria culpa. Censurar a si mesmo apenas aumentaria a carga de Don Corleone. Mostrar a sua própria dor apenas intensificaria a dor de Don Corleone. Apontar as suas deficiências como consigliori em tempo de guerra apenas faria Don Corleone censurar a si mesmo pelo seu próprio mau julgamento em escolher tal homem para tão importante posto.
Ele devia, Hagen sabia, contar a notícia, apresentar a sua análise do que devia ser feito para corrigir a situação e depois calar-se. As suas reações dali em diante seriam as determinadas por Don Corleone. Se o Don quisesse que ele se mostrasse culpado, ele se mostraria culpado; se o Don determinasse dor, ele revelaria toda a sua autêntica tristeza.
Hagen ergueu a cabeça ao ouvir o ruído de carros rodando pela alameda. Os caporegimes estavam chegando. Ele os instruiria primeiro e depois subiria para acordar Don Corleone. Levantou-se, foi até o bar perto da escrivaninha, tirou um copo e uma garrafa. Ficou parado, por um momento, estava tão abatido que não pôde despejar a bebida no copo. Por trás dele, ouviu a porta da sala abrir-se mansamente e, virando-se, viu, completamente vestido pela primeira vez desde que fora baleado, Don Corleone.
Este atravessou a sala na direção de sua enorme poltrona de couro e sentou-se. Andava um pouco rijo, as calças pareciam um pouco folgadas em seu corpo, mas aos olhos de Hagen ele era o mesmo que sempre fora. Era quase como se unicamente por sua própria vontade Don Corleone tivesse eliminado todo aspecto externo de seu ainda enfraquecido organismo. O seu rosto apresentava firmemente toda a sua força e resistência. Ele sentou-se ereto na poltrona e disse a Hagen:
— Dê-me um gole de anisete.
Hagen trocou a posição das garrafas e serviu para ambos uma porção da ardente bebida licorosa. Era uma bebida camponesa, feita em casa, muito mais forte do que a vendida nas casas do gênero, sendo presente de um velho amigo que todo ano ofertava a Don Corleone um pequeno caminhão cheio dela.
— Minha mulher estava chorando antes de adormecer — disse Don Corleone — Do lado de fora da minha janela vi meus caporegimes chegando a casa e é meia-noite. Portanto, meu consigliori, acho que você deve dizer ao seu Don o que todo mundo sabe.
Hagen respondeu tranqüilamente:
— Não contei nada à mamãe. Eu já ia subir para lhe acordar e lhe contar pessoalmente a notícia. Mais um instante e eu iria acordá-lo.
Don Corleone disse impassivelmente:
— Mas você precisou primeiro de um trago.
— Sim — respondeu Hagen.
— Você já tomou o seu trago — retrucou Don Corleone — Pode contar-me agora.
Havia apenas uma insinuação bem leve de censura na voz de Don, pela fraqueza de Hagen.
— Balearam Sonny na via elevada — disse Hagen — Ele está morto.
Don Corleone pestanejou. Apenas por uma fração de segundo o muro de sua vontade se desintegrou e o escoamento de sua resistência física se tornou claro em seu rosto. Em seguida ele se recuperou. Apertou as mãos em sua frente no tampo da escrivaninha e encarou diretamente os olhos de Hagen.
— Conte-me tudo o que aconteceu — pediu ele. Suspendeu uma das mãos e disse — Não, espere até Clemenza e Tessio chegarem para que você não tenha de contar de novo a história.
Momentos depois, os dois caporegimes entraram na sala acompanhados de um guarda-costas. Compreenderam imediatamente que Don Corleone sabia da morte do filho porque ele estava ali em pé para recebê-los. Abraçaram-no como se permite aos velhos camaradas. Todos tomaram um trago de anisete que Hagen lhes serviu antes de contar-lhes a história daquela noite.
Don Corleone fez apenas uma pergunta no fim:
— É certo que meu filho está morto?
Clemenza respondeu:
— É. Os guarda-costas eram do regime de Santino, mas escolhidos por mim. Eu os interroguei quando eles chegaram à minha casa. Viram o corpo dele na luz da cabina de pedágio. Ele não podia estar vivo com os ferimentos que apresentava. Eles juram pela própria vida o que disseram.
Don Corleone aceitou este veredicto final, sem qualquer sinal de emoção a não ser por alguns momentos de silêncio. Depois disse:
— Nenhum de vocês deve preocupar-se com esse fato. Nenhum de vocês deve cometer atos de vingança, nenhum de vocês deve fazer investigações para descobrir os assassinos do meu filho sem minha ordem expressa. Não haverá mais atos de guerra contra as cinco Famílias sem meu desejo expresso e pessoal. Nossa Família vai parar todas as operações financeiras até depois do enterro do meu filho. Então nos reuniremos aqui novamente e decidiremos o que fazer. Esta noite, devemos fazer o que é possível por Santino, devemos enterrá-lo como cristão. Meus amigos arranjarão as coisas com a polícia e com todas as outras autoridades competentes. Clemenza, você ficará comigo todo o tempo como meu guarda-costas, você e os homens de seu regime. Tessio, você guardará todos os outros membros da minha família. Tom, quero que você telefone para Amerigo Bonasera e lhe diga que vou precisar dos serviços dele a qualquer momento durante esta noite. Para me esperar no seu estabelecimento. Talvez por uma, duas ou três horas. Todos vocês entenderam bem?
Os três homens acenaram com a cabeça afirmativamente. Don Corleone prosseguiu:
— Clemenza, pegue alguns homens e carros e espere por mim. Estarei pronto em poucos minutos. Tom, você agiu bem. De manhã, quero Constanzia com a mãe dela. Tome as providências para que ela e o marido venham morar na alameda. Diga às mulheres amigas de Sandra para irem à casa dela lhe fazerem companhia. Minha mulher também vai para lá depois que eu falar com ela. Minha mulher vai contar a ela a triste notícia, e as mulheres arranjarão a igreja onde serão celebradas as missas e rezarão pela alma dele.
Don Corleone levantou-se da sua poltrona de couro. Os outros homens se ergueram com ele, Clemenza e Tessio o abraçaram novamente. Hagen segurou a porta aberta para Don Corleone, que parou a fim de olhar para ele por um momento. Depois Don Corleone pôs a mão na face de Hagen, abraçou-o rapidamente e disse em italiano:
— Você tem sido um bom filho. Você me conforta.
Isto queria dizer que Hagen havia agido corretamente naquela hora terrível. Em seguida, Don Corleone subiu para o seu quarto, a fim de falar com a mulher. Foi nesse momento que Hagen fez a chamada telefônica para Amerigo Bonasera dizendo-lhe que pagasse o favor que devia aos Corleone.





Continua...



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Frase Curiosa"Há apenas duas maneiras de obter sucesso neste mundo: pelas próprias habilidades ou pela incompetência alheia." Jean de La Bruyère