sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Harry Potter e o Enigma do Príncipe - Capítulo 9






— CAPÍTULO NOVE —
O Príncipe Mestiço



NO DIA SEGUINTE, HARRY E RONY se encontraram com Hermione no Salão Comunal, antes do café da manhã. Na esperança de obter algum apoio para sua teoria, Harry não perdeu tempo e contou à amiga o que ouvira Malfoy dizer no Expresso de Hogwarts.
— Mas é óbvio que ele estava se exibindo para a Parkinson, não é? — aparteou Rony, rápido, antes que Hermione pudesse responder.
— Bem — hesitou ela — Não sei... é bem coisa do Malfoy querer parecer mais importante do que é... mas assim é exagero...
— Exatamente — disse Harry, mas não pôde argumentar porque havia muita gente querendo ouvir a conversa, sem falar naqueles que o encaravam e cochichavam cobrindo a boca com a mão.
— É falta de educação apontar — Rony ralhou com um aluno do primeiro ano particularmente pequeno quando entraram na fila para passar pelo buraco do retrato.
O garoto, que, disfarçadamente, estivera murmurando alguma coisa para o amigo, ficou escarlate e, assustado, caiu pelo buraco no corredor.
Rony deu uma risadinha.
— Adoro estar no sexto ano. E o melhor é que vamos ter tempo livre este ano. Períodos inteiros para sentar e relaxar.
— Vamos precisar desse tempo para estudar, Rony! — lembrou Hermione, quando caminhavam pelo corredor.
— É, mas não hoje — respondeu Rony — Hoje vai ser moleza pura.
— Espere aí! — exclamou Hermione, esticando o braço e fazendo parar um aluno do quarto ano, que tentava passar por ela segurando com firmeza um disco verde-limão — Os Frisbees-dentados são proibidos, me dê isso aqui — pediu com severidade.
O garoto, amarrando a cara, entregou o disco que rosnava, passou por baixo do braço de Hermione e saiu no encalço dos amigos. Rony esperou que ele desaparecesse e roubou o Frisbee da mão de Hermione.
— Ótimo, sempre quis ter um.
O protesto de Hermione foi abafado por uma risadinha alta. Pelo visto, Lilá Brown achara o comentário de Rony engraçadíssimo. E passou por ele ainda rindo, olhando-o por cima do ombro.
Rony pareceu muito satisfeito.
O teto do Salão Principal estava serenamente azul, raiado de leves farrapos de nuvens, como nos quadrados de céu que se viam pelas janelas de caixilhos. Enquanto comiam mingau de aveia e ovos com bacon, Harry e Rony contaram a Hermione a conversa constrangedora que tinham tido com Hagrid, na véspera.
— Mas ele não pode realmente pensar que continuaríamos a cursar Trato das Criaturas Mágicas! — comentou ela perturbada — Quero dizer, quando foi que algum de nós manifestou... sabe... algum entusiasmo?
— É isso aí, né? — disse Rony, engolindo um ovo frito inteiro — Nós fazíamos o maior esforço nas aulas porque gostamos do Hagrid. Mas ele achou que gostávamos daquela matéria idiota. Será que alguém vai continuar até o N.I.E.M.?
Nem Harry nem Hermione responderam, não carecia. Sabiam perfeitamente que ninguém de sua turma iria querer continuar em Trato das Criaturas Mágicas. Evitaram olhar para Hagrid e retribuíram seu aceno cordial sem animação quando o amigo deixou a mesa dos professores dez minutos depois.
Terminada a refeição, eles continuaram sentados aguardando a Profª. McGonagall descer da Mesa dos Professores. Este ano a distribuição dos horários estava mais complicada do que o normal, porque ela precisava primeiro confirmar que cada aluno tivesse obtido as notas mínimas nos N.O.M.s para continuar as matérias escolhidas nos N.I.E.M.s.
Hermione foi prontamente liberada para continuar Feitiços, Defesa Contra as Artes das Trevas, Transfiguração, Herbologia, Aritmancia, Runas Antigas e Poções e, sem demora, partiu correndo para assistir ao primeiro período de Runas Antigas.
Os horários de Neville exigiram mais tempo para destrinchar, seu rosto redondo expressava ansiedade enquanto a professora examinava o seu pedido e consultava os resultados dos N.O.M.s.
— Herbologia pode — disse ela — A Profª. Sprout ficará encantada de ver você retomar a matéria com um “Ótimo” no N.O.M. E qualificou-se para Defesa contra as Artes das Trevas com um “Excede Expectativas”. O problema está em Transfiguração. Sinto muito, Longbottom, mas um “Aceitável” não é suficiente para continuar no nível de N.I.E.M. Acho que você não conseguiria dar conta dos deveres do curso.
Neville baixou a cabeça. A professora fitou-o através dos óculos quadrados.
— Mas por que quer continuar em Transfiguração? Você nunca me deu a impressão de gostar tanto assim da matéria.
Neville fez uma cara infeliz e murmurou alguma coisa como “minha avó quer”.
— Hum — bufou a professora — Já está mais do que na hora de sua avó aprender a ter orgulho do neto que tem, em vez do neto que gostaria de ter, particularmente depois do que aconteceu no Ministério.
Neville corou fortemente e piscou atordoado, a Profª. McGonagall nunca lhe fizera um elogio antes.
— Lamento, Longbottom, não posso aceitá-lo na minha classe de N.I.E.M. Mas vejo que você recebeu um “Excede Expectativas” em Feitiços; por que não tenta um N.I.E.M. em Feitiços?
— Minha avó acha que Feitiços é uma opção muito fácil — murmurou Neville.
— Matricule-se em Feitiços — disse a professora — E vou mandar uma palavrinha a Augusta lembrando que só porque ela não passou no N.O.M. de Feitiços... não significa que a matéria seja inútil.
Com um leve sorriso ao ver a expressão de incrédula satisfação no rosto de Neville, McGonagall bateu com a ponta da varinha em um formulário em branco e entregou-o ao garoto, já impresso, com os detalhes de suas novas matérias.
Em seguida, ela se voltou para Parvati Patil, cuja primeira pergunta foi se Firenze, aquele centauro bonitão, continuaria a ensinar Adivinhação.
— Ele e a Profª. Trelawney vão dividir as turmas este ano — respondeu a Profª. McGonagall, com um quê de desaprovação na voz, todos sabiam que ela desprezava a matéria — O sexto ano ficará por conta da Profª. Trelawney.
Parvati saiu para a aula de Adivinhação cinco minutos depois, parecendo um pouco desconcertada.
— Então, Potter, Potter... — disse a professora, consultando suas anotações ao se dirigir a Harry — Feitiços, Defesa Contra as Artes das Trevas, Herbologia, Transfiguração... tudo bem. E devo dizer que fiquei satisfeita com a sua nota na minha matéria, Potter, muito satisfeita. Mas por que não pediu para continuar em Poções? Pensei que sua ambição fosse se tornar auror.
— Era, mas a senhora me disse que eu precisava de um “Ótimo” no meu N.O.M.
— E realmente precisava quando o Prof. Snape ensinava a matéria. O Prof. Slughorn, porém, fica perfeitamente feliz em aceitar no N.I.E.M alunos que tenham obtido “Excede Expectativas” no N.O.M. Você quer continuar em Poções?
— Quero — respondeu Harry — Mas não comprei os livros nem os ingredientes, nem nada...
— Tenho certeza de que o Prof. Slughorn poderá lhe emprestar o material. Muito bem, Potter, aqui estão os seus horários. Ah, sim, vinte aspirantes já se inscreveram para a equipe de quadribol da Grifinória. Passarei a lista a você por esses dias, e poderá marcar os testes quando quiser.
Alguns minutos mais tarde, Rony foi liberado para cursar as mesmas matérias que Harry, e os dois deixaram a mesa juntos.
— Veja — exclamou Rony muito feliz, conferindo o seu horário — Temos um período livre agora... e outro depois do recreio... e depois do almoço... excelente!
Os dois voltaram à Sala Comunal, que estava vazia exceto por meia dúzia de alunos do sétimo ano, inclusive Cátia Bell, a única jogadora que restava da equipe original de quadribol da Grifinória, para a qual Harry entrara no primeiro ano.
— Achei que você ganharia isso, parabéns — disse a garota, apontando para a insígnia de capitão no peito de Harry — Me avise quando começarem os testes!
— Não seja retardada — respondeu Harry — Você não precisa de testes, há cinco anos que vejo você jogar...
— Você não pode começar assim — alertou a garota — Pelo que sei, tem gente melhor que eu fora do time. Boas equipes já acabaram mal porque os capitães simplesmente continuaram a jogar com caras conhecidos, ou deixaram os amigos entrarem...
Rony pareceu meio constrangido, e começou a jogar com o Frisbee que Hermione confiscara do aluno do quarto ano. O brinquedo voou pela Sala Comunal, rosnando e tentando morder a tapeçaria. Bichento acompanhou-o com seus olhos amarelos e bufou quando o Frisbee se aproximou demais.
Uma hora depois eles deixaram, relutantes, a sala ensolarada para assistir à aula de Defesa Contra as Artes das Trevas, quatro andares abaixo. Hermione já estava na fila, carregando uma braçada de pesados livros, e com um ar de quem fora usado.
— A professora de Runas nos passou tantos deveres! — exclamou ansiosa, quando Harry e Rony se reuniram a ela — Um trabalho de quase quatro metros, duas traduções, e preciso ler tudo isto para Quarta-Feira.
— Que pena — bocejou Rony.
— Espere para ver — disse ela com raiva — Aposto como o Snape também vai passar um montão.
Quando ia dizendo isso, a porta da sala abriu e o professor saiu para o corredor, o rosto macilento emoldurado pelas eternas cortinas de cabelos pretos oleosos. A fila silenciou imediatamente.
— Para dentro — disse ele.
Harry olhou a toda volta quando entraram.
Snape já impusera sua personalidade à sala, estava mais sombria do que antes, pois ele fechara as cortinas e a iluminara com velas. Novos quadros adornavam as paredes, vários deles mostravam pessoas sofrendo com pavorosos ferimentos ou partes do corpo estranhamente torcidas. Ninguém falou enquanto os alunos se acomodavam, admirando os sinistros quadros escuros.
— Não pedi a vocês para apanharem seus livros — começou Snape, fechando a porta e virando-se para encarar a turma de sua escrivaninha.
Hermione devolveu depressa à mochila o seu exemplar de Frente ao Irreconhecível e guardou-a embaixo da cadeira.
— Quero conversar com os senhores e exijo sua total e absoluta atenção.
Seus olhos negros percorreram os rostos voltados para ele, demorando-se uma fração de segundo a mais no rosto de Harry.
— Creio que já tiveram cinco professores nesta matéria.
Você crê... como se não tivesse acompanhado todos virem e irem, Snape, na esperança de ser o próximo, pensou Harry com desprezo.
— Naturalmente, cada um teve o seu método e suas prioridades. Diante dessa confusão, é uma surpresa que tantos tenham obtido nota para passar nesta matéria. E surpresa maior será se todos conseguirem dar conta dos deveres do N.I.E.M., que serão bem mais complexos.
Snape começou a andar em volta da sala, falando agora mais baixo, os alunos esticaram o pescoço para conseguir vê-lo.
— As Artes das Trevas são muito variadas, inconstantes e eternas. Combatê-las é como combater um monstro de muitas cabeças, no qual, cada vez que cortamos uma cabeça, surge outra ainda mais feroz e inteligente do que a anterior. Vocês estão combatendo algo que é instável, mutável e indestrutível.
Harry encarou Snape. Sem dúvida, uma coisa era respeitar as Artes das Trevas como um inimigo perigoso, outra era se referir a elas como Snape estava fazendo, acariciando-as amorosamente com a voz.
— Suas defesas — disse Snape alteando a voz — Portanto, têm de ser flexíveis e inventivas como as Artes que vocês querem neutralizar. Esses quadros — ele apontou alguns à medida que passava — São uma boa representação do que acontece com quem, por exemplo, sofre a Maldição Cruciatus...
Ele fez um gesto indicando uma bruxa que visivelmente urrava de dor.
— Sente o Beijo do Dementador...
Um bruxo de olhos vidrados encolhido contra uma parede
— Ou provoca a agressão de um Inferi...
Uma massa sangrenta no chão.
— Então já foi avistado algum Inferi? — perguntou Parvati Patil com voz aguda — Então é oficial, ele está usando Inferi?
— O Lorde das Trevas usou Inferi no passado — respondeu Snape — O que significa que seria sensato presumir que pode tornar a usá-los. Agora...
Ele recomeçou a andar pelo outro lado da sala em direção à própria escrivaninha, suas vestes escuras enfunando a cada passo e, mais uma vez, a classe acompanhou-o com os olhos.
—... creio que os senhores são absolutamente novatos no uso de Feitiços Não-Verbais. Qual é a vantagem de um Feitiço Não-Verbal?
A mão de Hermione se ergueu no ar.
Snape aguardou calmamente olhando os outros alunos, certificando-se de que não tinha outra escolha, antes de dizer secamente:
— Muito bem... Srta. Granger?
— O adversário não pode prever que tipo de feitiço a pessoa vai realizar — respondeu Hermione — O que lhe dá uma fração de segundo de vantagem.
— Uma resposta decorada quase palavra por palavra do Livro Padrão de Feitiços, 6ª série — comentou Snape com menosprezo, no canto Malfoy riu — Mas correta em sua essência. Sim, aqueles que se aperfeiçoam e aprendem a usar a magia sem proferir os encantamentos, passam a contar com o elemento surpresa em sua arte. Nem todos os bruxos conseguem fazer isso, é claro, é uma questão de concentração e poder mental que alguns... — seu olhar recaiu demoradamente em Harry — Não possuem.
Harry sabia que o professor estava pensando nas desastrosas aulas de Oclumência do ano anterior. Recusou-se a baixar os olhos e encarou Snape até este desviar o olhar.
— Os senhores agora vão se dividir em pares. Um parceiro tentará enfeitiçar o outro sem falar. O outro vai tentar repelir o feitiço em igual silêncio. Comecem.
Embora Snape não soubesse, no ano anterior, Harry ensinara pelo menos à metade dos alunos (os que tinham participado da AD) como executar um Feitiço Escudo. Nenhum deles, porém, jamais realizara o feitiço sem falar. Seguiu-se uma boa dose de enrolação, muitos alunos simplesmente murmuravam o encantamento em vez de dizê-lo em voz alta. Como era de esperar, aos dez minutos de aula, Hermione conseguiu repelir o Feitiço das Pernas Bambas, murmurado por Neville, sem enunciar uma única palavra, um feito que certamente teria rendido vinte pontos à Grifinória na aula de qualquer professor justo, pensou Harry com amargura, mas Snape ignorou-o.
Passeava imponente enquanto os alunos praticavam, parecendo mais do que nunca um morcego exageradamente grande, detendo-se a observar Harry e Rony se esfalfarem para cumprir a tarefa.
Rony, que devia enfeitiçar Harry, tinha o rosto púrpura, os lábios fortemente comprimidos para não cair na tentação de murmurar o encantamento. Harry mantinha a varinha erguida, aguardando, aflito, para repelir um feitiço que provavelmente jamais viria.
— Patético, Weasley — comentou Snape depois de algum tempo — Deixe-me mostrar a você...
Snape virou a varinha para Harry tão ligeiro que este reagiu instintivamente; esqueceu a recomendação de não pronunciar o feitiço e gritou: “Protego!”
Seu Feitiço Escudo foi tão forte que o professor se desequilibrou e bateu em uma carteira. A classe inteira tinha virado a cabeça e agora observava Snape se levantar de cara amarrada.
— Você está lembrado que eu disse para praticar feitiços não-verbais, Potter?
— Sim — respondeu Harry, inflexivelmente.
— Sim, senhor.
— Não é preciso me chamar de “senhor”, professor.
As palavras escaparam de sua boca antes que soubesse o que estava dizendo. Vários alunos ofegaram, inclusive Hermione. Às costas de Snape, no entanto, Rony, Dino e Simas riram aprovadoramente.
— Detenção, Sábado à noite, meu escritório — disse Snape — Não admito atrevimento de ninguém, Potter... nem mesmo do Eleito.
— Foi genial, Harry! — disse Rony às gargalhadas, quando já estavam bem longe, a caminho do recreio, pouco depois.
— Você realmente não devia ter dito aquilo — comentou Hermione, franzindo a testa para Harry — Por que disse?
— Ele tentou me lançar um feitiço, caso você não tenha reparado! — irritou-se Harry — Me enchi disso nas aulas de Oclumência! Por que ele não usa um porquinho-da-índia para variar? Afinal, que é que o Dumbledore está querendo para deixar o Snape ensinar Defesa Contra as Artes das Trevas? Você ouviu bem o que ele disse? Ele adora essas artes! Todo aquele papo de instável, indestrutível...
— Bem — contestou Hermione — Achei que lembrava um pouco você falando.
— Eu?
— É, quando estava nos contando como era enfrentar Voldemort. Você disse que não era uma questão de decorar um monte de feitiços, disse que era apenas você e seu cérebro e sua coragem... bem, não era isso que Snape estava dizendo? Que a arte se resumia em ter bravura e agilidade mental?
Harry se sentiu tão desarmado ante a amiga que achava que suas palavras mereciam ser memorizadas como as do Livro Padrão de Feitiços que não discutiu.
— Harry! Ei, Harry!
Harry olhou para os lados, Jucá Sloper, um dos batedores da equipe de quadribol da Grifinória no ano anterior, vinha correndo em sua direção com um pergaminho na mão.
— Para você — ofegou Sloper — Escute, soube que é o novo capitão. Quando vai fazer os testes?
— Ainda não tenho certeza — respondeu Harry, pensando que Sloper teria muita sorte se voltasse à equipe — Aviso você.
— Ah, certo. Eu tinha esperança de que fosse neste fim de semana...
Mas Harry não estava escutando, acabara de reconhecer a caligrafia fina e inclinada no pergaminho. Deixou Sloper no meio da frase e se afastou depressa com Rony e Hermione, desenrolando o pergaminho enquanto andava.

Caro Harry,
Gostaria de começar as nossas aulas particulares no Sábado. Por favor, venha ao meu escritório às oito horas da noite. Espero que esteja apreciando o seu primeiro dia de escola.
Atenciosamente.

Alvo Dumbledore

P.S. Gosto de Acidinhas.

— Ele gosta de Acidinhas? — estranhou Rony, que leu o bilhete por cima do ombro do amigo, perplexo.
— É a senha para passar pela gárgula na porta da sala dele — respondeu Harry em voz baixa — Ah! Snape não vai gostar... não vou poder cumprir a detenção!
Ele, Rony e Hermione passaram todo o recreio especulando o que Dumbledore iria ensinar. Rony achou mais provável que fossem feitiços e azarações desconhecidos dos Comensais da Morte. Hermione argumentou que isso era ilegal, e achou mais provável que Dumbledore quisesse ensinar a Harry magia defensiva avançada.
Terminado o recreio, ela seguiu para a aula de Aritmancia enquanto Harry e Rony voltavam à Sala Comunal, onde, de má vontade, começaram a fazer os deveres passados por Snape. Eram tão complexos que ainda não tinham terminado quando Hermione foi encontrá-los para o período livre depois do almoço (embora ela tivesse ajudado a acelerar bastante o processo). Mal concluíram os deveres, tocou a sineta para a aula dupla de Poções e eles fizeram o já conhecido trajeto para a sala na masmorra que, durante tanto tempo, pertencera a Snape.
Quando chegaram ao corredor, viram que apenas uns doze alunos haviam continuado no nível de N.I.E.M. Crabbe e Goyle evidentemente não tinham obtido a nota exigida no N.O.M., mas quatro alunos da Sonserina tinham passado, inclusive Malfoy. Aguardavam também quatro alunos da Corvinal e um da Lufa-Lufa, Ernesto Macmillan, de quem Harry gostava, apesar do seu jeito pomposo.
— Harry — saudou Ernesto, auspiciosamente, estendendo a mão quando ele se aproximou — Não tive chance de falar com você hoje de manhã na Defesa Contra as Artes das Trevas. Achei uma boa aula, mas Feitiços Escudo é, obviamente, uma velharia para veteranos da AD como nós... e vocês como vão, Rony... Hermione?
Mal os dois responderam “ótimo”, a porta da masmorra se abriu e a pança de Slughorn o precedeu no corredor. Quando entraram na sala, seus enormes bigodes de leão-marinho se curvaram nos cantos da boca sorridente e ele cumprimentou Harry e Zabini com particular entusiasmo.
A masmorra estava, como nunca antes, impregnada de vapores e odores estranhos. Harry, Rony e Hermione aspiraram, interessados, ao passar por grandes caldeirões borbulhantes. Os quatro alunos da Sonserina ocuparam juntos uma das mesas, o mesmo tendo feito os da Corvinal. Sobraram, assim, Harry, Rony e Hermione para dividir a terceira mesa com Ernesto.
Escolheram a mais próxima a um caldeirão dourado que exalava um dos aromas mais fascinantes que Harry já sentira na vida: lembrava ao mesmo tempo torta de caramelo, resina de madeira em cabo de vassoura e algo floral que ele pensava ter sentido na Toca. Viu que respirava muito lenta e profundamente e que a fumaça da poção o satisfazia como uma bebida. Ele foi arrebatado por um grande contentamento, sorriu para Rony à sua frente, e o amigo retribuiu indolentemente o seu sorriso.
— Ora muito bem, ora muito bem, ora muito bem — começou Slughorn, cuja silhueta maciça parecia tremeluzir em meio aos variados vapores — Apanhem as balanças e os kits de poções e não esqueçam o manual de Estudos Avançados no Preparo de Poções...
— Senhor — disse Harry, erguendo a mão.
— Harry, meu rapaz?
— Não tenho livro, nem balança nem nada... o Rony também não... não sabíamos que poderíamos fazer o N.I.E.M., o senhor entende...
— Ah, sim, de fato a Profª. McGonagall me falou... não se preocupe, meu caro rapaz, não se preocupe. Use os ingredientes do armário hoje, e estou certo de que podemos lhe emprestar uma balança, e temos um estoque de livros usados, eles servirão até que você possa escrever para a Floreios e Borrões...
Slughorn foi até um armário de canto e instantes depois virou-se com dois exemplares muito gastos de Estudos Avançados no Preparo de Poções, de Libatius Borage, e entregou a Harry e Rony, juntamente com duas balanças oxidadas.
— Ora, muito bem — disse voltando para a frente da turma e enchendo o peito, já bastante volumoso, o que por um triz não fez os botões do seu colete saltarem — Preparei algumas poções para vocês verem, apenas pelo interesse que encerram, entendem? São o tipo de coisa que deverão ser capazes de fazer ao fim dos N.I.E.M.s. Já devem ter ouvido falar de algumas, ainda que não saibam prepará-las. Alguém pode me dizer qual é esta aqui?
O professor indicou o caldeirão mais próximo à mesa da Sonserina. Harry levantou ligeiramente da cadeira e viu algo que lhe pareceu água pura em ebulição. A mão bem treinada de Hermione subiu antes de qualquer outra, Slughorn apontou para ela.
— É Veritaserum, uma poção sem cor nem odor que força quem a bebe a dizer a verdade — respondeu Hermione.
— Muito bem, muito bem! — elogiou o professor, feliz — Agora — continuou, apontando para o caldeirão mais próximo da mesa da Corvinal — Essa outra é bem conhecida... e também apareceu em alguns folhetos do Ministério ultimamente... quem sabe...?
A mão de Hermione foi novamente a mais rápida.
— É a Poção Polissuco, senhor.
Harry também reconheceu a substância com aspecto de lama que fervia lentamente no segundo caldeirão, mas não se aborreceu que Hermione recebesse o crédito por responder à pergunta, afinal, fora ela quem conseguira preparar a poção, quando estavam no segundo ano.
— Excelente, excelente! Agora, esta outra aqui... sim, minha cara? — interrompeu-se Slughorn, parecendo ligeiramente tonto ao ver a mão de Hermione perfurar mais uma vez o ar.
— É Amortentia!
— De fato. Parece quase tolice perguntar — comentou o professor muito impressionado — Mas presumo que você saiba que efeito produz, não?
— É a poção de amor mais poderosa do mundo! — disse a garota.
— Certo! E você a reconheceu, presumo, pelo brilho perolado?
— E o vapor subindo em espirais características — respondeu Hermione animada — E dizem que tem um cheiro diferente para cada um de nós, de acordo com o que nos atrai, e eu estou sentindo cheiro de grama recém-cortada e pergaminho e...
Mas ela corou ligeiramente e não completou a frase.
— Posso saber o seu nome, minha cara? — perguntou Slughorn, não dando atenção ao constrangimento de Hermione.
— Hermione Granger, senhor.
— Granger? Granger? Será que você é parenta de Hector Dagworth-Granger, que fundou a Mui Extraordinária Sociedade dos Preparadores de Poções?
— Não. Creio que não, senhor. Nasci trouxa, sabe.
Harry viu Malfoy se inclinar para perto de Nott e cochichar alguma coisa, os dois riram, mas Slughorn não se mostrou desapontado, pelo contrário, abriu um largo sorriso e olhou de Hermione para Harry, sentado ao seu lado.
— Oho! “Uma das minhas melhores amigas é nascida trouxa e é a melhor da nossa série!” Presumo que seja esta a amiga de quem me falou, Harry!
— É, sim, senhor.
— Ora muito bem, vinte pontos muito merecidos para a Grifinória, Srta. Granger — exclamou Slughorn cordialmente.
Malfoy tinha no rosto a mesma expressão do dia em que Hermione lhe dera um soco na cara. A garota virou-se para Harry radiante e sussurrou:
— Você realmente disse a ele que sou a melhor da série? Ah, Harry!
— Ora, grande coisa! — cochichou Rony que, por alguma razão, parecia aborrecido — Você é a melhor da série: eu teria dito isso se ele tivesse me perguntado!
Hermione sorriu, mas pediu silêncio com um gesto para poderem ouvir o que Slughorn estava dizendo. Rony pareceu um pouco desapontado.
— A Amortentia na realidade não gera o amor, é claro. É impossível produzir ou imitar o amor. Não, a poção apenas causa uma forte paixonite ou obsessão. Provavelmente é a poção mais poderosa e perigosa nesta sala. Ah, sim — confirmou solenemente com a cabeça para Malfoy e Nott, que riam descrentes — Quando vocês tiverem visto tanto da vida quanto eu, não subestimarão o poder do amor obsessivo... e agora, está na hora de começarmos a trabalhar.
— Professor, o senhor não nos disse o que tem neste aqui — lembrou Ernesto Macmillan, apontando para um pequeno caldeirão preto em cima da mesa de Slughorn.
A poção espirrava vivamente para todo o lado, era cor de ouro derretido, e dela saltavam enormes gotas como peixinhos à superfície, embora nem uma só partícula extravasasse.
— Oho — exclamou novamente o professor.
Harry tinha certeza de que o professor não esquecera a poção, mas esperou que lhe perguntassem para produzir um efeito teatral.
— Sim. Aquela. Bem, aquela ali, senhoras e senhores, é uma poçãozinha curiosa chamada Felix Felicis. E suponho — e ele se voltou sorridente para Hermione, que deixara escapar uma exclamação audível — Que a senhorita saiba o que faz a Felix Felicis, Srta. Granger?
— É sorte líquida — respondeu Hermione excitada — Faz a pessoa ter sorte!
A classe inteira pareceu sentar mais aprumada. Agora Harry só conseguia ver os cabelos louros e sedosos de Malfoy, porque finalmente ele estava prestando total atenção ao professor.
— Correto, mais dez pontos para a Grifinória. É uma poçãozinha engraçada a Felix Felicis — explicou Slughorn — Dificílima de fazer e catastrófica se errarmos. Contudo, se a prepararmos corretamente, como no caso, vocês irão descobrir que os seus esforços serão recompensados... pelo menos até passar o efeito.
— Por que as pessoas não a bebem o tempo todo, senhor? — perguntou Terêncio Boot, pressuroso.
— Porque ingerida em excesso causa tonteiras, irresponsabilidade e perigoso excesso de confiança. Tudo que é bom demais, sabe... extremamente tóxica em quantidade. Mas tomada com parcimônia e muito ocasionalmente...
— O senhor já a experimentou? — perguntou Miguel Corner muito interessado.
— Duas vezes na vida. Uma aos vinte e quatro anos e outra aos cinqüenta e sete. Duas colheres de sopa ao café da manhã. Dois dias perfeitos.
Ele deixou o olhar se perder na distância sonhadoramente.
Se estava representando ou não, pensou Harry, O efeito era bom.
— E a poção — disse Slughorn aparentemente voltando à terra — É o que vou oferecer de prêmio nesta aula.
Houve um grande silêncio em que cada borbulha e gargarejo das poções na sala pareceram se multiplicar dez vezes.
— Um frasquinho de Felix Felicis — explicou Slughorn, tirando do bolso um minúsculo vidro com rolha e mostrando-o a todos — Suficiente para doze horas de sorte. Do amanhecer ao anoitecer, vocês terão sorte em tudo que tentarem. Agora, preciso avisar que a Felix Felicis é uma substância proibida nas competições oficiais, eventos esportivos, por exemplo, exames e eleições. Por isso quem a ganhar deve usá-la somente em um dia comum... e observar como esse dia comum se torna um dia extraordinário! Então...
Disse o professor repentinamente enérgico.
— Como irão ganhar esse prêmio fabuloso? Bem, abrindo a página dez de Estudos Avançados no Preparo de Poções. Ainda nos resta pouco mais de uma hora, que deve ser suficiente para vocês fazerem uma tentativa válida de preparar a Poção do Morto-Vivo. Sei que é mais complexa do que qualquer outra que tenham tentado antes e não espero que ninguém faça uma poção perfeita. Mas aquele que a fizer melhor ganhará a pequena Felix aqui. Podem começar!
Houve muito barulho quando os alunos arrastaram objetos e puxaram seus caldeirões para perto, e batidas estridentes à medida que acrescentavam pesos aos pratos das balanças, mas ninguém falou. A concentração na sala era quase tangível. Harry viu Malfoy folheando febrilmente seu exemplar de Estudos Avançados no Preparo de Poções. Não podia ficar mais evidente que ele realmente desejava ganhar aquele dia de sorte. Harry debruçou-se ligeiro para o exemplar esfrangalhado do livro que Slughorn lhe emprestara.
Para seu aborrecimento, viu que o antigo dono escrevera em todas as páginas, de tal modo que as margens estavam tão pretas quanto as partes impressas. Ele se curvou mais para decifrar os ingredientes (até mesmo ali o antigo dono fizera anotações e riscara palavras) e correu em seguida ao armário para procurar o que precisava. Ao voltar depressa ao seu caldeirão, viu que Malfoy estava picando raízes de valeriana o mais rápido que podia.
Todos olhavam para os lados a ver o que o resto da turma fazia. essa era ao mesmo tempo a vantagem e a desvantagem na aula de Poções: a dificuldade de trabalhar sozinho.
Em dez minutos, a sala toda se encheu de fumaça azulada. Hermione, naturalmente, parecia ter ido mais longe. Sua poção apresentava-se lisa e cor de groselha como o livro dizia ser o ideal ao chegar à metade do processo.
Ao terminar de picar as raízes, Harry debruçou-se outra vez sobre o livro. Era realmente muito irritante tentar decifrar todos os rabiscos bobos do antigo dono, que, por alguma razão, implicara com a instrução para cortar a Vagem Soporífera e anotara uma alternativa:
Amassar com o lado plano da adaga de prata faz escorrer mais seiva do que cortar.
— Professor, acho que o senhor conheceu o meu avô, Abraxas Malfoy.
Harry levantou a cabeça, Slughorn ia passando pela mesa da Sonserina.
— Conheci — confirmou o professor, sem olhar para Malfoy — Lamentei quando soube do seu falecimento, embora não tenha sido inesperado, Varíola de Dragão na idade dele...
Quando Slughorn se afastou, Harry voltou a atenção para o seu caldeirão, rindo. Compreendeu que Malfoy esperara ser tratado como ele ou Zabini, talvez até receber um tratamento privilegiado do tipo que Snape normalmente lhe dispensara. Pelo visto, Malfoy teria de depender apenas do seu talento para ganhar o frasco de Felix Felicis.
A Vagem Soporífera mostrava-se difícil de cortar. Harry virou-se para Hermione.
— Pode me emprestar a sua faca de prata?
Ela concordou impaciente, sem tirar os olhos de sua poção, que continuava muito púrpura, embora o livro dissesse que já deveria estar lilás-clara.
Harry amassou sua vagem com o lado plano da adaga. Para sua surpresa, a planta imediatamente exsudou tanta seiva que ele se admirou que uma vagem seca pudesse conter tanta umidade. Ele a raspou depressa para dentro do caldeirão e constatou, espantado, que a poção imediatamente adquiriu o exato tom lilás descrito no livro.
O seu aborrecimento com o antigo dono desapareceu na hora, Harry agora fazia força para ler a linha seguinte das instruções. Segundo o livro, ele precisava mexer o caldeirão no sentido anti-horário até que a poção ficasse clara como água. Mas, segundo a anotação do antigo dono, ele deveria dar uma mexida no sentido horário para cada sete no sentido anti-horário. Será que o dono anterior estaria mais uma vez certo?
Harry mexeu a poção no sentido anti-horário, prendeu a respiração e deu a mexida no sentido horário. O efeito foi imediato. A porção tornou-se rosa muito claro.
— Como é que você está conseguindo isso? — quis saber Hermione, o rosto muito corado e os cabelos cada vez mais volumosos com o vapor que subia do caldeirão, sua poção continuava decididamente púrpura.
— Dê uma mexida no sentido horário...
— Não, não, o livro diz anti-horário! — retorquiu ela.
Harry encolheu os ombros e continuou o que estava fazendo. Sete mexidas no sentido anti-horário, uma no sentido horário, pausa... sete mexidas no sentido anti-horário, uma no sentido horário...
Do lado oposto da mesa, Rony xingava baixinho sem parar, a poção dele parecia alcaçuz líquido. Harry olhou para os lados. Aparentemente, nenhuma outra poção ficara clara como a dele. Sentiu-se eufórico, coisa que jamais lhe acontecera naquela masmorra.
— E acabou-se... o tempo! — anunciou Slughorn — Por favor, parem de mexer!
O professor caminhou lentamente entre as mesas, examinando o conteúdo dos caldeirões. Não fez comentários, mas ocasionalmente mexia ou cheirava uma das poções. Por fim, chegou à mesa onde estavam Harry, Rony, Hermione e Ernesto. Sorriu ao ver a substância densa e escura no caldeirão de Rony. Passou rapidamente pela preparação de Ernesto. Deu um aceno de aprovação à de Hermione. Então viu a de Harry, e uma expressão de prazer e incredulidade espalhou-se pelo seu rosto.
— Sem dúvida, o vencedor! — exclamou para a masmorra — Excelente, Harry! Deus do céu, é inegável que você herdou o talento de sua mãe que tinha uma mão ótima para Poções, a Lílian. Tome aqui, então, tome aqui: um frasco de Felix Felicis, conforme prometi, e use-o bem!
Harry guardou o frasquinho de líquido dourado no bolso interno das vestes, sentindo uma estranha mescla de prazer ao ver os olhares furiosos dos alunos da Sonserina e remorso frente à expressão de desapontamento de Hermione. Rony estava simplesmente estarrecido.
— Como foi que você fez aquilo? — sussurrou para o amigo, ao deixarem a masmorra.
— Tive sorte, presumo — respondeu Harry preocupado que Malfoy os ouvisse.
Uma vez, porém, refestelados à mesa da Grifinória para jantar, ele se sentiu seguro para contar aos amigos. O rosto de Hermione foi endurecendo a cada palavra que ele dizia.
— Suponho que você esteja achando que colei? — concluiu ele, incomodado com sua expressão.
— Bem, não foi exatamente trabalho seu, não é? — disse tensa.
— Ele apenas seguiu instruções diferentes das nossas — defendeu-o Rony — Poderia ter sido uma catástrofe, não é? Mas ele arriscou e se deu bem — ele suspirou — Slughorn bem podia ter dado aquele livro para mim, mas não, me deu um em que ninguém escreveu nada. Vomitou, pela aparência da página cinquenta e dois, mas...
— Calma aí — disse uma voz ao ouvido esquerdo de Harry, que sentiu a repentina presença do aroma floral que reconhecera na masmorra de Slughorn. Ele se virou e viu Gina ao lado deles — Será que ouvi direito? Você andou seguindo ordens que alguém escreveu em um livro, Harry?
Ela estava assustada e zangada.
Harry entendeu imediatamente o que passava pela cabeça da amiga.
— Não foi nada importante — tranquilizou-a, baixando a voz — Sabe, não foi como no caso do Diário de Riddle. Era só um livro-texto velho em que alguém fez anotações.
— Mas você seguiu o que estava escrito?
— Só experimentei umas dicas escritas à margem, verdade, Gina, não tem nada suspeito...
— Gina tem razão — disse Hermione, empertigando-se instantaneamente — Temos de verificar se não há nada esquisito com o livro. Quero dizer, todas aquelas instruções engraçadas, quem sabe?
— Ei! — exclamou Harry indignado, ao ver Hermione tirar o exemplar de Estudos Avançados no Preparo de Poções da mochila dele e erguer a varinha.
— Specialis revelio! — ordenou ela, dando uma pancadinha rápida na capa do livro.
Nada aconteceu.
O livro continuou imóvel, apenas velho, sujo e cheio de orelhas.
— Terminou? — perguntou Harry irritado — Ou quer esperar para ver se o livro dá umas cambalhotas?
— Parece normal — concluiu Hermione, ainda mirando o livro desconfiada — Quero dizer, parece que é realmente... um simples livro.
— Que bom. Então posso guardá-lo — concluiu Harry, apanhando na mesa o livro, que escorregou de sua mão e caiu aberto no chão.
Ninguém mais estava olhando.
Harry se abaixou para recolher o livro e, ao fazer isto, viu uma coisa escrita ao pé da quarta capa, na mesma caligrafia pequena e apertada que as instruções que tinham obtido para ele o frasco de Felix Felicis, agora guardado no malão em seu quarto, muito bem escondido dentro de um par de meias.
Este livro pertence ao Príncipe Mestiço.








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quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Harry Potter e o Enigma do Príncipe - Capítulo 8






— CAPITULO OITO —
O Triunfo de Snape



ELE NÃO CONSEGUIA MOVER UM MÚSCULO. Ficou ali no chão, coberto pela Capa da Invisibilidade, sentindo o sangue, quente e líquido, escorrer do nariz para o rosto, ouvindo as vozes e os passos no corredor. Seu primeiro pensamento foi que alguém, com certeza, verificaria os compartimentos antes do trem tornar a partir. Mas logo lembrou desanimado que, mesmo que alguém desse uma espiada no compartimento, ele não seria visto nem ouvido. O máximo que poderia esperar era que alguém entrasse e pisasse nele.
Harry nunca detestara tanto Malfoy quanto naquele momento, deitado ali como uma ridícula tartaruga de pernas para o ar, o sangue nauseante pingando em sua boca aberta. Em que situação estúpida ele se metera... e agora ouvia os últimos passos se distanciarem, todos estavam se arrastando pela plataforma escura, ouvia os malões raspando o chão e o vozerio das conversas.
Rony e Hermione pensariam que desembarcara do trem sem esperar por eles. Uma vez que chegassem a Hogwarts e ocupassem seus lugares no Salão Principal, olhassem algumas vezes para um lado e outro da mesa da Grifinória e finalmente percebessem que Harry não estava ali, ele, sem dúvida, estaria a meio caminho de Londres.
Harry tentou fazer algum ruído, mesmo que fosse um grunhido, mas era impossível. Então lembrou que alguns bruxos, como Dumbledore, conseguiam realizar feitiços sem falar, e tentou convocar a varinha, que lhe caíra da mão, dizendo mentalmente: Accio varinha!, várias vezes, mas nada aconteceu.
Imaginou ouvir a agitação das árvores que rodeavam o lago, e o pio distante de uma coruja, mas nem sinal de que estivessem fazendo uma busca, e nem mesmo (e se desprezou por sentir tal esperança) vozes muito assustadas, indagando aonde fora Harry Potter. Invadiu-o um sentimento de desesperança ao fantasiar o comboio de carruagens puxadas por testrálios subindo lenta e pesadamente em direção à escola, e os gritos e risadas abafadas que saíam daquela em que ia Malfoy, narrando para os colegas da Sonserina o seu ataque a Harry.
O trem deu um solavanco, fazendo Harry rolar para um lado. Agora, em vez do teto, via a parte de baixo dos bancos, cheia de poeira. O chão começou a vibrar e a máquina, com um ronco, entrou em funcionamento. O Expresso estava partindo, e ninguém sabia que ele continuava a bordo...
Sentiu, então, que lhe arrancavam a capa e ouviu uma voz exclamar:
— E aí, Harry, beleza?
Uma luz vermelha brilhou um instante e seu corpo descongelou, conseguiu sentar-se em uma posição mais digna, limpar depressa o sangue no rosto pisado com as costas da mão e erguer a cabeça para ver Tonks, segurando a Capa da Invisibilidade que acabara de puxar.
— É melhor sairmos rápido daqui — disse, ao ver a fumaça escurecer as janelas e o trem começar a abandonar a estação — Anda, vamos pular.
Harry seguiu-a correndo para fora do compartimento. Tonks abriu a porta do trem e saltou para a plataforma, que parecia estar deslizando embaixo deles à medida que o trem ganhava impulso. Harry imitou-a, cambaleou ligeiramente ao aterrissar e recuperou-se em tempo de ver a reluzente maria-fumaça acelerar, fazer a curva e desaparecer de vista.
O ar frio da noite aliviou o latejamento no nariz. Tonks parara observando-o, ele se sentia furioso e constrangido por ter sido encontrado em posição tão ridícula. Em silêncio, ela lhe devolveu a Capa da Invisibilidade.
— Quem fez isso?
— Draco Malfoy — respondeu Harry amargurado — Obrigado por... bem...
— Tudo bem — disse Tonks, séria.
Pelo que conseguia enxergar no escuro, a bruxa continuava com os cabelos sem vida e a fisionomia infeliz da última vez em que tinham se encontrado n’A Toca.
— Posso endireitar o seu nariz, se você ficar parado.
Harry não gostou muito da idéia, pretendia fazer uma visita a Madame Pomfrey, a enfermeira-chefe, em quem tinha mais confiança em termos de feitiços curativos, mas pareceu-lhe grosseiro dizer isso, então ficou imóvel e fechou os olhos.
— Episkey! — ordenou Tonks.
O nariz de Harry ficou muito quente e, em seguida, muito frio. Ele ergueu a mão e apalpou-o desajeitado. Parecia inteiro.
— Muito obrigado!
— É melhor usar a Capa da Invisibilidade para podermos andar até a escola — disse Tonks ainda séria.
Quando Harry se cobriu com a capa, ela agitou a varinha fazendo surgir um enorme quadrúpede, que voou célere pela escuridão.
— Aquilo era um Patrono? — perguntou Harry, que já vira Dumbledore enviar mensagens assim.
— Era, mandei avisar no castelo que você está comigo, para não se preocuparem. Anda, é melhor não perdermos tempo.
Eles saíram em direção à estrada que levava à escola.
— Como foi que você me encontrou?
— Notei que você não tinha desembarcado do trem e sabia que levava a Capa da Invisibilidade. Achei que podia estar se escondendo por alguma razão. Quando vi a cortina baixada naquele compartimento, resolvi investigar.
— Mas que você está fazendo aqui? — perguntou Harry.
— Estou baseada em Hogsmeade, para reforçar a proteção à escola.
— É só você que está lá ou...?
— Não, Proudfoot, Savage e Dawlish também.
— Dawlish, aquele auror que Dumbledore atacou no ano passado?
— Esse mesmo.
Eles caminharam pesadamente pela estrada deserta, seguindo os sulcos frescos deixados pelas carruagens. De baixo da capa, Harry olhava de esguelha para Tonks.
No ano anterior, ela demonstrava muita curiosidade (a ponto de ser, às vezes, inconveniente), ria sem esforço e fazia brincadeiras. Agora, parecia mais velha e muito mais séria e decidida. Será que tudo isso era consequência do que acontecera no Ministério? Refletiu, constrangido, que Hermione iria sugerir que dissesse uma palavrinha de consolo sobre Sirius, que não fora sua culpa, mas Harry não conseguiu fazer isso. Em hipótese alguma responsabilizava a auror pela morte do seu padrinho, não tinha sido culpa de Tonks nem de qualquer outro (e muito menos dele), mas, podendo evitar, não gostava de falar de Sirius. E assim continuaram a avançar pela noite fria em silêncio, a longa capa de Tonks farfalhando no chão, a cada passo.
Como sempre fizera esse percurso de carruagem, Harry nunca avaliara como Hogwarts era longe da estação de Hogsmeade.
Com grande alívio, avistou finalmente os dois altos pilares que ladeavam os portões da escola, encimados por javalis alados. Sentia frio, sentia fome, e bem gostaria de abandonar essa nova Tonks tristonha. Mas, quando esticou a mão para abrir os portões, viu que estavam fechados com uma corrente.
— Alohomora! — ordenou confiante, apontando a varinha para o cadeado, mas nada aconteceu.
— Não faz efeito nesses portões — disse Tonks — Dumbledore enfeitiçou-os pessoalmente.
Harry olhou para os lados.
— Eu poderia pular o muro — sugeriu.
— Não, não poderia — respondeu a bruxa, categoricamente — Feitiços anti-intrusos em todos os muros. A segurança está cem vezes mais rigorosa este verão.
— Bem, então — concluiu Harry, começando a se sentir incomodado com a má vontade de Tonks — Suponho que eu vá ter de dormir aqui fora e esperar amanhecer.
— Está vindo alguém buscar você. Olhe.
Um lampião balançava à entrada do distante castelo. Harry ficou tão feliz ao vê-lo que sentiu que seria capaz até de suportar os comentários asmáticos de Filch sobre o seu atraso e as reclamações sobre a sua falta de pontualidade, que melhoraria bastante com o uso de anéis de ferro para apertar os seus polegares. Somente quando a luz amarela estava a três metros deles, e Harry despira a Capa da Invisibilidade para ser visto, foi que reconheceu, com uma onda de pura aversão, o nariz curvo e comprido e os cabelos pretos e oleosos de Severo Snape.
— Ora, ora, ora — debochou o professor, e, puxando a varinha, deu um toque no cadeado, fazendo as correntes soltarem e os portões abrirem, rangendo — Que prazer você ter aparecido, Potter, embora seja evidente que, em sua opinião, o uso do uniforme da escola desmerece a sua aparência.
— Não pude me trocar, não tinha o meu... — começou Harry, mas Snape interrompeu-o.
— Não precisa esperar, Ninfadora, Potter está bem... ah... seguro em minhas mãos.
— Enviei minha mensagem a Hagrid — replicou Tonks, enrugando a testa.
— Hagrid se atrasou para o banquete inaugural, como o Potter aqui, então eu a recebi. E a propósito — disse Snape, afastando-se para deixar Harry passar — Achei interessante conhecer o seu novo Patrono.
Ele bateu os portões com estrépito na cara de Tonks e deu um novo toque de varinha nas correntes, que deslizaram, retinindo, à posição inicial.
— Acho que você estava mais bem servida com o antigo — comentou Snape, com inconfundível malícia na voz — O novo parece fraco.
Quando Snape se virou com o lampião, Harry viu, por um breve instante, uma expressão de choque e raiva no rosto de Tonks. Depois, a escuridão tornou a envolvê-la.
— Boa noite — gritou Harry, por cima do ombro, quando começou a andar com Snape em direção à escola — Obrigado por... tudo.
— A gente se vê, Harry.
Snape ficou calado por um momento. Harry sentiu que seu corpo estava gerando ondas de ódio tão poderosas que parecia inacreditável que o professor não as sentisse queimando-o. Sentira aversão a Snape desde a primeira vez em que se encontraram, mas o professor inviabilizara para sempre a possibilidade de ser perdoado por sua atitude com relação a Sirius. Apesar da conversa com Dumbledore, Harry tivera tempo de refletir durante o verão, e concluíra que os comentários ferinos de Snape, de que Sirius ficava escondido e seguro enquanto os outros membros da Ordem da Fênix lutavam contra Voldemort, provavelmente tinham contribuído de modo decisivo para o padrinho correr para o Ministério na noite em que morrera. Harry se aferrava a essa idéia, porque lhe permitia culpar Snape, o que lhe dava satisfação e também a consciência de que se havia alguém que não lamentava a morte de Sirius era o homem que agora caminhava a seu lado na escuridão.
— Cinquenta pontos a menos para a Grifinória pelo atraso — disse o professor — E, vejamos, mais vinte por sua roupa de trouxa. Sabe, creio que nunca houve uma Casa com pontos negativos no início do trimestre, e ainda nem chegamos à sobremesa. Você talvez tenha estabelecido um recorde, Potter.
A fúria e o ódio dentro de Harry chamejavam intensamente, mas ele preferia ter continuado hirto até Londres a contar ao professor por que se atrasara.
— Imagino que quisesse causar sensação, certo? — continuou Snape — E, não dispondo de um carro voador, decidiu que adentrar o Salão Principal no meio do banquete teria um impacto dramático.
Ainda assim, Harry permanecia em silêncio, embora achasse que seu peito ia explodir. Sabia que Snape fora buscá-lo para isso, para ter uns poucos minutos em que alfinetar e atormentar Harry sem ninguém ouvir.
Por fim, chegaram à entrada do castelo e, quando as grandes portas de carvalho se abriram para o amplo saguão lajeado, foram saudados pela zoada de conversas e risos, e tinidos de pratos e copos que ecoavam através das portas abertas do Salão Principal.
Harry se perguntou se poderia usar a Capa da Invisibilidade e, assim, chegar à comprida mesa da Grifinória (que, para seu azar, era a mais distante do saguão) sem ser notado.
Como se tivesse lido os pensamentos de Harry, Snape o advertiu:
— Nada de capa. Pode entrar à vista de todos que, tenho certeza, era o que você queria.
Harry virou-se e, sem hesitar, cruzou o portal do salão: qualquer coisa para se ver livre de Snape. O Salão Principal, com as quatro longas mesas das Casas e a dos professores ao fundo, estava decorado, como sempre, com velas no ar que faziam os pratos refletir e faiscar. Harry, porém, enxergou apenas um borrão tremeluzente. Caminhava tão depressa que passou pela mesa da Lufa-Lufa antes que as pessoas tivessem tempo de olhá-lo, e, quando por fim elas se levantaram para satisfazer sua curiosidade, Harry já localizara Rony e Hermione, e, seguindo em sua direção, passou rápido pelos bancos e se apertou entre os dois.
— Onde é que você... caramba, que foi que fez no rosto? — indagou Rony, arregalando os olhos, como todos que estavam por perto.
— Por que, tem alguma coisa errada? — admirou-se Harry, apanhando uma colher e espiando sua imagem distorcida.
— Você está coberto de sangue! — disse Hermione — Vem cá...
Ela ergueu a varinha e ordenou:
— Tergeo!
E a varinha aspirou todo o sangue seco.
— Obrigado — agradeceu ele, apalpando o rosto agora limpo — Como é que está o meu nariz?
— Normal — respondeu Hermione ansiosa — Por que não estaria? Que aconteceu, Harry, ficamos apavorados!
— Conto depois — respondeu Harry, lacônico.
Sabia que Gina, Neville, Dino e Simas estavam prestando atenção, até Nick Quase Sem Cabeça, o fantasma da Grifinória, se aproximara flutuando ao longo dos bancos para escutar.
— Mas... — protestou Hermione.
— Agora, não, Hermione — replicou, em um tom sombrio cheio de subentendidos.
Desejava muito que todos imaginassem que participara de algum feito heróico, de preferência envolvendo Comensais da Morte e um dementador. Naturalmente Malfoy espalharia a história aos quatro ventos, mas havia sempre uma chance de que não chegasse aos ouvidos de muitos colegas da Grifinória.
Ele se esticou por cima de Rony para apanhar umas coxas de galinha e um punhado de batatas fritas, mas, antes que pudesse comê-las, elas desapareceram e foram substituídas pelas sobremesas.
— Pelo menos você perdeu a Seleção — comentou Hermione, enquanto Rony mergulhava para se servir de uma torta de chocolate.
— O Chapéu disse alguma coisa interessante? — perguntou Harry, servindo-se de um pedaço de torta de caramelo.
— Nada que ainda não tenha dito... aconselhou a nos unirmos frente aos nossos inimigos, você sabe.
— Dumbledore mencionou Voldemort?
— Ainda não, mas ele sempre guarda o discurso sério para depois do banquete, não é? Não deve demorar muito agora.
— Snape disse que Hagrid se atrasou para o banquete...
— Você viu Snape? Como assim? — perguntou Rony entre garfadas frenéticas de torta.
— Topei com ele — respondeu Harry evasivamente.
— Hagrid só se atrasou uns minutinhos — comentou Hermione — Olhe, ele está acenando para você.
Harry olhou para a Mesa dos Professores e sorriu para Hagrid que de fato acenava. O amigo jamais conseguira se comportar com a mesma dignidade da Profª. McGonagall, Diretora da Casa da Grifinória, cuja cabeça batia mais ou menos entre o cotovelo e o ombro de Hagrid, estavam sentados lado a lado, e que manifestava desaprovação a esse cumprimento entusiástico.
Harry se surpreendeu ao ver a Profª. de Adivinhação, Trelawney, sentada do outro lado de Hagrid, ela raramente saía de sua torre, e Harry nunca a vira em um banquete inaugural. Tinha a aparência esquisita de sempre, faiscando com seus colares e longos xales, os olhos ampliados pelos enormes óculos. Harry, que sempre a considerara uma charlatã, ficara chocado ao descobrir, no fim do trimestre anterior, que ela fora a autora da profecia que fizera Lorde Voldemort matar os seus pais e atacá-lo. Saber disso deixou-o ainda menos desejoso de ficar em sua companhia, mas, por sorte, este ano ele não estudaria Adivinhação. Os enormes olhos da professora, que lembravam faróis, viraram em sua direção, ele desviou os seus depressa para a mesa da Sonserina.
Draco Malfoy estava encenando como partir um nariz provocando risos e aplausos estridentes. Harry baixou os olhos para a torta, sentindo outra vez suas entranhas escaldarem. O que não daria para enfrentar Malfoy de homem para homem...
— Então, que é que o Prof. Slughorn queria? — perguntou Hermione.
— Saber o que realmente aconteceu no Ministério.
— Ele e o mundo inteiro — fungou Hermione — O pessoal não parou de interrogar a gente no trem, não foi, Rony?
— Foi. Todos queriam saber se você é realmente o Eleito...
— Tem havido muita discussão sobre o assunto até entre os fantasmas — interrompeu-os Nick Quase Sem Cabeça, inclinando para Harry a cabeça mal presa, fazendo-a balançar perigosamente, sobre a gola de tufos engomados — Sou considerado uma espécie de autoridade em Potter, todos sabem que somos amigos. Mas afirmei à comunidade dos espíritos que não o incomodaria com perguntas. “Harry Potter sabe que pode confiar inteiramente em mim”, falei, “Prefiro morrer a trair sua confiança”.
— O que não me parece grande coisa, porque você já morreu — observou Rony.
— Mais uma vez, você demonstra ter a agudeza de um machado cego — retrucou Nick Quase Sem Cabeça em tom ofendido e, deixando o chão, retornou voando à extremidade oposta da mesa da Grifinória, no momento exato em que Dumbledore se levantava à Mesa dos Professores.
As conversas e risos que ecoavam pelo salão cessaram quase imediatamente.
— Uma grande noite para todos! — começou ele sorridente, abrindo os braços como se quisesse abarcar o salão.
— Que aconteceu à mão dele? — ofegou Hermione.
Ela não foi a única a notar. A mão direita de Dumbledore continuava escura e sem vida como na noite em que ele fora apanhar Harry na casa dos Dursley. Os sussurros percorreram a sala; Dumbledore, interpretando-os corretamente, apenas sorriu e ocultou a lesão, sacudindo a manga roxa e dourada.
— Não há motivo para preocupação — disse em tom suave — Agora... as boas-vindas aos alunos novos; bom retorno aos alunos antigos! Mais um ano de muita educação mágica aguarda a todos...
— A mão dele já estava assim quando o vi no verão — cochichou Harry para Hermione. — Mas pensei que por esta altura ele já a tivesse curado... ele ou Madame Pomfrey.
— Parece morta — comentou Hermione, com uma expressão de repugnância no rosto — Mas há lesões que não têm cura... feitiços antigos... e há venenos sem antídotos...
—... e o Sr. Filch, nosso zelador, me pediu para avisar que estão banidos todos os artigos de logros e brincadeiras comprados na loja chamada Gemialidades Weasley. Os que quiserem jogar nas equipes de quadribol das Casas devem se inscrever com os diretores das Casas, como sempre. Estamos também procurando novos locutores de quadribol, que são convidados a fazer a mesma coisa. Este ano temos o prazer de dar as boas-vindas a um novo membro do corpo docente. O Prof. Slughorn — o bruxo ficou em pé, a careca brilhando à luz das velas, a grande pança sob o colete sombreando a mesa — É um antigo colega meu que aceitou retomar o cargo de Mestre das Poções.
— Poções?
— Poções?
A palavra ressoou por todo o salão enquanto as pessoas se perguntavam se teriam ouvido direito.
— Poções? — repetiram juntos Rony e Hermione, virando-se para Harry — Mas você disse...
— Por sua vez, o Prof. Snape — continuou Dumbledore, alteando a voz para abafar os murmúrios — Assumirá o cargo de Professor de Defesa Contra as Artes das Trevas.
— Não! — exclamou Harry tão alto que muitas cabeças se viraram em sua direção. Ele não se importou, olhava fixamente para a Mesa dos Professores, indignado.
Como é que Snape podia ser nomeado professor de Defesa Contra as Artes das Trevas depois de tanto tempo? Será que todos não sabiam que Dumbledore não confiava nele para assumir essa função?
— Mas, Harry, você disse que Slughorn ia ensinar Defesa Contra as Artes das Trevas! — questionou Hermione.
— Pensei que fosse! — respondeu Harry, vasculhando o cérebro para lembrar quando Dumbledore dissera isso, mas, agora que voltava a pensar no assunto, não conseguia recordar que Dumbledore tivesse mencionado o que Slughorn iria ensinar.
Snape, que estava sentado à direita de Dumbledore, não se ergueu ao ouvir seu nome, apenas elevou a mão displicentemente para agradecer os aplausos da mesa da Sonserina. Harry, contudo, teve certeza de identificar uma expressão de triunfo nas feições que tanto detestava.
— Bem, tem uma coisa boa — disse com selvageria — Snape irá embora até o fim do ano.
— Como assim? — perguntou Rony.
— O cargo é azarado. Ninguém aguentou mais de um ano... Quirrell até morreu. Pessoalmente, vou torcer para que haja outra morte...
— Harry! — exclamou Hermione, demonstrando surpresa e desaprovação.
— Mas talvez ele simplesmente volte a ensinar Poções no fim do ano — argumentou Rony — O tal Slughorn pode não querer ficar muito tempo. O Moody não quis.
Dumbledore pigarreou.
Harry, Rony e Hermione não eram os únicos que conversavam, o salão todo explodira em murmúrios à notícia de que Snape, enfim, realizara o seu mais acalentado desejo.
Dumbledore, parecendo indiferente à natureza sensacional da notícia que acabara de dar, nada falou sobre outras designações e esperou alguns segundos até obter absoluto silêncio antes de prosseguir.
— Nem todos os presentes neste salão sabem que Lorde Voldemort e seus seguidores estão mais uma vez em liberdade e cada vez mais fortes.
O silêncio pareceu se expandir e retrair enquanto Dumbledore discursava.
Harry olhou para Malfoy. Mas o rapaz, em vez de olhar para o diretor, fazia o seu garfo pairar no ar com a varinha, como se achasse as palavras de Dumbledore indignas de atenção.
— Não posso enfatizar suficientemente o perigo da presente situação, e o cuidado que cada um de nós, em Hogwarts, precisa tomar para garantir que continuemos seguros. As fortificações mágicas do castelo foram reforçadas durante o verão, estamos protegidos de maneiras novas e mais poderosas, mas ainda assim precisamos nos defender escrupulosamente dos descuidos de estudantes e funcionários. Peço, portanto, que respeitem as restrições de segurança que os professores possam impor a vocês, por mais incômodas que lhes pareçam, particularmente a norma de não sair da cama depois do toque de recolher. Imploro que, ao notarem alguma coisa estranha ou suspeita dentro ou fora do castelo, comuniquem imediatamente a um funcionário. Confio que agirão sempre com o maior respeito pela segurança dos outros e pela sua própria.
Os olhos azuis de Dumbledore percorreram os rostos dos estudantes e, por fim, ele tornou a sorrir.
— Mas no momento suas camas estão à sua espera, quentes e confortáveis como poderiam desejar, e sei que a sua maior prioridade é descansar para as aulas de amanhã. Vamos, portanto, dizer boa noite. Pip, pip!
Com o atrito ensurdecedor habitual, os bancos foram afastados e centenas de estudantes começaram a sair do Salão Principal em direção aos dormitórios.
Harry, que não estava com a menor pressa de acompanhar a multidão curiosa nem de se aproximar de Malfoy para lhe dar a chance de repetir a história da pisada no nariz, retardou sua saída, fingindo amarrar o cordão do tênis, deixando a maioria dos colegas da Grifinória seguirem à frente.
Hermione saíra correndo um pouco antes para, cumprindo a tarefa de monitora, arrebanhar os alunos do primeiro ano, mas Rony ficou com Harry.
— Que aconteceu realmente com o seu nariz? — perguntou, quando chegaram ao final do ajuntamento que procurava sair do salão, e ninguém mais podia ouvi-los.
Harry contou-lhe. Rony não riu, demonstrando a força de sua amizade.
— Vi Malfoy imitando alguma coisa com relação a nariz — comentou sombriamente.
— É, bem, deixa isso para lá — disse Harry amargurado — Escuta só o que ele estava dizendo antes de me descobrir lá...
Harry calculara que Rony ficasse chocado com as bravatas de Malfoy. Mas, com o que Harry considerava uma demonstração de puro cabeça-durismo, o amigo não se deixou impressionar.
— Ora, Harry, ele estava só se exibindo para a Parkinson... que tipo de missão Você-Sabe-Quem daria a ele?
— Como é que você sabe que Voldemort não precisa de uma pessoa em Hogwarts? Não seria a primeira...
— Eu gostaria que você parasse de falar esse nome, Harry — repreendeu-o uma voz às suas costas. Ele espiou por cima do ombro e viu Hagrid balançando a cabeça.
— É o nome que Dumbledore usa — insistiu Harry.
— É, mas isso é o Dumbledore! — disse Hagrid com ar misterioso — Então, por que foi que se atrasou, Harry? Fiquei preocupado.
— Tive um imprevisto no trem. E por que você se atrasou?
— Estive com o Grope — respondeu Hagrid satisfeito — Não vi o tempo passar. Ele agora tem uma casa nas montanhas, foi Dumbledore que arranjou, uma bela caverna. Ele está muito mais feliz do que na Floresta. Estivemos batendo um bom papo.
— Sério? — exclamou Harry, tomando o cuidado de não olhar para Rony.
A última vez que encontrara o meio-irmão de Hagrid, um gigante selvagem com talento para arrancar árvores pela raiz, seu vocabulário tinha apenas cinco palavras, duas das quais ele não conseguia pronunciar direito.
— Ah, ele melhorou muito — explicou Hagrid orgulhoso — Você ficaria espantado. Estou pensando em treinar Grope para ser meu assistente.
Rony abafou uma gargalhada pelo nariz, fazendo parecer que era um violento espirro.
Os três estavam agora diante das portas do castelo.
— Então, vejo você amanhã, a primeira aula logo depois do almoço. Se chegar mais cedo, vai poder dar um alô ao Bic... quero dizer ao Asafugaz!
E, erguendo o braço em alegre despedida, o gigante saiu em direção à escuridão.
Harry e Rony se entreolharam.
Harry sabia que o amigo estava sentindo o mesmo desânimo que ele.
— Você não se matriculou em Trato das Criaturas Mágicas, não é?
Rony sacudiu a cabeça.
— Nem você, né?
Harry sacudiu a cabeça, também.
— E a Hermione — disse Rony — Não, né?
Harry tornou a sacudir a cabeça.
Nem queria pensar no que diria Hagrid quando percebesse que seus três alunos favoritos tinham desistido da sua matéria.







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