sábado, 29 de setembro de 2012

[SESSÃO PREMIER 2] Os Sete Suspeitos [Clue]




Uma das melhores comédias que eu já assisti, "Os Sete Suspeitos" reúne grandes nomes como Tim Curry e Christopher Lloyd numa comédia de humor negro em sua melhor performance dos anos 80, década cheia de boas piadas.



Informações Técnicas:
Título no Brasil:  Os Sete Suspeitos
Título Original:  Clue
País de Origem:  EUA
Gênero:  Comédia
Tempo de Duração: 96 minutos
Ano de Lançamento:  1985
Estúdio/Distrib.:  Paramount Pictures
Direção:  Jonathan Lynn 
Idioma: Dublado
Legenda: Não

Eileen Brennan como a Sra. Peacock
Tim Curry como Wadsworth o Mordomo
Madeline Kahn como a Sra. White
Christopher Lloyd como Professor Plum
Michael McKean como o Sr. Green
Martin Mull como o Coronel Mostarda
Lesley Ann Warren como Miss Scarlet



SINOPSE: Baseado no jogo de detetive Clue, o filme "Os Sete Suspeitos" conta a história de um grupo de pessoas que nunca se viram chegando a uma tenebrosa mansão, todos convidados pelo misterioso Sr.Boddy. Mas então acontece um assassinato, e qualquer um pode ser suspeito. O culpado será o mordomo? Ou será o Coronel Mostarda? Ou quem sabe o Sr.Marinho? Descubra o culpado enquanto se diverte nessa hilariante comédia de humor negro.



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sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Harry Potter e o Enigma do Príncipe - Capítulo 28





— CAPÍTULO VINTE E OITO —
A FUGA DO PRÍNCIPE



HARRY TEVE A SENSAÇÃO DE QUE ELE TAMBÉM estava sendo arremessado pelo espaço, não tinha acontecido... não podia ter acontecido...
— Fora daqui, rápido — disse Snape.
Ele agarrou Malfoy pelo cangote e forçou-o a sair pela porta, à frente dos outros. Greyback e os irmãos atarracados os seguiram, os dois ofegando agitados. Quando eles desapareceram pela porta, Harry percebeu que recuperara os movimentos, o que o mantinha agora paralisado contra a parede não era magia, mas choque e horror. Arrancou a Capa da Invisibilidade na hora em que o Comensal da Morte de cara bruta, o último a deixar o alto da Torre, ia sumindo pela porta.
— Petrificus Totalus!
O Comensal da Morte se dobrou como se tivesse sido atingido por algo sólido e caiu no chão, rígido como uma estátua de cera, mas mal acabara de bater no chão e Harry já passava por cima dele e descia correndo a escada escura.
O terror assaltava Harry... tinha de chegar a Dumbledore e tinha de pegar Snape... por alguma razão, as duas coisas estavam ligadas... poderia reverter o que acontecera se pudesse juntar os dois... Dumbledore não podia ter morrido...
Ele saltou os dez últimos degraus da escada espiral e parou onde aterrissara, a varinha em punho: o corredor mal iluminado estava cheio de poeira, metade do teto parecia ter cedido e, à sua frente, travava-se uma batalha violenta. Enquanto ele tentava distinguir quem enfrentava quem, ouviu a voz que odiava gritar: “Acabou, hora de partir!”, e viu Snape virar no fim do corredor, ele e Malfoy pareciam ter aberto caminho entre os combatentes e escapado ilesos.
Quando Harry se atirou no encalço deles, um dos bruxos se destacou do conflito e avançou para ele, era o lobisomem Greyback. Derrubou Harry antes que ele pudesse erguer a varinha: o garoto caiu de costas, sentindo os cabelos imundos no rosto, o fedor de suor, e o sangue na boca e no nariz, um bafo quente e voraz em seu pescoço...
— Petrificus Totalus!
Harry sentiu Greyback desmontar em cima dele, com um esforço descomunal, ele empurrou o lobisomem no chão na hora em que um jorro de luz verde veio em sua direção, ele desviou-se e mergulhou no meio dos combatentes. Seus pés bateram em alguma coisa mole e escorregadia no chão, e ele perdeu o equilíbrio: havia dois corpos caídos ali, de cara para baixo, em uma poça de sangue, mas não havia tempo para investigar.
Harry viu uma cabeleira vermelha agitando-se como línguas de fogo à sua frente. Gina lutava contra o Comensal da Morte pesadão, Amico, que lançava feitiço sobre feitiço contra a garota, que se desviava, o bruxo ria, sentindo prazer no esporte:
— Crucio.. Crucio... você não pode dançar para sempre, lindinha...
— Impedimenta! — berrou Harry.
Seu feitiço atingiu Amico no peito. Ele soltou um guincho porcino de dor ao ser arrebatado e arremessado contra a parede oposta, de onde deslizou para o chão e desapareceu atrás de Rony, da Profª. McGonagall e Lupin, cada qual enfrentando um Comensal da Morte, mais além, Harry viu Tonks dando combate a um enorme bruxo louro que lançava feitiços em todas as direções, fazendo-os ricochetear nas paredes em volta, rachar pedra e estilhaçar a janela mais próxima...
— Harry, de onde é que você veio? — gritou Gina, mas não havia tempo para responder.
O garoto baixou a cabeça e prosseguiu disparado pelo corredor, escapando por um triz de algo que explodiu acima de sua cabeça, fazendo chover cacos de parede sobre todos.
Snape não podia escapar, ele tinha de pegar Snape...
— Isto é para você! — gritou a Profª. McGonagall, e Harry viu de relance a mulher Comensal da Morte, Aleto, fugindo pelo corredor com os braços sobre a cabeça, o irmão em seus calcanhares.
Harry disparou atrás dos dois, mas seu pé prendeu em alguma coisa e, no momento seguinte, ele estava caído sobre as pernas de alguém. Olhando para os lados, identificou o rosto pálido e redondo de Neville chapado no chão.
— Neville, você está...?
— Tô bem — murmurou ele, apertando a barriga — Harry... Snape e Malfoy... passaram correndo...
— Eu sei, estou sabendo! — respondeu Harry no chão, mirando um feitiço no Comensal da Morte responsável por grande parte do caos.
Atingido no rosto, o homem soltou um uivo de dor; virou-se, cambaleou e, então, bateu em retirada atrás de Amico e Aleto.
Harry se ergueu do chão e tornou a desembestar pelo corredor, sem dar atenção aos estampidos às suas costas, aos chamados dos outros para que voltasse e ao grito mudo dos vultos caídos, cujo destino ele ainda desconhecia... derrapou na curva, seus tênis sujos de sangue escorregavam, Snape levava uma enorme dianteira.
Era possível que já tivesse entrado no Armário na Sala Precisa, ou será que a Ordem tomara providências para fechá-lo e impedir que os Comensais da Morte se retirassem por ali? Harry não ouvia nada, exceto as batidas dos próprios pés correndo, do próprio coração ribombando enquanto acelerava pelo corredor seguinte, deserto. Então, ele viu marcas de sangue no chão indicando que pelo menos um dos Comensais da Morte fugitivos rumava para as portas de entrada, talvez a Sala Precisa estivesse, de fato, bloqueada...
Harry entrou derrapando por outro corredor, e um feitiço passou voando, ele mergulhou atrás de uma armadura que explodiu, viu, então, os irmãos Comensais que desciam correndo a escadaria de mármore e disparou feitiços contra os dois, mas atingiu apenas várias bruxas de peruca, em um quadro do patamar, que fugiram aos guinchos para os quadros vizinhos, quando transpunha os destroços da armadura, Harry ouviu mais gritos, outras pessoas no castelo pareciam ter acordado...
Lançou-se por um atalho, na esperança de ultrapassar os irmãos e alcançar Snape e Malfoy, que, àquela altura, certamente já teriam chegado aos jardins, lembrando-se de saltar o degrau que sumia na metade da escada secreta, ele irrompeu pela tapeçaria que havia embaixo e saiu em um corredor onde estavam parados vários alunos da Lufa-Lufa de pijama, desnorteados.
— Harry! Ouvimos um barulho, e alguém mencionou a Marca Negra... — começou Ernesto Macmillan.
— Sai do caminho! — berrou Harry, empurrando dois garotos e correndo em direção ao patamar e ao último lance da escadaria de mármore.
As portas de carvalho na entrada tinham sido arrombadas, havia manchas de sangue no chão, e vários estudantes aterrorizados se encolhiam às paredes, uns dois deles cobriam o rosto com os braços, a enorme ampulheta da Grifinória fora atingida por um feitiço, e os rubis que continha ainda caíam, produzindo um ruído seco no piso lajeado...
Harry voou pelo Saguão de Entrada e saiu para os jardins escuros: mal conseguia divisar três vultos que corriam pelo gramado em direção aos portões, onde poderiam Aparatar, pelo jeito, o enorme Comensal da Morte louro e, mais à frente, Snape e Malfoy...
Harry sentiu o ar frio da noite dilacerar seus pulmões quando disparou atrás deles, ele viu um lampejo ao longe que momentaneamente recortou a silhueta dos fugitivos, apesar de não saber o que seria, continuou a correr, ainda não se aproximara o suficiente para fazer pontaria...
Outro lampejo, gritos, jorros de luz em resposta, e Harry entendeu: Hagrid saíra de sua cabana e estava tentando deter os Comensais da Morte em fuga e, embora cada hausto parecesse rasgar seus pulmões e a pontada em seu peito ardesse como uma labareda, Harry acelerou enquanto uma voz em sua cabeça dizia: Hagrid não... Hagrid também não...
Alguma coisa atingiu Harry, com força, nos rins, e ele caiu, seu rosto bateu no chão, o sangue espirrou das narinas: concluiu, mesmo enquanto se virava, com a varinha em punho, que os irmãos que ele ultrapassara ao pegar o atalho se aproximavam às suas costas...
— Impedimenta! — berrou ele, tornando a se virar, agachando-se rente ao chão escuro e, milagrosamente, seu feitiço atingiu um deles, que cambaleou e caiu, derrubando o outro.
Harry ergueu-se de um salto e continuou a correr atrás de Snape...
E, à claridade da lua crescente que surgiu inesperadamente por trás das nuvens, ele viu a vasta silhueta de Hagrid; o Comensal da Morte louro alvejava-o com sucessivos feitiços, mas a imensa força de Hagrid e a pele dura que herdara da mãe giganta pareciam protegê-lo. Snape e Malfoy, no entanto, continuavam a correr, logo estariam fora dos portões, e poderiam Aparatar... Harry passou, desembalado, por Hagrid e seu oponente, mirou nas costas de Snape e berrou:
— Estupefaça!
Errou; o jorro de luz vermelha passou ao largo da cabeça de Snape, o professor gritou: “Corra, Draco!”, e virou-se; a uns dezoito metros de distância, ele e Harry se encararam antes de erguer simultaneamente as varinhas.
— Cruc...
Snape, porém, aparou o feitiço, derrubando Harry para trás antes que ele pudesse completar a maldição. O garoto rolou para um lado e tornou a se levantar na hora em que o enorme Comensal às suas costas berrou: “Incêndio!”, Harry ouviu uma forte explosão e uma luz laranja se derramou sobre todos: a casa de Hagrid estava pegando fogo.
— Canino está preso lá dentro, seu maligno...! — urrou Hagrid.
— Cruc... — berrou Harry pela segunda vez, mirando no vulto iluminado à luz das chamas, mas Snape tornou a bloquear o feitiço.
Harry podia ver seu sorriso desdenhoso.
— Suas Maldições Imperdoáveis não me atingem, Potter! — gritou ele, sobrepondo-se ao ruído das chamas, aos gritos de Hagrid e aos ganidos alucinados de Canino — Você não tem a coragem nem a habilidade...
— Incarc... — urrou Harry, mas Snape desviou o feitiço com um gesto quase indolente — Revide — gritou Harry — Revide, seu covarde...
— Você me chamou de covarde, Potter? — gritou Snape — Seu pai nunca me atacava, a não ser que fossem quatro contra um, que nome você daria a ele?
— Estupe...
— Bloqueado outra vez e outra e mais outra, até você aprender a manter a boca e a mente fechadas, Potter! — debochou Snape, desviando mais uma vez o feitiço — Agora, venha! — gritou o professor para o Comensal da Morte às costas de Harry — Está na hora de ir, antes que o Ministério apareça.
— Impedi...
Antes, porém, que Harry pudesse terminar o feitiço, sentiu uma dor excruciante, tombou no gramado, alguém estava gritando, ele certamente morreria de tormento, Snape ia torturá-lo até morrer ou enlouquecer...
— Não! — urrou Snape, e a dor parou tão subitamente quanto começara.
Harry ficou enroscado no gramado escuro, apertando a varinha ofegante, em algum lugar no alto, Snape gritava:
— Você esqueceu as suas ordens? Potter pertence ao Lorde das Trevas... temos de deixá-lo! Vá! Vá!
E Harry sentiu o chão estremecer sob seu rosto quando os irmãos e o enorme Comensal em obediência correram para os portões. O garoto soltou um grito inarticulado de raiva: naquele instante, não se importava se ia viver ou morrer, pondo-se em pé com esforço, ele cambaleou às cegas em direção a Snape, o homem que agora ele odiava tanto quanto odiava o próprio Voldemort...
— Sectum...
Snape acenou com a varinha, e o feitiço foi de novo repelido, mas Harry agora estava a poucos passos, e finalmente podia ver com clareza o rosto de Snape: ele já não ria desdenhoso nem caçoava, as labaredas mostravam um rosto enfurecido.
Reunindo todo o seu poder de concentração, Harry pensou Levi...
— Não, Potter! — gritou Snape.
Houve um forte estampido e Harry voou para trás, tornando a bater duramente no chão e, desta vez, a varinha escapou-lhe da mão. Ele ouvia os gritos de Hagrid e os uivos de Canino, quando Snape se aproximou e contemplou-o ali caído, sem varinha, indefeso como Dumbledore estivera. O rosto pálido do professor, iluminado pela cabana em chamas, estava impregnado de ódio, tal como estivera pouco antes de amaldiçoar Dumbledore.
— Você se atreve a usar os meus feitiços contra mim, Potter? Fui eu quem os inventei: eu, o Príncipe Mestiço! E você viraria as minhas invenções contra mim, como o nojento do seu pai, não é? Eu acho que não... não!
Harry mergulhara para recuperar a varinha, Snape lançou um feitiço na varinha, que voou longe, no escuro, e desapareceu de vista.
— Me mate, então — ofegou Harry, que não sentia o menor medo, apenas raiva e desdém — Me mate como matou ele, seu covarde...
— NÃO... — gritou Snape, e seu rosto ficou inesperadamente desvairado, desumano, como se sentisse tanta dor quanto o cão que gania e uivava preso na casa incendiada às suas costas —... ME CHAME DE COVARDE!
E ele golpeou o ar: Harry sentiu uma espécie de chicotada em brasa atingi-lo no rosto e foi atirado de costas no chão. Manchas luminosas explodiram diante de seus olhos e, por um momento, todo o ar pareceu ter fugido do seu corpo, então, ele ouviu um farfalhar de asas no ar e uma coisa enorme obscureceu as estrelas: Bicuço mergulhara contra Snape, que cambaleou para trás ao ser atacado por garras afiadíssimas.
Enquanto Harry procurava sentar, a cabeça atordoada pelo último impacto contra o chão, ele viu Snape a toda velocidade, o enorme animal perseguindo-o, aos gritos, como Harry jamais o vira gritar...
O garoto levantou-se com dificuldade, procurando, às tontas, a varinha, na esperança de prosseguir em sua caçada, mas, mesmo enquanto apalpava a grama, catando gravetos, percebeu que seria tarde demais; de fato, até conseguir localizar a varinha e se virar, ele viu apenas o hipogrifo circulando sobre os portões.
Snape conseguira Aparatar fora dos limites da escola.
— Hagrid — murmurou Harry, ainda atordoado, olhando para os lados — HAGRID?
Ele cambaleava em direção à casa em chamas quando um enorme vulto emergiu da cabana, carregando Canino às costas. Com um grito de agradecimento, Harry caiu de joelhos; todos os seus membros tremiam, seu corpo doía inteiro, e sua respiração provocava pontadas dolorosas.
— Você tá bem, Harry? Você tá bem? Fala comigo, Harry...
O enorme rosto peludo de Hagrid pairava acima de Harry, escondendo as estrelas. O garoto sentia o cheiro de madeira e pelo de cachorro queimados, ele esticou a mão e tocou o corpo quente e vivo de Canino, agitando-se ao lado dele.
— Estou bem — ofegou Harry — E você?
— Claro que estou... precisa mais do que isso para me liquidar.
Hagrid enfiou as mãos por baixo dos braços de Harry e ergueu-o com tal força que os pés do garoto abandonaram momentaneamente o chão, enquanto o gigante o punha de pé. Harry viu o sangue escorrendo pelo rosto do amigo, o corte profundo embaixo de um olho que inchava rapidamente.
— Devíamos apagar o incêndio em sua casa — disse Harry — O feitiço é Aguamenti...
— Eu sabia que era alguma coisa assim — murmurou Hagrid, e erguendo um fumegante guarda-chuva rosa florido ordenou — Aguamenti!
Um jorro de água saiu da ponta do guarda-chuva. Harry ergueu o braço da varinha que parecia de chumbo e também murmurou: “Aguamenti”, juntos, ele e Hagrid despejaram água na casa até que a última chama se extinguisse.
— Não tá muito ruim — comentou Hagrid esperançoso alguns minutos depois, olhando para o rescaldo fumegante — Nada que Dumbledore não possa consertar...
Harry sentiu uma dor lancinante no estômago ao som desse nome. No silêncio e quietude, o horror despertou em seu íntimo.
— Hagrid...
— Eu estava enfaixando as pernas de uns tronquilhos, quando ouvi os Comensais vindo — disse Hagrid triste, ainda contemplando a cabana destruída — Devem ter queimado os gravetos, os coitadinhos...
— Hagrid...
— Mas que aconteceu, Harry? Vi os Comensais da Morte descerem correndo do castelo, mas que diabos o Snape estava fazendo no meio deles? Aonde é que ele foi?... Estava perseguindo eles?
— Ele... — Harry pigarreou, a garganta seca com o pânico e a fumaça — Hagrid, ele matou...
— Matou? — exclamou Hagrid em voz alta, encarando Harry — Snape matou? De que você está falando, Harry?
— Dumbledore. Snape matou... Dumbledore.
Hagrid ficou olhando para ele, o pouco do seu rosto à mostra manifestava total incompreensão.
— Dumbledore o quê, Harry?
— Está morto. Snape o matou...
— Não diz isso — censurou-o Hagrid com rispidez — Snape matar Dumbledore... não seja idiota, Harry. De onde tirou essa ideia?
— Vi acontecer.
— Não pode ter visto.
— Vi, Hagrid.
Hagrid sacudiu a cabeça, em seu rosto havia uma expressão incrédula, mas simpática, e Harry percebeu que o amigo pensava que ele tivesse levado uma pancada na cabeça, que estivesse atordoado, talvez com sequelas de um feitiço...
— O que deve ter acontecido foi que Dumbledore deve ter mandado Snape acompanhar os Comensais da Morte — explicou Hagrid confiante — Imagino que ele precise manter o disfarce. Olhe, vamos levar você de volta à escola. Venha, Harry...
O garoto não tentou discutir nem explicar. Ainda tremia descontroladamente. Cedo Hagrid descobriria, cedo demais...
Quando caminhavam para o castelo, Harry observou que agora havia luz em muitas janelas: podia imaginar nitidamente as cenas quando as pessoas fossem, de um aposento a outro, contar que os Comensais da Morte tinham entrado, que a Marca brilhava sobre Hogwarts, que alguém devia ter sido morto...
À frente, as portas de carvalho estavam abertas, inundando de luz a estrada e o gramado. Insegura e lentamente, pessoas vestidas com roupões desciam os degraus da entrada, procurando, nervosas, sinal dos Comensais da Morte que tinham se embrenhado na noite. Os olhos de Harry, porém, estavam fixos no gramado ao pé da torre mais alta. Imaginou ver caída ali uma massa escura, embora estivesse realmente muito longe para enxergar alguma coisa. Mesmo enquanto olhava em silêncio o lugar onde supunha que o corpo de Dumbledore estivesse, ele viu gente começando a se deslocar para lá.
— Que é que todos estão olhando? — perguntou Hagrid, quando os dois se aproximaram da fachada do castelo, Canino colado aos seus calcanhares — Que é aquilo caído no gramado? — perguntou Hagrid bruscamente, rumando para a Torre de Astronomia, onde ia se formando um pequeno ajuntamento — Está vendo, Harry? Bem no pé da Torre? Embaixo do lugar onde a Marca... caramba... você acha que alguém foi atirado...?
Hagrid se calou, o pensamento parecia terrível demais para ser expresso em voz alta. Harry caminhava ao seu lado, sentindo o desconforto e as dores no rosto e nas pernas onde fora atingido por feitiços, na última meia hora, embora de um modo estranhamente neutro, como se outro alguém próximo a ele os sentisse. Real e inelutável era a sensação terrível que comprimia o seu peito...
Ele e Hagrid atravessaram, como em sonho, a multidão que murmurava até bem à frente, onde estudantes e professores estarrecidos tinham deixado uma clareira. Harry ouviu o lamento de dor e surpresa de Hagrid, mas não parou: continuou a avançar até chegar onde Dumbledore jazia, e se agachou ao seu lado. O garoto percebera que não havia esperança no instante em que o Feitiço do Corpo Preso que Dumbledore lançara sobre ele cessara, percebera que aquilo só poderia ter acontecido porque quem lançara o feitiço estava morto, contudo, ainda não tinha se preparado para vê-lo ali, de braços e pernas abertos, quebrado: o maior bruxo que Harry conhecera ou jamais conheceria.
Os olhos de Dumbledore estavam fechados, exceto pelo estranho ângulo dos braços e pernas, ele poderia estar dormindo. Harry estendeu a mão, acertou os oclinhos de meia-lua no nariz torto do diretor e limpou um filete de sangue de sua boca, com a manga das próprias vestes. Então, contemplou o rosto velho e sábio, e tentou absorver a enorme e incompreensível verdade: nunca mais Dumbledore falaria com ele, nunca mais poderia ajudar...
A multidão murmurava às costas de Harry. Decorrido o que lhe pareceu um longo tempo, ele tomou consciência de que estava ajoelhado em cima de algo duro, e olhou para baixo.
O medalhão que tinham conseguido roubar, havia tantas horas, caíra do bolso de Dumbledore e abrira-se, talvez em consequência da força com que batera no chão. E, embora Harry não pudesse sentir maior choque, horror ou tristeza do que já sentia, ele percebeu, ao apanhá-lo, que alguma coisa estava errada... revirou o medalhão nas mãos. Não era tão grande quanto o que vira na Penseira, nem tinha marcas distintivas, nenhum sinal do S caprichoso que supostamente era a insígnia de Slytherin. Além disso, não havia nada dentro a não ser um pedaço de pergaminho dobrado e encaixado à força onde devia haver um retrato.
Com um gesto automático, sem realmente pensar no que fazia, Harry tirou o fragmento de pergaminho, abriu-o e leu-o à luz das muitas varinhas agora acesas atrás:

Ao Lorde das Trevas,
     Sei que há muito estarei morto quando ler isto, mas quero que saiba que fui eu quem descobriu o seu segredo. Roubei a Horcrux verdadeira e pretendo destruí-la assim que puder. Enfrento a morte na esperança de que, quando você encontrar um adversário à altura, terá se tornado outra vez mortal.

R.A.B.

Harry não sabia o que significava aquela mensagem nem se importava com isso. Uma única coisa importava: aquilo não era uma Horcrux. Dumbledore se enfraquecera bebendo a terrível poção para nada.
Harry amassou o pergaminho na mão e as lágrimas queimaram seus olhos no momento em que, às suas costas, Canino começava a uivar.






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quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Harry Potter e o Enigma do Príncipe - Capítulo 27





— CAPITULO VINTE E SETE —
A TORRE ATINGIDA PELO RAIO



DE VOLTA À NOITE ESTRELADA, Harry carregou Dumbledore para cima do pedregulho mais próximo e ajudou-o a ficar de pé. Encharcado e trêmulo, ainda sustentando o peso de Dumbledore, Harry se concentrou como nunca fizera antes em sua destinação: Hogsmeade. Fechando os olhos e apertando, com toda a força, o braço de Dumbledore, ele mergulhou naquela sensação de horrível compressão.
O garoto percebeu que dera certo antes de abrir os olhos: o cheiro de sal e brisa marinha haviam desaparecido. Ele e Dumbledore estavam tremendo e pingando água no meio da escura rua principal de Hogsmeade. Por um terrível momento, sua imaginação lhe mostrou mais Inferi que surgiam dos lados das lojas e se arrastavam em sua direção, mas ele piscou e viu que nada se movia, tudo estava quieto, a escuridão era total, exceto por uns poucos lampiões e janelas iluminadas no primeiro andar.
— Conseguimos, professor! — sussurrou Harry com dificuldade, ele percebeu, de repente, que sentia uma pontada ardida no peito — Conseguimos! Encontramos a Horcrux!
Dumbledore vacilou de encontro a Harry. Por um momento, o garoto pensou que sua Aparatação amadora tivesse desequilibrado o professor, então viu o rosto de Dumbledore, mais pálido e úmido que nunca, à luz distante do lampião de rua.
— Senhor, o senhor está bem?
— Já estive melhor — respondeu Dumbledore com a voz sumida, embora os cantos de sua boca tentassem sorrir — Aquela poção não era uma bebida saudável...
E, para horror de Harry, o professor caiu ao chão.
— Senhor... tudo ok, senhor, o senhor vai ficar bom, não se preocupe...
Ele olhou em volta, desesperado, procurando ajuda, mas não havia ninguém à vista, e só conseguia pensar que, de alguma maneira, tinha de levar Dumbledore, depressa, para a Ala Hospitalar.
— Precisamos levar o senhor para a escola, senhor... Madame Pomfrey...
— Não — contestou Dumbledore — É... do Prof. Snape que preciso... mas acho que não... posso ir muito longe no momento...
— Certo... senhor, escute... vou bater em uma porta, encontrar um lugar em que possa ficar... e então correr para buscar Madame...
— Severo — repetiu Dumbledore claramente — Preciso do Severo...
— Muito bem, então, Snape... mas vou ter de abandonar o senhor um momento para poder...
Antes, porém, que Harry pudesse fazer qualquer movimento, ele ouviu os passos de alguém correndo. Seu coração pulou: alguém vira, alguém sabia que eles precisavam de ajuda, e, ao olhar à sua volta, viu Madame Rosmerta correndo pela rua escura em sua direção, usando sandálias altas de pelúcia e um roupão bordado com dragões.
— Vi vocês aparatarem quando estava fechando as cortinas do quarto! Graças a Deus, graças a Deus, não podia imaginar o que... mas que aconteceu com o Alvo?
Ela parou de repente, ofegando, e encarou Dumbledore de olhos arregalados.
— Ele está passando mal — disse Harry — Madame Rosmerta, será que ele pode ficar no Três Vassouras enquanto vou até a escola buscar ajuda?
— Você não pode ir lá sozinho! Você não percebe... você não viu?
— Se a senhora me ajudar a carregá-lo — falou Harry, sem ouvi-la — Acho que podemos levá-lo para dentro...
— Que aconteceu? — perguntou Dumbledore — Rosmerta, que está havendo?
— A... a Marca Negra, Alvo.
E ela apontou para o céu, em direção a Hogwarts.
Harry foi tomado de pavor ao ouvir essas palavras... ele se virou e olhou.
Lá estava no céu sobre a escola: o crânio verde chamejante com uma língua de cobra, a marca deixada pelos Comensais da Morte sempre que entravam em um prédio... sempre que matavam...
— Quando foi que apareceu? — perguntou o diretor, e sua mão se fechou dolorosamente no ombro de Harry na tentativa de se pôr de pé.
— Deve ter sido há poucos minutos, não estava lá quando pus o gato para fora, mas quando cheguei ao primeiro andar...
— Precisamos voltar ao castelo imediatamente, Rosmerta.
E, embora oscilasse um pouco, Dumbledore parecia estar em pleno comando da situação.
— Precisamos de transporte... vassouras...
— Tenho umas duas atrás do bar — respondeu a bruxa, parecendo muito assustada — Quer que eu vá buscar...?
— Não, Harry pode fazer isso.
Harry ergueu a varinha na mesma hora.
— Accio vassouras de Rosmerta!
Um segundo depois, ele ouviu um forte estampido, e a porta do bar se escancarou, duas vassouras voaram para a rua, apostando corrida para chegar ao lado de Harry, onde pararam de chofre, estremecendo, à altura de sua cintura.
— Rosmerta, por favor, mande uma mensagem ao Ministério — disse Dumbledore, montando a vassoura mais próxima — Pode ser que ninguém em Hogwarts tenha percebido que há um problema... Harry, ponha a sua Capa da Invisibilidade.
Harry tirou a capa do bolso e atirou-a sobre o corpo antes de montar sua vassoura, Madame Rosmerta já estava voltando com passinhos vacilantes para o seu bar quando Harry e Dumbledore deram impulso no chão e levantaram voo.
Enquanto voavam, velozes, para o castelo, Harry olhava de esguelha para o professor, pronto a agarrá-lo se caísse, mas a visão da Marca Negra tivera efeito estimulante em Dumbledore: ele estava curvado sobre a vassoura, os olhos fixos na Marca, seus longos cabelos e barba prateados esvoaçando às suas costas, à brisa noturna.
E Harry, também, olhava para a caveira à frente, e o medo crescia dentro dele como uma bolha venenosa, comprimindo seus pulmões, varrendo qualquer outro desconforto de sua mente...
Quanto tempo haviam passado fora? Será que a sorte de Rony, Hermione e Gina, a esta altura, já teria acabado? Teria sido um deles a razão da Marca ter surgido na escola, ou Neville ou Luna, ou outro membro da AD? E, se fosse... ele é quem pedira a eles para patrulharem os corredores, quem pedira para deixarem a segurança de suas camas... seria novamente responsável pela morte de um amigo?
Quando sobrevoaram a estrada escura e serpeante que tinham descido a pé mais cedo, Harry ouviu, acima do assobio do ar noturno, os murmúrios de Dumbledore em uma língua desconhecida. Achou que entendia a razão daquilo, pois sentiu a vassoura vibrar um momento quando transpuseram os muros da propriedade: Dumbledore estava desfazendo os encantamentos que ele mesmo lançara em torno do castelo para que pudessem entrar.
A Marca Negra brilhava imediatamente acima da Torre de Astronomia, a mais alta do castelo. Será que isto significava que a morte ocorrera ali?
Dumbledore já cruzara as ameias da torre, e estava desmontando, Harry pousou ao lado dele, segundos depois, e olhou para os lados. As ameias estavam desertas. A porta para a escada espiral que levava ao castelo estava fechada.
Não havia sinal de conflito, de combate mortal, de cadáver.
— Que significa isso? — perguntou Harry a Dumbledore, erguendo os olhos para a caveira verde com língua de serpente, refulgindo malignamente no alto — É a Marca verdadeira? Alguém foi mesmo... professor?
A fraca claridade verde da Marca, Harry viu Dumbledore apertar o peito com a mão escura.
— Vá acordar Snape — disse ele com a voz fraca, mas clara — Conte-lhe o que aconteceu e traga-o aqui. Não faça mais nada, não fale com mais ninguém e não tire a sua capa. Esperarei aqui.
— Mas...
— Você jurou me obedecer, Harry, vá!
Harry correu para a porta que abria para a escada espiral, mas, assim que sua mão tocou no anel de ferro da porta, ouviu gente correndo do outro lado. Ele olhou para Dumbledore, que lhe fez sinal para recuar. Harry se afastou, puxando ao mesmo tempo a varinha.
A porta se escancarou e alguém irrompeu por ela gritando:
— Expelliarmus!
O corpo de Harry se tornou instantaneamente rígido e imóvel, e ele se sentiu tombar contra a parede da Torre, escorado como uma estátua instável, incapaz de se mexer ou falar. Não conseguiu entender como acontecera, Expelliarmus não era um Feitiço Paralisante...
Então, à luz da Marca, ele viu a varinha de Dumbledore traçar um arco por cima das ameias e compreendeu... Dumbledore o imobilizara silenciosamente, e o segundo que levara para lançar o feitiço lhe custara a chance de se defender.
Encostado nas ameias, com o rosto muito branco, Dumbledore, ainda assim, não mostrava sinal de pânico ou aflição. Simplesmente olhou para quem o desarmara e disse:
— Boa noite, Draco.
Malfoy adiantou-se, olhando rapidamente ao redor para verificar se ele e o diretor estavam a sós. Seus olhos bateram na segunda vassoura.
— Quem mais está aqui?
— Uma pergunta que eu poderia fazer a você. Ou está agindo sozinho?
Harry viu os olhos claros de Malfoy se voltarem para Dumbledore, à claridade esverdeada da Marca Negra.
— Não — respondeu ele — Tenho apoio. Há Comensais da Morte em sua escola esta noite.
— Bom, bom — comentou Dumbledore, como se Malfoy estivesse lhe mostrando um trabalho escolar ambicioso — De fato muito bom. Você encontrou um meio de trazê-los para dentro, foi?
— Foi — replicou Malfoy ofegante — Bem debaixo do seu nariz, e o senhor nem percebeu!
— Engenhoso. Contudo... me perdoe... onde estão eles? Você parece indefeso.
— Eles encontraram uma parte de sua guarda. Estão lutando lá embaixo. Não vão demorar... eu vim na frente. Tenho... tenho uma tarefa a fazer.
— Bem, então, não deve se deter, faça-a, meu caro rapaz — disse Dumbledore baixinho.
Fez-se silêncio.
Harry continuava preso em seu corpo invisível e paralisado, observando os dois, apurando os ouvidos para os ruídos da luta distante que travavam os Comensais da Morte e, diante dele, Draco Malfoy só fazia olhar para Alvo Dumbledore que, inacreditavelmente, sorria.
— Draco, Draco, você não é um assassino.
— Como é que o senhor sabe? — replicou Draco prontamente.
Ele deve ter percebido como suas palavras soaram infantis. Harry viu-o corar à claridade verde da Marca.
— O senhor não sabe do que sou capaz — disse o garoto, com mais firmeza — O senhor não sabe o que eu fiz!
— Ah, sei, sim — respondeu o diretor brandamente — Você quase matou Cátia Bell e Rony Weasley. Você tem tentado, com crescente desespero, me matar o ano todo. Perdoe-me, Draco, mas suas tentativas têm sido ineficazes... tão ineficazes, para ser sincero, que me pergunto se, no fundo, você realmente queria...
— Queria sim! — confirmou Malfoy com veemência — Estive trabalhando nisso o ano todo, e hoje à noite...
De algum ponto nas profundezas do castelo, Harry ouviu um grito abafado.
Malfoy se enrijeceu e espiou por cima do ombro.
— Alguém está resistindo com valentia — comentou Dumbledore em tom de conversa — Mas você ia dizendo... sim, que conseguiu introduzir Comensais da Morte em minha escola, o que, admito, pensei que fosse impossível.., como fez isso?
Mas Malfoy não respondeu: ainda tentava escutar o que estava acontecendo no andar de baixo, e parecia quase tão paralisado quanto Harry.
— Talvez você devesse continuar a tarefa sozinho — sugeriu Dumbledore — E se o seu apoio tiver sido rechaçado pela minha guarda? Como você talvez tenha percebido, há membros da Ordem da Fênix aqui hoje à noite, também. E, afinal, você não precisa realmente de ajuda... não tenho varinha no momento... não posso me defender.
Malfoy apenas olhava o diretor.
— Entendo — disse Dumbledore bondosamente, quando viu que Malfoy não se mexia nem falava — Você tem medo de agir até que eles cheguem.
— Não tenho medo! — vociferou Malfoy, embora não fizesse movimento para atacar Dumbledore — O senhor é quem deveria estar com medo!
— Mas por quê? Acho que você não vai me matar, Draco. Matar não é tão fácil quanto creem os inocentes... portanto, enquanto esperamos por seus amigos, me conte... como foi que você os trouxe clandestinamente para dentro? Parece que levou muito tempo para descobrir um meio de fazer isso.
Malfoy parecia estar reprimindo o impulso de gritar ou de vomitar. Engoliu em seco e inspirou profundamente várias vezes com o olhar fixo em Dumbledore, sua varinha apontando diretamente para o coração do diretor.
Então, como se não conseguisse se conter, ele respondeu:
— Tive de consertar aquele Armário Sumidouro que ninguém usa há anos. Aquele em que Montague sumiu no ano passado.
— Aaaah.
O suspiro de Dumbledore foi quase um lamento. Ele fechou os olhos por um instante.
— Foi uma ideia inteligente... há um par, não é?
— O outro está na Borgin & Burkes — respondeu Malfoy — E os dois formam uma passagem. Montague me contou que ficou preso no Armário de Hogwarts, suspenso no limbo, mas às vezes ele ouvia o que estava acontecendo na escola e, outras, o que estava acontecendo na loja, como se o Armário se deslocasse entre os dois pontos, mas não conseguia que ninguém o ouvisse... no fim, ele saiu aparatando, apesar de nunca ter passado no teste. Quase morreu na tentativa. Todo o mundo achou que era uma história realmente empolgante, mas eu fui o único que percebi o que significava, nem o Borgin sabia, fui o único que percebi que talvez houvesse um jeito de entrar em Hogwarts através dos Armários, se eu consertasse o que estava quebrado.
— Muito bom — murmurou Dumbledore — Então os Comensais da Morte puderam passar da Borgin & Burkes para a escola e ajudá-lo... um plano inteligente, um plano muito inteligente... e, como você diz... bem debaixo do meu nariz...
— É — exclamou Malfoy que, bizarramente, parecia extrair coragem e consolo do elogio do diretor — É, foi!
— Houve vezes, no entanto — continuou Dumbledore — Em que você perdeu a certeza de que conseguiria consertar o Armário, não é? E então lançou mão de recursos óbvios e mal avaliados como me mandar um colar maldito, que estava fadado a ir parar em mãos erradas... envenenar um hidromel que era pouquíssimo provável eu beber...
— É, mas, nem assim o senhor descobriu quem estava por trás disso, não é? — debochou Malfoy, enquanto Dumbledore escorregava um pouco pelas ameias, aparentemente perdendo as forças nas pernas, e Harry lutava sem sucesso, mudamente, contra o feitiço que o prendia.
— Na verdade, descobri. Eu tinha certeza de que era você.
— Por que não me deteve, então? — quis saber Malfoy.
— Tentei, Draco. O Prof. Snape tem vigiado você por ordens minhas...
— Ele não estava obedecendo as suas ordens, ele prometeu a minha mãe...
— Naturalmente isto é o que ele lhe diria, Draco, mas...
— Ele é um agente duplo, seu velho idiota, ele não está trabalhando para o senhor, o senhor é que pensa que está!
— Devemos concordar em discordar nesse ponto, Draco. Acontece que eu confio no Prof. Snape...
— Bem, então o senhor não está mais entendendo nem controlando nada! — desdenhou mais uma vez Malfoy — Ele tem me oferecido muita ajuda... querendo toda a glória para ele... querendo um pouco de ação... “Que é que você anda fazendo? Mandou aquele colar, que idiotice, poderia ter estragado tudo...” Mas não contei a ele o que estive fazendo na Sala Precisa, ele vai acordar amanhã e tudo estará acabado, e ele não será mais o favorito do Lorde das Trevas, ele não será nada comparado a mim, nada!
— Muito gratificante — comentou Dumbledore brandamente — Todos gostamos de receber aplausos pelos nossos esforços, é mais do que natural... mas você deve ter tido um cúmplice... alguém em Hogsmeade que pôde passar para Cátia o... o... aaaah...
Dumbledore fechou outra vez os olhos e cabeceou como se estivesse prestes a cochilar.
—... Naturalmente... Rosmerta. Há quanto tempo ela está dominada pela Maldição Imperius?
— Enfim percebeu, não é? — caçoou Malfoy.
Ouviu-se um segundo grito vindo do andar de baixo, mais alto do que o anterior. Malfoy olhou mais uma vez, nervosamente, por cima do ombro e, em seguida, para Dumbledore, que continuou:
— Então a pobre Rosmerta foi forçada a se esconder no próprio banheiro e passar o colar para a primeira estudante de Hogwarts que entrou lá desacompanhada? E o hidromel envenenado... bem, naturalmente Rosmerta pôde envenená-lo para você antes de mandar a garrafa para Slughorn, acreditando que seria o meu presente de Natal... sim, muito esperto... muito esperto... o coitado do Sr. Filch não pensaria, é claro, em verificar uma garrafa do hidromel de Rosmerta... mas diga-me, como esteve se comunicando com a Rosmerta? Pensei que tínhamos todos os meios de comunicação de saída e entrada da escola monitorados.
— Moedas encantadas — respondeu Malfoy, como se sentisse uma compulsão de continuar falando, embora a mão com que segurava a varinha tremesse muito — Fiquei com uma e ela com a outra e, assim, pude lhe mandar mensagens...
— Não foi esse o método secreto de comunicação que o grupo que se intitulava Armada de Dumbledore usou no ano passado? — indagou Dumbledore. Sua voz era descontraída e informal, mas Harry o viu escorregar mais uns dois centímetros pela parede enquanto falava.
— É, copiei a ideia deles — disse Malfoy, com um sorriso enviesado — Tirei também a ideia de envenenar o hidromel da Sangue-Ruim da Granger, ouvi quando ela disse na Biblioteca que o Filch não era capaz de reconhecer poções...
— Por favor, não use essa palavra ofensiva na minha presença — pediu Dumbledore.
Malfoy deu uma gargalhada desagradável.
— O senhor ainda se incomoda que eu esteja dizendo “Sangue-Ruim” quando estou prestes a matá-lo?
— Incomodo-me — Harry viu os pés do diretor deslizarem ligeiramente pelo chão e ele tentar se manter de pé — Quanto a estar prestes a me matar, Draco, você já teve longos minutos. Estamos sozinhos. Estou mais indefeso do que você poderia ter sonhado em me encontrar e, ainda assim, você não me matou...
Malfoy torceu a boca involuntariamente, como se tivesse provado alguma coisa muito amarga.
— Agora, quanto a esta noite — continuou Dumbledore — Estou um pouco intrigado como tudo aconteceu... você sabia que eu tinha saído da escola? Mas, é claro — ele respondeu à própria pergunta — Rosmerta me viu saindo, avisou-o usando suas engenhosas moedas, com certeza...
— Isto mesmo. Ela me disse que o senhor ia beber alguma coisa, que voltaria...
— Bem, sem dúvida eu bebi alguma coisa... e de certa maneira... voltei... — murmurou Dumbledore — Então, você decidiu montar uma armadilha para mim?
— Decidimos colocar a Marca Negra sobre a Torre e fazer o senhor voltar correndo para cá, para ver quem tinha sido morto. E deu certo!
— Bem... sim e não... mas eu devo entender, então, que ninguém foi morto?
— Alguém morreu — respondeu Malfoy, e sua voz pareceu subir uma oitava — Um dos seus... não sei quem, estava escuro... passei por cima do corpo... eu devia estar esperando aqui em cima quando o senhor voltasse, só que aquela sua Fênix se meteu no caminho...
— Elas fazem isso — confirmou Dumbledore.
Ouviu-se um estampido e gritos embaixo, mais altos que antes, parecia que as pessoas estavam lutando na escada de acesso ao lugar em que se encontravam Dumbledore, Malfoy e Harry, e o coração de Harry reboou inaudivelmente em seu peito invisível... alguém fora morto... Malfoy passara por cima do corpo... mas quem seria?
— De qualquer maneira, temos pouco tempo — disse Dumbledore — Então vamos discutir as suas opções, Draco.
— Minhas opções! — exclamou Malfoy alto — Estou aqui com uma varinha... prestes a matar o senhor...
— Meu caro rapaz, vamos parar de fingir. Se você fosse me matar, teria feito isso quando me desarmou, não teria parado para conversarmos amenamente sobre meios e modos.
— Não tenho opções! — respondeu Malfoy, e subitamente ficou tão pálido quanto Dumbledore — Tenho de fazer isto. Ele me matará! Ele matará minha família toda!
— Eu avalio a dificuldade de sua posição. Por que pensa que não o confrontei antes? Porque eu sabia que você seria morto se Lord Voldemort percebesse que eu suspeitava de você.
Malfoy fez uma careta ao ouvir aquele nome.
— Não me atrevi a falar antes sobre a missão que lhe fora confiada, prevendo que ele talvez usasse a Legilimência contra você — continuou Dumbledore — Agora, finalmente, podemos falar às claras... não houve mal algum, você não feriu ninguém, embora tenha tido muita sorte que suas vítimas impremeditadas sobrevivessem... posso ajudá-lo, Draco.
— Não, não pode.
A mão de Malfoy que empunhava a varinha tremia muito fortemente.
— Ninguém pode. Ele me mandou fazer isso ou me matará. Não tenho escolha.
— Venha para o lado certo, Draco, e podemos escondê-lo mais completamente do que pode imaginar. E, mais, posso mandar membros da Ordem à sua mãe hoje à noite, e escondê-la também. Seu pai no momento está seguro em Azkaban... quando chegar a hora posso protegê-lo também... venha para o lado certo, Draco... você não é assassino...
Malfoy arregalou os olhos para Dumbledore.
— Mas cheguei até aqui, não? — disse ele lentamente — Acharam que eu morreria na tentativa, mas estou aqui... e o senhor está em meu poder... sou eu que empunho a varinha... sua vida depende da minha piedade...
— Não, Draco — respondeu Dumbledore baixinho — É a minha piedade, e não a sua, que importa agora...
Malfoy não respondeu. Estava boquiaberto, a mão da varinha continuava a tremer. Harry achou que a vira baixar um nada...
Mas, de repente, passos atroaram escada acima e, um segundo depois, Malfoy foi empurrado para longe quando quatro pessoas de vestes negras irromperam pela porta em direção às ameias. Ainda paralisado, assistindo sem piscar, Harry encarou com terror os quatro estranhos: pelo visto, os Comensais da Morte tinham vencido a luta lá embaixo. Um homem pesadão, com um estranho sorriso enviesado e malicioso, deu uma risadinha asmática.
— Dumbledore encurralado! — exclamou ele, virando-se para uma mulherzinha atarracada que parecia ser sua irmã e ria ansiosa — Dumbledore sem varinha, Dumbledore sozinho! Parabéns, Draco, parabéns!
— Boa noite, Amico — cumprimentou Dumbledore calmamente, como se lhe desse as boas vindas ao seu chá festivo — E trouxe Aleto também... que gentileza...
A mulher deu uma risadinha zangada.
— Então acha que suas gracinhas vão ajudá-lo no leito de morte? — zombou ela.
— Gracinhas? Não, não, são boas maneiras — respondeu Dumbledore.
— Liquide logo — disse o estranho parado mais próximo de Harry, um homem magro e comprido com espessos cabelos e costeletas grisalhos, cujas vestes negras de Comensal da Morte pareciam desconfortavelmente apertadas.
Tinha uma voz que Harry jamais ouvira igual: um latido rouco. O garoto sentiu nele um forte cheiro de terra, suor e, sem dúvida, sangue. Suas mãos imundas tinham longas unhas amarelas.
— É você, Lobo? — perguntou Dumbledore.
— Acertou — respondeu o outro, rouco — Feliz em me ver, Dumbledore?
— Não, não posso dizer que esteja...
Fenrir Lobo Greyback riu, mostrando dentes pontiagudos. Um filete de sangue escorria pelo seu queixo, e ele lambeu os lábios, lenta e obscenamente.
— Você sabe como gosto de criancinhas, Dumbledore.
— Devo entender que você agora anda atacando, mesmo fora da lua cheia? Que insólito... você criou um gosto por carne humana que não pode ser satisfeito uma vez por mês?
— Acertou — disse Greyback — Choca você isto, não, Dumbledore? Assusta você?
— Bem, não posso fingir que não me desgoste um pouco. E, sim, estou um pouco chocado que o Draco, aqui, convidasse logo você a vir a uma escola onde seus amigos vivem...
— Não convidei — sussurrou Malfoy. Ele não estava olhando para Greyback, parecia nem querer olhar para o lobisomem — Eu não sabia que ele vinha...
— Eu não iria querer perder uma viagem a Hogwarts, Dumbledore — respondeu roucamente o lobisomem — Não quando há gargantas a estraçalhar... uma delícia, uma delícia...
E Lobo ergueu uma de suas unhas amarelas e palitou os dentes da frente, olhando, malicioso, para Dumbledore.
— Eu poderia estraçalhar você de sobremesa...
— Não — interrompeu-o o quarto Comensal da Morte rispidamente. Tinha uma cara sombria e bruta — Temos as nossas ordens. Draco é quem tem de fazer isso. Agora, Draco, e rápido.
Malfoy demonstrava menos determinação que nunca. Parecia aterrorizado ao encarar o rosto de Dumbledore, agora ainda mais pálido e mais baixo do que o normal, porque deslizara bastante pela parede da ameia.
— Ele não vai demorar muito neste mundo, se quer saber! — comentou o homem do sorriso enviesado, acompanhado pelas risadinhas asmáticas da irmã — Olhem só para ele, que aconteceu com você, Dumby?
— Ah, menor resistência, reflexos mais lentos, Amico — respondeu Dumbledore — Em suma, velhice... um dia, talvez, lhe aconteça o mesmo... se você tiver sorte...
— Que está querendo dizer, que está querendo dizer? — berrou o Comensal da Morte, repentinamente violento — Sempre o mesmo, não é, Dumby, fala, fala e não faz nada. Nem sei por que o Lorde das Trevas está se preocupando em matar você! Vamos, Draco, mate de uma vez!
Mas naquele momento ouviram-se de novo ruídos de luta lá embaixo, e uma voz gritou:
— Eles bloquearam a escada... Reducto! REDUCTO!
O coração de Harry deu um salto: então esses quatro não tinham eliminado toda a oposição, tinham apenas aberto caminho até o alto da Torre entre os grupos que lutavam, e, pelos ruídos, criado uma barreira às suas costas...
— Agora, Draco, rápido! — falou encolerizado o homem de cara brutal.
Mas a mão de Malfoy tremia tanto, que ele mal conseguia fazer pontaria.
— Eu farei isso — rosnou Greyback, andando em direção a Dumbledore com as mãos estendidas e os dentes à mostra.
— Eu disse não! — berrou o homem de cara bruta, houve um lampejo, e o lobisomem foi afastado com violência, ele bateu nas ameias e cambaleou, enfurecido.
O coração de Harry batia com tanta força que parecia impossível que ninguém o ouvisse parado ali, aprisionado pelo feitiço de Dumbledore... se ao menos pudesse se mexer, poderia lançar um feitiço por baixo da capa.
— Draco, mate-o ou se afaste, para um de nós... — guinchou a mulher, mas naquele exato momento a porta para as ameias se escancarou mais uma vez e surgiu Snape, de varinha na mão, seus olhos negros apreendendo a cena, de Dumbledore apoiado na parede aos quatro Comensais da Morte, incluindo o lobisomem enfurecido e Malfoy.
— Temos um problema, Snape — disse o corpulento Amico, cujos olhos e varinha estavam igualmente fixos em Dumbledore — O menino não parece capaz...
Mas outra voz chamara Snape pelo nome, baixinho.
— Severo...
O som assustou Harry mais que qualquer coisa naquela noite. Pela primeira vez, Dumbledore estava suplicando.
Snape não respondeu, adiantou-se e tirou Malfoy do caminho com um empurrão. Os três Comensais da Morte recuaram calados. Até o lobisomem pareceu se encolher. Snape fitou Dumbledore por um momento, e havia repugnância e ódio gravados nas linhas duras do seu rosto.
— Severo... por favor...
Snape ergueu a varinha e apontou diretamente para Dumbledore.
— Avada Kedavra!
Um jorro de luz verde disparou da ponta de sua varinha e atingiu Dumbledore no meio no peito. O grito de horror de Harry jamais saiu, silencioso e paralisado, ele foi obrigado a presenciar Dumbledore explodir no ar: por uma fração de segundo, ele pareceu pairar suspenso sob a caveira brilhante e, em seguida, foi caindo lentamente de costas, como uma grande boneca de trapos, por cima das ameias, e desapareceu de vista.




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quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Harry Potter e o Enigma do Príncipe - Capítulo 26







— CAPITULO VINTE E SEIS —
A CAVERNA



HARRY SENTIU O CHEIRO DE SAL e o marulho das ondas, uma brisa leve e gelada despenteou seus cabelos quando ele se virou para contemplar o mar enluarado e o céu de estrelas. Estava parado no alto de uma rocha escura, sob a qual a água espumava e se revolvia. Ele olhou por cima do ombro. Às suas costas, erguia-se um penhasco, escarpado, negro e indistinto. Algumas rochas, como aquela em que Harry e Dumbledore se achavam, pareciam ter se destacado da face do penhasco em algum momento do passado. Era uma paisagem desolada e agreste, a monotonia do mar e da rocha sem árvore, capim ou areia a interrompê-la.
— Que é que você acha? — perguntou Dumbledore.
Era como se estivesse pedindo a opinião de Harry sobre um bom lugar para um piquenique.
— Eles traziam os garotos do orfanato para cá? — perguntou Harry, que não conseguia imaginar um local menos convidativo para um passeio.
— Não era bem para cá. Há uma aldeiazinha a meio caminho dos rochedos às nossas costas. Acredito que traziam os órfãos para tomar um pouco de ar e ver as ondas. Não, acho que apenas Tom Riddle e suas jovens vítimas algum dia visitaram este lugar. Trouxas não poderiam chegar aqui, a não ser que fossem alpinistas excepcionais, e barcos não podem se aproximar das pedras, as águas ao redor são muito perigosas. Imagino que Riddle tenha descido, a magia teria sido mais útil do que as cordas. E trouxe com ele duas crianças pequenas, provavelmente pelo prazer de aterrorizá-las. Acho que só a viagem em si teria bastado, não?
Harry tornou a erguer os olhos para o penhasco e sentiu arrepios.
— Mas o destino final de Tom, e o nosso, fica um pouco mais adiante. Vamos.
Dumbledore fez sinal a Harry para se aproximar da borda da rocha em que vários nichos pontudos serviam para apoiar os pés e davam acesso às pedras arredondadas e semi-submersas na água junto ao paredão rochoso. Era uma descida traiçoeira, e Dumbledore, ligeiramente estorvado pela mão murcha, movia-se com lentidão. As pedras mais abaixo escorregavam por causa da água do mar. Harry sentia os salpicos de água salgada baterem em seu rosto.
— Lumus!— disse Dumbledore, ao chegar à pedra mais próxima do paredão.
Centenas de pontinhos de luz dourada faiscaram na superfície escura do mar a menos de um metro abaixo do lugar em que estava agachado, a parede negra do rochedo iluminou-se também.
— Está vendo? — perguntou o diretor em voz baixa, erguendo um pouco mais a varinha.
Harry viu uma fissura no penhasco onde a água escura remoinhava.
— Você não se importa de se molhar um pouco?
— Não — respondeu Harry.
— Então, tire a sua Capa da Invisibilidade, não é necessária agora, e vamos dar um mergulho.
E, com a súbita agilidade de um homem mais jovem, Dumbledore escorregou pela pedra, caiu no mar e começou a nadar de peito, com movimentos perfeitos, em direção à fenda na face do penhasco, a varinha acesa presa entre os dentes.
Harry tirou a capa, enfiou-a no bolso e acompanhou-o. A água estava gelada, as roupas pesadas de água enfunavam-se em torno dele e o puxavam para baixo. Sorvendo profundamente o ar que enchia suas narinas com um travo de sal e algas, Harry nadou em direção à luz bruxuleante que diminuía à medida que adentrava a caverna.
A fenda logo se alargou, formando um túnel escuro que Harry sabia que se encheria de água na maré alta. As paredes limosas tinham menos de um metro entre si e refulgiam como piche molhado à passagem da luz empunhada por Dumbledore. Um pouco mais para dentro, a passagem fazia uma curva para a esquerda, e Harry viu que se embrenhava profundamente na rocha. Continuou a nadar na esteira do diretor, as pontas de seus dedos dormentes roçando a rocha úmida e áspera.
Então ele o viu sair da água mais adiante, sua cabeleira prateada e as vestes escuras refulgindo. Quando Harry chegou ao mesmo ponto, deparou com degraus que conduziam a uma ampla caverna. Subiu a escada, a água escorrendo de suas vestes encharcadas, e emergiu, tremendo descontroladamente, no ar parado e enregelante.
Dumbledore estava de pé no meio da caverna, a varinha no alto, e girava lentamente no mesmo lugar, examinando as paredes e o teto.
— É, é este o lugar — confirmou Dumbledore.
— Como o senhor pode saber? — perguntou Harry num sussurro.
— Tem magia conhecida — respondeu Dumbledore com simplicidade.
Harry não conseguia definir se os arrepios que sentia se deviam ao frio que penetrava seus ossos ou à mesma percepção de encantamentos. Apenas observava enquanto Dumbledore continuava a girar, evidentemente concentrando-se em coisas que Harry não era capaz de ver.
— Isto é apenas a antecâmara, o saguão de entrada — disse Dumbledore, passados alguns instantes — Precisamos penetrar a câmara interior... agora, os obstáculos erguidos por Voldemort é que barrarão o nosso caminho, e não os que a natureza criou...
O diretor se aproximou da parede da caverna e acariciou-a com os dedos enegrecidos, murmurando palavras em uma língua estranha que Harry não entendeu. Duas vezes Dumbledore andou ao redor da caverna, tocando a maior área da rocha áspera que pôde, parando ocasionalmente, correndo os dedos para frente e para trás em um determinado ponto, até parar finalmente, a mão espalmada contra a parede.
— Aqui — disse ele — Passaremos por aqui. A entrada está oculta.
Harry não perguntou a Dumbledore como sabia. Nunca vira um bruxo resolver as coisas assim, simplesmente com o olhar e o toque, mas o garoto já descobrira, havia muito tempo, que estampidos e fumaça eram, em geral, marcas de inépcia e não de capacidade.
Dumbledore se afastou e apontou a varinha para a parede rochosa da caverna. Por um instante, apareceu ali o contorno de um arco, fulgurante e branco como se houvesse uma forte luz por trás da fresta.
— O s-senhor c-conseguiu! — exclamou Harry entre os dentes que castanholavam de frio, mas, antes mesmo que as palavras saíssem de sua boca, o contorno desapareceu, deixando a rocha mais nua e sólida que antes.
Dumbledore se virou.
— Harry, desculpe, me esqueci.
E apontou imediatamente a varinha para o garoto, cujas roupas ficaram instantaneamente quentes e secas como se tivessem sido penduradas diante de um fogo escaldante.
— Obrigado — agradeceu Harry, mas Dumbledore já voltara sua atenção para a parede maciça da caverna.
Não tentou outros feitiços, simplesmente ficou ali, parado, observando a parede com atenção, como se nela estivesse escrito alguma coisa de extraordinário interesse. Harry ficou muito quieto, não queria perturbar a concentração de Dumbledore.
Então, passados dois minutos completos, o diretor disse baixinho:
— Ah, certamente que não. Tão grosseiro!
— O que, professor?
— Está me parecendo — disse Dumbledore, enfiando a mão boa nas vestes e tirando uma faquinha de prata do tipo que Harry usava para cortar ingredientes para poções — Que precisamos pagar para passar.
— Pagar? — exclamou Harry — O senhor tem de dar alguma coisa à porta?
— Tenho. Sangue, se não estiver muito enganado.
— Sangue?
— Eu disse que era grosseiro — comentou Dumbledore, em tom desdenhoso e até desapontado, como se Voldemort se mostrasse aquém dos padrões esperados — A ideia, como certamente você terá captado, é que o inimigo deve se enfraquecer para entrar. Mais uma vez, Lord Voldemort não conseguiu compreender que há coisas bem mais terríveis do que a lesão física.
— Bem, mas se for possível evitar... — replicou Harry, que já sentira dor suficiente para não querer mais.
— Às vezes, porém, é inevitável — disse Dumbledore, jogando para cima a manga das vestes e expondo o antebraço da mão machucada.
— Professor! — protestou Harry, adiantando-se depressa ao ver Dumbledore erguendo a faca — Eu faço isso, sou...
Ele não sabia o que dizer: mais jovem, mais apto? Dumbledore, porém, apenas sorriu. Houve um lampejo prateado e um esguicho escarlate, a face da rocha pontilhou-se de gotas escuras e brilhantes.
— Você é muito bom, Harry — disse o diretor, agora passando a ponta da varinha no corte profundo que fizera no próprio braço, fechando-o instantaneamente, da mesma maneira que Snape curara os ferimentos de Malfoy — Mas o seu sangue vale mais do que o meu. Ah, parece que deu resultado, não?
O contorno fulgurante de um arco reapareceu na parede e, desta vez, não se apagou: a rocha suja de sangue circunscrita pelo arco simplesmente sumiu, deixando uma abertura para uma aparente e absoluta escuridão.
— Depois de mim, acho — disse Dumbledore, e ele cruzou o arco com Harry em seus calcanhares, acendendo depressa a varinha ao entrar.
Eles depararam com uma cena extraordinária: estavam à beira de um grande lago negro, tão vasto que Harry não conseguia divisar suas margens distantes, em uma caverna tão alta que seu teto não era visível. Uma luz verde e indistinta brilhava ao longe, talvez no meio do lago, refletia-se na água imóvel abaixo. O brilho verde e a luz das duas varinhas eram as únicas coisas que rompiam o negrume veludoso, embora seus raios não tivessem um alcance tão longo quanto Harry esperara. A escuridão era de certo modo mais densa do que a escuridão normal.
— Vamos caminhar — disse Dumbledore em voz baixa — Cuidado para não pisar na água. Fique junto de mim.
Ele saiu margeando o lago, e Harry seguiu logo atrás. Seus passos ecoavam como tapas na estreita orla de pedra que contornava o lago. Caminharam uma boa distância, mas a paisagem não variava: de um lado, a áspera parede da caverna, do outro, a vastidão sem fim do negrume espelhado, no meio da qual havia aquele misterioso brilho verde. Harry achou o lugar e o silêncio opressivos, enervantes.
— Professor? — perguntou ele por fim — O senhor acha que a Horcrux está aqui?
— Ah, sim. Tenho certeza que está. A questão é, como chegar a ela?
— Não podíamos... não podíamos simplesmente tentar um Feitiço Convocatório? — perguntou Harry, convencido de que era uma sugestão idiota, mas querendo, mais do que admitiria, sair o mais depressa possível daquele lugar.
— Certamente que poderíamos — respondeu Dumbledore, parando tão de repente que Harry quase colidiu com ele — Por que você não tenta?
— Eu? Ah... ok
Harry não esperara por isso, mas pigarreou e ordenou em voz alta, a varinha no ar:
— Accio Horcrux!
Com um ruído de explosão, algo muito grande e claro irrompeu da água escura a uns seis metros de distância, antes que Harry pudesse ver o que era, a coisa tornou a mergulhar na água com um estrondo que produziu ondas largas e profundas na superfície lisa do lago. Harry saltou para trás assustado e bateu na parede, seu coração ainda retumbava quando ele se virou para Dumbledore.
— Que foi aquilo?
— Alguma coisa, acho, que está pronta a reagir se tentarmos nos apossar da Horcrux.
Harry olhou novamente para o lago. Sua superfície retomara a aparência vítrea, escura e brilhante: as ondas tinham desaparecido anormalmente rápido, o coração de Harry, no entanto, continuou a bater com força.
— O senhor achava que ia acontecer isso?
— Achei que alguma coisa aconteceria se fizéssemos uma tentativa óbvia de nos apoderar da Horcrux. Foi uma boa ideia, Harry: o modo mais simples de descobrirmos o que estamos enfrentando.
— Mas não sabemos que coisa era aquela — replicou Harry, olhando para a água sinistramente lisa.
— Que coisas são aquelas, você quer dizer — corrigiu-o Dumbledore — Duvido muito que seja apenas uma. Vamos continuar a andar?
— Professor?
— Que foi, Harry?
— O senhor acha que vamos precisar entrar no lago?
— Entrar? Só se tivermos muito azar.
— O senhor acha que a Horcrux está no fundo?
— Ah, não... acho que está no meio.
E Dumbledore apontou para a luz verde e indistinta no centro do lago.
— Então teremos de atravessar o lago para chegar até a Horcrux?
— Acho que sim.
Harry não disse nada. Seus pensamentos resumiam-se em monstros lacustres, serpentes gigantescas, demônios, cavalos-marinhos e fadas...
— Ah-ah — exclamou Dumbledore, tornando a parar, desta vez, Harry realmente colidiu com ele.
Por um momento, o garoto oscilou na beira da água escura, e a mão sã do diretor agarrou-o fortemente pelo braço e o puxou de volta.
— Desculpe, Harry, eu devia ter avisado. Fique junto à parede, por favor, acho que encontrei o lugar.
Harry não fazia ideia do que Dumbledore queria dizer, até onde podia perceber, este trecho de margem escura era exatamente igual a qualquer outro, mas o Prof. Dumbledore, pelo visto, detectara alguma coisa diferente. Desta vez, ele estava passando a mão, não na parede rochosa, mas no ar, como se esperasse encontrar e agarrar alguma coisa invisível.
— Oho — exclamou ele feliz, segundos depois.
Sua mão agarrara no ar alguma coisa que Harry não conseguia ver. Dumbledore se aproximou mais da água, o garoto observou, nervoso, as pontas dos sapatos de fivela do diretor chegarem até o limite da borda rochosa do lago. Mantendo a mão fechada no ar, Dumbledore ergueu a varinha com a outra e deu uma pancadinha no próprio punho.
Imediatamente apareceu no ar uma corrente grossa de cobre esverdeado que se alongou do fundo do lago até a mão fechada de Dumbledore. Ele bateu na corrente, que começou a deslizar por dentro de sua mão fechada como uma cobra e a se enroscar no chão com um ruído metálico que ecoou vibrantemente nas paredes rochosas, e foi puxando alguma coisa das profundezas do lago escuro. Harry ofegou quando a proa fantasmagórica de um barquinho veio à tona, tão verde e brilhante quanto a corrente, e flutuou quase sem marolas até o ponto da margem em que Harry e Dumbledore estavam parados.
— Como é que o senhor soube que o barco estava ali? — perguntou Harry espantado.
— A magia sempre deixa vestígios — respondeu o diretor, quando o barco bateu suavemente na margem — Vestígios por vezes muito característicos. Fui professor de Tom Riddle. Conheço o estilo dele.
— O barco é... é seguro?
— Ah, acho que sim. Voldemort precisava criar um meio de atravessar o lago sem atrair a cólera das criaturas que colocou nele, caso um dia quisesse visitar ou remover sua Horcrux.
— Então as coisas na água não nos farão mal se atravessarmos no barco de Voldemort?
— Acho que devemos nos conformar com a ideia de que, em algum momento, elas perceberão que não somos Lord Voldemort. Até aqui, porém, temos nos saído bem. Elas nos deixaram erguer o barco.
— Mas por que deixaram? — perguntou Harry, que não conseguia esquecer a visão de tentáculos emergindo da água escura quando se distanciaram da margem.
— Voldemort devia estar razoavelmente confiante de que ninguém, exceto um grande bruxo, seria capaz de encontrar o barco. Penso que estaria disposto a arriscar a improvável possibilidade de alguém conseguir isto, porque sabia que deixara mais à frente outros obstáculos que somente ele poderia superar. Veremos se tinha razão.
Harry examinou o barco. Era realmente muito pequeno.
— Não parece ter sido construído para duas pessoas. Será que nos aguentará? Não será peso demais?
Dumbledore riu.
— Voldemort não deve ter se preocupado com o peso, mas com o poderio mágico que cruzasse o seu lago. Eu pensaria que ele deve ter lançado um encantamento sobre o barco de tal ordem que apenas um bruxo por vez poderá usá-lo.
— Mas então...?
— Acho que você não conta, Harry: é menor de idade e não-qualificado. Voldemort jamais esperaria que um adolescente de dezesseis anos chegasse aqui: acho improvável que os seus poderes sejam considerados, se comparados aos meus.
Tais palavras não ajudaram a levantar o moral de Harry, e Dumbledore, talvez percebendo isso, acrescentou:
— Um erro de Voldemort, Harry, um erro de Voldemort... a velhice é tola e esquecida quando subestima a juventude... desta vez, você embarca primeiro, e tenha cuidado para não tocar na água.
Dumbledore se afastou para um lado e Harry subiu cautelosamente no barco. O professor subiu também, enrolando a corrente no fundo. Os dois ficaram espremidos, Harry não pôde se sentar confortavelmente, agachou-se, deixando os joelhos para fora do barco, que se pôs imediatamente em movimento. Não se ouvia outro som exceto o sussurro da proa cortando a água, o barco se deslocava sem ajuda, como se uma corda invisível o puxasse em direção à luz no centro. Em pouco tempo, deixaram de avistar as paredes da caverna, eles poderiam estar no mar não fosse pela falta de ondas.
Harry baixou os olhos e viu o reflexo dourado da luz de sua varinha faiscar e cintilar na água escura enquanto avançavam. O barco esculpia fundas rugas na superfície vidrada, sulcos no espelho escuro...
Então Harry a viu, branca como mármore, boiando a centímetros da superfície.
— Professor! — exclamou, e sua voz assustada ecoou sonoramente pela água silenciosa,
— Harry?
— Acho que vi uma mão na água, uma mão humana!
— Sei, tenho certeza de que viu — respondeu Dumbledore calmamente.
Harry olhou espantado para a água à procura da mão que desaparecera, uma sensação de náusea subindo-lhe à garganta.
— Então aquela coisa que saltou da água...
Harry obteve a resposta antes que Dumbledore pudesse falar, a luz da varinha deslizara por um novo trecho da água e, desta vez, lhe mostrou um defunto de cara para cima centímetros abaixo da superfície, seus olhos abertos toldados como se tivessem teias de aranha, seus cabelos e suas vestes girando em torno dele como fumaça.
— Tem cadáveres aí dentro! — disse Harry, e sua voz saiu muito mais aguda e diferente do que o normal.
— Tem — respondeu Dumbledore placidamente — Mas por ora não precisamos nos preocupar com eles.
— Por ora? — respondeu Harry, despregando o olhar da água para fixá-lo em Dumbledore.
— Não enquanto estiverem apenas boiando tranquilamente abaixo de nós. Nada temos a recear de um cadáver, Harry, como nada temos a recear da escuridão. Lord Voldemort, que naturalmente tem um receio íntimo de ambos, discorda. Mas, de novo, ele revela sua própria falta de sabedoria. É o desconhecido que receamos quando olhamos para a morte e a escuridão, nada mais.
Harry não respondeu, não queria discutir, mas achava pavorosa a ideia de que havia cadáveres flutuando em volta e abaixo deles, e, além disso, não acreditava que não fossem perigosos.
— Mas um deles saltou — disse ele tentando manter a voz estável e calma como a de Dumbledore — Quando tentei convocar a Horcrux, um cadáver pulou do lago.
— Verdade... e estou seguro que, quando apanharmos a Horcrux, veremos que são menos pacíficos. Mas, como muitas criaturas que habitam o frio e a escuridão, eles temem a luz e o calor que evocaremos em nosso auxílio, se houver necessidade. Fogo, Harry — Dumbledore acrescentou com um sorriso, em resposta à expressão atordoada de Harry.
— Ah... certo — concordou ele rápido.
E virou a cabeça para olhar a luz verde, destino inexorável do barco. Agora, Harry não podia fingir que não estava apavorado. O grande lago negro coalhado de cadáveres... parecia fazer horas que ele encontrara a Profª. Trelawney, que dera a Rony e Hermione a Felix Felicis... desejou de repente ter se despedido melhor deles... nem ao menos vira Gina...
— Quase lá — anunciou Dumbledore animado.
De fato, a luz verde parecia estar finalmente aumentando, e minutos depois o barco parou, batendo suavemente em alguma coisa que Harry a princípio não pôde ver, mas, quando ergueu a varinha iluminada, constatou que tinham chegado a uma ilhota de rocha lisa no centro do lago.
— Cuidado para não tocar na água — tornou a recomendar Dumbledore quando Harry desembarcou.
A ilha não era maior do que o escritório de Dumbledore: uma extensão de rocha plana e escura em que não havia nada exceto a fonte daquela luz verde, que parecia muito mais forte vista de perto. Harry semicerrou os olhos, a princípio pensou que fosse algum tipo de lampião, mas logo percebeu que a luz vinha de uma bacia de pedra muito parecida com a Penseira, apoiada sobre um pedestal.
Dumbledore se aproximou da bacia, seguido por Harry. Lado a lado, eles a examinaram. A bacia estava cheia de um líquido verde-esmeralda que emitia uma luz fosforescente.
— Que é isso? — perguntou Harry em voz baixa.
— Não tenho bem certeza — respondeu Dumbledore — Alguma coisa mais preocupante do que sangue e cadáveres.
Dumbledore empurrou para cima a manga das vestes que lhe cobria a mão escurecida e esticou as pontas dos dedos queimados para a superfície da poção.
— Senhor, não, não toque...!
— Não posso tocar — informou Dumbledore com um ar de riso — Está vendo? Só posso chegar até aqui. Tente.
De olhos arregalados, Harry levou a mão à bacia e tentou tocar a poção. Bateu em uma barreira invisível a uns três centímetros que o impedia de se aproximar mais. Por mais que empurrasse, aparentemente seus dedos não encontravam nada, exceto ar sólido e inflexível.
— Afaste-se, por favor, Harry — pediu Dumbledore.
O professor ergueu a varinha e fez gestos complicados sobre a superfície da poção, murmurando silenciosamente. Nada aconteceu, a não ser, talvez, o brilho da poção se intensificar. Harry guardou silêncio enquanto Dumbledore trabalhava, mas, passado algum tempo, o diretor recolheu a varinha e Harry achou que era seguro falar.
— O senhor acha que a Horcrux está aí dentro?
— Ah, sim — Dumbledore examinou a bacia mais de perto.
Harry viu seu rosto refletido, de cabeça para baixo, na superfície lisa da poção verde.
— Mas como alcançá-la? A poção não aceita ser penetrada à mão, desaparecida ou dividida ou apanhada ou aspirada, nem pode ser transfigurada, encantada, tampouco alterada em sua natureza.
Quase distraído, Dumbledore tornou a erguer a varinha, girou-a no ar e recolheu uma taça de cristal que acabara de conjurar do nada.
— Só posso concluir que essa poção deve ser bebida.
— Quê? — exclamou Harry — Não!
— Penso que sim: somente bebendo-a posso esvaziar a bacia e ver o que guarda no fundo.
— Mas e se... e se a poção matar o senhor?
— Ah, duvido que produzisse tal efeito — disse Dumbledore tranquilo — Lord Voldemort não iria querer matar a pessoa que alcançasse sua ilha.
Harry não conseguiu acreditar. Seria mais um exemplo da insana determinação de Dumbledore de ver o bem em todas as pessoas?
— Senhor — disse Harry, tentando manter a voz equilibrada — Senhor, é do Voldemort que estamos...
— Desculpe, Harry; eu devia ter dito que ele não iria querer matar imediatamente a pessoa que alcançasse sua ilha — corrigiu Dumbledore — Iria querer mantê-la viva tempo suficiente para descobrir como conseguiu penetrar tão fundo suas defesas e, o que é mais importante, por que queria tanto esvaziar a bacia. Não esqueça que Lord Voldemort acredita que somente ele sabe sobre suas Horcruxes.
Harry fez menção de falar, mas desta vez Dumbledore ergueu a mão pedindo silêncio, franzindo ligeiramente a testa para o líquido esmeralda, evidentemente refletindo.
— Sem dúvida — disse por fim — Esta poção deve produzir um efeito tal que me impeça de levar a Horcrux. Deve me paralisar, me fazer esquecer o que vim fazer, causar tanta dor que me distraia ou me incapacitar de alguma forma. Assim sendo, Harry, sua tarefa será garantir que eu não pare de beber, mesmo que tenha de virar a poção na minha boca enquanto eu protesto. Compreendeu?
Seus olhos se encontraram por cima da bacia, cada rosto pálido iluminado por aquela estranha luz verde. Harry não respondeu. Teria sido por isso que fora convidado a vir, para forçar Dumbledore a beber uma poção que talvez lhe causasse dor insuportável?
— Você lembra — disse Dumbledore — A condição que impus para trazê-lo?
Harry hesitou, fixando seus olhos azuis que tinham esverdeado à luz refletida pela bacia.
— Mas e se...?
— Você jurou obedecer a qualquer ordem que eu lhe desse, não foi?
— Jurei, mas...
— Eu o preveni, não foi, que poderia haver perigo?
— Foi — respondeu Harry — Mas...
— Bem, então — tornou Dumbledore mais uma vez, jogando para cima as mangas das vestes e erguendo a taça vazia — Já recebeu as minhas ordens.
— Por que não posso beber a poção em seu lugar? — perguntou o garoto desesperado.
— Porque sou muito mais velho, muito mais esperto e muito menos valioso. De uma vez por todas, Harry, você me dá sua palavra de que fará tudo que puder para não me deixar parar de beber?
— Será que eu não poderia...?
— Dá?
— Mas...
— Sua palavra, Harry.
— Eu... está bem, mas...
Antes que Harry pudesse continuar protestando, Dumbledore mergulhou a taça de cristal na poção. Por uma fração de segundo, Harry teve esperança de que ele não conseguisse tocar na poção com a taça, mas o cristal afundou na superfície que nada conseguira tocar, quando a taça se encheu até em cima, Dumbledore levou-a à boca.
— À sua saúde, Harry.
E esvaziou a taça. Harry observou-o, aterrorizado, suas mãos apertando a borda da bacia com tanta força que as pontas dos seus dedos ficaram dormentes.
— Professor? — chamou ele, ansioso, quando Dumbledore baixou a taça vazia — Como está se sentindo?
Dumbledore sacudiu a cabeça, os olhos fechados. Harry se perguntou se estaria sentindo dores. Dumbledore tornou a mergulhar a taça na bacia às cegas, encheu-a e bebeu-a. Em silêncio, Dumbledore bebeu três taças da poção. Então, na metade da quarta taça, ele cambaleou e caiu contra a bacia. Seus olhos continuaram fechados e sua respiração se tornou ofegante.
— Prof. Dumbledore? — chamou Harry com a voz tensa — O senhor está me ouvindo?
Dumbledore não respondeu. Seu rosto se contraía, como se ele dormisse profundamente, mas experimentasse um terrível pesadelo. A mão com que segurava a taça foi afrouxando: a poção ia derramar. Harry estendeu a mão e agarrou a taça de cristal, mantendo-a em pé.
— Professor, o senhor está me ouvindo? — repetiu ele alto, sua voz ecoando pela caverna.
Dumbledore ofegou, e em seguida falou com um timbre irreconhecível, porque Harry jamais ouvira Dumbledore amedrontado daquela forma.
— Não quero... não me force...
Harry olhou para o rosto pálido que ele conhecia tão bem, para o nariz torto e os oclinhos de meia-lua, e não soube o que fazer.
—... não gosto... quero parar... — lamentou-se Dumbledore.
— O senhor... o senhor não pode parar, professor. O senhor tem de continuar a beber, lembra? O senhor me disse que não podia parar de beber. Tome...
Odiando-se, sentindo repulsa pelo que estava fazendo, Harry forçou a taça a encostar à boca de Dumbledore e virou-a, fazendo com que o professor bebesse o que restava.
— Não... — gemeu ele, quando Harry mergulhou a taça mais uma vez na bacia e encheu-a — Não quero... não quero... me deixe...
— Tudo bem, professor — disse Harry com a mão trêmula — Tudo bem, estou aqui...
— Faça isso parar, faça isso parar — gemeu Dumbledore.
— Sim... sim, isto fará parar — mentiu Harry.
E virou o conteúdo da taça na boca aberta do professor. Dumbledore berrou, o ruído ecoou ao redor da vasta câmara e atravessou a água negra e parada.
— Não, não, não... não... não posso... não posso, não me force, não quero...
— Está tudo bem, professor, está tudo bem! — disse Harry em voz alta, suas mãos tremendo tanto que teve dificuldade em encher a sexta taça de poção; a bacia agora estava pela metade — Nada está acontecendo com o senhor, o senhor está seguro, nada disso é real, juro que não é real... agora tome, tome...
E, obedientemente, Dumbledore bebeu, como se Harry estivesse lhe oferecendo um antídoto, mas, ao esvaziar a taça, ele caiu de joelhos, tremendo, descontrolado.
— É tudo minha culpa, tudo minha culpa — soluçou — Por favor, pare com isso, sei que errei, ah, por favor pare com isso e eu nunca, nunca mais...
— Isto fará parar, professor — disse Harry, sua voz falhando ao virar a sétima taça de poção na boca de Dumbledore.
O professor começou a se encolher como se torturadores invisíveis o cercassem, a mão que ele sacudia quase derrubou a taça, novamente cheia, das mãos trêmulas de Harry, gemendo.
— Não os machuquem, não os machuquem, por favor, por favor, a culpa é minha, machuquem a mim...
— Aqui, beba isso, beba isso, o senhor vai ficar bom — disse Harry desesperado, e mais uma vez Dumbledore obedeceu, abrindo a boca, embora mantivesse os olhos fechados e tremesse violentamente da cabeça aos pés.
Então, ele caiu para frente, berrando, esmurrando o chão, enquanto Harry enchia a nona taça.
— Por favor, por favor, por favor, não... isso não, isso não, farei qualquer coisa...
— Beba, professor, beba...
Dumbledore bebeu como uma criança morta de sede, mas, quando terminou, voltou a berrar como se suas entranhas estivessem em chamas.
— Não, por favor, chega...
Harry encheu a décima taça de poção e sentiu o cristal arranhar o fundo da bacia.
— Falta pouco, professor, beba, beba...
Ele amparou Dumbledore pelos ombros, e mais uma vez o professor esvaziou a taça.
Harry tornou a se levantar, e, quando estava enchendo a taça, Dumbledore começou a gritar mais angustiado do que antes:
— Quero morrer! Quero morrer! Pare com isso, pare com isso, quero morrer!
— Beba, professor, beba...
Dumbledore bebeu, e mal terminara berrou:
— MATE-ME!
— Esta... esta fará parar! — ofegou Harry — Beba... já vai passar... já vai passar!
Dumbledore engoliu o conteúdo da taça até a última gota e então, com um enorme arquejo, rolou de borco.
— Não! — gritou Harry, que se pusera de pé para encher mais uma vez a taça, em lugar disso, largou-a na bacia, atirou-se no chão ao lado de Dumbledore e virou-o de barriga para cima, os óculos do professor estavam tortos, sua boca aberta, seus olhos fechados — Não — disse Harry, sacudindo Dumbledore — Não, o senhor não está morto, o senhor disse que não era veneno, acorde, acorde: Enervate! — gritou o garoto, apontando a varinha para o peito de Dumbledore, houve um lampejo vermelho, mas nada aconteceu — Enervate!... senhor... por favor...
Os olhos de Dumbledore piscaram, o coração de Harry saltou no peito.
— Senhor, o senhor está...?
— Água — pediu Dumbledore rouco.
— Água — ofegou Harry —... Sim...
Ele ficou em pé de um salto e agarrou a taça que largara na bacia, mal registrou o medalhão de ouro com a corrente enroscada embaixo da taça.
— Aguamenti! — ordenou Harry, espetando a taça com sua varinha.
A taça se encheu de água cristalina, Harry caiu de joelhos ao lado de Dumbledore, ergueu sua cabeça e levou a taça aos seus lábios, mas estava vazia.
Dumbledore gemeu e começou a ofegar.
— Mas eu pus... espere... Aguamenti! — tornou Harry a ordenar, apontando a varinha para a taça.
Mais uma vez, por um segundo, a água brilhou dentro dela, mas, quando a aproximou da boca de Dumbledore, a água novamente desapareceu.
— Senhor, estou tentando, estou tentando! — exclamou Harry, desesperado, mas achou que o professor não podia ouvi-lo, ele rolara para um lado e inspirava profunda e ruidosamente parecendo agonizar — Aguamenti... Aguamenti... AGUAMENTI!
A taça se enchia e tornava a esvaziar. A respiração de Dumbledore foi enfraquecendo. Com o cérebro girando de pânico, Harry percebeu, instintivamente, a única maneira possível de obter água, porque assim tinha planejado Voldemort... ele se atirou para a margem rochosa e mergulhou a taça no lago, erguendo-a, totalmente cheia, com água gelada que não desapareceu.
— Senhor... aqui! — gritou Harry e, precipitando-se para Dumbledore, virou a água, desajeitado, em seu rosto.
Foi o melhor que pôde fazer, porque a sensação gélida em seu braço livre não era o frio prolongado da água. Uma mão branca e escorregadia agarrara seu pulso, e a criatura a quem pertencia puxava-o pela rocha lentamente de volta ao lago. A superfície não era mais um espelho, revolvia-se, e para todo lado que Harry olhava, cabeças e mãos brancas emergiam da água escura, homens, mulheres e crianças, com olhos encovados e cegos, moviam-se em direção à rocha: um exército de mortos ressurgindo do lago negro.
— Petrificus Totalus! — berrou Harry, lutando para se agarrar à superfície lisa e molhada da ilha enquanto apontava a varinha para o Inferi que segurava seu braço: o morto-vivo soltou-o e tornou a cair espalhando água.
Harry se levantou, mas outros tantos Inferi já estavam subindo na rocha, cravando suas mãos ossudas na superfície escorregadia, seus olhos cegos e esbranquiçados fixos nele, seus trapos encharcados arrastando pelo chão, os rostos encovados rindo debochadamente.
— Petrificus Totalus! — tornou a urrar Harry, recuando e varrendo o ar com a varinha, seis ou sete mortos tombaram, mas outros tantos vinham em sua direção — Impedimenta! Incarcerous!
Alguns tropeçaram, uns dois foram imobilizados com cordas, mas aqueles que galgavam a rocha atrás deles simplesmente pulavam por cima ou pisavam nos corpos caídos. Ainda cortando o ar com a varinha, Harry berrou:
— Sectumsempra! SECTUMSEMPRA!
Embora aparecessem cortes nos trapos encharcados e em sua pele gélida, eles não tinham sangue para derramar: continuavam a avançar, insensíveis, as mãos enrugadas estendidas para ele, e, ao recuar para mais longe, Harry sentiu que o abraçavam pelas costas, braços finos e descarnados, frios como a morte, e seus pés perderam o chão quando o ergueram e levaram seguramente, para a água, e ele percebeu que não o soltariam, que ele se afogaria e se tornaria mais um guardião morto do fragmento da alma partida de Voldemort...
Então, o fogo irrompeu na escuridão: carmim e ouro, um círculo de fogo que cercou a ilha e fez os Inferi que imobilizavam Harry tropeçarem e vacilarem, eles não ousaram atravessar as chamas para chegar à água. Largaram Harry, ele bateu no chão, escorregou pela rocha e caiu, arranhando os braços, mas tornou a se pôr de pé, ergueu a varinha e olhou assustado para os lados.
Dumbledore estava mais uma vez de pé, pálido como qualquer dos Inferi em volta, porém mais alto que todos, as chamas dançando em seus olhos, sua varinha estava erguida como uma tocha e da ponta saíam chamas, como um imenso laço, envolvendo todos em calor.
Os mortos-vivos colidiram entre si, tentando, às cegas, fugir do fogo que os encerrava...
Dumbledore apanhou o medalhão no fundo da bacia de pedra e guardou-o nas vestes. Em silêncio, fez sinal a Harry para juntar-se a ele. Distraídos pelas chamas, os Inferi pareciam não registrar que suas vítimas estavam deixando a ilha, Dumbledore levava Harry para o barco, o anel de fogo deslocava-se com eles, cercava-os, os atordoados mortos-vivos acompanharam-nos até a beira do lago onde mergulharam, agradecidos, em suas águas escuras.
Harry, completamente trêmulo, achou por um momento que Dumbledore não fosse capaz de subir no barco, o professor cambaleou um pouco ao tentar, aparentemente, todos os seus esforços convergiam para manter o anel protetor de fogo à sua volta. Harry segurou-o e ajudou-o a sentar.
Quando já estavam espremidos e seguros a bordo, o barco começou a se deslocar pela água escura, afastando-se da rocha ainda envolta naquele anel de fogo, embaixo, os Inferi enxameavam, mas não se atreviam a emergir.
— Senhor — ofegou Harry Potter — Senhor eu me esqueci... do fogo... eles avançaram para mim e entrei em pânico...
— Muito compreensível — murmurou Dumbledore.
O garoto alarmou-se ao ouvir a voz do professor tão fraca.
Eles tocaram na margem com uma batidinha, e Harry saltou, voltando-se ligeiro para ajudar Dumbledore. No momento em que chegou à margem, o bruxo baixou a mão da varinha, o anel de fogo desapareceu, mas os mortos-vivos não tornaram a emergir da água. O barquinho afundou no lago mais uma vez, se entrechocando, a corrente metálica também deslizou para dentro do lago.
Dumbledore deu um grande suspiro e encostou-se à parede da caverna.
— Estou fraco...
— Não se preocupe, senhor — disse Harry imediatamente, ansioso com a extrema palidez do professor e seu ar de exaustão — Não se preocupe, levarei nós dois de volta... se apoie em mim, senhor...
E, puxando o braço bom de Dumbledore por cima dos ombros, Harry guiou o diretor pela margem do lago, carregando grande parte do seu peso.
— A proteção foi... afinal... bem engendrada — disse Dumbledore baixinho — Uma pessoa sozinha não teria conseguido... você se portou bem, muito bem, Harry...
— Não fale agora — disse Harry, apreensivo com a voz pastosa e os passos arrastados de Dumbledore — Poupe suas energias, senhor... logo estaremos fora daqui...
— O arco deverá ter se lacrado outra vez... minha faca...
— Não é preciso, eu me cortei na rocha — falou Harry com firmeza — Só me diga onde...
— Aqui...
Harry esfregou o braço arranhado na pedra: uma vez recebido o tributo de sangue, o arco reabriu-se instantaneamente. Eles atravessaram a caverna externa, e Harry ajudou Dumbledore a entrar na água gelada do mar que enchia a fenda no penhasco.
— Vai dar tudo certo, senhor — Harry repetia sem parar, mais preocupado com o silêncio de Dumbledore do que estivera com a fraqueza de sua voz — Estamos quase chegando... posso Aparatar com o senhor para voltarmos... não se preocupe...
— Não estou preocupado, Harry — disse Dumbledore, sua voz um pouco mais forte apesar da frieza da água — Estou com você.




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