quinta-feira, 31 de maio de 2012

Harry Potter e o Cálice de Fogo - Capítulo 6





— CAPÍTULO SEIS —
A Chave do Portal



HARRY TEVE A SENSAÇÃO de que acabara de se deitar para dormir no quarto de Rony quando foi acordado pela Sra. Weasley.
— Hora de levantar, Harry, querido — sussurrou ela, se afastando para acordar Rony.
Harry tateou a procura dos óculos, colocou-os e se sentou. Ainda estava escuro lá fora. Rony resmungou alguma coisa quando a mãe o acordou. Aos pés do seu colchão, Harry viu duas formas grandes e desgrenhadas emergindo de um emaranhado de cobertas.
— Já está na hora? — exclamou Fred tonto de sono.
Os garotos se vestiram em silêncio, demasiados sonolentos para falar, depois, bocejando e se espreguiçando, os quatro desceram as escadas rumo à cozinha.
A Sra. Weasley estava mexendo o conteúdo de um grande tacho em cima do fogão, enquanto o Sr. Weasley, sentado à mesa, verificava um maço de grandes bilhetes de entrada em pergaminho. Ergueu os olhos quando os garotos chegaram e abriu os braços para eles poderem ver melhor suas roupas. Vestia algo que parecia um suéter de golfe e jeans muito velhas, ligeiramente grandes para ele, seguras por um grosso cinto de couro.
— Que é que vocês acham? — perguntou ansioso — Temos que ir incógnitos: estou parecendo um trouxa, Harry?
— Está — aprovou Harry sorrindo — Muito bom.
— Onde estão Gui, Carlinhos e Per-Per-Percy? — perguntou Jorge, incapaz de reprimir um enorme bocejo.
— Ora, eles vão aparatar, certo? — disse a Sra. Weasley, carregando um panelão para cima da mesa e começando a servir o mingau de aveia nos pratos fundos — Logo, eles podem dormir mais um pouco.
Harry sabia que aparatar era muito difícil; significava desaparecer de um lugar e reaparecer quase instantaneamente em outro.
— Então eles ainda estão na cama? — concluiu Fred mal-humorado, puxando um prato de mingau para perto — Por que não podemos aparatar também?
— Porque ainda são menores e ainda não prestaram o exame — respondeu a Sra. Weasley — E onde foi que se meteram essas meninas?
Ela saiu apressada da cozinha e todos a ouviram subir as escadas.
— A pessoa tem que prestar um exame para poder aparatar? — perguntou Harry.
— Ah, tem — respondeu o Sr. Weasley, guardando as entradas cuidadosamente no bolso traseiro da jeans — O Departamento de Transportes Mágicos teve que multar umas pessoas, ainda outro dia, por aparatarem sem licença. Não é fácil aparatar e quando não se faz corretamente pode acarretar complicações desagradáveis. Esses dois que estou falando racharam ao meio.
Todos ao redor da mesa fizeram uma careta, menos Harry.
— Hum... racharam? — admirou-se Harry.
— Deixaram metade do corpo para trás — explicou o Sr. Weasley, agora acrescentando várias colheradas de caramelo ao mingau — E, é claro, ficaram entalados. Não conseguiram avançar nem retroceder. Tiveram que esperar pelo Esquadrão de Reversão de Feitiços Acidentais para resolver o problema. E vou dizer mais, foi preciso preencher uma enorme papelada, por causa dos trouxas que encontraram as partes do corpo que eles deixaram para trás...
Harry teve uma súbita visão de um par de pernas e um olho abandonados na calçada da Rua dos Alfeneiros.
— E eles ficaram ok ? — perguntou o garoto, assustado.
— Ah, claro — respondeu o Sr. Weasley factualmente — Mas receberam uma multa pesada e acho que não vão tentar fazer isso outra vez quando estiverem com pressa. Não se brinca com aparatação. Há muitos bruxos adultos que nem experimentam. Preferem vassouras, mais lentas, porém mais seguras.
— Mas Gui, Carlinhos e Percy, todos sabem aparatar?
— Carlinhos teve que prestar exame duas vezes — disse Fred sorrindo — Levou bomba na primeira vez, aparatou a oitenta quilômetros do ponto que queria, bem em cima de uma pobre velhinha que estava fazendo compras, lembram?
— Foi, mas ele passou da segunda vez — disse a Sra. Weasley, voltando à cozinha em meio a gostosas risadas.
— Percy só passou há duas semanas — disse Jorge — Desde esse dia tem aparatado todas as manhãs aqui em baixo, para provar que sabe.
Ouviram-se passos no corredor, e Hermione e Gina entraram na cozinha, as duas pálidas e cheias de preguiça.
— Por que temos que levantar tão cedo? — perguntou Gina, esfregando os olhos e se sentando a mesa.
— Temos que andar um bom pedaço — respondeu o Sr. Weasley.
— Andar? — espantou-se Harry — O quê, vamos a pé para a Copa Mundial?
— Não, não, a Copa vai ser a quilômetros daqui — disse o Sr. Weasley, sorrindo — Só precisamos andar um pedacinho. É que é muito difícil um grande número de bruxos se reunir sem chamar a atenção dos trouxas. Temos que tomar muito cuidado com o modo de viajar até em tempos normais e numa ocasião grandiosa como a Copa Mundial de Quadribol...
— Jorge! — chamou a Sra. Weasley rispidamente e todos se assustaram.
— Quê? — perguntou Jorge, num tom de inocência que não enganou ninguém.
— Que é isso no seu bolso?
— Nada!
— Não minta para mim!
A Sra. Weasley apontou a varinha para o bolso de Jorge e disse:
Accio!
Vários objetos pequenos e vivamente coloridos dispararam para fora do bolso de Jorge; o garoto tentou segurá-los, mas não conseguiu, e eles foram parar direto na mão estendida da Sra. Weasley.
— Mandamos vocês destruírem isso! — disse ela furiosa mostrando indiscutíveis Caramelos Incha-Língua — Mandamos vocês se desfazerem de todos. Esvaziem os bolsos, vamos, os dois!
Foi uma cena desagradável; os gêmeos evidentemente tinham tentado contrabandear o maior número possível de caramelos para fora da casa e somente usando um Feitiço Convocatório a Sra. Weasley conseguiu encontrar todos.
Accio! Accio! Accio! — gritava ela e os caramelos voavam dos lugares mais improváveis, inclusive do forro da jaqueta de Jorge e das barras do jeans de Fred.
— Gastamos seis meses para inventar esses caramelos — gritou Fred para a mãe, quando ela os jogou no lixo.
— Que bela maneira de gastar seis meses! — guinchou a mãe — Não admira que não tivessem obtido mais N.O.M.s!
No todo, o clima não estava muito simpático quando eles partiram. A Sra. Weasley continuava enfurecida quando beijou o rosto do marido, mas não tanto quanto os gêmeos, que tinham posto as mochilas às costas e saído sem dizer uma palavra à mãe.
— Bom, divirtam-se — desejou a Sra. Weasley — E se comportem — gritou para os gêmeos que se afastavam, mas eles não se viraram nem responderam — Vou mandar Gui, Carlinhos e Percy por volta do meio-dia — avisou a Sra. Weasley ao marido quando ele, Harry, Rony, Hermione e Gina começaram a atravessar o gramado escuro atrás de Fred e Jorge.
Fazia frio e a lua ainda estava no céu. Apenas um esverdeado-claro no horizonte, à direita deles, denunciava que em breve amanheceria. Harry, que andara pensando nos milhares de bruxos que rumavam apressados para a Copa Mundial de Quadribol, acelerou o passo para caminhar com o Sr. Weasley.
— Então como é que todo o mundo chega lá sem os trouxas repararem? — perguntou ele.
— Foi um enorme problema de organização — suspirou o Sr. Weasley — O caso é que vêm uns cem mil bruxos para a Copa Mundial e, é claro, não temos nenhum local mágico grande bastante para acomodar todos. Há lugares em que os trouxas não conseguem penetrar, mas imagine tentar acomodar cem mil bruxos no Beco Diagonal ou na Plataforma Nove e Meia. Então tivemos que encontrar uma charneca deserta que servisse e instalar o máximo de precauções antitrouxas possível. O Ministério inteiro vem trabalhando nisso há meses. Primeiro, é claro, tivemos que escalonar as chegadas. Quem comprou entradas mais baratas teve que chegar duas semanas antes. Um número limitado tem usado os transportes dos trouxas, mas não podemos ter gente demais entupindo os ônibus e trens deles, lembre que temos bruxos chegando de todo o mundo. Alguns aparatam, naturalmente, mas temos que escolher pontos seguros para eles aparecerem, bem longe dos trouxas. Acho que há uma floresta próxima que eles estão usando para aparatar. Para os que não querem aparatar, ou não podem, usamos os portais. São objetos para o transporte de bruxos de um lugar para outro em horas certas. Pode-se atender a grandes grupos de cada vez se for preciso. Foram instalados duzentos portais em pontos estratégicos da Grã-Bretanha, e o mais próximo da nossa casa é no alto do Morro Stoarshead, por isso é que estamos indo para lá.
O Sr. Weasley apontou para uma grande massa escura que se erguia à frente, para além do povoado de Ottery St. Catchpole.
— Que tipo de objetos são esses portais? — perguntou Harry curioso.
— Podem ser qualquer coisa — respondeu o Sr. Weasley — Coisas discretas, obviamente, para os trouxas não as pegarem e saírem brincando com elas... coisas que eles simplesmente considerem lixo...
O grupo caminhava pela vereda escura e úmida que levava ao povoado, o silêncio quebrado apenas pelo eco de seus passos. O céu foi clareando muito devagarinho quando eles atravessaram o povoado, o azul-tinta se dissolvendo em azul-escuro.
As mãos e os pés de Harry estavam congelados. O Sr. Weasley não parava de consultar o relógio. Eles já estavam sem fôlego para conversar quando começaram a subir o morro Stoatshead, tropeçavam ocasionalmente em tocas de coelho escondidas, escorregavam em grossos tufos de grama escura. Cada vez que Harry inspirava sentia o peito arder e suas pernas já começavam a se recusar a andar quando finalmente seus pés pisaram em terreno nivelado.
— Ufa! — ofegou o Sr. Weasley, tirando os óculos e secando-os no suéter — Bom, fizemos um bom tempo, ainda temos dez minutos...
Hermione foi à última a aparecer na crista do morro, apertando uma cãibra do lado do corpo.
— Agora só precisamos da Chave de Portal — disse o Sr. Weasley repondo os óculos e apurando a vista para esquadrinhar o terreno — Não deve ser grande... vamos...
Eles se espalharam para procurá-la. E estavam nisso havia poucos minutos, quando um grito cortou o ar parado.
— Aqui, Arthur! Aqui, filho, achamos!
Dois vultos altos surgiram recortados contra o céu estrelado, do outro lado do cume do morro.
— Amos! — exclamou o Sr. Weasley, encaminhando-se sorridente para o homem que gritara.
Os garotos o acompanharam.
O Sr. Weasley apertou as mãos de um bruxo de rosto corado, com uma barba castanha e curta, que segurava em uma das mãos uma bota velha de aparência mofada.
— Este é Amos Diggory, pessoal — apresentou-o o Sr. Weasley — Trabalha no Departamento para Regulamentação e Controle das Criaturas Mágicas. E acho que vocês conhecem o filho dele, Cedrico?
Cedrico Diggory era um rapaz muito bonito de uns dezessete anos. Era capitão e apanhador do time de Quadribol da Lufa-Lufa, em Hogwarts.
— Oi — disse Cedrico olhando para os garotos.
Todos retribuíram o “Oi”, exceto Fred e Jorge, que apenas acenaram com a cabeça. Eles nunca haviam perdoado Cedrico por derrotar o time da Grifinória, no primeiro jogo de Quadribol do ano anterior.
— Uma longa caminhada, Arthur? — perguntou o pai de Cedrico.
— Não foi tão ruim assim — respondeu o Sr. Weasley — Moramos logo ali do outro lado do povoado. E você?
— Tivemos que nos levantar as duas, não foi, Ced? Confesso que vou ficar satisfeito quando ele passar no exame de aparatação. Mas... não estou me queixando... a Copa Mundial de Quadribol, eu não a perderia nem por um saco de galeões, e é mais ou menos quanto custam as entradas. Mas, pelo visto, parece que me saiu barato...
Amos Diggory mirou bem-humorado os três garotos Weasley, Harry, Hermione e Gina.
— São todos seus, Arthur?
— Ah, não, só os ruivos — esclareceu o Sr. Weasley apontando os filhos — Esta é Hermione, amiga de Rony, e Harry, outro amigo...
— Pelas barbas de Merlin! — exclamou Amos Diggory arregalando os olhos — Harry? Harry Potter?
— Hum... é — respondeu o garoto.
Harry estava habituado às pessoas o olharem curiosas quando o conheciam, habituado à corrida instantânea do olhar delas a cicatriz em forma de raio em sua testa, mas isto sempre o constrangia.
— Ced nos falou de você, naturalmente — disse Amos Diggory — Nos contou tudo sobre a partida que jogaram com vocês no ano passado... eu disse a ele: Ced, isto vai ser uma história para contar aos seus netos, ah, vai... você derrotou Harry Potter!
Harry não conseguiu pensar em nenhuma resposta a esse comentário, por isso ficou calado. Fred e Jorge amarraram a cara outra vez. Cedrico pareceu ligeiramente encabulado.
— Harry caiu da vassoura, papai — murmurou ele — Contei a você... foi um acidente...
— É, mas você não caiu, não é mesmo? — rugiu Amos jovialmente, dando uma palmada nas costas do filho — Sempre modesto, o nosso Ced, sempre cavalheiro... mas venceu o melhor, tenho certeza de que Harry diria o mesmo, não é? Um cai da vassoura, um continua montado, não é preciso ser gênio para saber quem voa melhor!
— Deve estar quase na hora — disse o Sr. Weasley depressa, puxando o relógio do bolso mais uma vez — Você sabe se temos que esperar mais alguém?
— Não, os Lovegood já estão lá há uma semana e os Fawcett não conseguiram entradas — disse o Sr. Diggory — Não tem mais gente nossa na área?
— Não que eu saiba. Só falta um minuto... é melhor nos prepararmos...
Ele olhou para Harry e Hermione.
— Vocês só precisam tocar na Chave de Portal, só isso, basta um dedo...
Com dificuldade, por causa das volumosas mochilas, os nove se agruparam em torno da velha bota que Amos Diggory segurava. Todos ficaram parados ali, num circulo fechado, sentindo a brisa gélida que varria o cume do morro. Ninguém falava. De repente ocorreu a Harry como pareceria estranho se um trouxa subisse até ali naquele momento... nove pessoas, dois adultos, segurando uma bota velha de pano, esperando...
— Três... — murmurou o Sr. Weasley, com o olho ainda no relógio — Dois... Um...
Aconteceu instantaneamente.
Harry teve a sensação de que um gancho dentro do seu umbigo fora irresistivelmente puxado para frente. Seus pés deixaram o chão, ele sentiu Rony e Hermione de cada lado, os ombros se tocando, todos avançavam vertiginosamente em meio ao uivo do vento e ao rodopio de cores, seu dedo indicador estava grudado na bota como se esta o atraísse magneticamente para frente, e então... seus pés bateram no chão, Rony deu um encontrão nele e caiu, a Chave de Portal despencou no chão do lado da cabeça dele com um baque forte.
Harry ergueu os olhos.
O Sr. Weasley, o Sr. Diggory e Cedrico continuavam parados, embora com a aparência de terem sido varridos pelo vento, os demais estavam caídos no chão.
— O sete e cinco chegando do Morro Stoatshead — anunciou uma voz.










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quarta-feira, 30 de maio de 2012

Harry Potter e o Cálice de Fogo - Capítulo 5





— CAPÍTULO CINCO —
As “Gemialidades” Weasley



HARRY RODOPIOU CADA VEZ MAIS VELOZ, apertando os cotovelos junto ao corpo, lareiras difusas passaram como relâmpagos por ele, até que começou a se sentir nauseado e fechou os olhos. Depois, ao sentir finalmente que estava desacelerando, esticou as mãos para frente e fez força para parar em tempo de evitar cair de cara na lareira da cozinha da casa dos Weasley.
— Ele comeu? — perguntou Fred excitado, estendendo a mão para ajudar Harry a se levantar.
— Comeu — disse Harry se endireitando — O que era?
— Caramelo Incha-Língua — informou-lhe Fred, animado — Foi Jorge e eu que inventamos, passamos o verão todo procurando alguém para experimentar...
A pequena cozinha explodiu de risadas, Harry olhou para os lados e viu que Rony e Jorge estavam sentados à mesa da cozinha com dois rapazes ruivos que ele nunca vira antes, embora soubesse na hora quem deviam ser: Gui e Carlinhos, os dois irmãos Weasley mais velhos.
— Como vai, Harry? — disse o que estava mais próximo, sorrindo para ele e estendendo a mão enorme, que Harry apertou sentindo calos e bolhas sob os dedos.
Tinha que ser Carlinhos, que trabalhava com dragões na Romênia. O rapaz tinha o mesmo físico dos gêmeos, mais baixo e mais forte do que Percy e Rony, que eram compridos e magros. Seu rosto era largo e bem-humorado, castigado pelo sol e tão sardento que quase parecia bronzeado, os braços eram musculosos e em um deles havia uma grande e reluzente queimadura.
Gui se levantou, sorrindo, e também apertou a mão de Harry. O rapaz foi uma surpresa. Harry sabia que ele trabalhava para o banco dos bruxos, o Gringotes, e que fora monitor-chefe em Hogwarts, e sempre imaginara que Gui fosse uma versão mais velha de Percy; preocupado com as infrações dos regulamentos e chegado a mandar em todo mundo.
No entanto, Gui era, não havia outra palavra, descolado. Alto, os cabelos compridos presos em um rabo-de-cavalo. Usava um brinco de argola com um berloque pendurado que parecia um dente canino. Suas roupas não estariam deslocadas em um concerto de rock, exceto pelo detalhe de que as botas não eram feitas de couro de boi, mas de couro de dragão.
Antes que alguém pudesse dizer alguma coisa, ouviu-se um leve estalo e o Sr. Weasley apareceu de repente junto ao ombro de Jorge. Parecia mais zangado do que Harry jamais o vira.
— Não teve graça alguma, Fred! — gritou ele — Que diabo foi que você deu àquele garoto trouxa?
— Eu não dei nada a ele — disse Fred, com outro sorriso malvado — Só deixei cair um caramelo... foi culpa dele se o apanhou e comeu, não o mandei fazer isso.
— Você deixou cair de propósito! — berrou o Sr. Weasley — Sabia que ele ia comer, sabia que ele estava fazendo regime...
— De que tamanho ficou a língua dele? — perguntou Jorge, ansioso.
— Já estava com mais de um metro quando os pais me deixaram encolhê-la!
Harry e os Weasley caíram na gargalhada outra vez.
— Não tem graça! — gritou o Sr. Weasley — Esse tipo de comportamento desestabiliza seriamente as relações bruxos-trouxas! Passo metade da vida fazendo campanha contra os maus-tratos aos trouxas e os meus próprios filhos...
— Não demos o caramelo a ele porque é trouxa! — disse Fred.
— Não, demos porque ele é um filho-da-mãe implicante — disse Jorge — Não é verdade, Harry?
— É, sim, Sr. Weasley — confirmou Harry com sinceridade.
— Isto não vem ao caso! — vociferou o Sr. Weasley — Espere até eu contar à sua mãe...
— Contar o quê? — perguntou uma voz às costas dele.
A Sra. Weasley acabara de entrar na cozinha. Era uma mulher baixa e gorducha, de rosto bondoso, embora, no momento, seus olhos estivessem apertados numa expressão de desconfiança.
— Ah, olá, Harry querido — disse ela, sorrindo, ao vê-lo. Então seus olhos se voltaram para o marido — Contar o quê, Arthur?
O Sr. Weasley hesitou. Harry percebeu que, por mais zangado que estivesse com Fred e Jorge, ele não pretendera realmente contar a Sra. Weasley o que tinha acontecido. Fez-se silêncio, enquanto o Sr. Weasley encarava a esposa, nervoso.
Então duas meninas apareceram à porta da cozinha atrás da Sra. Weasley. Uma, de cabelos castanhos muito fofos e os dentes da frente um tanto grandes, era a amiga de Harry e Rony, Hermione Granger. A outra, pequena e ruiva, era a irmã mais nova de Rony, Gina. As duas sorriram para Harry, que retribuiu o sorriso, fazendo Gina ficar escarlate, tinha um xodó por Harry desde a primeira visita dele à Toca.
— Contar o quê, Arthur? — repetiu a Sra. Weasley, num tom de voz perigoso.
— Não é nada, Molly — resmungou o marido — Fred e Jorge... mas eu já tive uma conversa com eles...
— Que foi que eles fizeram desta vez? — perguntou a Sra. Weasley — Se foi alguma coisa relacionada com as “Gemialidades” Weasley...
— Por que você não mostra ao Harry aonde ele vai dormir, Rony? — sugeriu Hermione da porta.
— Ele já sabe aonde vai dormir — respondeu Rony — No meu quarto, foi lá que dormiu da última...
— Então todos podemos ir — disse Hermione, sublinhando as palavras.
— Ah — fez Rony, entendendo — Certo.
— É, nós também vamos — disse Jorge.
— Vocês ficam onde estão!— vociferou a Sra. Weasley.
Harry e Rony saíram de fininho da cozinha e seguiram com as meninas pelo corredor estreito, subiram a escada desconjuntada e saíram ziguezagueando pela casa até os últimos andares.
— Que são “Gemialidades” Weasley? — perguntou Harry quando subiam.
Rony e Gina riram, embora Hermione continuasse séria.
— Mamãe encontrou uma pilha de formulários de pedidos quando estava limpando o quarto de Fred e Jorge — disse Rony em voz baixa — Listas enormes de preços de coisas que eles inventaram. Artigos para logros e brincadeiras, sabe. Varinhas de imitação, doces-surpresas, um monte de coisas.
— Genial! Eu não sabia que eles estavam inventando tanta coisa...
— Há muito tempo que ouvíamos explosões no quarto deles, mas nunca pensamos que estavam fabricando coisas — explicou Gina — Achamos que era só vontade de fazer barulho.
— Só que, a maior parte das coisas, bom, na realidade, tudo... era meio perigoso — disse Rony — E, sabe, eles estavam planejando vender os artigos em Hogwarts para ganhar dinheiro, e mamãe ficou uma fera. Disse que eles estavam proibidos de fabricar aquelas coisas e queimou todos os formulários... já estava furiosa mesmo porque eles não conseguiram tantos N.O.M.s quanto ela esperava.
Os N.O.M.s eram Níveis Ordinários de Magia, os exames que os alunos de Hogwarts faziam aos quinze anos.
— Depois houve uma briga danada — disse Gina — Porque mamãe queria que eles entrassem para o Ministério da Magia como papai, e os dois responderam que o que eles querem é abrir uma loja de logros e brincadeiras.
Nessa hora, uma porta se abriu no segundo patamar e um rosto com óculos de aros de tartaruga e expressão mal-humorada espiou pra fora.
— Oi, Percy — cumprimentou Harry.
— Ah, olá, Harry. Eu estava imaginando quem é que estava fazendo essa barulheira. Estou tentando trabalhar aqui dentro, sabe, tenho um relatório do escritório para terminar, e é difícil me concentrar se as pessoas não param de subir e descer fazendo as escadas reboarem.
— Não estamos fazendo as escadas reboarem — retrucou Rony irritado — Estamos andando. Desculpe se perturbamos o trabalho secreto do Ministério da Magia.
— No que é que você está trabalhando? — perguntou Harry.
— Sei, sei, tudo bem — interrompeu-o Rony e recomeçou a subir as escadas.
Percy bateu a porta do quarto.
Quando Harry, Hermione e Gina iam começar a acompanhar Rony na subida de mais três lances de escada, ouviram os ecos dos gritos na cozinha. Pelo jeito o Sr. Weasley contara a Sra. Weasley sobre os caramelos.
O quarto em que Rony dormia, no último andar da casa, conservava a mesma aparência da última vez que Harry viera passar dias com o amigo: os mesmos pôsteres do time favorito de Quadribol de Rony, os Chudley Cannons, em que os jogadores acenavam das paredes e do teto inclinado, o aquário no peitoril da janela que anteriormente abrigara ovas de rã agora continha um enorme sapo. O velho rato de Rony, Perebas, não morava mais ali, em seu lugar havia a coruja minúscula que entregara a carta de Rony na Rua dos Alfeneiros. Saltitava numa gaiolinha, piando feito louca.
— Cala a boca, Píchi — disse Rony, manobrando para passar entre duas das quatro camas que haviam sido espremidas no quarto — Fred e Jorge estão aqui conosco, porque Gui e Carlinhos ficaram com o quarto dos dois — disse Rony a Harry — Percy conseguiu ficar com o quarto só para ele porque tem que trabalhar.
— Hum... por que é que você chama essa coruja de Píchi? — perguntou Harry a Rony.
— Porque Rony está sendo idiota — disse Gina — O nome todo é Pichitinho.
— É, e isso não é um nome nem um pouco idiota — comentou Rony sarcasticamente — Foi Gina que o batizou — explicou a Harry — Ela acha que é um nome bonitinho. Tentei mudar, mas já era tarde demais, ele não responde a nenhum outro. Então ficou Píchi. Tenho que trancar ele aqui porque vive chateando o Errol e o Hermes. Pensando bem, chateia a mim também.
Pichitinho voava alegremente pela gaiola, piando em tom agudo. Harry conhecia Rony muito bem para levá-lo a sério. Tinha reclamado o tempo todo do seu velho rato Perebas, mas ficara aborrecidíssimo quando pareceu que o gato de Hermione, Bichento, o comera.
— Por onde anda o Bichento? — perguntou Harry a Hermione nessa hora.
— No jardim, espero. Ele gosta de caçar gnomos, nunca tinha visto nenhum.
— Então o Percy está gostando do trabalho? — perguntou Harry se sentando em uma das camas e se pondo a observar os Chudley Cannons entrando e saindo velozes dos pôsteres no teto.
— Gostando? — disse Rony misterioso — Acho que nem voltaria para casa se papai não obrigasse. Está obcecado. Nem puxe conversa sobre o chefe dele. O Sr. Crouch diz... como eu ia dizendo ao Sr. Crouch... o Sr. Crouch é de opinião... o Sr. Crouch esteve me dizendo... qualquer dia desses vão anunciar o noivado dos dois.
— Como foi o seu verão, Harry, bom? — perguntou Hermione — Recebeu os pacotes de comida que mandamos e tudo o mais?
— Recebi, muito obrigado. Salvaram minha vida, aqueles bolos.
— E você teve notícias de...? — Rony começou, mas a um olhar de Hermione calou a boca. Harry sabia que Rony ia perguntar por Sirius.
Rony e Hermione tinham participado tão intensamente da fuga de Sirius do Ministério da Magia que estavam quase tão preocupados com o padrinho de Harry quanto o garoto. Porém, falar dele na frente de Gina não era uma boa ideia. Ninguém a não ser eles e o Professor Dumbledore sabiam como o padrinho de Harry havia fugido ou acreditavam em sua inocência.
— Acho que eles pararam de discutir — disse Hermione, para disfarçar o momento de constrangimento, porque Gina olhava com curiosidade de Rony para Harry — Vamos descer e ajudar sua mãe com o jantar?
— Tudo bem — disse Rony.
Os quatro tornaram a descer e encontraram a Sra. Weasley sozinha na cozinha, parecendo extremamente mal-humorada.
— Vamos comer no jardim — disse ela quando os garotos entraram — Não há lugar para onze pessoas aqui dentro. Podem levar os pratos para fora, meninas? Gui e Carlinhos estão armando as mesas. Facas e garfos, por favor, vocês dois — disse ela a Rony e Harry.
E apontou a varinha com um pouco mais de força do que pretendera para um monte de batatas na pia, que saíram da casca demasiado depressa e acabaram ricocheteando nas paredes e no teto.
— Ah, pelo amor de Deus! — exclamou ela, agora apontando a varinha para uma pá, que saltou de lado e começou a patinar pelo piso, recolhendo as batatas — Aqueles dois! — explodiu ela furiosa, agora tirando tachos e panelas de um armário, e Harry entendeu que ela estava se referindo a Fred e Jorge — Não sei o que vai ser deles, realmente não sei. Não têm ambição, a não ser que se leve em conta toda confusão que são capazes de aprontar...
Ela bateu com uma grande caçarola de cobre na mesa da cozinha e começou a agitar a mão para os lados. Um molho cremoso foi escorrendo da ponta da varinha à medida que ela mexia.
— Não é que não tenham inteligência — continuou ela irritada, levando a caçarola para o fogão e acendendo-o com um toque da varinha — Mas estão desperdiçando a que têm e, a não ser que tomem jeito depressa, vão se meter em apuros. Já recebi mais corujas de Hogwarts a respeito dos dois do que de todos os outros juntos. Se continuarem assim, vão terminar tendo que comparecer a Seção de Controle do Uso Indevido da Magia.
A Sra. Weasley apontou a varinha para a gaveta de talheres, que se abriu com violência. Harry e Rony saltaram para o lado ao ver várias facas saírem voando, atravessarem a cozinha e começarem a cortar as batatas que tinham acabado de ser devolvidas à pia pela pá.
— Não sei onde foi que erramos com os gêmeos — disse a Sra. Weasley descansando a varinha e recomeçando a tirar mais caçarolas do armário — Tem sido sempre assim há anos, uma coisa atrás da outra, e eles não dão ouvidos... AH, OUTRA VEZ, NÃO!
Ela apanhara a varinha da mesa, e a coisa emitira um guincho alto e se transformara em um enorme camundongo de borracha.
— Mais uma varinha falsa fabricada por eles! — gritou ela — Quantas vezes já disse aos dois para não deixarem essas coisas largadas por aí?
Ela agarrou a própria varinha, e quando se virou descobriu que o molho no fogão estava soltando fumaça.
— Vamos — disse Rony depressa a Harry, enfiando a mão na gaveta e tirando uma mão cheia de talheres — Vamos ajudar o Gui e o Carlinhos.
Eles deixaram a Sra. Weasley e saíram pela porta dos fundos em direção ao quintal. Tinham dado apenas alguns passos quando o gato de Hermione, de pêlo amarelo e pernas arqueadas, saiu saltando do jardim, o rabo de escova de limpar garrafas esticado no ar, caçando alguma coisa que parecia uma batata com pernas, suja de terra.
Harry reconheceu-a instantaneamente, era um gnomo. Mal chegava aos vinte e cinco centímetros de altura, os pezinhos cascudos batendo célere no chão ao atravessar o quintal e mergulhar de cabeça em uma das botas espalhadas à porta da casa. Harry ouviu o gnomo se acabar de rir quando Bichento enfiou a pata na bota, tentando alcançá-lo.
Entrementes, ouvia-se um estrépito de coisas que batiam do outro lado da casa. A origem do barulho surgiu quando eles entraram no jardim e viram Gui e Carlinhos, de varinhas em punho, fazendo duas mesas velhas voarem alto pelo gramado e colidirem, cada qual tentando derrubar a outra no chão. Fred e Jorge aplaudiam, Gina ria e Hermione estava parada junto à sebe, pelo jeito dividida entre o riso e a aflição.
A mesa de Gui bateu na de Carlinhos com estrondo e perdeu uma das pernas. Eles ouviram um barulho no alto, todos ergueram os olhos e viram a cabeça de Percy aparecer à janela do segundo andar.
— Dá para vocês maneirarem? — berrou ele.
— Desculpe, Percy — disse Gui rindo — Como é que vão os fundos dos caldeirões?
— Muito mal — disse Percy irritado e tornou a fechar a janela com uma pancada.
Rindo, Gui e Carlinhos devolveram as mesas em segurança ao chão, juntaram-nas pelas extremidades e, então, com um golpe de varinha, Gui colou de volta a perna da mesa e conjurou toalhas do nada.
Às sete horas, as duas mesas rangiam sob o peso de travessas e mais travessas da excelente comida da Sra. Weasley, e os nove Weasley, Harry e Hermione se sentaram para jantar sob um céu azul escuro e limpo. Para alguém que andara sobrevivendo com refeições de bolos cada vez mais secos o verão inteiro, aquilo era o paraíso e, no primeiro momento, Harry escutou mais do que falou, se servindo de empadão de galinha e presunto, batatas cozidas e salada.
Na ponta da mesa, Percy contava ao pai todos os detalhes do seu relatório sobre os fundos dos caldeirões.
— Eu prometi ao Sr. Crouch que aprontaria o relatório até Terça-Feira — dizia Percy pomposo — É um pouco mais cedo do que ele pediu, mas gosto de estar um passo à frente. Acho que ele ficará agradecido por eu ter terminado em menos tempo. Quero dizer, há muito trabalho em nosso departamento neste momento, com todas as providências para a Copa Mundial. Não estamos recebendo a colaboração necessária do Departamento de Jogos e Esportes Mágicos. Ludo Bagman...
— Eu gosto do Ludo — disse o Sr. Weasley em tom ameno — Foi ele que nos arranjou aqueles excelentes lugares para a Copa. Fiz um favorzinho a ele: o irmão, Otto, se meteu em uma pequena confusão, um cortador de grama com poderes fora do comum, eu acertei o problema.
— Ah, Bagman é uma pessoa agradável, é claro — disse Percy fugindo à questão — Mas como conseguiu ser chefe do departamento... quando o comparo ao Sr. Crouch! Não posso imaginar o Sr. Crouch perdendo um funcionário do departamento. Sem tentar descartar Berta Jorkins que está desaparecida há mais de um mês? Saiu de férias para a Albânia e nunca mais voltou!
— Verdade, indaguei ao Ludo sobre isso — respondeu o Sr. Weasley enrugando a testa — Ele me disse que Berta já se perdeu uma porção de vezes antes, embora eu deva dizer que se fosse alguém no meu departamento eu ficaria preocupado...
— Ah, a Berta não toma jeito, é verdade — falou Percy — Ouvi dizer que ela é empurrada de departamento para departamento há anos, dá mais trabalho do que trabalha... mas, mesmo assim, Bagman devia estar tentando encontrá-la. O Sr. Crouch tem demonstrado interesse pessoal, sabe, ela chegou a trabalhar no nosso departamento e acho que o Sr. Crouch gostava bastante dela, mas Bagman fica rindo e dizendo que ela provavelmente leu mal o mapa e em vez da Albânia acabou na Austrália. Contudo...
Percy deixou escapar um imponente suspiro, e tomou um bom gole do vinho de flor de sabugueiro.
— Já temos muito com o que nos preocupar no Departamento de Cooperação Internacional em Magia sem ficar tentando achar funcionários de outros departamentos. Como o senhor sabe, já temos outro grande evento para organizar logo depois da Copa.
Ele pigarreou cheio de importância e olhou para a ponta da mesa em que Harry, Rony e Hermione estavam sentados.
— O senhor sabe do que estou falando, papai — e alteou ligeiramente a voz — O evento secreto.
Rony girou os olhos para o alto, e murmurou para Harry e Hermione:
— Ele está tentando fazer a gente perguntar que evento é esse desde que começou a trabalhar. Provavelmente uma exposição de caldeirões com fundo grosso.
No centro da mesa, a Sra. Weasley discutia com Gui por causa do brinco, que aparentemente era uma aquisição recente.
—... com um canino horroroso pendurado, francamente Gui, que é que eles dizem lá no banco?
— Mamãe, ninguém lá no banco liga a mínima para a roupa que eu uso desde que eu traga muito ouro para eles — disse Gui pacientemente.
— E seus cabelos estão sem corte, querido — disse a Sra. Weasley passando os dedos, carinhosamente, pelos cabelos do filho — Gostaria que você me deixasse aparar...
— Eu gosto deles assim — disse Gina, que estava sentada ao lado de Gui — Você é tão antiquada, mamãe. Mesmo desse tamanho, eles não chegam nem perto do comprimento dos cabelos do Professor Dumbledore...
Ao lado da Sra. Weasley, Fred, Jorge e Carlinhos discutiam animadamente a Copa Mundial.
— Vai ser da Irlanda — disse Carlinhos com a voz enrolada por causa das batatas que lhe enchiam a boca — Eles acabaram com o Peru nas semifinais.
— Mas a Bulgária tem o Vítor Krum — comentou Fred.
— O Krum é apenas um jogador decente, a Irlanda tem sete — cortou Carlinhos — Mas eu gostaria que a Inglaterra tivesse passado para as finais. Foi um vexame, ah, foi.
— Que aconteceu? — perguntou Harry pressuroso, lamentando mais do que nunca o seu alheamento do mundo mágico quando ficava atolado na Rua dos Alfeneiros.
Harry era apaixonado por Quadribol. Jogava como apanhador no time da Grifinória desde o primeiro ano em Hogwarts e era dono de uma Firebolt, uma das melhores vassouras de corrida do mundo.
— Perdeu para a Transilvânia, por trezentos e noventa a dez — disse Carlinhos sombriamente — Um desempenho sinistro. E Gales perdeu para Uganda, e a Escócia foi massacrada por Luxemburgo.
O Sr. Weasley conjurou velas para clarear o jardim antes de comerem a sobremesa (sorvete de morangos feito em casa), e na altura em que o jantar terminou, as mariposas voavam baixo sobre a mesa e o ar morno estava perfumado com o aroma de relva e madressilvas.
Harry se sentia muitíssimo bem alimentado e em paz com o mundo, e observava vários gnomos saltarem por dentro das roseiras, rindo como loucos, perseguidos de perto por Bichento.
Rony correu os olhos, cauteloso, pela mesa, verificando se o resto da família estava entretida conversando, depois perguntou baixinho a Harry:
— Então... tem tido notícias de Sirius ultimamente?
Hermione olhou para os lados, apurando os ouvidos.
— Tenho — disse Harry baixinho — Duas vezes. Tenho a impressão de que está bem. Escrevi para ele anteontem. Talvez receba resposta enquanto estou aqui.
De repente ele se lembrou do motivo por que escrevera a Sirius e, por um instante, esteve prestes a contar aos dois amigos que a cicatriz voltara a doer e que um sonho o acordara... mas na realidade não queria preocupá-los naquele momento, não quando ele próprio estava se sentindo tão feliz e tranquilo.
— Gente, olhe as horas! — exclamou subitamente a Sra. Weasley, consultando o relógio de pulso — Vocês deviam estar na cama, todos vocês, vão ter que acordar quase de madrugada para ir à Copa. Harry, se você deixar a sua lista de material escolar, eu compro tudo para você amanhã, no Beco Diagonal. Vou comprar o dos meus meninos. Talvez não haja tempo depois da Copa Mundial, da última vez o jogo durou cinco dias.
— Uau... espero que aconteça o mesmo desta vez! — exclamou Harry entusiasmado.
— Eu espero que não — disse Percy, virtuosamente — Estremeço só de pensar no estado da minha caixa de entrada se eu me ausentar cinco dias do trabalho.
— É, alguém poderia deixar bosta de dragão nela outra vez, hein, Percy? — comentou Fred.
— Aquilo foi uma amostra de fertilizante da Noruega! — protestou Percy, corando — Não foi nada conta mim.
— Foi sim — cochichou Fred para Harry, quando eles se levantavam da mesa — Fomos nós que mandamos.







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terça-feira, 29 de maio de 2012

Harry Potter e o Cálice de Fogo - Capítulo 4








— CAPÍTULO QUATRO —
De Volta À Toca



POR VOLTA DO MEIO-DIA DO DIA SEGUINTE, o malão de Harry estava pronto com o seu material escolar e seus pertences mais preciosos, a Capa da Invisibilidade que ele herdara do pai, a vassoura que ganhara de Sirius, o mapa encantado de Hogwarts, presente de Fred e Jorge Weasley no ano anterior. Ele retirara toda a comida do esconderijo sob a tábua solta, verificara duas vezes cada cantinho de seu quarto para ver se esquecera livros de feitiços ou penas, baixara da parede o calendário em que fizera a contagem regressiva para o dia primeiro de Setembro, riscando cada dia que passava até a volta a Hogwarts.
A atmosfera no nº 4 da Rua dos Alfeneiros estava extremamente tensa. A chegada iminente à casa de um grupo variado de bruxos estava deixando os Dursley nervosos e irritadiços. Tio Válter parecera decididamente assustado quando Harry informou-o de que os Weasley chegariam às cinco horas do dia seguinte.
— Espero que você tenha avisado para se vestirem direito, a essas pessoas — rosnou o tio na mesma hora — Já vi o tipo de coisa que gente da sua laia usa. É melhor terem a decência de vestir roupas normais, é só.
Harry sentiu uma ligeira apreensão. Raramente vira o casal Weasley usar alguma coisa que os Dursley pudessem chamar de “normal”. Os filhos até usavam roupas de trouxas durante as férias, mas o Sr. e a Sra. Weasley, em geral, usavam vestes longas e surradas em vários graus. Harry não se incomodava com o que os vizinhos pudessem pensar, mas estava aflito com as grosserias que os Dursley pudessem fazer aos Weasley se eles realmente correspondessem à péssima idéia que os tios faziam dos bruxos.
Tio Válter vestira o melhor terno. Para alguns isto poderia parecer um gesto de boas-vindas, mas Harry sabia que era porque o tio queria impressionar e intimidar.
Duda, por outro lado, parecia encolhido. Não era porque a dieta afinal estivesse produzindo efeito, mas por medo. O garoto saíra do último encontro com um bruxo adulto levando um rabo de porco, enroscado, que saía pelo fundilho das calças e Tia Petúnia e Tio Válter precisaram pagar um hospital particular em Londres para remover o tal rabo. Portanto, não surpreendia que Duda não parasse de passar a mão, nervosamente, pelo bumbum, e andasse de lado quando ia de um cômodo a outro, para não oferecer o mesmo alvo ao inimigo.
O almoço foi uma refeição quase silenciosa. Duda sequer protestou contra a comida (queijo branco e aipo ralado). Tia Petúnia não comeu nadinha. Manteve os braços cruzados, os lábios contraídos e parecia estar mastigando a língua, como se refreasse o discurso violento e injurioso que queria fazer para Harry.
— Eles virão de carro, naturalmente? — vociferou Tio Válter por cima da mesa.
Hum — fez Harry.
Ele não pensara nisso. Como é que os Weasley viriam apanhá-lo? Não tinham mais carro, o velho Ford Anglia, que outrora possuíam, atualmente andava rodando pela Floresta Proibida de Hogwarts. Mas, no ano anterior, o Sr. Weasley tomara emprestado o carro do Ministério da Magia; será que faria o mesmo hoje?
— Acho que sim — respondeu Harry.
Tio Válter bufou para dentro dos bigodes. Normalmente, ele teria perguntado qual era a marca do carro do Sr. Weasley, tinha uma tendência a julgar outros homens pelo tamanho e o luxo de seus carros. Mas o garoto duvidava que o tio tivesse simpatizado com o Sr. Weasley mesmo que o bruxo dirigisse uma Ferrari.
Harry passou a maior parte da tarde em seu quarto, não suportava ver Tia Petúnia espiar entre as cortinas a todo instante, como se tivesse havido um alerta de que existia um rinoceronte à solta. Finalmente, as quinze para as cinco, Harry voltou ao térreo e entrou na sala de estar.
Tia Petúnia ajeitava compulsivamente as almofadas. Tio Válter fingia ler o jornal, mas seus olhinhos miúdos não se mexiam, e Harry teve certeza de que na realidade ele mantinha os ouvidos muito atentos para a chegada de um carro. Duda se enterrou numa poltrona, sentado em cima das mãos muito gordas, e segurava com firmeza o bumbum.
Harry não suportou a tensão: saiu da sala e foi se sentar na escada do hall, os olhos no relógio de pulso e o coração batendo muito forte de tanta excitação e nervosismo.
Às cinco horas vieram e se foram.
Tio Válter, suando ligeiramente no terno, abriu a porta da frente, espiou para um lado e outro da rua, e recolheu depressa a cabeça.
— Eles estão atrasados! — rosnou para Harry.
— Eu sei — disse Harry — Talvez... hum... o trânsito esteja ruim, ou outro problema qualquer.
Cinco e dez... depois cinco e quinze... Harry estava começando a ficar ansioso também.
Às cinco e meia, ele ouviu os tios conversarem em murmúrios tensos na sala de estar.
— Não tem a menor consideração.
— Poderíamos ter outro compromisso.
— Talvez eles pensem que serão convidados para o jantar se chegarem tarde.
— Certamente que não serão — respondeu Tio Válter, e Harry o ouviu se levantar e começar a andar pela sala — Vão pegar o garoto e ir embora, não vão se demorar. Isto é, se é que vão aparecer. Provavelmente se enganaram no dia. Eu diria que gente da laia deles não liga muito para pontualidade. Ou isso ou estão dirigindo uma lata velha que parou de... AAAAARRRRRFEE!
Harry deu um pulo. Do outro lado da porta da sala ele ouviu os três Dursley correrem precipitadamente, cheios de pânico. No momento seguinte, Duda entrou voando pelo hall, aterrorizado.
— Que aconteceu? — perguntou Harry — Que foi que houve?
Mas Duda parecia incapaz de responder. As mãos ainda agarradas às nádegas, saiu desengonçado, e o mais depressa que pôde, em direção à cozinha.
Harry correu para a sala de estar. Ouviam-se fortes batidas e arranhões por trás das tábuas que vedavam a lareira dos Dursley, diante da qual estava ligada uma imitação de fogo a carvão.
— Que é isso? — exclamou Tia Petúnia, que recuara de costas para a parede, arregalando os olhos para a lareira, aterrorizada — Que é isso, Válter?
Mas eles não precisaram gastar nem um segundo pensando. Ouviram-se vozes no interior da lareira fechada.
— Ai! Fred, não... volte, volte, houve algum engano... diga Jorge para não... AI! Jorge, não, não há espaço, volte depressa e diga ao Rony...
— Talvez Harry possa ouvir a gente, papai... talvez possa abrir para a gente passar...
Ouviram-se murros contra as tábuas.
— Harry? Harry, você está ouvindo a gente?
Os Dursley investiram contra Harry como um casal de carcajus furiosos.
— Que é isso? — vociferou Tio Válter — Que é que está acontecendo?
— Eles... eles tentaram chegar aqui usando Pó de Flu — disse Harry, reprimindo uma vontade louca de rir — Eles podem viajar entre lareiras, só que vocês tamparam a entrada, esperem um pouco...
Harry se aproximou da lareira e chamou.
— Sr. Weasley? O senhor está me ouvindo?
As pancadas pararam. Alguém do outro lado fez “psiu”.
— Sr. Weasley, é o Harry... a lareira está bloqueada. O senhor não vai conseguir passar por aí.
— Droga! — exclamou a voz do Sr. Weasley — Para que foi que eles inventaram de bloquear a lareira?
— Eles têm um fogo elétrico — explicou Harry.
— Verdade? — ouviu-se a voz excitada do Sr. Weasley — Eclético, você disse? Com uma tomada? Nossa, eu preciso ver isso... vamos pensar... ai, Rony!
A voz de Rony agora se juntava a dos outros.
— Que é que estamos fazendo aqui? Deu alguma coisa errada?
— Não, Rony — ouviu-se a voz de Fred, muito sarcástica — Era exatamente aqui que queríamos chegar.
— É, e estamos nos divertindo de montão — acrescentou Jorge, cuja voz parecia abafada, como se ele estivesse esmagado contra a parede.
— Meninos, meninos... — disse o Sr. Weasley vagamente — Estou tentando pensar no que fazer... é... é o jeito... afaste-se, Harry.
Harry recuou até o sofá.
Tio Válter, porém, avançou para a lareira.
— Espere aí! — berrou para a peça — Que é que você vai fazer exatamente...?
BAM! O fogo elétrico foi arremessado pela sala, ao mesmo tempo que as tábuas saltavam da lareira, expulsando o Sr. Weasley, Fred, Jorge e Rony em meio a uma nuvem de caliça e fragmentos de madeira.
Tia Petúnia berrou e caiu de costas por cima da mesinha de centro, Tio Válter agarrou-a antes que ela batesse no chão e encarou os Weasley, boquiaberto, incapaz de falar, todos de cabelos ruivos, inclusive Fred e Jorge, gêmeos idênticos até a última sarda.
— Agora melhorou — ofegou o Sr. Weasley, espanando a poeira das longas vestes verdes e endireitando os óculos — Ah... vocês devem ser a tia e o tio de Harry!
Alto, magro e meio careca, o bruxo caminhou em direção ao Tio Válter, a mão estendida, mas o homem recuou vários passos, arrastando Tia Petúnia. As palavras lhe fugiram totalmente. Seu melhor terno estava coberto de pó branco, que assentara em seus cabelos e bigodes e dava a impressão de que ele acabara de envelhecer trinta anos.
— Hum... ah... sinto muito — disse o Sr. Weasley, baixando a mão e olhando por cima do ombro para a lareira destruída — Foi minha culpa, mas não me ocorreu que não poderíamos sair por aqui. Mandei ligar a sua lareira à Rede de Flu, entende, só por uma tarde, sabe, para podermos apanhar Harry. Rigorosamente falando, as lareiras dos trouxas não podem ser ligadas, mas tenho um contato útil na Comissão de Regulamentação do Flu e ele deu um jeitinho. Mas posso consertar tudo em um segundo, não se preocupe. Vou acender um fogo para mandar os garotos de volta, depois posso refazer sua lareira antes de desaparatar.
Harry podia apostar que os Dursley não tinham entendido uma única palavra. Continuavam a boquiabrir-se para o Sr. Weasley, aparvalhados. Tia Petúnia levantou-se com dificuldade e se escondeu atrás do marido.
— Olá, Harry! — cumprimentou o Sr. Weasley animado — A mala está pronta?
— Está lá em cima — respondeu o garoto, retribuindo o sorriso.
— Vamos buscar — disse Fred na mesma hora. Piscando para Harry, ele e Jorge saíram da sala. Sabiam onde era o quarto de Harry, porque tinham salvado o garoto uma vez no meio da noite.
Harry suspeitou que Fred e Jorge estavam querendo dar uma espiada em Duda, tinham ouvido Harry falar muito do primo.
— Bom — disse o Sr. Weasley, agitando levemente os braços, enquanto tentava encontrar palavras para quebrar o silêncio mais que desagradável — Uma bela... hum... bela casa vocês têm.
Como a sala habitualmente impecável estava agora coberta de poeira e caliça, o comentário não foi muito bem recebido pelos Dursley. O rosto do Tio Válter ficou, mais uma vez, púrpura, e Tia Petúnia recomeçou a mastigar a língua. Porém eles pareciam demasiado apavorados para conseguir falar alguma coisa.
O Sr. Weasley olhou para todos os lados. Adorava tudo que dizia respeito aos trouxas. Harry via que ele estava doido de vontade de examinar a televisão e o videocassete.
— Eles funcionam com eletricidade, não é? — disse mostrando-se bem informado — Ah, é, estou vendo as tomadas. Eu coleciono tomadas — acrescentou para o Tio Válter — E baterias. Tenho uma enorme coleção de baterias. Minha mulher acha que eu sou maluco, mas o que fazer?
Era visível que Tio Válter também o achava maluco. Ele avançou um tantinho para a direita, escondendo Tia Petúnia, como se achasse que o bruxo poderia de repente avançar e atacá-los. Duda, de repente, reapareceu na sala. Harry ouviu o ruído metálico do malão descendo pelas escadas, e concluiu que o barulho havia afugentado Duda da cozinha. O garoto vinha costeando a parede, olhando para o Sr. Weasley com terror nos olhos e, depois, tentou se esconder atrás da mãe e do pai. Infelizmente, o corpanzil do Tio Válter, embora suficiente para esconder a ossuda Tia Petúnia, não era bastante grande para esconder também o filho.
— Ah, e esse é o seu primo, não é, Harry? — perguntou o Sr. Weasley fazendo outra corajosa tentativa de iniciar uma conversa.
— É — confirmou Harry — É o Duda.
Ele e Rony se entreolharam e desviaram depressa os olhos para longe, a tentação de cair na gargalhada era forte demais. Duda ainda segurava o bumbum como se tivesse medo de que ele se soltasse.
O Sr. Weasley, porém, parecia sinceramente preocupado com o comportamento estranho do garoto. De fato, pelo tom de voz com que falou a seguir, Harry teve certeza de que o Sr. Weasley achava que Duda era tão maluco quanto os Dursley achavam que ele era, só que o Sr. Weasley sentia piedade em vez de medo.
— Está gostando das férias, Duda? — perguntou bondosamente.
Duda choramingou. Harry viu as mãos do primo apertarem com mais força o bumbum maciço.
Fred e Jorge voltaram à sala trazendo o malão escolar de Harry. Eles olharam para os lados ao entrar e viram Duda. Seus rostos se abriram em sorrisos malvados idênticos.
— Ah, certo — disse o Sr. Weasley — Melhor irmos andando, então.
Ele arregaçou as mangas das vestes e puxou a varinha. Harry viu os Dursley recuarem contra a parede, como se fossem uma pessoa só.
Incêndio! — disse o bruxo, apontando a varinha para o buraco na parede.
As chamas irromperam na mesma hora na lareira, crepitando alegremente como se já estivessem acesas há horas. O Sr. Weasley tirou do bolso um saquinho fechado com cordões, desamarrou-o, tirou uma pitada do pó e jogou-o nas chamas, que viraram verde-esmeralda e rugiram com mais força do que antes.
— Pode ir, Fred — disse o Sr. Weasley.
— Estou indo — respondeu Fred — Ah, não... espera aí...
Um saquinho de balas caiu do bolso de Fred e o conteúdo se espalhou em todas as direções, grandes caramelos em embalagens muito coloridas.
Fred saiu catando os caramelos, guardando-os de volta no bolso, depois deu um adeusinho animado aos Dursley, adiantou-se e entrou direto nas chamas, dizendo “A Toca!”. Tia Petúnia soltou uma exclamação trêmula. Ouviu-se um barulho de deslocamento de ar e Fred desapareceu.
— Agora você, Jorge — disse o Sr. Weasley — Leve a mala.
Harry ajudou Jorge a carregar a mala até as chamas da lareira e virou-a de ponta para o gêmeo poder segurá-la melhor. Depois com um segundo deslocamento de ar, Jorge gritara “A Toca!” e desapareceu também.
— Rony, você é o próximo — disse o Sr. Weasley.
— Até outro dia — disse Rony animado para os Dursley. Deu um grande sorriso para Harry, entrou no fogo e gritou “A Toca!” e desapareceu.
Agora só faltavam Harry e o Sr. Weasley.
— Bom... tchau então — disse Harry aos Dursley.
Os tios não disseram uma palavra.
Harry adiantou-se para o fogo, mas na hora em que pisou na lareira, o Sr. Weasley esticou a mão e segurou-o. Encarou os Dursley surpreso.
— Harry disse tchau para vocês — falou ele — Vocês não ouviram?
— Não faz mal — murmurou Harry para o Sr. Weasley — Francamente, eu não me importo.
O Sr. Weasley não tirou a mão do ombro de Harry.
— Vocês não vão ver seu sobrinho até o próximo verão — disse ele a Tio Válter, ligeiramente indignado — Com certeza, vocês vão se despedir?
O rosto de Tio Válter se contraiu furiosamente. A ideia de aprender a ter consideração com um homem que acabara de explodir metade da sua sala de estar parecia lhe causar intenso sofrimento. Mas o Sr. Weasley ainda empunhava a varinha e o olhar do Tio Válter correu até ela antes de dizer, muito ressentido:
— Então, tchau.
— Até outro dia — disse Harry enfiando um pé nas chamas que, aos seus sentidos, pareceram um hálito morno.
Naquele momento, porém, um horrível ruído de alguém se engasgando ocorreu às costas dele e Tia Petúnia começou a gritar.
Harry se virou. Duda não estava mais escondido atrás dos pais. Estava ajoelhado ao lado da mesinha de centro, e tossia e cuspia uma coisa de uns trinta centímetros, roxa e viscosa que saía de sua boca. Passado um segundo de aturdimento, Harry se deu conta de que aquela coisa de trinta centímetros era a língua de Duda, e que havia um papel de caramelo, vivamente colorido, caído no chão ao lado dele.
Tia Petúnia atirou-se ao chão ao lado do filho, agarrou a ponta da língua inchada e tentou arrancá-la da boca do garoto, como era de se esperar, Duda berrou e cuspiu pior do que antes, tentando resistir à mãe. Tio Válter urrava e agitava os braços, e o Sr. Weasley precisou gritar para ser ouvido.
— Não se preocupem, posso dar um jeito nisso! — gritou ele, avançando para Duda com a varinha estendida, mas Tia Petúnia berrou mais do que antes e se atirou em cima de Duda, protegendo-o do Sr. Weasley — Não, estou falando sério! — disse o Sr. Weasley, desesperado — É um processo simples, foi o caramelo, meu filho... gosta de pregar peças, mas é apenas um Feitiço de Ingurgitamento, pelo menos, acho que é, por favor, posso consertar tudo...
Mas longe de se tranquilizar, os Dursley foram tomados de um pânico ainda maior: Tia Petúnia, soluçando histericamente, puxava a língua de Duda como se estivesse decidida a arrancá-la, o garoto parecia estar sufocando sob a pressão da língua e da mãe somadas e Tio Válter, que se descontrolara completamente, agarrou uma estatueta de porcelana de cima do bufê e atirou-a contra o Sr. Weasley, que se abaixou, deixando o enfeite se espatifar na lareira escancarada.
— Ora francamente! — exclamou o Sr. Weasley, zangado, brandindo a varinha — Estou tentando ajudar!
Urrando feito um hipopótamo ferido, Tio Válter agarrou outro enfeite.
— Harry, vá! Vá logo! — gritou o Sr. Weasley, a varinha apontada para Tio Válter — Eu resolvo isso!
Harry não queria perder o espetáculo, mas o segundo enfeite atirado pelo tio errou por pouco a sua orelha esquerda e, pensando bem, ele achou preferível deixar o Sr. Weasley resolver a situação. Entrou nas chamas, espiando por cima do ombro e disse “A Toca!”, seu último vislumbre da sala de estar foi o Sr. Weasley arrancando com a varinha um terceiro enfeite da mão do tio, Tia Petúnia gritando agachada por cima de Duda e a língua do primo pendurada para fora como uma grande e viscosa jiboia.
Mas no momento seguinte, Harry começou a rodopiar em grande velocidade e a sala de estar dos Dursley desapareceu de vista numa erupção de chamas verde-esmeralda.









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segunda-feira, 28 de maio de 2012

Harry Potter e o Cálice de Fogo - Capítulo 3





— CAPÍTULO TRÊS —
O Convite



QUANDO HARRY FINALMENTE chegou à cozinha, os três Dursley já estavam sentados à mesa. Nenhum deles ergueu a cabeça quando o garoto entrou ou se sentou. A caraça vermelha de Tio Válter estava escondida atrás do matutino Daily Mail, e Tia Petúnia partia um grapefruit em quatro, os lábios contraídos por cima dos dentes de cavalo.
Duda parecia furioso e carrancudo, e, por alguma razão, dava a impressão de estar ocupando mais espaço do que de costume. E isso não era pouco, porque ele sempre ocupava sozinho um lado inteiro da mesa quadrada. Quando Tia Petúnia pôs um quarto de grapefruit no prato do filho com um trêmulo “Tome, Dudinha querido”, o garoto lançou-lhe um olhar raivoso. A vida de Duda tomara um rumo muito desagradável desde que ele voltara para passar as férias de verão em casa trazendo o boletim de fim de ano.
Tio Válter e Tia Petúnia, como sempre, tinham conseguido arranjar desculpas para as notas baixas dele. Tia Petúnia sempre insistia que “Duda era um menino muito talentoso, incompreendido pelos professores”, enquanto Tio Válter sustentava que “Ele não queria mesmo um filho cê-dê-efe e educadinho”. Eles também passaram por cima das acusações de truculência e intimidação de colegas que havia no boletim. “Ele é um garotinho turbulento, mas não faria mal a uma mosca!”, comentou Tia Petúnia chorosa.
Contudo, no finalzinho havia uma observação muito bem colocada da enfermeira da escola, que nem mesmo os pais conseguiram justificar. Por mais que Tia Petúnia choramingasse que Duda tinha ossos grandes e que seu excesso de peso era na realidade gordura infantil, que ele era um menino em crescimento e precisava de muita comida, o fato era que os fornecedores de uniformes da escola não estocavam calças suficientemente grandes para Duda. A enfermeira da escola vira o que os olhos de Tia Petúnia, tão atentos quando se tratava de encontrar marcas de dedos em suas paredes brilhantes e observar as idas e vindas dos vizinhos, simplesmente se recusavam a enxergar: que, longe de precisar de alimentação suplementar, Duda atingira aproximadamente o tamanho e o peso de um filhote de orca.
Então, depois de muitos acessos de raiva, muitas discussões que sacudiram o soalho do quarto de Harry e muitas lágrimas de Tia Petúnia, o novo regime começara. A receita da dieta que a enfermeira da Smeltings enviara fora colada na geladeira, já esvaziada de todas as coisas que Duda mais gostava (bebidas gasosas e bolos, barras de chocolate e hambúrgueres) e cheia de frutas, legumes e coisas que Tio Válter chamava de “comida de coelho”. Para fazer Duda se sentir melhor com a mudança, Tia Petúnia insistira que a família inteira seguisse a mesma dieta.
Agora ela passava um quarto de grapefruit para Harry. O garoto reparou que o dele era bem menor que o de Duda. A tia parecia sentir que a melhor maneira de manter o moral de Duda era providenciar para que ele, no mínimo, recebesse mais comida do que Harry.
Mas Tia Petúnia não sabia o que estava escondido sob as tábuas soltas do soalho no andar de cima. Não fazia a menor ideia de que Harry não estava seguindo dieta alguma.
No momento em que descobriu que esperavam que ele sobrevivesse durante o verão comendo palitos de cenoura crua, Harry despachara Edwiges à casa dos amigos com pedidos de ajuda, e eles tinham correspondido mais do que à altura.
A coruja voltara da casa de Hermione com uma enorme caixa de lanchinhos sem açúcar (os pais de Hermione eram dentistas). Hagrid, o guarda-caça de Hogwarts, comparecera com um saco de bolos que ele mesmo fabricara (Harry ainda não provara, tinha muita experiência com a culinária de Hagrid). A Sra. Weasley, porém, mandara a coruja da família, Errol, com um enorme bolo de frutas e tortinhas variadas. O coitado do Errol, que era velho e fraco, precisara de cinco dias inteiros para se recuperar da viagem.
Então, no aniversário de Harry (a que os Dursley sequer deram atenção), ele recebera quatro esplêndidos bolos de aniversário de Rony, Hermione, Hagrid e Sirius. Ainda lhe restavam dois, e sabendo que teria um café da manhã de verdade quando voltasse ao seu quarto, ele começou a comer o grapefruit sem reclamar.
Tio Válter pôs de lado o jornal com um profundo suspiro de desaprovação e olhou para o seu quarto de grapefruit.
— É só isso? — perguntou em tom de reclamação à Tia Petúnia.
A mulher lhe lançou um olhar severo e indicou com a cabeça o filho, que já acabara de comer o seu quarto de fruta e estava cobiçando o de Harry com um olhar azedo nos olhinhos de porco. Tio Válter soltou um grande suspiro, que arrepiou sua espessa bigodeira, e apanhou a colher ao lado do prato.
A campainha da porta tocou. Ele se levantou penosamente da cadeira e saiu em direção ao hall. Rápido como um raio, enquanto a mãe se ocupava com a chaleira, Duda furtou o resto de grapefruit do pai.
Harry ouviu vozes à porta, alguém rindo e a resposta seca do tio. Então a porta se fechou e seguiu-se um ruído de papel rasgado no hall.
Tia Petúnia colocou o bule de chá sobre a mesa e olhou curiosa à volta para ver aonde fora o marido. Não precisou esperar muito para descobrir, passado um minuto ele estava de volta, com o rosto lívido.
— Você — vociferou ele para Harry — Na sala de estar. Agora.
Espantado, perguntando-se o que teria feito desta vez, Harry se levantou e acompanhou o tio para fora da cozinha e rumaram para o aposento vizinho. Válter fechou a porta com força depois que ele e o sobrinho entraram.
— Então — disse o tio, indo até a lareira e se virando para encarar Harry, como se estivesse prestes a lhe dar voz de prisão — Então.
Harry teria adorado responder “Qual é?”, mas achou que a boa disposição do tio não deveria ser testada assim cedinho, principalmente se já estava sob forte estresse por falta de comida. Então decidiu fazer cara de quem está educadamente intrigado.
— Isto acabou de chegar — disse o tio.
E brandiu na cara de Harry a folha de papel de carta roxo.
— Uma carta. A seu respeito.
A confusão de Harry aumentou. Quem estaria escrevendo a Tio Válter a respeito dele? Quem é que ele conhecia que mandava cartas pelo correio? Tio Válter olhou aborrecido para Harry, depois baixou os olhos para a carta e começou a ler em voz alta:

Prezados Sr. e Sra. Dursley,
Nunca fomos apresentados, mas tenho certeza de que já ouviram Harry falar muito do meu filho Rony.
Como Harry deve ter-lhes contado, a final da Copa Mundial de Quadribol vai se realizar na próxima segunda-feira à noite, e meu marido, Arthur, conseguiu arranjar ótimos lugares para o jogo por intermédio de conhecidos do Departamento de Jogos e Esportes Mágicos. Espero que o senhor e sua mulher nos permitam levar Harry ao jogo, pois é realmente uma oportunidade única na vida. A Grã-Bretanha não sedia a Copa há trinta anos e as entradas são muito difíceis de se obter. Ficaríamos muito felizes se Harry pudesse passar o resto das férias de verão conosco, e de acompanhá-lo em segurança até o embarque para a escola. Seria preferível que ele nos mandasse a resposta, o mais depressa possível, da maneira normal, porque o carteiro trouxa jamais entregou correspondência em nossa casa e não tenho muita certeza de que saiba onde é.
Esperando ver Harry em breve, subscrevo-me,
Atenciosamente,
Molly Weasley.

PS. Espero ter colado selos suficientes na carta.

Tio Válter terminou a leitura, tornou a meter a mão no bolso superior do paletó e tirou mais alguma coisa.
— Olhe só isto — rosnou.
E mostrou o envelope em que chegara a carta da Sra. Weasley, e Harry precisou fazer força para não rir. O envelope estava coberto de selos, exceto por um quadrado de uns três centímetros na face, em que a senhora havia espremido o endereço dos Dursley numa letra miudinha.
— Então ela colou selos suficientes — disse Harry tentando fazer parecer que o engano da Sra. Weasley era muito comum.
Os olhos do tio faiscaram.
— O carteiro reparou — disse ele entre dentes — Estava muito interessado em saber de onde veio a carta. Foi por isso que tocou a campainha. Parecia estar achando muito engraçado.
Harry ficou calado. Outras pessoas talvez não entendessem o porquê da preocupação do tio com tantos selos, mas Harry vivera com os Dursley tempo bastante para saber que se incomodavam muito com qualquer coisa até ligeiramente anormal. O pior receio dos dois era alguém descobrir que estavam ligados (por mais remotamente que fosse) com gente como a Sra. Weasley.
Tio Válter continuou a olhar feio para Harry, que tentava sustentar uma expressão neutra. Se não fizesse nem dissesse nada idiota, talvez pudesse curtir uma oportunidade que só ocorria uma vez na vida. Esperou o tio dizer alguma coisa, mas o homem simplesmente continuou a fitá-lo com raiva. Harry resolveu, então, quebrar o silêncio.
— Então... posso ir? — perguntou.
Um ligeiro espasmo passou pela caraça púrpura do tio. Os bigodes se arrepiaram. Harry achou que sabia o que estava acontecendo por trás daquela bigodeira: uma batalha encarniçada em que dois instintos muito fundamentais de Tio Válter se confrontavam. Permitir que Harry fosse seria fazer o garoto feliz, uma coisa que o tio lutava para evitar havia treze anos. Por outro lado, deixar que Harry sumisse para a casa dos Weasley o resto do verão seria livrar-se dele duas semanas mais cedo do que os Dursley poderiam ter sonhado, e Tio Válter detestava ter Harry em casa.
Aparentemente, para ganhar tempo para pensar, ele baixou os olhos para a carta da Sra. Weasley.
— Quem é essa mulher? — perguntou examinando a assinatura com desagrado.
— O senhor já a viu. É a mãe do meu amigo Rony, estava esperando ele descer do trem de Hog... do trem da escola no fim do ano letivo.
Quase dissera “Hogwarts”, e isso certamente irritaria o tio. Ninguém jamais mencionava o nome da escola de Harry em voz alta na casa dos Dursley. Tio Válter amarrou a cara enorme como se tentasse se lembrar de uma coisa muito desagradável.
— Uma mulher feito uma rolha de poço? — rosnou finalmente — Uma penca de filhos de cabelos vermelhos?
Harry franziu a testa. Achou que era demais o tio chamar alguém de “rolha de poço”, uma vez que seu filho, Duda, finalmente atingira a forma que vinha ameaçando atingir desde os três anos de idade, ter mais largura do que altura.
Tio Válter tornou a examinar a carta.
— Quadribol — resmungou — Quadribol, que droga é isso?
Harry sentiu nova pontada de aborrecimento.
— Um esporte — respondeu secamente — Joga-se montado numa vass...
— Está bem, está bem! — disse o tio em voz alta.
Harry observou, com alguma satisfação, que ele parecia ligeiramente em pânico. Pelo visto seus nervos não iriam suportar o som da palavra “vassouras” em sua sala de estar. Refugiou-se outra vez no exame da carta. Harry viu os lábios do tio formarem as palavras “nos mandasse a resposta da maneira normal”. Tornou a fechar a cara.
— Que é que ela quer dizer da maneira normal? — bufou ele.
— Normal para nós — explicou Harry e, antes que o tio pudesse interrompê-lo, acrescentou — O senhor sabe, por correio-coruja. Isso é que é o normal para os bruxos.
Tio Válter fez uma cara tão indignada como se Harry tivesse dito um palavrão. Trêmulo de raiva, lançou um olhar nervoso para a janela, como se esperasse ver os vizinhos com os ouvidos colados na vidraça.
— Quantas vezes tenho que lhe dizer para não mencionar essa anormalidade sob o meu teto? — sibilou ele, o rosto agora um intenso tom ameixa — Você fica parado aí, vestindo as roupas com que Petúnia e eu cobrimos suas costas ingratas...
— Só depois que Duda não quer mais elas — disse Harry com frieza, pois na realidade estava vestindo um suéter tão grande que ele precisava fazer cinco dobras nas mangas para poder usar as mãos, e que lhe caía abaixo dos joelhos da calça jeans muito larga.
— Não vou admitir que você fale comigo assim! — disse o tio tremendo de raiva.
Mas Harry não precisava aturar isso. Ia longe o tempo em que era obrigado a aceitar todas as regras idiotas dos Dursley. Não ia seguir a dieta de Duda, e não ia deixar o tio impedi-lo de assistir à Copa Mundial de Quadribol, não se dependesse dele.
Harry inspirou profundamente para se acalmar e então disse:
— Muito bem, não posso assistir à Copa Mundial de Quadribol. Posso ir, agora? É que eu tenho uma carta para Sirius que quero terminar. O senhor sabe, o meu padrinho.
Conseguira. Dissera as palavras mágicas. Ficou então observando o tom púrpura no rosto do tio ir clareando desigualmente, fazendo-o parecer um sorvete de groselha mal misturado.
— Você está escrevendo para ele? — indagou Tio Válter numa voz falsamente calma, mas Harry vira as pupilas dos olhos dele se contraírem com repentino medo.
— Bem... é — disse Harry em tom casual — Já faz um tempo que ele não tem notícias minhas e, o senhor sabe, se não receber nada, pode pensar que aconteceu algum problema.
Ele parou para gozar o efeito de suas palavras. Quase pôde até ver as engrenagens girando por baixo dos cabelos do tio, escuros, grossos e caprichosamente repartidos. Se Válter tentasse impedir Harry de escrever para Sirius, este pensaria que o garoto estava sendo maltratado. Se dissesse que o sobrinho não podia ir à Copa Mundial de Quadribol, o garoto iria escrever contando ao padrinho, que teria certeza de que Harry estava sendo maltratado. Só havia uma coisa para Tio Válter fazer. Harry via a conclusão se formando no cérebro do tio como se sua caraça bigoduda fosse transparente. O garoto tentou não sorrir e manter o rosto o mais inexpressivo possível. E então...
— Bem, está bem, então. Pode ir para a casa dessa rolha... dessa idiota... para essa tal de Copa Mundial. Escreva respondendo a esses... esses Weasley para virem apanhá-lo, veja bem. Não tenho tempo para acompanhar você por todo o país. E pode passar o resto do verão lá. E pode dizer ao seu, seu padrinho... diga a ele... diga a ele que você vai.
— Ok, então — disse Harry animado.
O garoto se virou e saiu pela porta da sala de estar, brigando com a vontade de saltar no ar e gritar. Ele ia... ia para a casa dos Weasley, ia assistir à Copa Mundial de Quadribol! Já no corredor, ele quase colidiu com Duda, que estivera escondido atrás da porta, na esperança de ouvir Harry levar um passa-fora. Ficou chocado ao ver o largo sorriso no rosto do primo.
— Foi um excelente café da manhã, não foi? — exclamou Harry — Estou de barriga cheia, você não?
Rindo da cara de espanto de Duda, Harry subiu a escada, saltando três degraus de cada vez, e correu para dentro de seu quarto. A primeira coisa que viu foi que Edwiges voltara. Estava na gaiola, espiando Harry com seus enormes olhos cor de âmbar, estalando o bico de um jeito que significava que estava aborrecida com alguma coisa. Exatamente o que a estava aborrecendo tornou-se visível quase na mesma hora.
— AI! — gemeu Harry.
Algo que lembrava uma minúscula bola de tênis, cinzenta e emplumada, acabara de bater do lado da cabeça de Harry. Ele massageou a cabeça furiosamente erguendo os olhos para ver o que o atingira, e viu uma corujinha mínima, pequena o bastante para caber na palma de sua mão, chiando excitada pelo quarto como se fosse um busca-pé. O garoto percebeu que a coruja deixara cair uma carta a seus pés. Ele se abaixou, reconheceu a letra de Rony e abriu o envelope. Dentro havia um bilhete apressado.

Harry,
PAPAI CONSEGUIU AS ENTRADAS! Irlanda contra a Bulgária. Na noite de segunda. Mamãe escreveu aos trouxas para convidar você. Talvez a carta já tenha chegado, não sei quanto tempo demora o correio dos trouxas.
Pensei em lhe mandar este bilhete pela Píchi.

Harry olhou bem para a palavra “Píchi”, depois para a minúscula coruja que voava velozmente em volta da luz no teto. Que nome mais esquisito para uma coruja. Talvez ele não tivesse entendido a letra de Rony. Voltou ao bilhete.

Vamos buscar você, quer os trouxas gostem ou não, você não pode perder a Copa, só que mamãe e papai acham que é melhor a gente primeiro fingir que está pedindo permissão. Se eles disserem sim, mande logo Píchi com a sua resposta, e iremos buscar você às cinco horas no Domingo. Se eles disserem não, por favor, mande Píchi de volta depressa e iremos buscá-lo no Domingo às cinco horas, assim mesmo.
Hermione está chegando hoje à tarde. Percy começou a trabalhar no Departamento de Cooperação Internacional em Magia. Não fale em ir para o exterior enquanto estiver aqui a não ser que queira que ele lhe arranque as calças pela cabeça.
Até é mais.

Rony.

— Calma aí! — disse Harry, quando a corujinha tirou um rasante da cabeça dele, batendo as asas loucamente. Harry só pôde supor que de orgulho por ter entregado a carta à pessoa certa — Vem cá, preciso que você leve a minha resposta!
A corujinha voou até o topo da gaiola da coruja de Harry.
Edwiges olhou-a friamente, como se a desafiasse a tentar se aproximar mais. Harry tomou a pena de águia mais uma vez, apanhou um pergaminho limpo e escreveu:

Rony, está tudo certo, os trouxas disseram que eu posso ir. Vejo vocês amanhã às cinco. Mal posso esperar.

Harry.

Depois, dobrou o bilhete muitas vezes e, com imensa dificuldade, prendeu-o na perna da corujinha que pulava no mesmo lugar de tanta excitação. No instante em que o bilhete ficou preso, a coruja partiu, disparou pela janela e se perdeu de vista.
Harry se virou para Edwiges.
— Está com disposição para fazer uma longa viagem? — perguntou.
A coruja piou com uma certa dignidade.
— Pode levar isto ao Sirius para mim? — disse ele apanhando-a — Espera aí... quero terminar.
Ele tornou a desenrolar o pergaminho e apressadamente acrescentou um post scriptum: “Se quiser entrar em contato comigo, estarei na casa do meu amigo Rony Weasley até o fim do verão. O pai dele arranjou entradas para a gente assistir à Copa Mundial de Quadribol!”
Terminada a carta, ele a amarrou à perna de Edwiges; ela ficou anormalmente quieta, como se estivesse decidida a mostrar ao dono como é que uma verdadeira coruja-correio devia se comportar.
— Vou estar na casa de Rony quando você voltar, está bem? — Harry a informou.
A coruja deu uma bicadinha carinhosa no dedo do garoto, depois, com um ruído farfalhante, abriu as enormes asas e saiu voando pela janela aberta. Harry observou-a desaparecer ao longe, depois entrou de quatro embaixo da cama, soltou a tábua do soalho e apanhou um pedação de bolo de aniversário.
Sentou-se no chão para comê-lo, saboreando a felicidade que o invadia. Ele comia bolo e Duda só comia grapefruit, fazia um belo dia de verão, sua cicatriz estava perfeitamente normal, ele ia deixar a Rua dos Alfeneiros no dia seguinte e ia assistir à Copa Mundial de Quadribol.
Naquele momento era difícil se preocupar com alguma coisa, até mesmo com Lord Voldemort.








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