quarta-feira, 16 de maio de 2012

Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban - Capítulo 14








— CAPÍTULO CATORZE —
O Ressentimento de Snape



NINGUÉM NA TORRE DA GRIFINÓRIA dormiu àquela noite. Todos sabiam que o castelo estava sendo revistado novamente e os alunos da Casa permaneceram acordados na Sala Comunal, esperando para saber se Black fora apanhado. A Profª. McGonagall voltou ao amanhecer para informar que, mais uma vez, ele escapara.
Durante todo o dia, onde quer que fossem, os garotos percebiam sinais de uma segurança mais rigorosa: o Prof. Flitwick podia ser visto, às portas de entrada do castelo, ensinando-os a reconhecer uma grande foto de Sirius Black. Filch, de repente, andava para cima e para baixo nos corredores, pregando tábuas em tudo, desde minúsculas fendas nas paredes até tocas de camundongos.
Sir Cadogan fora demitido. Repuseram seu retrato no solitário patamar do sétimo andar e a Mulher Gorda voltou ao seu lugar. Fora competentemente restaurada, mas continuava nervosíssima e só concordara em voltar ao trabalho com a condição de receber mais proteção. Um bando de trasgos carrancudos tinha sido contratado para guardá-la. Eles percorriam o corredor em um grupo ameaçador, falando em rosnados e comparando o tamanho dos seus bastões.
Harry não pôde deixar de reparar que a estátua da bruxa de um olho só, no terceiro andar, continuava sem guarda nem bloqueio. Parecia que Fred e Jorge tinham razão em pensar que eles e agora Harry Potter, Rony e Hermione eram os únicos que conheciam a passagem secreta a que a bruxa dava acesso.
— Você acha que devemos contar a alguém? — perguntou Harry a Rony.
— A gente sabe que Black não está entrando pela Dedosdemel — disse Rony descartando a ideia — Saberíamos se a loja tivesse sido arrombada.
Harry ficou contente que Rony pensasse como ele. Se a bruxa de um olho só também fosse fechada com tábuas, ele não poderia voltar a Hogsmeade.
Rony se transformara numa celebridade instantânea. Pela primeira vez na vida, as pessoas prestavam mais atenção a ele do que a Harry e era evidente que ele estava gostando bastante da experiência. Embora ainda estivesse muito abalado com os acontecimentos da noite anterior, ficava feliz de contar a quantos perguntassem o que acontecera, com riqueza de detalhes.
—... Eu estava dormindo e ouvi barulho de pano cortado e achei que estava sonhando, sabe? Mas aí senti uma correnteza de ar... acordei e vi que o cortinado de um lado da minha cama tinha sido arrancado... me virei... e vi Black parado ali... como um esqueleto, os cabelos imundos... segurando um facão comprido, devia ter uns trinta centímetros... e ele olhou para mim e eu olhei para ele, então eu soltei um berro e ele se mandou.
— Mas por quê? — Rony acrescentou para Harry quando o grupo de garotas do segundo ano, que estivera escutando sua história enregelante, se afastou — Por que foi que ele correu?
Harry andara se perguntando a mesma coisa. Por que Black, ao verificar que escolhera a cama errada, não silenciara Rony e procurara Harry? Ele já provara doze anos antes que não se importava de matar gente inocente, e desta vez só precisava enfrentar cinco garotos desarmados, quatro dos quais adormecidos.
— Ele devia saber que ia ter problemas para sair do castelo depois que você gritasse e acordasse todo mundo — disse Harry, pensativo — Teria que matar a casa toda para passar pelo buraco do retrato... e teria dado de cara com os professores...
Neville caiu em total desgraça.
A Profª. McGonagall estava tão furiosa com ele que o banira de todas as futuras visitas a Hogsmeade, lhe dera uma detenção e proibira todos de lhe informarem a senha para a Torre. O coitado era obrigado a esperar do lado de fora da Sala Comunal, todas as noites, até alguém deixá-lo entrar, enquanto os trasgos de segurança caçoavam dele. Nenhum desses castigos, porém, chegou nem próximo do que sua avó lhe reservara. Dois dias depois da invasão de Black, ela mandou a Neville a pior coisa que um aluno de Hogwarts podia receber na hora do café da manhã: um berrador.
As corujas da escola entraram voando pelo Salão Principal trazendo o correio, como de costume, e Neville se engasgou quando a enorme coruja pousou diante dele com um envelope vermelho preso no bico.
Harry e Rony, que estavam sentados em frente, reconheceram imediatamente que a carta era um berrador. Rony recebera um da Sra. Weasley no ano anterior.
— Apanha ela logo, Neville — aconselhou Rony.
Neville não precisou que lhe dissessem duas vezes. Agarrou o envelope e, segurando-o à frente como se fosse uma bomba, saiu correndo do Salão em meio às explosões de riso da mesa da Sonserina. Todos ouviram o berrador disparar no Saguão de Entrada. A voz da avó de Neville, com o volume normal magicamente ampliado cem vezes, bradava que ele envergonhara a família inteira.
Harry estava tão ocupado sentindo pena de Neville que nem reparou imediatamente que havia uma carta para ele também. Edwiges atraiu sua atenção beliscando-o com força no pulso.
— Ai! Ah... obrigado, Edwiges.
Harry rasgou o envelope enquanto a coruja se servia dos flocos de milho de Neville. O bilhete dentro do envelope dizia o seguinte:

Caros Harry e Rony
Querem vir tomar chá comigo hoje à tarde por volta das seis? Irei buscar vocês no castelo. ESPEREM POR MIM NO SAGUÃO DE ENTRADA, VOCÊS NÃO PODEM SAIR SOZINHOS.
Abraços,

Hagrid.

— Ele provavelmente quer saber as novidades sobre Black — disse Rony.
Assim, às seis horas daquela tarde, Harry e Rony saíram da Torre da Grifinória, passaram pelos trasgos de segurança e rumaram para o Saguão de Entrada.
Hagrid já estava à espera.
— Está bem, Hagrid! — exclamou Rony — Imagino que você queira saber o que aconteceu no Sábado à noite, é isso?
— Já soube de tudo — disse Hagrid, abrindo a porta de entrada e levando-os para fora.
— Ah — exclamou Rony, parecendo ligeiramente desconcertado.
A primeira coisa que viram ao entrar na cabana de Hagrid foi Bicuço estirado em cima da colcha de retalhos de Hagrid, as enormes asas fechadas junto ao corpo, apreciando um pratão de doninhas mortas. Ao desviar o olhar dessa visão repugnante, Harry viu um gigantesco traje peludo e uma medonha gravata amarela e laranja pendurados no alto da porta do armário.
— Para que é isso, Hagrid? — perguntou Harry.
— O caso de Bicuço contra a Comissão para Eliminação de Criaturas Perigosas. Nesta Sexta-Feira. Ele e eu vamos a Londres juntos. Reservei duas camas no Nôitibus...
Harry sentiu uma pontada incômoda de remorso. Esquecera-se completamente que o julgamento de Bicuço estava tão próximo e, a julgar pela expressão constrangida no rosto de Rony, ele também. Os dois tinham se esquecido igualmente da promessa de ajudar Hagrid a preparar a defesa de Bicuço; a chegada da Firebolt tinha varrido a promessa do pensamento dos garotos.
Hagrid serviu chá e ofereceu um prato de pãezinhos aos garotos, que tiveram o bom senso de não aceitar, tinham muita experiência com a culinária do guarda-caça.
— Tenho uma coisa para conversar com vocês dois — disse Hagrid sentando-se entre os garotos, com o ar anormalmente sério.
— O quê? — perguntou Harry.
— Mione — respondeu Hagrid.
— Que é que tem a Mione? — perguntou Rony.
— Ela está num estado de cortar o coração, é isso que tem. Veio me visitar muitas vezes desde o Natal. Se sente solitária. Primeiro vocês não estavam falando com ela por causa da Firebolt, agora vocês não estão falando por causa do gato...
—... Que comeu Perebas! — interpôs Rony, zangado.
— Porque o gato dela fez o que todos os gatos fazem — insistiu Hagrid — Ela já chorou muito, sabem. Está passando por um mau momento. Abocanhou mais do que pode mastigar, se querem saber, todo o trabalho que está tentando fazer. E ainda arranjou tempo para me ajudar no caso do Bicuço, vejam bem... encontrou um material realmente bom para mim... acho que ele terá uma boa chance agora...
— Hagrid, nós devíamos ter ajudado também, desculpe... — começou Harry, sem jeito.
— Não estou cobrando nada — disse Hagrid, dispensando as desculpas — Deus sabe que você teve muito com que se ocupar. Vi você praticando Quadribol todas as horas do dia e da noite, mas tenho que dizer uma coisa, pensei que vocês davam mais valor à amiga do que a vassouras e ratos. É só isso.
Harry e Rony trocaram olhares constrangidos.
— Bem nervosa ela ficou, quando Black quase esfaqueou você, Rony. Ela tem o coração no lugar, a Mione, e vocês se recusando a falar com ela...
— Se ela ao menos se livrasse daquele gato, eu voltaria a falar com ela! — disse Rony, zangado — Mas ela continua do lado do Bichento. É um maníaco e ela não quer ouvir nem uma palavra contra ele!
— Ah, bem, as pessoas podem ser obtusas quando se trata de bichos de estimação — disse Hagrid sabiamente.
Às costas dele, Bicuço cuspiu uns ossos de doninha em cima do travesseiro.
Os três passaram o resto da visita discutindo a nova chance da Grifinória concorrer à Taça de Quadribol. Às nove horas, Hagrid acompanhou-os de volta ao castelo.
Um grande grupo de alunos se achava aglomerado em torno do quadro de avisos quando eles chegaram à Sala Comunal.
— Hogsmeade no próximo fim de semana! — disse Rony, se esticando por cima da cabeça dos colegas para ler o aviso — Que é que você acha? — acrescentou em voz baixa quando os dois foram se sentar.
— Bem, Filch não mexeu na passagem para a Dedosdemel... — ponderou Harry, ainda mais baixo.
— Harry! — disse alguém bem no seu ouvido direito.
Harry se assustou e, ao se virar, viu Hermione, que estava sentada à mesa logo atrás deles e abrira uma brecha na parede de livros que a escondia.
— Harry se você for a Hogsmeade outra vez... vou contar à Profª. McGonagall sobre aquele mapa! — ameaçou ela.
— Você está ouvindo alguém falar, Harry? — rosnou Rony, sem olhar para Hermione.
— Rony, como é que pode deixar ele o acompanhar? Depois do que o Sirius Black fez a você, quero dizer, vou contar...
— Então agora você está tentando provocar a expulsão do Harry! — disse Rony, furioso — Não acha suficiente o mal que você já fez este ano?
Hermione abriu a boca para responder, mas com um assobio suave, Bichento saltou para o seu colo. A garota lançou um olhar assustado à cara que Rony fazia, recolheu Bichento e saiu correndo para o dormitório das meninas.
— Então, e aí? — perguntou Rony a Harry como se não tivesse havido interrupção — Vamos, da última vez que fomos você não viu nada. Você ainda nem entrou na Zonko’s!
Harry espiou para os lados para verificar se Hermione não estava por perto ouvindo.
— Tudo bem. Mas desta vez vou levar a minha Capa da Invisibilidade.

* * *

Na manhã de Sábado, Harry guardou a Capa da Invisibilidade na mochila, meteu o Mapa do Maroto no bolso e foi tomar café com todo mundo. À mesa, Hermione não parava de lhe lançar olhares desconfiados, mas ele evitou encarar a amiga e teve o cuidado de deixar que ela o visse subindo a escadaria de mármore no Saguão de Entrada, quando os outros alunos se dirigiam às portas de entrada.
— Tchau! — gritou Harry para Rony — A gente se vê quando você voltar.
Rony sorriu e piscou um olho.
Harry correu ao terceiro andar, tirando o Mapa do Maroto do bolso enquanto subia. Agachado atrás da bruxa de um olho só, ele o abriu. Um pontinho vinha se movendo em sua direção. Harry apertou os olhos para enxergar melhor. A pequena legenda ao lado informava que era Neville Longbottom.
Harry puxou depressa a varinha, murmurou “Dissendium!” e enfiou a mochila na estátua, mas antes que pudesse entrar Neville apareceu no canto do corredor.
— Harry! Eu me esqueci que você também não ia a Hogsmeade!
— Oi, Neville — disse Harry, afastando-se rapidamente da estátua e empurrando o mapa para dentro do bolso — Que é que você vai fazer?
— Nada — disse Neville encolhendo os ombros — Que tal uma partida de Snap Explosivo?
— Hum... agora não... eu estava indo à Biblioteca fazer aquela redação sobre os vampiros que Lupin pediu...
— Eu vou com você! — disse Neville, animado — Eu também não fiz!
— Hum... espera aí, ah, me esqueci, já terminei ontem à noite!
— Que ótimo, então você pode me ajudar! — disse Neville, o rosto redondo demonstrando ansiedade — Não consigo entender aquela história do alho, eles têm que comer ou...
Com uma pequena exclamação, ele se calou, espiando por cima do ombro de Harry.
Era Snape.
Neville deu um passo rápido para trás de Harry.
— E o que é que vocês estão fazendo aqui? — perguntou Snape, que parou e olhou de um garoto para o outro — Que lugar estranho para se encontrarem...
Para imensa inquietação de Harry, os olhos negros de Snape correram para as portas ao lado de cada um deles e em seguida para a bruxa de um olho só.
— Nós não... marcamos encontro aqui. Só nos encontramos, por acaso.
— Verdade? Você tem o hábito de aparecer em lugares inesperados, Potter, e raramente sem uma boa razão... sugiro que os dois voltem à Torre da Grifinória que é o seu lugar.
Harry e Neville saíram sem dizer mais nada. Quando viraram um canto, Harry olhou para trás. Snape estava passando a mão na bruxa de um olho só, examinando-a atentamente.
Harry conseguiu se livrar de Neville no retrato da Mulher Gorda, dizendo-lhe a senha, e, depois, fingindo que deixara a redação na Biblioteca, deu meia-volta. Uma vez longe das vistas dos trasgos de segurança, ele tornou a tirar o mapa do bolso e segurá-lo bem junto ao nariz.
O corredor do terceiro andar parecia estar deserto.
Harry examinou o mapa cuidadosamente e viu, com uma sensação de alívio, que o pontinho Severo Snape voltara à sua sala. Correu, então, até a bruxa de um olho só, abriu a corcunda, desceu o corpo por ela e se largou para ir ao encontro de sua mochila no fim do escorrega. Apagou, então, o Mapa do Maroto e saiu correndo.
Harry, inteiramente escondido sob a Capa da Invisibilidade, saiu a luz do sol à porta da Dedosdemel e cutucou Rony nas costas.
— Sou eu — murmurou.
— Que foi que o atrasou? — sibilou Rony.
— Snape estava rondando o corredor...
Os garotos saíram andando pela Rua Principal.
— Onde é que você está? — Rony perguntava toda hora pelo canto da boca — Ainda está aí? Que coisa mais estranha...
Eles foram ao Correio. Rony fingiu estar verificando o preço de uma coruja para Gui no Egito para que Harry pudesse dar uma boa olhada em tudo. As corujas estavam pousadas e piavam baixinho para ele, no mínimo umas trezentas; desde as cinzentas de grande porte até as muito pequenas (“Somente para entregas locais”), que eram tão mínimas que caberiam na palma da mão do garoto.
Depois, visitaram a Zonko’s, que estava tão apinhada de estudantes que Harry precisou tomar um cuidado enorme para não pisar em ninguém e, com isso, desencadear o pânico. Havia logros e brincadeiras para satisfazer até os sonhos mais absurdos de Fred e Jorge; Harry cochichou ordens para Rony e lhe passou um pouco de ouro por baixo da capa. Os dois deixaram a Zonko’s com as bolsas de dinheiro bastante mais leves do que quando entraram, mas os bolsos iam estufados de bombas de bosta, soluços doces, sabão de ovas de sapo e, para cada um, uma xícara que mordia o nariz.
Fazia um tempo firme, de brisa suave, e nenhum dos garotos tinha vontade de ficar dentro de casa, por isso eles passaram direto pelo Três Vassouras e subiram uma ladeira para visitar a Casa dos Gritos, o lugar mais mal-assombrado da Grã-Bretanha. Ficava um pouco mais alta do que o resto do povoado, e mesmo durante o dia provocava certos arrepios, com suas janelas fechadas com tábuas e um jardim úmido e malcuidado.
— Até os fantasmas de Hogwarts evitam a casa — disse Rony quando se debruçavam na cerca para apreciá-la — Perguntei a Nick Quase Sem Cabeça... ele diz que soube que mora ai uma turma da pesada. Ninguém consegue entrar. Fred e Jorge tentaram, é claro, mas todas as entradas estão tampadas...
Harry, cheio de calor por causa da subida estava pensando em tirar a Capa por uns minutinhos quando ouviu vozes que se aproximavam. Havia gente subindo em direção à casa pelo outro lado da elevação. Momentos depois, Malfoy apareceu, seguido de perto por Crabbe e Goyle. Malfoy vinha falando.
—... Devo receber uma coruja do meu pai a qualquer hora. Ele teve que ir à audiência para depor sobre o meu braço... que ficou inutilizado durante três meses...
Crabbe e Goyle riram.
— Eu bem que gostaria de ouvir aquele paspalhão grisalho se defender... “Ele não tem uma natureza má”, honestamente aquele hipogrifo pode se considerar morto...
Malfoy de repente avistou Rony. Seu rosto pálido se abriu num sorriso maldoso.
— Que é que você anda fazendo, Weasley?
Malfoy ergueu os olhos para a casa em ruínas, às costas de Rony.
— Acho que você gostaria de morar aqui, não, Weasley? Sonhando com um quarto só para você? Ouvi falar que a sua família toda dorme em um quarto só, é verdade?
Harry segurou as vestes de Rony pelas costas para impedi-lo de pular em cima de Malfoy.
— Deixe-o comigo — sibilou ao ouvido de Rony.
A oportunidade era perfeita demais para ser desperdiçada.
Harry caminhou silenciosamente até as costas de Malfoy, Crabbe e Goyle, se abaixou e apanhou no caminho uma mão bem cheia de lama.
— Estávamos mesmo discutindo sobre seu amigo Hagrid — disse Malfoy a Rony — Tentando imaginar o que ele está dizendo à Comissão para Eliminação de Criaturas Perigosas. Você acha que ele vai chorar quando cortarem...
SPLASH!
A cabeça de Malfoy foi empurrada para frente quando a lama o atingiu, e, de repente, de seus cabelos louro-prateados começaram a escorrer lama.
— Quem...?
Rony teve que se segurar na cerca para não cair de tanto rir.
Malfoy, Crabbe e Goyle se viraram no mesmo lugar, olhando para todos os lados, agitados, enquanto Malfoy tentava limpar os cabelos.
— Que foi isso? Quem fez isso?
— É muito mal-assombrado isso aqui, não é, não? — falou Rony, com ar de quem está comentando o tempo.
Crabbe e Goyle ficaram assustados. Seus músculos avantajados eram inúteis contra fantasmas. Malfoy examinava, furioso, a paisagem deserta.
Harry se esgueirou pelo caminho até uma poça particularmente cheia de lama esverdeada e malcheirosa.
SPLASH!
Desta vez os atingidos foram Crabbe e Goyle. Goyle deu pulos frenéticos, tentando tirar a lama dos olhos miúdos e inexpressivos.
— Veio dali! — disse Malfoy, limpando o rosto e detendo o olhar em um ponto a uns dois metros à esquerda de Harry.
Crabbe avançou inseguro, os braços compridos estendidos à frente, como um morto vivo. Harry rodeou Crabbe, apanhou um pedaço de pau e arremessou-o contra as costas dele. E se dobrou com risadas silenciosas quando o garoto fez uma pirueta no ar, tentando ver quem o atacara. Como Rony foi a única pessoa que ele viu, foi para ele que Crabbe avançou, mas Harry esticou a perna. O garoto tropeçou e seu enorme pé chato se prendeu na barra da capa de Harry. Este sentiu um grande puxão e a capa escorregou do seu rosto.
Por uma fração de segundo, Malfoy arregalou os olhos e o fitou.
— HARRRRRY! — berrou ele, apontando para a cabeça de Harry.
Então, deu as costas e fugiu a toda, morro abaixo, com Crabbe e Goyle nos seus calcanhares.
Harry puxou a capa para cima, mas o estrago já estava feito.
— Harry! — chamou Rony, avançando aos tropeços até o ponto em que o amigo desaparecera — É melhor você correr! Se Malfoy contar a alguém, é melhor você já ter voltado ao castelo, depressa...
— Vejo você mais tarde — disse Harry e, sem mais uma palavra, desceu correndo pelo caminho, em direção a Hogsmeade.
Será que Malfoy acreditaria no que vira? Será que alguém acreditaria em Malfoy? Ninguém sabia da existência da Capa da Invisibilidade, ninguém exceto Dumbledore. O estômago de Harry deu cambalhotas, o diretor saberia exatamente o que acontecera, se Malfoy dissesse alguma coisa...
O garoto voltou à Dedosdemel, à escada que levava ao porão, atravessou a distância que o separava do alçapão e entrou, então tirou a capa, meteu-a debaixo do braço e correu, desabalado, pela passagem... Malfoy chegaria primeiro... quanto tempo levaria para encontrar um professor? Ofegante, uma dor forte do lado, Harry não diminuiu a velocidade até alcançar o escorrega de pedra. Teria que deixar a capa ali, seria muito bandeiroso se Malfoy tivesse avisado um professor. Escondeu-a num canto escuro e começou a subir, o mais depressa que pôde, suas mãos suadas escorregando na borda do escorrega.
Quando chegou à corcunda da bruxa tocou-lhe com a varinha, enfiou a cabeça para fora e deu um impulso para sair. A corcunda se fechou e na hora que ele saltou de trás da estátua ouviu passos que se aproximavam apressados.
Era Snape. Rapidamente o professor alcançou Harry, as vestes pretas farfalhando, e parou diante dele.
Então... — falou.
O professor tinha uma expressão de triunfo reprimido no rosto. Harry tentou parecer inocente, embora muito consciente do seu rosto suado e das mãos enlameadas, que ele escondeu depressa nos bolsos.
— Venha comigo, Potter — disse Snape.
Harry o acompanhou até o andar de baixo, tentando limpar as mãos no avesso das vestes, sem que Snape notasse. Dali desceram masmorras e à sala de Snape. O garoto só estivera ali antes uma vez e fora também por um problema muito sério. Desde então Snape adquirira mais umas coisas horríveis e viscosas conservadas em frascos, todos arrumados nas prateleiras atrás de sua escrivaninha, refletindo as chamas da lareira e contribuindo ainda mais para tornar a atmosfera ameaçadora.
— Sente-se — mandou Snape.
Harry se sentou.
O professor, no entanto, continuou em pé.
— O Sr. Malfoy acabou de vir me contar uma história estranha, Potter.
Harry ficou calado.
— Ele me contou que estava na Casa dos Gritos quando deparou com Weasley, aparentemente sozinho.
Ainda assim, Harry não falou nada.
— O Sr. Malfoy diz que estava parado, falando com Weasley, quando um pelotaço de lama o atingiu na nuca. Como é que você acha que isso aconteceu?
Harry tentou parecer levemente surpreso.
— Não sei, professor.
Os olhos de Snape perfuravam os de Harry. Era exatamente a mesma sensação de tentar dominar um hipogrifo com o olhar. O garoto fez força para não piscar.
— O Sr. Malfoy então viu uma extraordinária aparição. Você pode imaginar o que teria sido, Potter?
— Não — respondeu Harry, agora tentando parecer inocentemente curioso.
— Foi a sua cabeça, Potter. Flutuando no ar.
Fez-se um longo silêncio.
— Talvez seja bom ele ir procurar Madame Pomfrey — sugeriu Harry — Se anda vendo coisas como...
— Que é que a sua cabeça estaria fazendo em Hogsmeade, Potter? — perguntou Snape suavemente — A sua cabeça não tem permissão de ir a Hogsmeade. Nenhuma parte do seu corpo tem permissão de ir a Hogsmeade.
— Eu sei, professor — respondeu Harry, tentando manter o rosto despojado de culpa ou medo — Parece que Malfoy está sofrendo alucina...
— Malfoy não está sofrendo alucinações — rosnou Snape, se curvando com as mãos apoiadas nos braços da cadeira de Harry, de modo que os rostos dos dois ficaram afastados apenas trinta centímetros — Se a sua cabeça estava em Hogsmeade, então o resto do seu corpo também estava.
— Estive na Torre da Grifinória. Como o senhor me mandou...
— Alguém pode confirmar isso?
Harry não respondeu.
A boca de Snape se torceu num feio sorriso.
— Então... — disse ele se endireitando —... Todo mundo, do Ministro da Magia para baixo, está tentando manter o famoso Harry Potter a salvo de Sirius Black. Mas o famoso Harry Potter faz as suas próprias leis. Que as pessoas comuns se preocupem com a sua segurança! O famoso Harry Potter vai aonde quer, sem medir as consequências.
Harry ficou calado. Snape estava tentando provocá-lo a dizer a verdade. Pois ele não ia dizer. Snape não tinha provas, ainda.
— É extraordinário como você se parece com o seu pai, Potter — disse Snape de repente, os olhos brilhando — Ele também era muitíssimo arrogante. Um pequeno talento no campo de Quadribol o fazia pensar que estava acima dos demais. Exibia-se pela escola com seus amigos e admiradores... a semelhança entre vocês dois é fantástica.
— Meu pai não se exibia — disse Harry, antes que pudesse se refrear — E eu também não.
— Seu pai também não ligava para as regras — continuou Snape, aproveitando a vantagem obtida, seu rosto magro cheio de malícia — Regras foram feitas para meros mortais, não para vencedores da Taça de Quadribol. Era tão cheio de si...
— CALE A BOCA!
Harry, de repente, se levantou. Uma raiva como ele não sentia desde a última noite na Rua dos Alfeneiros atravessou seu corpo. Ele não se importou que o rosto de Snape tivesse enrijecido, que os olhos negros lampejassem perigosamente.
— Que foi que você disse a mim, Potter?
— Disse para parar de falar do meu pai! — berrou Harry — Conheço a verdade, está bem? Ele salvou sua vida. Dumbledore me contou! O senhor nem estaria aqui se não fosse o meu pai!
A pele macilenta de Snape ficou da cor de leite azedo.
— E o diretor lhe contou as circunstâncias em que seu pai salvou a minha vida? — sussurrou — Ou será que considerou os detalhes demasiado indigestos para os ouvidos delicados do precioso Potter?
Harry mordeu o lábio. Não sabia o que acontecera e não queria admiti-lo, mas Snape parecia ter adivinhado a verdade.
— Eu detestaria que você saísse por aí com uma ideia falsa sobre seu pai, Potter — disse ele, com um sorriso horrível deformando-lhe o rosto — Será que você andou imaginando um glorioso ato de heroísmo? Então me dê licença para corrigi-lo: o seu santo paizinho e seus amigos me pregaram uma peça muito divertida que teria provocado a minha morte se o seu pai não tivesse se acovardado no último instante. Não houve coragem alguma no que ele fez. Estava salvando a própria pele junto com a minha. Se a peça tivesse chegado ao fim, ele teria sido expulso de Hogwarts.
Os dentes irregulares e amarelados de Snape estavam arreganhados.
— Vire seus bolsos pelo avesso, Potter! — disse ele, de súbito, e com rispidez.
Harry não se mexeu. Sentia o sangue latejar nos ouvidos.
— Vire seus bolsos pelo avesso ou vamos ver o diretor agora! Pelo avesso, Potter!
Gelado de medo, Harry tirou do bolso a saca com artigos da Zonko’s e o Mapa do Maroto.
Snape apanhou a saca da Zonko’s.
— Foi Rony que me deu — informou Harry, rezando para ter uma chance de avisar Rony antes que Snape o visse — Ele... trouxe para mim de Hogsmeade da última vez...
— Verdade? E você anda carregando isso desde então? Que comovente... e o que é isto?
Snape apanhara o mapa.
Harry tentou com todas as forças manter o rosto impassível.
— Um pedaço de pergaminho — disse, sacudindo os ombros.
Snape revirou-o, mantendo os olhos fixos em Harry.
— Com certeza você não precisa de um pedaço de pergaminho tão velho? — comentou — Por que não... jogá-lo fora?
Ele estendeu a mão para a lareira.
Não! — exclamou Harry depressa.
— Então... — disse Snape com as narinas trêmulas —... Será que é mais um precioso presente do Sr. Weasley? Ou será que é outra coisa? Uma carta, talvez, escrita com tinta invisível? Ou instruções para ir a Hogsmeade sem passar pelos dementadores?
Harry piscou.
Os olhos de Snape brilharam.
— Vejamos, vejamos... — murmurou ele, puxando a varinha e alisando o mapa em cima da escrivaninha — Revele o seu segredo! — disse, tocando o pergaminho com a varinha.
Nada aconteceu.
Harry fechou as mãos para impedi-las de tremer.
— Mostre-se! — disse Snape, dando uma batida forte no mapa.
O mapa continuou em branco.
Harry inspirou profundamente para se acalmar.
— Severo Snape, professor desta escola, ordena que você revele a informação que está ocultando! — disse ele, batendo no mapa com a varinha.
Como se uma mão invisível estivesse escrevendo, começaram a surgir palavras na superfície lisa do mapa.

“O Sr. Aluado apresenta seus cumprimentos ao Prof. Snape e pede que ele não meta seu nariz anormalmente grande no que não é de sua conta”.

Snape congelou. Harry arregalou os olhos, para a mensagem, aparvalhado. Mas o mapa não parou aí. Outras frases apareceram embaixo da primeira.

“O Sr. Pontas concorda com o Sr. Aluado e gostaria de acrescentar que o Prof. Snape é um safado mal acabado”.

Teria sido muito engraçado se a situação não fosse tão grave. E havia mais...

“O Sr. Almofadinhas gostaria de deixar registrado o seu espanto de que um idiota desse calibre tenha chegado a professor”.

Harry fechou os olhos, horrorizado. Quando os reabriu, o mapa tinha dito a última palavra.

“O Sr. Rabicho deseja ao Prof. Snape um bom dia e aconselha a esse seboso que lave os cabelos”.

Harry esperou a pancada atingi-lo.
— Então... — disse Snape suavemente — Veremos...
O professor foi até a lareira, agarrou um punhado de pó brilhante e atirou-o nas chamas.
— Lupin! — gritou Snape para o fogo — Quero dar uma palavrinha com você!
Absolutamente perplexo, Harry olhou para o fogo. Surgiu uma sombra enorme que rodopiava muito depressa. Segundos depois, o Prof. Lupin saía da lareira, sacudindo as cinzas das roupas enxovalhadas.
— Você me chamou, Severo? — perguntou Lupin suavemente.
— Claro que chamei — retrucou Snape, o rosto contorcido de fúria ao voltar para sua escrivaninha — Acabei de pedir a Potter para esvaziar os bolsos. Ele trazia isto com ele.
Snape apontou para o pergaminho, em que as palavras dos Srs. Aluado, Rabicho, Almofadinhas e Pontas ainda brilhavam. Uma expressão estranha e reservada apareceu no rosto de Lupin.
— E daí?
Lupin continuou a olhar fixamente para o mapa. Harry teve a impressão de que ele estava avaliando a situação muito rapidamente.
— E então? — insistiu Snape — Este pergaminho obviamente está repleto de magia negra. Pelo visto isto é a sua especialidade, Lupin. Onde você acha que Potter arranjou uma coisa dessas?
Lupin ergueu a cabeça e, com um levíssimo relanceio na direção de Harry, alertou-o para não interrompê-lo.
— Repleto de magia negra? — repetiu ele — É isso mesmo que você acha, Severo? A mim parece apenas um mero pedaço de pergaminho que insulta quem o lê. Infantil, mas com certeza nada perigoso. Imagino que Harry o tenha comprado numa loja de logros e brincadeiras...
— Verdade? — o queixo de Snape tinha endurecido de raiva — Você acha que uma loja de logros e brincadeiras podia ter vendido a ele uma coisa dessas? Você não acha que é mais provável que ele o tenha obtido diretamente dos fabricantes?
Harry não entendeu o que Snape dizia. E, aparentemente, Lupin também não.
— Você quer dizer, do Sr. Rabicho ou um dos outros? Harry, você conhece algum desses homens?
— Não — respondeu Harry depressa.
— Está vendo, Severo? — disse Lupin voltando-se para Snape — A mim parece um produto da Zonko’s...
Bem na hora, Rony irrompeu pela sala. Estava completamente sem fôlego e parou diante da escrivaninha de Snape, a mão apertando o peito, tentando falar.
— Eu... dei... isso... a... Harry — disse sufocado — Comprei... na Zonko’s... há... séculos...
— Bem! — disse Lupin batendo palmas e olhando à sua volta animado — Isso parece esclarecer tudo! Severo, vou devolver isto, posso? — ele dobrou o mapa e o guardou nas vestes — Harry e Rony, venham comigo, preciso dar uma palavra sobre a redação dos vampiros, você nos dá licença, Severo...
Harry não se atreveu a olhar para Snape ao deixarem a sala do professor. Ele, Rony e Lupin voltaram ao Saguão de Entrada antes de se falarem.
Então Harry se dirigiu a Lupin.
— Professor, eu...
— Não quero ouvir explicações — disse Lupin aborrecido.
Espiou o saguão vazio e baixou a voz.
— Por acaso eu sei que este mapa foi confiscado pelo Sr. Filch há muitos anos. É, eu sei que é um mapa — disse ele aos surpresos garotos — Não quero saber como você o obteve. Estou abismado, no entanto, que não o tenha entregado a alguém responsável. Especialmente depois do que aconteceu na última vez em que um aluno deixou uma informação sobre o castelo largada por aí. E não posso deixar você ficar com o mapa, Harry.
O garoto esperara isso e estava demasiado ansioso por informações para protestar.
— Por que Snape achou que eu tinha obtido o mapa dos fabricantes?
— Por que... — Lupin hesitou — Porque a intenção desses fabricantes de mapas era atraí-lo para fora da escola. Teriam achado isso muitíssimo divertido.
— O senhor os conhece? — perguntou Harry impressionado.
— Já nos encontramos — disse o professor com rispidez.
Olhava para Harry mais sério do que jamais olhara.
— Não espere que lhe dê cobertura outra vez, Harry. Não posso fazer você levar Sirius Black a sério. Mas eu teria pensado que o que você ouve quando os dementadores se aproximam teria produzido algum efeito em você. Os seus pais deram a vida para mantê-lo vivo, Harry. É uma retribuição indigente, trocar o sacrifício deles por uma saca de truques mágicos.
O professor se afastou, deixando Harry se sentindo muito pior do que em qualquer momento que passara na sala de Snape. Lentamente, ele e Rony subiram a escadaria de mármore. Quando Harry passou pela bruxa de um olho só, lembrou-se da Capa da Invisibilidade que continuava lá embaixo, mas ele não se atreveu a ir buscá-la.
— A culpa é minha — disse Rony sem rodeios — Eu o convenci a ir. Lupin tem razão, foi uma estupidez e não devíamos ter feito isso...
Ele parou de falar; tinham chegado ao corredor onde os trasgos de segurança estavam patrulhando e Hermione vinha ao encontro dos dois. Uma olhada no rosto dela convenceu Harry de que ela ouvira falar do que acontecera. Sentiu um peso no coração. Será que ela contara à Profª. McGonagall?
— Veio tripudiar? — perguntou Rony ferozmente quando a garota parou diante deles — Ou acabou de nos denunciar?
— Não — respondeu Hermione. Ela segurava uma carta nas mãos e seus lábios tremiam — Só achei que vocês deviam saber... Hagrid perdeu o caso. Bicuço vai ser executado.









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