sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Harry Potter e o Enigma do Príncipe - Capítulo 23






— CAPÍTULO VINTE E TRÊS —
Horcruxes



HARRY SENTIU O EFEITO DA FELIX FELICIS começar a passar enquanto se esgueirava sorrateiro de volta ao castelo. A porta da frente permanecia destrancada, mas, no terceiro andar, encontrou Pirraça, e por pouco evitou ser detido mergulhando em um dos seus atalhos laterais.
Quando finalmente chegou ao quadro da Mulher Gorda e despiu a Capa da Invisibilidade, não se surpreendeu com a sua grande má vontade em atendê-lo.
— Que horas você acha que são?
— Eu realmente lamento... tive de sair para uma coisa importante...
— Bem, a senha mudou à meia-noite, e você terá de dormir no corredor, não é assim?
— A senhora está brincando — replicou Harry — Por que mudaram a senha à meia-noite?
— Porque mudaram — respondeu a Mulher Gorda — Se não gostou, vá reclamar com o diretor, foi ele que reforçou a segurança.
— Fantástico — retrucou Harry com amargura, examinando o chão duro à sua volta — Realmente genial. É, eu iria realmente reclamar com Dumbledore se ele estivesse aqui, porque foi ele quem quis que eu...
— Ele está aqui — disse uma voz às suas costas — O Prof. Dumbledore retornou à escola há uma hora...
Nick Quase Sem Cabeça flutuou em direção a Harry, sua cabeça balançando como sempre em cima da gola de tufos engomados.
— Soube pelo Barão Sangrento que o viu chegar — informou Nick — Parecia muito animado, segundo o Barão, embora um pouco cansado, é claro.
— E onde ele está? — perguntou Harry, com o coração aos saltos.
— Ah, gemendo e arrastando correntes na Torre de Astronomia, é um dos seus passatempos preferidos...
— Não, não o Barão Sangrento, Dumbledore!
— Ah... no escritório dele. Acredito, pelo que me disse o Barão, que tem de cuidar de uns assuntos antes de se recolher...
— É, tem mesmo — disse Harry, a excitação incendiando o seu peito ante a perspectiva de contar a Dumbledore que obtivera a lembrança. Ele deu meia-volta e saiu correndo, sem dar atenção à Mulher Gorda que o chamava.
— Volte aqui! Está bem, eu menti! Fiquei aborrecida porque você me acordou! A senha ainda é “solitária”!
Harry, porém, já disparava pelo corredor, e, minutos depois, estava dizendo “bombas de caramelo” à gárgula do diretor, que saltou para o lado e admitiu-o à escada em espiral.
— Entre — mandou Dumbledore, quando Harry bateu.
Pela voz, parecia exausto.
Harry empurrou a porta. Ali estava o escritório de Dumbledore com a aparência de sempre, exceto pela vista do céu escuro e estrelado através das janelas.
— Céus, Harry — disse o diretor surpreso — A que devo este prazer tão tardio?
— Senhor... consegui. Consegui a lembrança de Slughorn.
Harry tirou o frasquinho e mostrou-o a Dumbledore. Por um momento, o diretor pareceu aturdido. Então, seu rosto se iluminou com um grande sorriso.
— Harry, que notícia espetacular! Muito bem mesmo! Eu sabia que você conseguiria!
Aparentemente esquecido da hora tardia, rapidamente ele contornou a escrivaninha, apanhou o frasco com a lembrança de Slughorn com a mão boa e foi até o armário onde guardava a Penseira.
— E agora — disse Dumbledore, colocando a bacia de pedra em cima da escrivaninha e despejando nela o conteúdo do frasco — Agora finalmente veremos, Harry, vamos...
Harry se curvou obedientemente para a Penseira e sentiu os pés abandonarem o chão do escritório... mais uma vez ele caiu pelo vácuo escuro e aterrissou na antiga sala de Horácio Slughorn muitos anos atrás.
Ali estava o professor muito mais jovem, com seus cabelos cor de palha, espessos e brilhantes, e seus bigodes arruivados, sentado na confortável bergêre em sua sala, os pés apoiados no pufe de veludo, uma das mãos segurando uma tacinha de vinho e a outra enfiada em uma caixa de abacaxi cristalizado. E ali estavam, ao redor de Slughorn, meia dúzia de adolescentes, Tom Riddle entre eles, com o anel ouro e preto de Servoleo brilhando no dedo.
Dumbledore aterrissou ao lado de Harry na hora em que Riddle perguntava:
— Senhor, é verdade que a Profª. Merrythought está se aposentando? — perguntou Riddle.
— Tom, Tom, se eu soubesse não poderia lhe dizer — respondeu Slughorn, sacudindo um dedo açucarado para Riddle, num gesto de censura, embora estragasse esse efeito com uma ligeira piscadela — Confesso que gostaria de saber onde você obtém suas informações, rapaz, sabe mais do que metade dos professores.
Riddle sorriu, os outros garotos riram e lhe lançaram olhares de admiração.
— Com a sua fantástica habilidade para saber o que não deve e a sua cuidadosa bajulação das pessoas certas... aliás, obrigado pelo abacaxi, você acertou, é o meu preferido...
Vários meninos tornaram a rir.
—... estou seguro que chegará a Ministro da Magia em vinte anos. Quinze, se continuar a me mandar abacaxis. Tenho excelentes contatos no Ministério.
Tom Riddle apenas sorriu enquanto os colegas davam gostosas risadas. Harry reparou que ele não era de modo algum o mais velho do grupo, mas todos os garotos pareciam considerá-lo seu líder.
— Não sei se a política me conviria, senhor — respondeu ele quando cessaram as risadas — Primeiro porque não pertenço às famílias bem-nascidas.
Uns dois garotos trocaram sorrisos debochados. Harry teve certeza de que se divertiam com uma piada secreta: sem dúvida ligada ao que sabiam, ou suspeitavam, a respeito do famoso antepassado do líder da gangue.
— Tolice — replicou Slughorn energicamente — Não poderia ser mais evidente que você descende de boa família bruxa, com as habilidades que tem. Não, você irá longe, Tom, até hoje jamais me enganei a respeito de um aluno.
O pequeno relógio de ouro sobre a escrivaninha de Slughorn bateu onze horas às suas costas, e ele se virou.
— Céus, já é tão tarde assim? — exclamou o professor — É melhor irem andando, rapazes, ou todos ficaremos encrencados. Lestrange, quero o seu trabalho até amanhã ou receberá uma detenção. O mesmo se aplica a você, Avery.
Um a um, os garotos saíram da sala. Slughorn levantou-se da poltrona com esforço e levou seu cálice vazio até a escrivaninha. Um movimento atrás do professor o fez virar-se, Riddle continuava parado ali.
— Ande logo, Tom, você não quer ser apanhado fora da cama depois da hora, ainda mais sendo monitor...
— Senhor, eu queria lhe perguntar uma coisa.
— Então pergunte, meu rapaz, pergunte...
— Senhor, estive imaginando o que o senhor saberia sobre... sobre Horcruxes.
Slughorn encarou-o, acariciando distraidamente a haste da taça de vinho com os dedos grossos.
— Um trabalho para a Defesa Contra as Artes das Trevas, eh?
Mas Harry percebeu que Slughorn sabia perfeitamente bem que não era trabalho escolar.
— Não exatamente, senhor. Encontrei o termo em um livro, e não entendi muito bem.
— Não... bem... você estaria num apuro para encontrar em Hogwarts um livro com detalhes sobre Horcruxes, Tom. É feitiço das Trevas, realmente das Trevas.
— Mas obviamente o senhor conhece bem todos eles, não? Quero dizer, um bruxo como o senhor... me desculpe, quero dizer, se o senhor não puder me falar, obviamente... achei que se alguém pudesse, seria o senhor... então pensei em perguntar...
A coisa foi muito bem-feita, pensou Harry, a hesitação, o tom descontraído, a adulação discreta, nada excessivo. Ele, Harry, tinha experiência demais em tentativas para extrair informações de gente relutante, para não reconhecer um mestre em ação. Percebia que Riddle queria a informação, e muito, talvez tivesse gasto semanas se preparando para aquele momento.
— Bem — falou Slughorn sem olhar para Riddle, mas brincando com a fita da caixa de abacaxis cristalizados — Bem, é claro que não pode haver mal algum em lhe dar uma ideia geral. Só para você entender o termo. Horcrux é a palavra usada para um objeto em que a pessoa ocultou parte da própria alma.
— Mas não entendo muito bem como se faz isso, senhor.
A voz de Riddle estava cuidadosamente controlada, mas Harry sentiu sua excitação.
— Bem, a pessoa divide a alma, entende — explicou Slughorn — E esconde uma metade dela em um objeto externo ao corpo. Então, mesmo que seu corpo seja atacado ou destruído, a pessoa não poderá morrer, porque parte de sua alma continuará presa à terra, intacta. Mas, naturalmente, a existência sob tal forma...
O rosto de Slughorn murchou, e Harry se viu relembrando palavras que ouvira havia quase dois anos.
“Fui arrancado do meu corpo, me tornei menos que um espírito, menos que o fantasma mais insignificante... mas ainda assim, continuei vivo”.
—... poucas pessoas iriam querer, Tom, muito poucas. A morte seria preferível.
Mas a sofreguidão de Riddle naquele momento era visível, sua expressão era ávida, ele já não conseguia esconder seu desejo.
— E como é que se divide a alma?
— Bem — respondeu Slughorn, constrangido — Você precisa compreender que a alma deve permanecer intocada e una. A divisão é um ato de violação, é contra a natureza.
— Mas como é que se faz?
— Por meio de uma ação maligna: a suprema maldade. Matando alguém. Matar rompe a alma. O bruxo que desejasse criar uma Horcrux usaria essa ruptura em seu proveito: encerraria a parte que se rompeu...
— Encerraria? Mas como...?
— Há um feitiço, não me pergunte, eu não conheço! — respondeu Slughorn, sacudindo a cabeça como um velho elefante importunado por mosquitos — Tenho cara de quem já experimentou isso... tenho cara de homicida?
— Não, senhor, naturalmente que não — apressou-se a dizer Riddle — Desculpe... não pretendi ofender o senhor...
— Tudo bem, tudo bem, não me ofendi — disse o professor bruscamente — É natural sentir alguma curiosidade por essas coisas... bruxos de certo calibre sempre se sentiram atraídos por este aspecto da magia...
— Sim, senhor. Mas o que não entendo... só por curiosidade... quero dizer, será que uma Horcrux serve para alguma coisa? Pode-se dividir a alma apenas uma vez? Não seria melhor, fortaleceria mais a pessoa, se ela dividisse a alma em várias partes? Quero dizer, por exemplo, sete não é o número mágico mais poderoso, será que sete...?
— Pelas barbas de Merlim, Tom! — ganiu Slughorn — Sete! Já não é bastante ruim pensar em matar uma pessoa? E em todo caso... bastante ruim romper a alma uma vez... mas rompê-la em sete partes...
Slughorn parecia agora profundamente perturbado: fitava Riddle como se nunca o tivesse visto direito, e Harry percebia que estava começando a se arrepender de ter entrado naquela conversa.
— É claro — murmurou — Isto é uma hipótese, o que estamos discutindo, não é mesmo? Uma questão acadêmica...
— É claro que sim, senhor — concordou Riddle imediatamente.
— Ainda assim, Tom... não repita para ninguém o que eu disse... ou seja, o que discutimos. As pessoas não gostariam de pensar que estivemos conversando sobre Horcruxes. É um assunto proibido em Hogwarts, sabe... Dumbledore é particularmente rigoroso nisso...


— Não direi uma palavra, senhor — prometeu Riddle se retirando, mas não antes de Harry ter visto de relance o seu rosto, em que se espalhava aquela mesma felicidade delirante do dia em que descobrira que era bruxo, o tipo de felicidade que não realçava suas bonitas feições, mas, por alguma razão, as tornava menos humanas...
— Obrigado, Harry — disse Dumbledore em voz baixa — Vamos.
Quando Harry voltou ao escritório, Dumbledore já estava sentado à escrivaninha. O garoto sentou-se, também, e esperou o diretor falar.
— Há muito tempo estou esperando obter esta prova — disse ele por fim — Confirma a teoria em que venho trabalhando, me diz que tenho razão, e também quanto chão ainda precisamos percorrer...
Harry de repente reparou que cada um dos retratos dos antigos diretores e diretoras nas paredes estava acordado e atento à conversa. Um bruxo corpulento, de nariz vermelho, chegara a apanhar uma corneta acústica.
— Bem, Harry — recomeçou o diretor — Estou certo de que você compreendeu o significado do que acabou de ouvir. À mesma idade que você, com uma diferença de poucos meses a mais ou a menos, Tom Riddle estava fazendo tudo que podia para descobrir como se tornar imortal.
— O senhor, então, acha que ele conseguiu? Ele fez uma Horcrux? E foi por isso que não morreu, quando me atacou? Tinha uma Horcrux escondida em algum lugar? Um pedacinho de sua alma estava segura?
— Um pedacinho... ou muitos. Você ouviu Voldemort: o que ele queria de Slughorn era uma opinião sobre o que aconteceria ao bruxo que criasse mais de uma Horcrux, que aconteceria ao bruxo tão decidido a evitar a morte que se dispusesse a matar muitas vezes, romper a alma seguidamente, para poder guardá-la era várias Horcruxes secretas e separadas. Nenhum livro teria lhe dado tal informação. Até onde sei, até onde estou certo que Voldemort sabia, nenhum bruxo jamais rompera a alma em mais de dois pedaços.
Dumbledore fez uma pausa momentânea para coordenar os pensamentos, então disse:
— Há quatro anos, recebi o que considero uma prova decisiva de que Voldemort dividiu sua alma.
— Onde? — perguntou Harry — Como?
— Recebi-a de você, Harry. O Diário de Riddle, o que dava instruções para reabrir a Câmara Secreta.
— Não compreendo, senhor.
— Bem, embora eu não tivesse visto o Riddle que saiu do diário, o que você me descreveu foi um fenômeno que eu jamais presenciara. Uma simples lembrança começar a agir e pensar por conta própria? Uma simples lembrança exaurir a vida da menina em cujas mãos fora parar? Não, alguma coisa muito mais sinistra vivia naquele livro... um fragmento de alma, disso eu estava quase seguro. O diário era uma Horcrux. Mas isto levantava o mesmo número de perguntas que respondia. O que mais me intrigava e assustava é que o diário tinha sido planejado não apenas como uma arma, mas como uma salvaguarda.
— Continuo sem entender — disse Harry.
— Bem, ele produzia o efeito que se espera de uma Horcrux; em outras palavras, o fragmento de alma oculto no diário foi resguardado e, sem dúvida, desempenhou o seu papel de impedir a morte do dono. Mas não podia restar dúvida de que Riddle realmente queria que alguém lesse aquele diário, queria que aquela parte de sua alma habitasse ou possuísse outra pessoa, de modo que o monstro de Slytherin pudesse mais uma vez ser solto.
— Bem, ele não queria desperdiçar todo o seu esforço. Queria que as pessoas soubessem que ele era herdeiro de Slytherin, coisa que ele não pôde assumir naquela época.
— Correto — disse Dumbledore, assentindo com a cabeça — Mas você não percebe, Harry, que se ele pretendia que futuramente o diário passasse a um aluno de Hogwarts ou fosse plantado nele, estava sendo extraordinariamente insensível com relação ao precioso fragmento de sua alma ali escondido? Uma Horcrux, como explicou o Prof. Slughorn, serve para guardar uma parte do eu em lugar secreto e seguro, não para o bruxo atirá-la aos pés de alguém correndo o risco de vê-la destruída, como de fato ocorreu: aquele determinado fragmento de alma não existe mais; você cuidou dele. O pouco caso com que Voldemort tratou essa Horcrux me pareceu um péssimo agouro. Pareceu-me um indício de que ele devia ter, ou planejava ter, mais Horcruxes, por isso a perda da primeira não causaria grande prejuízo. Eu não queria acreditar, mas nada mais parecia fazer sentido. Então você me contou, dois anos depois, que, na noite em que Voldemort retomou seu corpo, ele tinha feito uma afirmação alarmante e muito esclarecedora aos Comensais da Morte. “Eu que cheguei mais longe do que qualquer outro no caminho que leva à imortalidade”. Foram essas as palavras que você me relatou. “Mais longe do que qualquer outro”. E pensei ter entendido o que isto queria dizer, embora os Comensais da Morte não tenham. Ele estava se referindo às suas Horcruxes, no plural, Harry, o que acredito que nenhum outro bruxo jamais tenha possuído. Contudo, se encaixava perfeitamente: com a passagem do tempo, Lorde Voldemort parecia ter se tornado menos humano, e as transformações que ele sofrera só me pareciam explicáveis se sua alma estivesse mutilada além da esfera do que chamaríamos de maldade normal...
— Então ele se tornou imperecível matando outras pessoas? — perguntou Harry — Por que ele não fez uma Pedra Filosofal, ou roubou uma, se estava tão interessado na imortalidade?
— Bem, sabemos que foi exatamente isto que ele tentou fazer, cinco anos atrás — afirmou Dumbledore — Mas há várias razões pelas quais, em minha opinião, a Pedra Filosofal seria menos desejável por Lorde Voldemort do que Horcruxes. Embora o Elixir da Vida de fato prolongue a vida, precisa ser tomado regularmente, para sempre, se quem o beber quiser conservar a imortalidade. Portanto, Voldemort ficaria inteiramente dependente do Elixir, mas, se ele se esgotasse ou fosse contaminado, ou se a Pedra fosse roubada, Voldemort morreria como qualquer outro homem. Lembre-se de que ele gosta de agir sozinho. Acredito que teria achado a ideia de depender, ainda que fosse do Elixir, intolerável. Naturalmente estava disposto a bebê-lo, se isso o livrasse da semivida a que tinha sido condenado depois que atacou você, apenas para recuperar um corpo. A partir daí, estou convencido de que ele pretendia continuar a depender de suas Horcruxes: nada mais seria necessário, se ao menos pudesse recuperar a forma humana. Já era imortal, entende... ou quase tão imortal quanto um homem pode ser. Mas agora, Harry, munido desta informação, a lembrança crucial que você conseguiu obter para nós, estamos mais próximos do segredo para liquidar Lorde Voldemort do que alguém já esteve antes. Você ouviu o que ele disse, Harry: “Não seria melhor, fortaleceria mais a pessoa, se ela dividisse a alma em várias partes... sete não é o número mágico mais poderoso... Sete não é o número mágico mais poderoso?” Sim, acho que a ideia de uma alma em sete partes agradaria muito a Lorde Voldemort.
— Ele fez sete Horcruxes? — questionou Harry, horrorizado, enquanto vários retratos nas paredes soltaram exclamações semelhantes, de susto e indignação — Mas elas poderiam estar em qualquer parte do mundo... escondidas... enterradas ou invisíveis...
— Fico satisfeito que você avalie a amplitude do problema — disse Dumbledore calmamente — Mas, primeiro, não, Harry, não são sete Horcruxes: são seis. A sétima parte da alma, por mais desfigurada que esteja, habita o seu corpo regenerado. Foi a parte dele que viveu uma existência espectral por tantos anos durante o seu exílio, sem essa, ele não possui eu algum. Essa sétima parte é a última que quem quiser matar Lorde Voldemort deverá atacar: a parte que vive em seu corpo.
— Mas as seis Horcruxes, então — perguntou Harry meio desesperado — Como é que vamos encontrá-las?
— Está esquecendo... você já destruiu uma. E eu destruí outra.
— Foi? — perguntou o garoto ansioso.

— Sem dúvida — respondeu Dumbledore, erguendo a mão escura, que parecia queimada — O anel, Harry. O anel de Servoleo. E também uma terrível maldição que havia nele. Se não fosse, me desculpe a aparente falta de modéstia, a minha prodigiosa habilidade e a oportuna intervenção do Prof. Snape quando retornei a Hogwarts, desesperadamente ferido, eu não teria sobrevivido para contar a história. Contudo, a mão murcha não me parece um preço exorbitante a pagar por um sétimo da alma de Voldemort. O anel deixou de ser uma Horcrux.
— Mas como foi que o senhor descobriu?
— Bem, como você sabe, faz muitos anos que me incumbi de descobrir o máximo possível sobre o passado de Voldemort. Viajei extensamente, visitando os lugares que ele conheceu. Encontrei, por acaso, o anel escondido nas ruínas da casa de Gaunt. Parece que, ao conseguir encerrar uma parte de sua alma no anel, ele não quis mais usá-lo. Escondeu-o, protegido por vários encantamentos poderosos, no casebre em que seus antepassados tinham vivido (Morfino já fora levado para Azkaban, é claro), sem nunca suspeitar que eu pudesse um dia me dar ao trabalho de visitar a ruína, ou estar atento a vestígios de ocultamente mágico. No entanto, não devemos nos felicitar com excessivo entusiasmo. Você destruiu o diário e, eu, o anel, mas, se estivermos certos em nossa teoria de uma alma dividida em sete partes, restam quatro Horcruxes.
— E elas poderiam ser qualquer coisa? Poderiam ser latas velhas ou, sei lá, frascos de poções vazios...?
— Você está pensando em Chaves de Portal, Harry, que devem ser objetos comuns, que não chamem atenção. Mas Lorde Voldemort usaria latas ou velhos frascos de poção para guardar sua preciosa alma? Você está esquecendo o que lhe mostrei. Lorde Voldemort gostava de colecionar troféus, e preferia objetos com uma convincente história mágica. Seu orgulho, sua crença na própria superioridade, sua determinação de abrir para si um lugar surpreendente na história da magia, tudo isto me sugere que Voldemort escolheria suas Horcruxes com algum cuidado, favorecendo objetos que merecessem tal honra.
— O diário não era tão especial assim.
— O diário, como você mesmo disse, provava que ele era o Herdeiro de Slytherin, tenho certeza de que Voldemort considerava isto de extraordinária importância.
— E as outras Horcruxes? O senhor acha que sabe o que são?
— Só posso imaginar — respondeu Dumbledore — Pelas razões que já lhe dei, acredito que Lorde Voldemort daria preferência a objetos que, em si, possuíssem certo esplendor. Portanto, repassei a vida de Voldemort procurando provas do desaparecimento de certos artefatos à sua volta.
— O medalhão! — exclamou Harry em voz alta — A Taça de Hufflepuff!
— Certo — disse Dumbledore sorrindo — Eu estaria pronto a apostar, talvez não a minha outra mão, mas uns dois dedos, que esses foram transformados nas Horcruxes três e quatro. As duas restantes, presumindo mais uma vez que ele tenha criado seis totais, são mais problemáticas, mas eu arriscaria o palpite de que, uma vez que obteve objetos de Hufflepuff e Slytherin, ele saiu em busca de outros que tivessem pertencido a Gryffindor ou Ravenclaw. Estou certo de que quatro objetos dos quatro fundadores teriam exercido uma forte atração na imaginação de Voldemort. Não sei dizer se ele conseguiu achar alguma coisa de Ravenclaw. Atrevo-me a afirmar, porém, que a única relíquia conhecida de Gryffindor continua a salvo.
Dumbledore apontou os dedos escuros para a parede às suas costas, onde uma espada incrustada de rubis descansava em uma caixa de vidro.
— O senhor acha que essa é a verdadeira razão por que ele queria voltar a Hogwarts: para tentar encontrar alguma coisa de um dos outros fundadores?
— Exatamente o que pensei. Mas, infelizmente, isso não nos leva muito longe, porque ele foi recusado, ou assim acredito, sem ter tido oportunidade de dar uma busca na escola. Sou forçado a concluir que ele nunca satisfez a sua ambição de colecionar objetos dos quatro fundadores. Inegavelmente possuía dois, talvez tenha encontrado um terceiro, isto é o melhor que podemos afirmar por ora.
— Mesmo que ele tenha encontrado alguma coisa de Ravenclaw ou de Gryffindor, ainda falta a sexta Horcrux — disse Harry, contando nos dedos — A não ser que tenha conseguido as duas?
— Creio que não — replicou Dumbledore — Acho que sei qual é a sexta Horcrux. Fico imaginando o que você dirá se eu confessar que há algum tempo sinto curiosidade pelo comportamento da cobra Nagini.
— A cobra? — espantou-se Harry — Pode-se usar animais como Horcruxes?
— Bem, não é aconselhável fazer isso, porque confiar uma parte da alma a algo que pode pensar e se locomover, obviamente, é muito arriscado. Contudo, se o meu cálculo estiver correto, faltava a Voldemort pelo menos uma Horcrux para completar as seis que pretendia, quando entrou na casa de seus pais com a intenção de matar você. Ele parece ter reservado o processo de criar Horcruxes a mortes particularmente significantes. Você certamente estaria neste caso. Ele acreditava que matando-o eliminaria o perigo descrito na profecia. Acreditava que se tornaria invencível. Tenho certeza de que pretendia fazer a última Horcrux com a sua morte. Sabemos que ele fracassou. Mas, depois de um intervalo de alguns anos, Voldemort usou Nagini para matar um velho trouxa e talvez lhe ocorresse transformá-la em sua última Horcrux. A cobra enfatiza a ligação com Slytherin, que, por sua vez, realça a mística de Lorde Voldemort. Acho que ele talvez goste tanto dela quanto é capaz de gostar de alguma coisa, sem dúvida gosta de mantê-la por perto, e parece exercer um controle incomum sobre ela, até mesmo para um ofidioglota.
— Então — disse Harry — O diário já foi, o anel também. A taça, o medalhão e a cobra continuam intactos, e o senhor acha que talvez haja uma Horcrux que, no passado, pertenceu a Ravenclaw ou Gryffindor?
— Um resumo admiravelmente sucinto e exato — aprovou Dumbledore, inclinando a cabeça.
— Então... o senhor ainda está procurando as Horcruxes? É atrás delas que o senhor tem ido quando se ausenta da escola?
— Correto. Faz muito tempo que as procuro. Acho... talvez... eu esteja próximo de encontrar mais uma. Há sinais promissores.
— E se encontrar — perguntou Harry ligeiro — Posso ir com o senhor e ajudá-lo a se livrar dela?
Dumbledore fitou Harry atentamente por um momento antes de responder:
— Acho que sim.
— Posso? — exclamou Harry muito surpreso.
— Pode — confirmou o diretor, com um leve sorriso — Acho que você conquistou esse direito.
Harry criou ânimo novo. Era muito bom não ouvir palavras acautelatórias e protetoras, para variar. Os diretores e diretoras nas paredes pareceram menos impressionados com a decisão de Dumbledore. Harry viu alguns deles balançarem negativamente a cabeça e Fineus Nigellus rir pelo nariz.
— Voldemort sabe quando uma Horcrux é destruída, senhor? É capaz de sentir? — perguntou Harry, não dando atenção aos quadros.
— Uma pergunta muito interessante, Harry. Acredito que não. Acredito que Voldemort esteja tão impregnado de maldade, e essas partes essenciais tenham sido destacadas dele há tanto tempo, que ele não sinta como nós. Talvez, quando estiver à beira da morte, ele tome consciência de sua perda... mas ele não percebeu, por exemplo, que o diário tinha sido destruído até obrigar Lúcio Malfoy a confessar a verdade. Quando Voldemort descobriu que o diário fora mutilado e perdera todos os poderes, me contaram que foi horrível presenciar a sua cólera.
— Mas pensei que ele queria que Lúcio Malfoy trouxesse o diário para Hogwarts.
— É verdade, ele quis quando estava certo de que poderia criar mais Horcruxes, mas, ainda assim, Lúcio devia aguardar uma ordem dele que jamais chegou, porque Voldemort desapareceu pouco depois de lhe entregar o diário. Sem dúvida, ele achou que Lúcio Malfoy não se atreveria a fazer nada com a Horcrux exceto guardá-la com cuidado, mas ele confiou demais no medo que Lúcio teria de um senhor ausente havia anos e que Lúcio pensava estar morto. Naturalmente, Lúcio não sabia o que era aquele diário. Pelo que sei, Voldemort tinha lhe dito que o diário faria a Câmara Secreta reabrir, porque fora engenhosamente encantado. Se Lúcio soubesse que tinha em mãos uma porção da alma do seu senhor sem dúvida a teria tratado com maior respeito, ao invés, ele deu prosseguimento ao plano antigo para seus próprios fins: ao plantar o diário na filha de Arthur Weasley, ele esperava desacreditar Arthur, me ver demitido de Hogwarts e se livrar de um objeto muito incriminador de um único golpe. Ah, coitado do Lúcio... com a fúria de Voldemort por ele ter se desfeito da Horcrux para seu lucro pessoal e o fiasco do ano passado no Ministério, eu não me surpreenderia se, no momento, ele estivesse secretamente feliz de se ver seguro em Azkaban.
Harry ficou pensativo por um momento, então perguntou:
— Então, se todas as Horcruxes fossem destruídas, Voldemort poderia ser morto?
— Acho que sim — respondeu Dumbledore — Sem as Horcruxes, Voldemort será um homem mortal, com uma alma mutilada e diminuída. Mas não se esqueça jamais que, embora a alma dele esteja irrecuperavelmente danificada, seu cérebro e seus poderes mágicos permanecem intactos. Serão necessários perícia e poder incomuns para matar um bruxo como Voldemort, mesmo sem as Horcruxes.
— Mas eu não tenho perícia e poder incomuns — protestou Harry, sem conseguir se refrear.
— Tem, sim — disse Dumbledore com firmeza — Você tem um poder que Voldemort nunca teve. Você pode...
— Eu sei! — interpôs Harry impaciente — Sou capaz de amar!
E foi com extrema dificuldade que deixou de acrescentar: “Grande coisa!”.
— É, Harry, você é capaz de amar — replicou Dumbledore, que parecia saber perfeitamente o que Harry acabara de calar — O que, considerando tudo que lhe aconteceu, é um sentimento poderoso e notável. Você ainda é jovem demais, Harry, para compreender a pessoa extraordinária que você é.
— Então, quando a profecia diz que terei “um poder que o Lorde das Trevas desconhece”, quer dizer apenas... amor? — perguntou Harry, um pouco desapontado.
— Isso mesmo... apenas amor. Mas, Harry, nunca esqueça que os dizeres da profecia só têm significação porque Voldemort fez com que tivessem. Eu lhe disse isto no final do ano passado. Voldemort destacou você como a pessoa que ofereceria maior perigo para ele, e, ao fazer isso, transformou-o na pessoa que ofereceria maior perigo para ele!
— Mas isto acaba dando no...
— Não, não acaba! — disse Dumbledore, agora parecendo impaciente.
E, apontando a mão escura e murcha para Harry:
— Você está valorizando demais a profecia!
— Mas — engrolou Harry — Mas o senhor falou que a profecia quer dizer...
— Se Voldemort nunca tivesse sabido da profecia, será que ela teria se cumprido? Será que teria tido alguma significação? Claro que não! Você acha que todas as profecias na Sala da Profecia se cumpriram?
— Mas — replicou Harry aturdido — Mas no ano passado o senhor falou que um de nós teria de matar o outro...
— Harry, Harry, só porque Voldemort cometeu um grave erro e agiu segundo as palavras da Profª. Trelawney! Se ele nunca tivesse matado seu pai, será que teria despertado em você um furioso desejo de vingança? Claro que não! Se ele não tivesse forçado sua mãe a morrer por você, será que teria lhe conferido uma proteção mágica que ele não poderia penetrar? Claro que não, Harry. Você não está entendendo? O próprio Voldemort criou seu pior inimigo, como fazem os tiranos em todo o mundo! Você tem ideia do medo que os tiranos sentem do povo que eles oprimem? Todos eles percebem que, um dia, entre suas muitas vítimas, com certeza haverá uma que se rebelará e revidará! Voldemort não é diferente! Ele sempre esteve atento ao aparecimento daquele que o desafiaria. Ele soube da profecia e entrou imediatamente em ação, e, em consequência, não apenas escolheu o homem com maior probabilidade de liquidá-lo, mas lhe deu armas singularmente letais!
— Mas...
— É essencial que você compreenda o que ocorreu! — disse Dumbledore se erguendo e começando a andar pelo escritório, suas vestes fulgurantes farfalhando a cada passo, Harry nunca o vira tão agitado — Ao tentar matá-lo, Voldemort destacou a pessoa notável que está sentada à minha frente e lhe deu os instrumentos para a tarefa! É culpa de Voldemort que você seja capaz de ler seus pensamentos, suas ambições, e até mesmo que você entenda a linguagem das cobras em que ele transmite suas ordens, contudo, Harry, apesar da visão privilegiada que você tem do mundo dele (que, por sinal, é uma dádiva que qualquer Comensal da Morte mataria para ter), você nunca se deixou seduzir pelas Artes das Trevas, nunca, nem por um segundo, manifestou o menor desejo de se tornar um dos seguidores de Voldemort!
— Claro que não! — confirmou Harry indignado — Ele matou os meus pais!
— Resumindo, você está protegido por sua capacidade de amar! —disse Dumbledore em voz alta — A única proteção eficaz contra a fascinação por um poder como o de Voldemort! Apesar de todas as tentações que você suportou, de todo o sofrimento, o seu coração permanece puro, tão puro quanto era aos onze anos, quando você se mirou no espelho que refletia o maior desejo de seu coração, e ele lhe mostrou apenas o caminho para frustrar Lorde Voldemort em vez de imortalidade ou riqueza. Harry, você faz ideia de como são raros os bruxos que poderiam ter visto o que você viu naquele espelho? Voldemort deveria ter percebido, então, com quem estava lidando, mas não percebeu! Mas ele agora sabe. Você perpassou a mente de Lorde Voldemort sem sofrer o menor dano, mas ele não pode possuir a sua sem sofrer uma agonia mortal, como descobriu no Ministério. Acho que ele não compreende por quê, Harry, ele teve tanta pressa de mutilar a própria alma, que nem sequer parou para compreender o poder incomparável de uma alma imaculada e inteira.
— Mas, senhor — disse Harry, fazendo valentes esforços para não parecer que argumentava — No final dá tudo no mesmo, não? Eu tenho de tentar matá-lo ou...
— Tem? — perguntou Dumbledore — Claro que tem! Mas não por causa da profecia! Mas porque você, no íntimo, jamais descansará enquanto não tentar! Nós dois sabemos disso! Imagine, por favor, apenas por um momento que você nunca tivesse sabido daquela profecia! Quais seriam os seus sentimentos com relação a Voldemort agora? Pense!
Harry ficou observando Dumbledore andar para lá e para cá à sua frente, e pensou. Pensou em sua mãe, em seu pai e em Sirius. Pensou em Cedrico Diggory. Pensou em todos os terríveis feitos de Lorde Voldemort que conhecia. Uma labareda pareceu saltar do seu peito e queimar sua garganta.
— Eu iria querer que Voldemort fosse liquidado. E iria querer fazer isso pessoalmente.
— Claro que sim! — exclamou Dumbledore — A profecia não significa que você tem de fazer nada, entende! Mas a profecia levou Lorde Voldemort a marcá-lo como seu igual... em outras palavras, você é livre para escolher o próprio caminho, livre para dar as costas à profecia! Voldemort, no entanto, continua a valorizar a profecia. E continuará a persegui-lo... o que de, fato, transforma em certeza que...
— Que um de nós vai acabar matando o outro — completou Harry — Eu sei.
Mas ele finalmente entendeu o que Dumbledore estivera tentando lhe dizer.
Era, pensou Harry, A diferença entre ser arrastado para a arena para enfrentar uma luta mortal e entrar na arena de cabeça erguida. Algumas pessoas diriam, talvez, que a escolha era mínima, mas Dumbledore sabia, E eu também, pensou Harry, com súbito orgulho, Bem como meus pais, que aí residia toda a diferença do mundo.







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