sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O PODEROSO CHEFÃO - CAPÍTULO 13



CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA: 14 ANOS



CAPÍTULO
13




J
OHNNY FONTANE, sentado em seu enorme estúdio de gravação, calculava custos num bloco amarelo. Músicos entravam em fila na sala. Todos eram amigos que ele conhecera quando era menino e cantava com as bandas. O maestro, homem importante no negócio de acompanhamento de música popular e que fora bondoso para ele quando as coisas estiveram pretas, distribuía para cada músico um monte de partituras e instruções verbais. Seu nome era Eddie Neils. E aceitara o encargo dessa gravação como um favor a Johnny, embora quase não dispusesse de tempo para isso.
Nino Valenti estava sentado ao piano, brincando nervosamente com as teclas, e bebia o seu uísque em um copo grande. Johnny não ligava para isso. Sabia que Nino cantava bem, tanto bêbedo quanto sóbrio, e o que eles estavam fazendo hoje não exigia realmente qualquer aptidão musical da parte de Nino.
Eddie Neils fizera uns arranjos especiais de algumas antigas canções italianas e sicilianas, e um trabalho especial sobre a canção-desafio que Nino e Johnny haviam cantado no casamento de Connie Corleone. Johnny estava gravando o disco em primeiro lugar, porque sabia que Don Corleone gostava de tais canções e isso constituiria um ótimo presente de Natal para ele. Também tinha o palpite de que o disco seria vendido aos montes, embora talvez não chegasse a um milhão. Além disso, pensava que ajudar a Nino seria a melhor recompensa que Don Corleone podia querer. Afinal de contas, Nino também era um dos afilhados de Don Corleone.
Johnny colocou o bloco amarelo na cadeira dobradiça que estava a seu lado, levantou-se e postou-se junto ao piano.
— Escute, paisan — falou ele.
Nino olhou-o, com ar de riso. Parecia estar adoentado. Johnny inclinou-se e esfregou-lhe as omoplatas.
— Calma, rapaz — disse — Trabalhe direitinho hoje e eu lhe arranjarei uma trepada com uma das mulheres mais famosas de Hollywood.
Nino tomou um gole de uísque e perguntou:
— Quem é ela... Lassie?
Johnny deu uma gargalhada.
— Não, Deanna Dunn. Garanto o material.
Nino ficou impressionado, mas não pôde deixar de dizer com uma falsa esperança:
— Você não pode conseguir a Lassie para mim?
A orquestra irrompeu com a canção de abertura da miscelânea. Johnny Fontane ouvia atentamente. Eddie Neils tocaria todas as canções nos seus arranjos especiais. Depois, se faria a primeira gravação do disco. A proporção que ouvia, Johnny ensaiava as notas mentalmente, entoaria exatamente cada frase e entraria em cada canção. Sabia que sua voz não agüentaria muito, mas Nino se encarregaria da maior parte do canto; Johnny cantaria em segundo pIano. Exceto, naturalmente, na canção-desafio. Teria de se poupar para isso.
Puxou Nino para perto de si, e ambos se postaram ante os microfones. Nino desafinou na abertura e mais adiante. Começou a ficar vermelho e desconcertado. Johnny falou em tom de pilhéria:
— Que é isso, você está fazendo cera para ganhar extraordinário?
— Não me sinto à vontade sem o meu bandolim — respondeu Nino.
Johnny refletiu por um momento.
— Segure este copo com bebida — disse ele.
Parece que surtiu efeito. Nino continuou bebendo, enquanto cantava, e se saía bem. Johnny cantava com facilidade, sem esforço, com a voz floreada em torno da melodia principal entoada por Nino. Não havia qualquer satisfação emocional nessa espécie de canto, mas ficou admirado com a sua própria habilidade técnica. Dez anos de vocalização ensinaram-lhe alguma coisa.
Quando chegaram à canção-desafio que terminava o disco, Johnny soltou a voz, e quando acabaram, as cordas vocais doíam-lhe. Os músicos se empolgaram com a canção final, coisa rara com esses veteranos calejados. Baixavam o som dos instrumentos e batiam com os pés aprovando, parecendo aplaudir. O homem da bateria deu-lhes um rufar.
Com interrupções e trocas de idéias, trabalharam quase quatro horas antes de pararem. Eddie Neils aproximou-se de Johnny e disse tranqüilamente:
— Você se saiu muito bem, menino. Talvez esteja disposto a gravar um disco. Tenho uma canção nova que lhe vem a calhar.
Johnny balançou a cabeça.
— Deixe disso, Eddie, não me goze. Além do mais, dentro de poucas horas estarei tão rouco que não serei capaz de falar. Você acha que temos de consertar muito o que fizemos hoje?
Eddie respondeu com ar pensativo:
— Nino terá de vir ao estúdio amanhã. Cometeu alguns erros. Mas é muito melhor do que eu pensava. Quanto à sua parte, vou fazer os engenheiros de som ajeitarem o que eu não gostar. Está bem?
— Está bem — respondeu Johnny — Quando poderei ouvir a prensagem?
— Amanhã à noite — retrucou Eddie Neils — Em sua casa.
— Sim — respondeu Johnny — Obrigado, Eddie. Até amanhã.
Johnny tomou Nino pelo braço e retirou-se do estúdio. Foram para a casa dele e não para a de Ginny.
Nessa altura, quase anoitecia. Nino estava meio embriagado, Johnny aconselhou-o a tomar um banho de chuveiro e tirar uma soneca. Teriam de ir a uma grande festa às onze horas da noite.
Quando Nino acordou, Johnny instruiu-o.
— Essa festa é no Clube dos Corações Solitários das Estrelas de Cinema. As mulheres ali presentes são as senhoras que você já viu no cinema como rainhas da beleza e do encanto; por elas milhões de sujeitos seriam capazes de oferecer o braço direito, só pelo prazer de dar-lhes uma trepada. E o que as leva a comparecer à festa desta noite é que precisam achar alguém com quem dormir. Você sabe por quê? Porque estão ansiosas por isso, pois sentem-se um pouca velhas. E, como qualquer senhora de respeito, elas agem com um pouco de classe.
— Que é que há com sua voz? — perguntou Nino.
Johnny falava quase sussurrando.
— Sempre que eu canto um pouco, acontece isso. Agora não poderei cantar por um mês. Mas ficarei bom da rouquidão em poucos dias.
— É duro, hem? — interrogou Nino pensativo.
Johnny deu de ombros.
— Escute, Nino, não se embriague muito esta noite. Você precisa mostrar a essas mulheres que meu camarada paisan não é um moleirão. Você tem de colaborar. Lembre-se de que algumas dessas senhoras são muito poderosas no cinema e podem arranjar trabalho para você. Não é difícil ser encantador depois de se conquistar uma pessoa.
Nino já enchia seu copo, de novo.
— Sou sempre encantador — atalhou. Em seguida, esvaziou o copo — Fora de brincadeira, você pode, de fato, me aproximar de Deanna Dunn? — indagou rindo a Johnny.
— Não fique tão ansioso — disse Johnny — Não vai ser como você pensa.
O Clube dos Corações Solitários das Estrelas de Cinema de Hollywood (assim chamado principalmente pelos jovens adolescentes cuja freqüência era obrigatória) reunia-se toda sexta-feira à noite na suntuosa residência de propriedade do estúdio, de Roy McElroy, agente de publicidade — ou melhor, conselheiro de relações públicas — da Companhia Cinematográfica Internacional Woltz. Na verdade, embora fosse uma festa sem convites especiais de McElroy, a idéia surgira do espírito prático do próprio Jack Woltz. Algumas das suas estrelas cinematográficas que eram atração de bilheteria estavam agora ficando velhas. Sem a ajuda de luzes especiais e de maquiladores geniais, elas mostrariam a idade que realmente tinham. Por isso, surgiam problemas. Também, até certo ponto, tinham-se dessensibilizado física e mentalmente. Não podiam mais “apaixonar-se”. Não podiam mais representar o papel de mulheres perseguidas. Tinham sido muito arrogantes por causa do dinheiro, da fama e de sua antiga beleza. Woltz dava essas festas a fim de facilitar-lhes arranjar amantes, homens com quem dormir uma noite; se eles tivessem “peito”, poderiam transformar-se em companheiros permanentes de cama e, assim, estaria aberto o caminho para a ascensão. Como às vezes as reuniões se degeneravam em brigas ou excessos sexuais que envolviam complicações com a polícia, Woltz resolveu promover as festas na casa do conselheiro de relações públicas, que estaria ali firme para ajeitar as coisas, dar “bola” aos homens da imprensa e da polícia e manter tudo em paz.
Para certos atores jovens e másculos do estúdio, que ainda não haviam atingido o estrelato ou papéis de destaque, comparecer às festas das noites de sexta-feira nem sempre era um dever agradável. Isso se explicava pelo fato de que um novo filme ainda a ser distribuído seria exibido na festa. Na verdade, isso era a desculpa para a própria realização da festa. O pessoal dizia: “Vamos ver como está o novo filme feito assim e assado”. Desse modo, a coisa era apresentada sob um aspecto profissional.
As estrelas jovens eram proibidas de comparecer a tais reuniões. Ou antes, eram desencorajadas a comparecer. A maioria seguia o conselho.
A exibição dos filmes novos era realizada à meia-noite, e Johnny e Nino chegaram às onze horas. Roy McElroy revelou-se, à primeira vista, um homem agradável, bem penteado, elegantemente vestido. Saudou Johnny Fontane com um grito de admiração e alegria.
— Que diabo está você fazendo aqui — indagou com verdadeiro espanto.
Johnny, apertando-lhe a mão, respondeu:
— Estou mostrando a meu primo do interior os lugares pitorescos. Apresento-lhe Nino.
McElroy apertou a mão de Nino e mediu-o dos pés à cabeça.
— Elas o comerão vivo — comentou com Johnny, e os conduziu para o pátio dos fundos.
O pátio dos fundos consistia em uma série de salas enormes, cujas portas de vidro abriam para um jardim e piscina. Havia quase cem pessoas espalhadas por ali, todas com bebidas na mão. A iluminação era engenhosamente preparada para realçar o rosto e a pele das mulheres. Eram as mulheres famosas que Nino vira nas telas dos cinemas escuros quando era adolescente. Elas tinham desempenhado seu papel nos seus sonhos eróticos da adolescência. Mas contemplá-las agora, em carne e osso, era como vê-las com uma maquilagem horrível. Nada podia lhes esconder o cansaço do espírito e da carne; o tempo destruíra-lhes a divindade. Embora posassem e se movimentassem com o encanto de que ele ainda se lembrava, pareciam, agora, frutas de cera. Nino tomou duas doses de bebida, aproximando-se de uma mesa que tinha uma porção de garrafas. Johnny acompanhou-o. Beberam juntos, até que por trás deles se ouviu a voz mágica de Deanna Dunn.
Nino, como milhões de outros homens, tinha essa voz sempre gravada na mente. Deanna Dunn ganhara dois prêmios da Academia, trabalhara no filme de maior sucesso de Hollywood. Na tela, possuía um encanto feminino felino que a tornava irresistível a todos os homens. Mas as palavras que ela pronunciava jamais tinham sido ouvidas no cinema.
— Johnny, seu patife, tive de ir ao psiquiatra novamente, porque você dormiu comigo uma noite. Como é que você nunca mais voltou, nem por alguns segundos?
Johnny deu-lhe um beijo na face que ela lhe oferecia.
— Você me deixou esgotado por um mês — respondeu ele — Quero-lhe apresentar meu primo Nino. Um belo e forte rapaz italiano. Talvez ele possa acompanhar você.
Deanna Dunn voltou-se para lançar um olhar frio para Nino.
— Ele gosta de assistir a pré-estréias?
Johnny deu uma gargalhada.
— Acho que ele ainda não teve oportunidade. Por que você não o inicia nisso?
Nino teve de tomar uma dose dupla de bebida, quando ficou a sós com Deanna Dunn. Tentou manter-se imperturbável, mas era difícil. Deanna Dunn tinha o nariz arrebitado, as feições clássicas, de contornos nítidos, de beldade anglo-saxã. E ele a conhecia tão bem. Ele a vira sozinha num quarto, desesperada, chorando pelo falecido marido aviador que a deixou com crianças órfãs do pai. Ele a vira zangada, magoada, humilhada, mas ainda com uma dignidade impressionante, quando um grosseiro Clark Gable abusou dela, depois deixou-a por uma mulher sensual. (Deanna Dunn nunca desempenhou o papel de mulher sensual no cinema). Ele a vira corar com um amor correspondido, contorcendo-se no abraço do homem que ela adorava, e morrer de uma maneira maravilhosa, pelo menos uma meia dúzia de vezes. Ele a vira, ouvira e sonhara com ela e, contudo, não estava preparado para a primeira coisa que ela lhe disse, quando ficaram a sós.
— Jolwny é um dos poucos homens de colhão dessa cidade — disse ela — O resto são todos uns veados e débeis mentais, incapazes de trepar com uma mulher nem que se metesse uma tonelada de hormônios nos seus testículos.
Ela tomou Nino pela mão e conduziu-o para um canto da sala, longe do movimento e de qualquer concorrência.
Depois, ainda friamente encantadora, fez algumas perguntas a respeito dele. Nino começou a estudá-la interiormente. Percebeu que ela estava desempenhando o papel da mocinha da alta sociedade que é gentil para o cavalariço ou o motorista mas que no filme faria perder todo o interesse amoroso (se o papel fosse desempenhado por Spencer Tracy), ou abandonaria tudo em seu louco desejo por ele (se o papel fosse desempenhado por Clark Gable). Mas isso não importava. Principiou a contar-lhe como ele e Johnny tinham crescido juntos em Nova York, como ambos costumavam cantar em festas de clubes pequenos. Achou-a maravilhosamente atenta e interessada. Em um momento, perguntou casualmente:
— Você sabe como Johnny fez esse patife do Jack Woltz dar-lhe o papel?
Nino ficou gelado e balançou a cabeça. Ela não insistiu.
Chegara a hora de assistir-se à pré-estréia do novo filme de Woltz. Deanna Dunn conduziu Nino. Sua mão apertando com firmeza a dele, encaminhou-o para uma sala interna da mansão que não tinha janelas, e estava mobiliada com cerca de 50 sofás pequenos para duas pessoas, espalhados e um pouco afastados uns dos outros.
Nino observou uma pequena mesa ao lado do sofá e, sobre ela, havia um balde com gelo, copos e garrafas de bebida e uma bandeja de cigarros. Ofereceu um cigarro a Deanna Dunn, acendeu-o e depois preparou bebida para ambos. Não conversaram. Após alguns minutos as luzes se apagaram.
Nino esperava algo inominável. Afinal, sempre ouvira as histórias sobre a depravação em Hollywood. Não estava bem preparado para o ataque voraz de Deanna Dunn ao seu órgão sexual sem uma palavra gentil e amável de preparação. Continuou a tomar sua bebida e a olhar para o filme, sem interesse e sem prestar atenção. Estava emocionado como nunca; em parte, devido ao fato de que aquela mulher que o estava “servindo” no escuro tinha sido o objeto de seus sonhos de adolescente.
Contudo, de certo modo, aquilo era um insulto à sua masculinidade. Assim, quando a mundialmente famosa Deanna Dunn estava saciada e arrumou a roupa dele Nino friamente preparou uma nova bebida para ela e acendeu lhe um novo cigarro e disse com a voz mais descansada que se possa imaginar
— Isso parece ser um filme muito bom.
Ele a sentiu empertigar se ao seu lado no sofá. Será que ela estava esperando alguma espécie de cortesia? Nino encheu o seu copo com a bebida da garrafa que estava ao alcance de sua mão. O diabo com isso. Ela o tratara como um detestável prostituto. Por algum motivo Nino agora sentia uma raiva fria de todas essas mulheres. Olharam o filme por mais quinze minutos. Ele inclinou-se para o lado contrário ao dela de forma que os seus corpos não se tocavam.
— Não fique assim bancando o rapazinho aborrecido, você gostou. Você foi até as nuvens.
Nino tomou um gole da bebida e respondeu na sua maneira espontânea natural.
— É o modo como isso sempre acontece. Você precisa ver quando estou excitado.
Ela sorriu e permaneceu quieta durante o resto do filme. Finalmente, terminou a exibição e se acenderam as luzes. Nino deu uma olhada em volta. Pôde observar que tinha havido um verdadeiro carnaval no escuro, embora, por estranho que pareça, ele não tivesse ouvido um ruído sequer. Algumas das damas tinham aquele olhar fixo, brilhante, de mulheres que acabavam de fazer uma coisa muito boa. Saíram lentamente da sala de projeção. Deanna Dunn largou-o logo para ir falar com um homem mais velho que ele. Nino reconheceu-o como um famoso artista de cinema, mas que só agora, vendo o cara em pessoa, percebeu que o tipo era veado. Tomou o gole e ficou cismando.
Johnny Fontane aproximou-se e perguntou:
— Que tal, amigo velho, divertindo-se muito?
Nino arreganhou os dentes.
— Não sei. É diferente. Agora, quando voltar para o meu velho lugarejo, poderei dizer que Deanna Dunn me possuiu.
— Ela pode fazer melhor do que isso se convidá-lo a ir à casa dela. Não convidou? — perguntou Johnny, e deu uma gargalhada.
Nino balançou a cabeça.
— Fiquei muito interessado pelo filme — respondeu.
Agora, Johnny não riu.
— Leve a coisa a sério, garoto — disse ele — Uma mulher como essa pode fazer muito por você. Você esta acostumado a levar tudo na brincadeira. Homem, às vezes ainda tenho pesadelos, quando me lembro daquelas donas feias que você gostava de apanhar.
Nino, um tanto bêbado, brandiu o copo e falou em voz bem alta:
— Sim, elas eram feias, mas eram mulheres.
Deanna Dunn, postada no canto, virou a cabeça para olhar para eles. Nino acenou-lhe com o copo, cumprimentando-a.
Johnny Fontane deu um suspiro.
— Está bem, você é apenas um camponês carcamano.
— E não vou mudar — respondeu Nino com seu sorriso de bêbedo.
Johnny compreendia-o perfeitamente. Sabia que Nino não estava tão embriagado como parecia. Sabia que ele estava apenas fingindo, para poder dizer coisas que achava rudes demais para se dizerem ao seu novo padrone de Hollywood, quando sóbrio. Ele pôs o braço em volta do pescoço de Nino e disse afetuosamente:
— Você, seu bêbedo sabido, sabe que tem um contrato rigoroso por um ano e pode dizer e fazer o que quiser que não posso despedir você.
— Você não pode me despedir? — perguntou Nino com astúcia de pau d’água.
— Não — respondeu Johnny.
— Então foda-se — replicou Nino.
Por um momento, Johnny ficou surpreso e com raiva. Viu um riso de desprezo no rosto de Nino. Nos últimos anos ele devia ter ficado mais esperto, ou a sua queda do estrelato tornou-o mais sensível. Então compreendeu o amigo, por que o seu parceiro de canto da meninice jamais conseguira êxito, por que ele estava procurando destruir qualquer oportunidade de êxito agora. Nino estava reagindo contra todas as possibilidades de êxito, e ele, de alguma forma, se sentia insultado pelo modo como Nino se estava comportando.
Johnny tomou-o pelo braço e levou-o para fora da casa. Nino agora mal podia andar. Johnny falava com ele brandamente:
— Está bem, menino, você apenas canta para mim, quero ganhar dinheiro com você. Não vou procurar dirigir a sua vida. Faça o que você quiser. Está bem, paisan? Tudo o que você tem a fazer é cantar para mim e ganhar dinheiro para mim, agora que não posso mais cantar. Compreendeu bem, amigo velho?
Nino endireitou-se.
— Vou cantar para você, Johnny — falou com a voz tão engrolada, que mal se podia entender — Sou melhor cantor do que você agora. Sempre cantei melhor do que você, sabe disso?
Enquanto isso, Johnny pensava: assim era a coisa. Reconhecia que, quando tinha a voz sadia, Nino simplesmente não era páreo para ele, e nunca o fora naqueles anos em que cantaram juntos como meninos. Viu Nino esperando uma resposta, ziguezagueando bêbedo sob o luar da Califórnia.
— Foda-se — disse ele gentilmente, e os dois riram juntos, como nos velhos tempos em que eram igualmente jovens.
Quando Johnny Fontane recebeu a notícia do atentado contra Don Corleone, não só ficou preocupado, mas também permaneceu em dúvida sobre se o financiamento de seu filme continuava de pé. Tivera vontade de ir a Nova York apresentar os seus respeitos a seu Padrinho no hospital, mas aconselharam-no a evitar qualquer publicidade desfavorável, pois isso seria a última coisa que Don Corleone poderia querer. Assim ele esperou. Uma semana depois, chegou um mensageiro de Tom Hagen. O financiamento continuava de pé, apenas para um filme de cada vez.
Entrementes, Johnny deixou Nino viver a seu próprio modo em Hollywood e na Califórnia, e este estava indo muito bem com as jovens estrelinhas. As vezes, Johnny o chamava para saírem juntos à noite, mas nunca o pressionava. Quando conversaram sobre o atentado contra Don Corleone, Nino disse a Johnny:
— Você sabe, uma vez pedi a Don Corleone que me conseguisse um emprego em sua organização e ele não me arranjou. Eu estava cansado de dirigir caminhão e queria fazer muita grana. Sabe o que ele me respondeu? Falou que todo homem tem apenas um destino e que meu destino era ser artista. Queria dizer que eu não podia ser um marginal.
Johnny refletiu nisso demoradamente. O Padrinho deve ser o sujeito mais inteligente do mundo. Sabia que Nino jamais podia ser um marginal, que logo se complicaria ou seria assassinado, por causa de suas piadas. E como Don Corleone podia saber que ele seria artista? Porque, ora bolas, ele imaginava que algum dia eu ajudaria Nino. E como podia ele imaginar isso? Por que me insinuaria algo e eu procuraria mostrar a minha gratidão. Naturalmente nunca me pediu que fizesse isso. Apenas me fez saber que se sentiria feliz se eu o fizesse. Johnny Fontane deu um suspiro. Agora, o Padrinho estava ferido, em situação difícil, e podia dizer adeus ao prêmio da Academia, pois Woltz estava trabalhando contra ele e não havia esperança de receber ajuda do outro lado. Somente Don Corleone tinha os contatos pessoais que podiam pressioná-lo naquele sentido, e a Família Corleone tinha outras coisas em que pensar naquele momento. Johnny se oferecera para ajudar e Hagen respondera-lhe com um lacônico “não”.
Johnny ocupava-se com o andamento de seu próprio filme. O autor do livro no qual se baseou o filme em que trabalhara como artista tinha terminado outra novela, e viera à Califórnia a convite de Johnny, para tratar diretamente do assunto, sem interferência de agentes ou estúdios. O segundo livro se adaptava perfeitamente ao desejo de Johnny. Ele não teria de cantar. A novela tinha um enredo picante, muitas mulheres, sexo e havia um papel que para Johnny logo pareceu ter sido feito sob medida para Nino. O tipo falava como Nino, agia e até parecia com ele. Era fantástico! Tudo o que Nino teria de fazer era mover-se ante as câmaras cinematográficas com a maior naturalidade.
Johnny trabalhava depressa. Achava que entendia muito mais de produção cinematográfica do que imaginara. Contratou um produtor executivo, um homem que conhecia o assunto, mas que tinha dificuldade em encontrar trabalho, porque estava na lista negra. Johnny não tirou proveito da situação e deu-lhe um bom contrato.
— Espero que você desse jeito me poupe mais grana — falou ao homem com franqueza.
Ficou surpreso, quando o produtor executivo veio dizer-lhe que o representante do sindicato estava exigindo uma “gratificação” de cinqüenta mil dólares. Havia uma série de problemas a respeito de extraordinários e contratos de pessoal, de forma que os cinqüenta mil dólares seriam bem gastos. Johnny perguntou-se se o produtor executivo o estava pressionando e arrematou:
— Mande o cara do sindicato falar comigo.
O cara do sindicato era Billy Goff. Johnny disse a ele:
— Pensei que esse negócio do sindicato era arranjado pelos amigos. Disseram-me para não me preocupar com isso, de modo algum.
Goff perguntou:
— Quem lhe disse isso?
— Você sabe muito bem — respondeu Johnny — Não revelarei o nome dele, mas quando esse indivíduo me diz uma coisa acredito piamente.
— As coisas estão mudadas — retrucou Goff — Seu amigo está em situação difícil e a palavra dele não tem mais valor aqui na Califórnia.
Johnny deu de ombros.
— Venha falar comigo daqui a alguns dias. Está bem?
Goff sorriu.
— Perfeitamente, Johnny. Mas telefonar para Nova York não vai lhe ajudar coisa alguma.
Telefonar para Nova York na verdade ajudou. Johnny falou com Hagen em seu escritório. Hagen disse-lhe rudemente para não pagar.
— Seu Padrinho vai ficar danado da vida, se você pagar um níquel a esse salafrário — falou ele a Johnny — Isso fará Don Corleone perder prestígio e, no momento, ele não pode admitir tal coisa.
— Posso falar com Don Corleone? — perguntou Johnny — Você fala com ele? Preciso rodar o filme.
— Ninguém pode falar com Don Corleone no momento — disse Hagen — Ele está muito doente. Vou dizer a Sonny para arranjar a coisa. Po rém, a decisão deve basear-se nisso. Não pague um níquel a esse espertalhão safado. Se houver alguma mudança, avisa-lo-ei.
Aborrecido, Johnny desligou o telefone. Uma complicação com o sindicato poderia aumentar uma fortuna no custo da produção do filme e prejudicar o trabalho de modo geral. Por um momento, pensou em passar os cinqüenta mil dólares para Goff, na surdina. Afinal, Don Corleone dizer-lhe alguma coisa e Hagen dar-lhe ordens eram duas coisas diferentes. Contudo, resolveu esperar alguns dias.
Com a espera, ele poupou cinqüenta mil dólares. Duas noites depois, Goff foi encontrado morto a tiros em sua casa, em Glendale. Não se falou mais em complicação com o sindicato. Johnny ficou um tanto abalado com o assassinato. Era a primeira vez que o comprido braço de Don Corleone dava um golpe mortal tão perto dele.
A medida que as semanas passavam e ele se ocupava cada vez mais com a preparação do roteiro, com a escolha do elenco do filme e com os detalhes da produção Johnny Fontane se esquecia de sua voz, de que não podia cantar. Contudo, quando surgiu a lista de nomes ao prêmio da Academia e viu o seu entre os candidatos, ficou deprimido, porque não o escolheram para cantar uma das melodias indicadas para o Oscar na cerimônia que seria televisada para toda a nação. Todavia, conformou-se e continuou trabalhando. Não tinha esperança de ganhar o prêmio da Academia, agora que seu Padrinho não era mais capaz de exercer pressão, mas ser indicado como candidato já era alguma coisa.
O disco de canções italianas que ele e Nino gravaram estava sendo vendido muito mais do que qualquer outra coisa que ele tinha gravado ultimamente, apesar de reconhecer que o sucesso era mais de Nino do que seu. Resignou-se então à idéia de que jamais seria capaz de cantar novamente como profissional.
Uma vez por semana, jantava com Ginny e as meninas. Não importava quão complicadas estivessem as coisas, ele nunca faltava a esse dever, embora não dormisse com Ginny. Entrementes, sua segunda mulher conseguira o divórcio no México, e, assim, estava solteiro novamente. Era estranho que não estivesse tão “seco” para apanhar aquelas estrelinhas que cairiam facilmente na sua conversa. Ele estava muito esnobe. Ficara magoado, porque qualquer daquelas estrelas jovens que ainda estavam no apogeu jamais lhe dera a mínima bola. Mas era bom trabalhar com afinco. Quase toda noite ele ia para casa sozinho, punha seus velhos discos na vitrola, tomava a sua bebidazinha e cantarolava um pouco. Ele tinha sido bom, muito bom mesmo. E não compreendera como tinha sido bom. Mesmo sem levar em conta a sua voz excepcional, que poderia ter acontecido a qualquer um, ele era bom. Fora um verdadeiro artista e nunca soube quanto gostava disso. Estragara a voz com bebida, fumo e mulheres, justamente quando veio a compreender quanto isso valia.
Às vezes, Nino vinha tomar um trago e escutava os discos em sua companhia, e Johnny dizia-lhe desdenhosamente:
— Você, seu carcamano safado, jamais cantou assim em sua vida.
E Nino lhe respondia com aquele riso curioso e encantador e balançava a cabeça dizendo:
— Não, e jamais cantarei — pronunciando as palavras com uma voz complacente, como se adivinhasse o que Johnny estava pensando.
Finalmente, uma semana antes de rodar o novo filme, chegou a noite da outorga do prêmio da Academia. Johnny convidou Nino para acompanhá-lo, mas Nino recusou. Johnny suplicou:
— Companheiro, nunca lhe pedi um favor, certo? Faça-me um favor esta noite e venha comigo. Você é o único sujeito que vai sentir, realmente, se eu não ganhar.
Por um momento, Nino ficou espantado. Depois respondeu:
— Perfeitamente, meu velho, irei com você — fez uma pausa e acrescentou — Se você não ganhar, esqueça o assunto. Fique tão embriagado o quanto você puder, que tomarei conta de você. Diabo, eu mesmo nem vou beber esta noite. Que tal, só por ser companheiro?
— Homem — respondeu Johnny Fontane — É ser mesmo muito companheiro.
Na hora de ir para a cerimônia da Academia, Nino manteve a sua promessa. Compareceu à casa de Johnny completamente sóbrio, e os dois partiram juntos para o local da apresentação. Nino ignorava por que Johnny não convidara nenhuma de suas ex-garotas ou ex-esposas para o jantar daquela noite. Especialmente Ginny. Será que pensava que ela não torceria por ele? Nino desejaria tomar apenas um trago, parecia que ia ter uma noite horrivelmente longa.
Nino Valenti achou toda a cerimônia da concessão do prêmio da Academia muito chata, até que foi anunciado o vencedor do melhor artista masculino. Quando ouviu as palavras “Johnny Fontane”, deu um pulo para cima e começou a aplaudir. Johnny estendeu a mão e Nino apertou-a. Sabia que o seu companheiro precisava do contato humano, de alguém em quem confiasse, e Nino sentia uma enorme tristeza pelo fato de Johnny não ter ninguém melhor do que ele para partilhar esse momento de glória.
O que se seguiu foi um verdadeiro pesadelo. O filme de Jack Woltz arrebatou todos os prêmios importantes e, assim, a festa do estúdio estava cheia de gente de jornal e de todos os futuros malandros do sexo masculino e feminino. Nino manteve a sua promessa de conservar-se sóbrio, e procurou vigiar Johnny. Mas as mulheres da festa insistiam em puxar Johnny Fontane para os quartos a fim de bater um papo e Johnny ficava cada vez mais bêbedo.
Entrementes, a mulher que ganhara o prêmio de melhor atriz estava sofrendo o mesmo destino, mas estava gostando mais disso e aproveitando mais a situação. Nino a rejeitou, o único homem da festa a fazer isso.
Finalmente, alguém teve uma grande idéia. O acasalamento público dos dois vencedores, para que todos os presentes à festa assistissem ao espetáculo. A atriz foi desnudada e as outras mulheres começavam já a tirar a roupa de Johnny Fontane. Foi então que Nino, a única pessoa sóbria ali, agarrou o semivestido Johnny e jogou-o sobre o ombro, abrindo caminho para sair da casa e levá-lo para o carro. Enquanto dirigia o carro para a casa de Johnny, Nino pensou que, se aquilo era sucesso, ele jamais o desejaria na vida.




 Continua...





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Frase Curiosa"Há apenas duas maneiras de obter sucesso neste mundo: pelas próprias habilidades ou pela incompetência alheia." Jean de La Bruyère

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