quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

O PODEROSO CHEFÃO - CAPÍTULO 4



CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA: 14 ANOS



CAPÍTULO
4




Q
UANDO MICHAEL CORLEONE chegou à casa do pai, em Long Beach, encontrou a estreita entrada da alameda bloqueada com uma corrente. A própria alameda estava iluminada com os holofotes de todas as oito casas, mostrando pelo menos dez carros estacionados ao longo do passeio curvo de cimento.
Dois homens que ele não conhecia estavam encostados na corrente. Um deles perguntou com um sotaque do Brooklyn:
— Quem é você?
Ele se identificou. Outro homem saiu da casa mais próxima e olhou-lhe o rosto.
— Este é o filho de Don Corleone. Vou levá-lo para dentro.
Mike seguiu esse homem até a casa do pai onde dois homens postados à porta deixaram-no entrar juntamente com seu acompanhante.
A casa parecia estar cheia de homens que ele não conhecia, até que ele entrou na sala de estar. Ali, Michael viu a mulher de Tom Hagen, Thereza, sentada hirtamente no sofá, fumando um cigarro. Na mesa de café à sua frente havia uma garrafa de uísque. No outro lado do sofá achava-se sentado o volumoso Clemenza. O rosto do caporegime se mostrava impassível, mas ele suava, e o charuto em sua mão apresentava um brilho completamente preto em conseqüência da saliva.
Clemenza veio apertar-lhe a mão de modo consolador, murmurando:
— Sua mãe está no hospital com seu pai, ele vai ficar bom.
Paulie Gatto levantou-se para apertar-lhe a mão. Michael olhou para ele curiosamente. Sabia que Paulie era guarda-costas de seu pai, mas não sabia que ele tinha ficado em casa doente naquele dia. Percebeu porém certa tensão no rosto escuro e magro. Ele sabia da reputação de Gatto como homem ativo e muito rápido, que sabia fazer trabalhos delicados sem complicações, e hoje ele falhara em seu dever. Notou vários outros homens nos cantos da sala, mas não os reconheceu. Não era gente de Clemenza. Michael ligou os fatos e compreendeu. Clemenza e Gatto eram suspeitos. Pensando que Paulie tivesse estado no local do crime, perguntou-lhe:
— Como está Freddie? Está bem?
— O médico deu-lhe uma injeção — respondeu Clemenza — Ele está dormindo.
Michael aproximou-se da mulher de Hagen e inclinou-se para beijar-lhe a face. Eles sempre gostaram um do outro. Michael murmurou:
— Não se preocupe, Tom deve estar bem. Você já falou com Sonny?
Thereza agarrou-se a ele por um momento e balançou a cabeça. Ela era uma mulher delicada, muito bonita, mais americana do que italiana e muito apavorada. Ele tomou-lhe a mão e levantou-a do sofá. Depois conduziu-a até o escritório de seu pai, situado na sala do canto.
Sonny estava esparramado em sua cadeira da escrivaninha, segurando um bloco de papel numa mão e um lápis na outra. O único homem que se achava com ele na sala era o caporegime Tessio, a quem Michael reconheceu, compreendendo imediatamente que deviam ser seus homens que estavam na casa e constituíam a nova “guarda do palácio”. Ele também tinha um lápis e um bloco de papel nas mãos.
Quando Sonny os avistou, saiu de trás da escrivaninha e tomou a mulher de Hagen nos braços.
— Não se preocupe, Thereza — disse ele — Tom está bem. Eles querem apenas apresentar-lhe a proposta, dizem que o soltarão. Ele não trabalha no setor de operações, é apenas nosso advogado. Não há razão para que alguém lhe faça mal.
Sonny soltou Thereza, e então, para surpresa de Michael, ele também ganhou um abraço e um beijo na face. Empurrou Sonny e disse sorrindo sarcasticamente:
— Depois que me acostumei a apanhar de você, tenho de agüentar isso?
Eles freqüentemente brigavam quando eram mais jovens.
Sonny deu de ombros.
— Escute, menino, fiquei preocupado quando não pude encontrá-lo naquela cidade caipira. Não que eu desse a mínima importância se eles o massacrassem, mas eu não gostava da idéia de ter de levar a notícia á velha. Eu tinha de dar-lhe a notícia sobre o papai.
— Como recebeu ela a notícia? — perguntou Michael.
— Bem — respondeu Sonny — Ela já passou por isso antes. Eu também. Você era ainda muito pequeno para tomar conhecimento disso, e depois coisas se tomaram muito calmas enquanto você crescia — fez uma pausa e depois continuou — Ela está no hospital com o velho. Ele vai ficar bom.
— Que tal irmos até o hospital? — perguntou Michael,
Sonny balançou a cabeça em negação e respondeu secamente:
— Não posso deixar esta casa até que tudo esteja terminado.
O telefone tocou. Sonny apanhou-o e ouviu atentamente. Enquanto ele ouvia, Michael aproximou-se lentamente da escrivaninha e deu uma olhadela para o bloco amarelo no qual Sonny estivera escrevendo. Havia uma lista de sete nomes. Os três primeiros eram Sollozzo, Phillip Tattaglia e John Tattaglia. Foi um rude golpe para Michael interromper Sonny e Tessio quando eles estavam preparando uma lista de homens que deviam ser assassinados.
Depois de desligar, Sonny voltou-se para Thereza Hagen e Michael, dizendo:
— Vocês dois podem esperar lá fora? Tenho um trabalho com Tessio que temos de acabar.
— Esse telefonema foi sobre Tom? — perguntou Thereza.
Ela falou de modo quase truculento, mas estava chorando de medo. Sonny pôs o braço em volta dela e conduziu-a até a porta.
— Juro que ele vai se sair bem — disse ele — Espere na sala de estar. Sairei daqui assim que souber qualquer coisa.
Fechou a porta atrás dela. Michael sentara-se numa das grandes poltronas de couro. Sonny deu-lhe um rápido olhar penetrante e foi sentar-se na cadeira da escrivaninha.
— Você fica me rondando, Mike — declarou Sonny — Você vai ouvir coisas que não quer.
Michael acendeu um cigarro.
— Posso ajudar — retrucou.
— Não, você não pode — replicou Sonny — O velho ficaria danado da vida se eu deixasse você se meter nisso.
Michael levantou-se e gritou.
— Seu crápula nojento, ele é meu pai. Não permitem que eu ajude? Posso ajudar! Não preciso sair para matar gente, mas posso ajudar. Pare de me tratar como um irmãozinho. Estive na guerra. Fui ferido, lembra-se? Matei alguns japoneses. Que diabo você pensa que vou fazer quando você massacrar alguém? Desmaiar?
Sonny arreganhou os dentes para ele.
— Daqui a pouco você vai querer que eu levante as mãos. Está bem, fique aqui, você pode atender o telefone — voltou-se para Tessio — Essa chamada que acabo de receber deu-me a informação que a gente precisava — depois dirigiu-se a Michael — Alguém deve ter traído o velho. Pode ter sido Clemenza, pode ter sido Paulie Gatto, que hoje esteve muito convenientemente doente. Sei a resposta agora, vamos ver se você é mesmo esperto, Mike, você que está na escola. Quem se vendeu a Sollozzo?
Michael sentou-se novamente e reclinou-se confortavelmente na poltrona de couro. Pôs-se a pensar em tudo muito cuidadosamente, Clemenza era um caporegime na estrutura da Família Corleone. Don Corleone o tinha feito milionário e eles eram amigos íntimos há mais de vinte anos. Clemenza ocupava um dos cargos mais poderosos da organização. Que poderia ganhar traindo Don Corleone? Mais dinheiro? Ele era bastante rico, mas os homens são sempre gananciosos. Mais poder? Vingança por algum insulto imaginário por alguma desconsideração? Pelo fato de Hagen ter-se tornado consigliori? Ou talvez a convicção de um homem de negócios de que Sollozzo ganharia a questão? Não, era impossível que Clemenza fosse um traidor, e então Michael pensou tristemente que era impossível somente porque ele não queria que Clemenza morresse. O gordo sempre lhe trouxera presentes quando ele criança, tinha às vezes o levado a passeios quando Don Corleone estava ocupado. Ele não podia acreditar que Clemenza fosse capaz de trair.
Mas, por outro lado, Sollozzo queria Clemenza na sua gaveta mais que qualquer outro homem da Familia Corleone.
Michael pensou em Paulie Gatto, Paulie até então não se tornara rico. Era bem conceituado, a sua subida na organização era certa, mas tinha de contar tempo como qualquer outra pessoa. Também ele teria sonhos mais audaciosos de poder, como acontece geralmente aos jovens. Tinha de ser Paulie. E então Michael lembrou-se de que quando criança ele e Paulie estiveram na mesma classe da escola e ele não queria tampouco que Paulie fosse o traidor. Balançou a cabeça.
— Nenhum dos dois — respondeu.
Mas disse isso somente porque Sonny afirmara que ele tinha a resposta. Se houvesse uma votação, ele votaria em Paulie como culpado.
Sonny riu para ele.
— Não se preocupe — declarou — Clemenza está fora de suspeita. É Paulie.
Michael pôde ver que Tessio sentiu um alívio. Como caporegime, tal como Clemenza, sua simpatia devia pender para este. Também a situação atual não seria tão grave, se a traição não tivesse ido tão longe. Tessio perguntou cautelosamente:
— Então posso mandar meu pessoal para casa amanhã?
— Depois de amanhã — respondeu Sonny — Não quero que ninguém saiba isso até lá. Escute, quero falar um negócio de família com meu irmão, particularmente. Espere lá fora na sala de estar, sim? Podemos acabar nossa lista mais tarde. Você e Clemenza trabalharão juntos nisso.
— Está bem — respondeu Tessio, e retirou-se.
— Como você sabe com certeza que é Paulie? — perguntou Michael.
— Temos gente na companhia telefônica e eles averiguaram todas as chamadas transmitidas e recebidas por Paulie. As de Clemenza também. Nos dias em que Paulie esteve doente, recebeu um telefonema de uma cabina telefônica situada em frente ao edifício do velho. Hoje também. Estavam confirmando se Paulie viria trabalhar hoje ou se alguém seria enviado em seu lugar. Ou procuravam averiguar outra coisa. Não importa — Sonny deu de ombros e finalizou — Graças a Deus foi Paulie. Vamos precisar muito de Clemenza.
— Vai ser uma guerra total? — perguntou Michael hesitantemente.
O olhos de Sonny estavam muito sérios.
— É o que vou fazer assim que Tom voltar. A não ser que o velho me diga que proceda de outro modo.
— Então, por que você não espera até que o velho possa dizer o que fazer? — indagou Míchael.
Sonny olhou para ele curiosamente.
— Como diabo conseguiu você ganhar essas medalhas de combate? Estamos em plena batalha, homem, temos de lutar. Estou até com medo que eles não soltem Tom.
Michael ficou surpreso com isso.
— Por que não? — perguntou.
A voz de Sonny tornou-se outra vez impaciente.
— Seqüestraram Tom porque imaginavam que o velho estava liquidado e que podiam fazer um trato comigo, e Tom seria o sujeito indicado para os contatos preliminares, para trazer a proposta. Agora, como o velho está vivo, sabem que não posso fazer um trato, de modo que Tom não tem utilidade para eles. Podem soltá-lo ou matá-lo, dependendo de como Sollozzo se sinta no momento. Se o matassem, seria apenas para nos mostrar que eles realmente querem negociar, procurando assim nos coagir.
— O que levou Sollozzo a pensar que podia fazer um trato com você? — perguntou Michael calmamente.
Sonny ficou vermelho e não respondeu por um momento. Depois falou:
— Tivemos uma reunião há alguns meses, Sollozzo veio a nós com uma proposta sobre narcóticos. O velho rejeitou-a. Mas, durante a reunião, soltei um pouco a língua, mostrei que queria fazer o acordo. O que é exatamente a coisa errada a fazer; se há algo que o velho sempre me martelou na cabeça é nunca agir dessa forma, deixar que outras pessoas percebam que há uma divergência de opinião na Família. Assim, Sollozzo pensa que se ele eliminar o velho, tenho de entrar no negócio de narcóticos com ele. Morrendo o velho, o poder da Família fica reduzido pelo menos à metade. Eu teria de lutar pela vida, de qualquer modo, para manter todos os negócios que o velho conseguiu reunir. Os narcóticos são o próximo bom negócio, devemos entrar nele. E o atentado contra o velho é simplesmente negócio, nada pessoal. Por uma questão de negócio, eu faria um trato com ele. Na certa, Sollozzo nunca me deixaria chegar muito perto, procuraria garantir-se para que eu nunca pudesse usá-lo como alvo, caso eu o quisesse. Mas ele também sabe que, uma vez que aceitei o trato, as outras Famílias nunca me deixariam começar uma guerra, alguns anos depois, só por vingança. Além disso, a Família Tattaglia está por trás dele.
— Se eles tivessem eliminado o velho, o que faria você? — perguntou Michael.
— Sollozzo é um homem morto — respondeu Sonny simplesmente — Não me importo o que vai custar. Não me importo se vamos ter de lutar com todas as cinco Famílias de Nova York. A Família Tattaglia vai ser riscada do mapa. Não me importo se todos nós vamos levar a breca juntos.
— Isso não é o processo pelo qual papai agiria — atalhou Michael.
Sonny fez um gesto violento.
— Sei que não sou o homem que ele era. Mas eu lhe digo isso e ele lhe dirá também. Quando chega o momento de agir realmente, posso trabalhar tão bem quanto qualquer outra pessoa, à queima-roupa. Sollozzo sabe disso e também o sabem Clemenza e Tessio. Eu “estreei” quando tinha dezenove anos, a última vez que a Família teve uma guerra, e fui urna grande ajuda para o velho. Não me preocupo agora. E a nossa Família está jogando tudo num negócio como esse. Eu gostaria que pudéssemos entrar em contato com Luca.
Michael perguntou curiosamente:
— Luca será tão duro, como eles dizem? Será que é tão bom?
Sonny acenou a cabeça afirmativamente.
— Ele pertence a uma classe especial. Vou mandá-lo eliminar os três Tattaglia. Eu próprio cuidarei de Sollozzo.
Michael moveu-se inquietamente em sua poltrona. Olhou para o irmão mais velho. Lembrou-se de que Sonny era, às vezes, casualmente bruto, mas essencialmente bondoso. Um ótimo sujeito. Não parecia natural ouvi-lo falar dessa maneira, era bastante desagradável ver a lista de nomes que ele havia escrito, homens para serem executados, como se ele fosse algum imperador romano recém-coroado. Ele estava contente por não fazer verdadeiramente parte de tudo isso, por saber que o pai estava vivo e que ele próprio não teria de envolver-se em casos de vingança. Ele ajudaria, atendendo o telefone, mandando recados e mensagens. Sonny e o velho podiam cuidar de si mesmos, especialmente com Luca por trás deles.
Nesse momento, ouviu uma mulher gritar na sala de estar. Oh, Cristo, pensou Michael, parecia ser a mulher de Tom. Correu para a porta e abriu-a. Todos na sala estavam em pé. E perto do sofá Tom Hagen abraçava apertadamente Thereza, com o rosto desconcertado. Thereza estava chorando e soluçando, e Michael compreendeu que o grito que ouvira tinha sido o dela pronunciando com alegria o nome do marido. Enquanto Michael observava, Tom Hagen desembaraçou-se dos braços da mulher e fê-la sentar-se no sofá. Depois sorriu para Michael sombriamente:
— Prazer em vê-lo, Mike, realmente muito prazer.
Em seguida, caminhou para o escritório, sem lançar outro olhar para a mulher, que ainda soluçava. Ele não tinha vivido com a Família Corleone por dez anos em vão, pensou Michael com um estranho rubor de orgulho. Algo de velho se incrustara em Tom, como também em Sonny e, pensou ele, com surpresa, até em si próprio.




Continua... 






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Frase Curiosa"Há apenas duas maneiras de obter sucesso neste mundo: pelas próprias habilidades ou pela incompetência alheia." Jean de La Bruyère

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