quarta-feira, 19 de outubro de 2011

O Conde de Monte Cristo - Capítulo 104





CIV

A ASSINATURA DE DANGLARS




O
 dia seguinte nasceu triste e nevoento. Os cangalheiros tinham desempenhado durante a noite do seu fúnebre ofício e amortalhado o corpo depositado em cima da cama na mortalha que envolve lugubremente os defuntos, mas lhes empresta, seja o que for que se diga acerca da igualdade perante a morte, a última prova do luxo que apreciaram durante a vida. A mortalha era nem mais nem menos do que uma peça de magnífica de cambraia que a jovem comprara quinze dias antes.
À noite, homens chamados para o efeito tinham transportado Noirtier do quarto de Valentine para o seu, e, contra toda a expectativa, o velho não levantara nenhuma dificuldade em ser afastado do corpo da neta. O Abade Busoni velara até de manhã e ao amanhecer retirara-se para sua casa sem chamar ninguém.
Avrigny voltara cerca das oito da manhã. Encontrara Villefort, que se dirigia para os aposentos de Noirtier e acompanhara-o para saber como o velho passara a noite. Encontraram-no na grande poltrona que lhe servia de leito, dormindo um sono tranqüilo e quase sorridente.
Ambos se detiveram, atônitos, no limiar.
— Veja — disse Avrigny a Villefort, que olhava o pai adormecido — Veja, a natureza sabe acalmar as mais vivas dores. Sem dúvida, ninguém dirá que o Sr. Noirtier não amava a neta; no entanto, dorme.
— Tem razão — respondeu Villefort, surpreendido — Dorme, o que é muito estranho, pois a mais pequena contrariedade deixava-o acordado noites inteiras.
— A dor abateu-o — replicou Avrigny.
E ambos voltaram pensativos para o gabinete do Procurador Régio.
— Veja, eu não dormi — disse Villefort, mostrando a Avrigny a cama intacta — A dor não me abateu, embora não me deite há duas noites. Mas, em compensação, veja a minha mesa: o que escrevi, meu Deus! Durante essas duas noites e esses dois dias, estudei este processo e redigi a acusação contra o assassino Benedetto!... Oh, o trabalho, o trabalho, é a minha paixão, a minha alegria, a minha raiva, só ele é capaz de vencer todas as minhas dores!
E apertou convulsivamente a mão de Avrigny.
— Precisa de mim? — perguntou o médico.
— Não — respondeu Villefort — Volte apenas às onze horas, peço-lhe; é ao meio-dia que se realiza... o funeral... meu Deus! Minha pobre filha, minha pobre filha!
E o Procurador Régio, voltando a ser homem, ergueu os olhos ao céu e suspirou.
— Estará portanto no salão de recepção?
— Não, tenho um primo que se encarregará dessa triste honra. Eu trabalharei doutor, quando trabalho tudo desaparece.
De fato, ainda o médico não chegara à porta e já o Procurador Régio se entregara ao trabalho.
Avrigny encontrou na escadaria o tal parente de que lhe falara Villefort, personagem tão insignificante nesta história como na família, um desses seres destinados desde o nascimento a desempenharem papéis insignificantes na vida.
Era pontual, vestia de preto, trazia um fumo no braço e comparecia em casa do primo com um rosto estudada, que esperava conservar enquanto fosse preciso e deixar em seguida.
Às onze horas as carruagens fúnebres rodaram no empedrado do pátio e a Rua do Arrabalde Saint-Honoré encheu-se dos murmúrios da multidão, igualmente vida das alegrias e do luto dos ricos, e que corre para um funeral pomposo com a mesma pressa que para o casamento de uma duquesa.
Pouco a pouco o salão mortuário encheu-se e viu-se chegar primeiro uma parte dos nossos antigos conhecidos — isto é, Debray, Château-Renaud e Beauchamp — e depois todas as notabilidades da magistratura, das letras e do Exército, pois o Sr. de Villefort ocupava, menos pela sua posição social do que pelo seu mérito pessoal, um dos primeiros lugares da sociedade parisiense.
O primo conservava-se à porta e mandava entrar todas as pessoas. Para os indiferentes era um grande alívio, deve-se dizê-lo, ver ali uma figura desconhecida, que não exigia aos presentes uma fisionomia mentirosa ou lágrimas fingidas, como fariam um pai, um irmão ou um noivo. Aqueles que se conheciam chamavam-se com o olhar e reuniam-se em grupos.
Um desses grupos era constituído por Debray, Château-Renaud e Beauchamp.
— Pobre pequena! — exclamou Debray, pagando, como todos afinal o pagavam a seu pesar, tributo ao doloroso acontecimento — Pobre pequena, tão rica, tão bela!... Lhe passaria pela cabeça, Château-Renaud, quando nos vimos pela última vez, há quanto tempo?... Três semanas ou um mês, no máximo na assinatura daquele contrato que acabou por não ser assinado, que uma coisa assim pudesse acontecer?
— Palavra que não — respondeu Château-Renaud.
— Conhecia-a?
— Falei uma ou duas vezes com ela no baile da Sra. de Morcerf. Pareceu-me encantadora, embora dotada de um espírito um pouco melancólico. Onde está a madrasta? Sabe que é feito dela?
— Foi passar o dia com a mulher do digno cavalheiro que nos recebe.
— Quem é?
— Quem é quem?
— O cavalheiro que nos recebe. Um deputado?
— Não — respondeu Beauchamp — Estou condenado a ver os nossos respeitáveis representantes todos os dias e a seu rosto me é desconhecido.
— Referiu esta morte no seu jornal?
— O artigo não é meu, mas falaram-me dele. Duvido até que seja agradável ao Sr. de Villefort. Creio que diz que se se tivessem verificado quatro mortes sucessivas em outro lugar em vez da casa do Sr. Procurador Régio, o Sr. Procurador Régio ficaria decerto mais impressionado.
— No entanto, o Dr. de Avrigny, que é o médico da minha mãe, diz que está muito acabrunhado — declarou Château-Renaud.
— Que procura, Debray?
— Procuro o Sr. Conde de Monte Cristo — respondeu o jovem.
— Encontrei-o no bulevar ao dirigir-me para aqui. Ia a casa do seu banqueiro; parece que está de abalada — informou Beauchamp.
— A casa do seu banqueiro?... Mas o seu banqueiro não é o Danglars? — perguntou Château-Renaud a Debray.
— Creio que sim — respondeu o secretário particular com uma leve perturbação — Mas o Sr. de Monte Cristo não é o único que falta. Também não veio o Morrel.
— O Morrel conhecia-os? — perguntou Château-Renaud.
— Creio que fora apresentado apenas à Sra. de Villefort.
— Não interessa, devia ter vindo — disse Debray — De que falará esta noite? Este funeral é a notícia do dia... mas calem-se que vem aí o Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos, que vai se julgar obrigado a fazer o seu pequeno discurso ao primo lacrimoso.
E os três rapazes aproximaram-se da porta para ouvir o pequeno discurso do Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos. Beauchamp dissera a verdade: quando se dirigia para casa de Villefort encontrara Monte Cristo, que, pela sua parte, se dirigia para o palácio de Danglars, na Rua da Chaussée-d'Antin.
O banqueiro vira da sua janela a carruagem do Conde entrar no pátio e viera ao seu encontro com uma expressão triste, mas afável.
— Então, Conde — disse, estendendo a mão a Monte Cristo — Vem apresentar-me as suas condolências? Na verdade, a infelicidade persegue a minha casa, e de tal modo que quando o vi chegar perguntava a mim mesmo se não desejara a desgraça dos pobres Morcerf, o que justificaria o provérbio: “Quem mal quer, mal lhe acontece”. Pois dou-lhe a minha palavra de honra de que não desejei mal ao Morcerf. Era talvez um bocado orgulhoso para um homem que viera do nada como eu e que como eu devia tudo a si mesmo, mas cada um tem os seus defeitos. Acautele-se, Conde! Olhe que as pessoas da nossa geração!... Mas, desculpe, o senhor não é da nossa geração, é ainda um rapaz... as pessoas da nossa geração não são felizes este ano. Prova-o o nosso puritano Procurador Régio, prova-o Villefort, que acaba de perder também a filha. Portanto, recapitulando: Villefort, como dizíamos, perde toda a família de uma forma estranha; Morcerf, desonrado, suicida-se; eu sou coberto de ridículo por esse celerado do Benedetto, e ainda por cima...
— Ainda por cima, o quê? — perguntou Monte Cristo.
— Então ainda não sabe?
— A que nova desgraça se refere?
— A minha filha...
— Mademoiselle Danglars?
— Eugénie deixou-nos.
— Oh, meu Deus, que diz o senhor?!
— A verdade, meu caro Conde. Meu Deus, como o senhor é feliz por não ter mulher nem filhos!
— Acha?
— Ah, meu Deus!
— E diz que Mademoiselle Danglars...
— Não pôde suportar a afronta que nos fez esse miserável e pediu-me licença para ir viajar.
— E partiu?
— A noite passada.
— Com a Sra. Danglars?
— Não, com uma parenta... mas nem por isso a perdemos menos, a querida Eugénie, pois duvido que, com o caráter que lhe conheço, consinta alguma vez em regressar a França!
— Enfim, meu caro barão — disse Monte Cristo — Desgostos de família, desgostos que seriam pungentes para um pobre diabo cuja filha fosse toda a sua fortuna, mas suportáveis para um milionário. Por mais que os filósofos preguem o contrário, os homens práticos os desmentirão sempre a tal respeito: o dinheiro consola de muitas coisas. E o senhor se consolará mais depressa do que qualquer outro, se admitir a virtude desse bálsamo soberano, porque o senhor é o rei das finanças, o ponto de intersecção de todos os poderes!
Danglars olhou de soslaio para o Conde, a fim de ver se zombava ou falava a sério.
— Sim, se de fato a fortuna consola, eu devo estar consolado: sou rico...
— Tão rico, meu caro barão, que a sua fortuna se assemelha às Pirâmides: quisessem demoli-las, e não ousariam; ousassem, e não o conseguiriam...
Danglars sorriu da confiante bonomia do Conde.
— Isso recorda-me — disse — Que quando o senhor entrou estava passando cinco ordenzinhas. Já tinha assinado duas; me dá licença que passe as outras três?
— Com certeza, meu caro barão, com certeza.
Seguiu-se um instante de silêncio durante o qual se ouviu ranger a pena do banqueiro, enquanto Monte Cristo observava as molduras douradas do teto.
— Ordens sobre Espanha, sobre o Haiti ou sobre Nápoles? — perguntou Monte Cristo.
— Não. — respondeu Danglars, rindo presunçosamente — Ordens ao portador, sobre o Banco de França. Veja, Sr. Conde — acrescentou — O senhor, que é o imperador das finanças, tal como eu sou o rei, já viu muitos pedaços de papel deste tamanho valerem cada um deles um milhão?
Monte Cristo tomou na mão, como que para os pesar, os cinco pedaços de papel que Danglars lhe estendia orgulhosamente e leu:

Praza ao Sr. Governador do Banco mandar pagar à minha ordem e sobre os fundos depositados por mim a quantia de um milhão, valor em conta.
Barão Danglars.

— Um, dois, três, quatro, cinco — contou Monte Cristo — Cinco milhões! Apre, que desembaraço, Sr. Creso!
— Aqui tem como trato dos negócios — declarou Danglars.
— É maravilhoso, sobretudo se, como, não duvido, essa importância for paga em numerário.
— Será — disse Danglars.
— É bom ter semelhante crédito. Na verdade, só na França se vêem coisas assim: cinco pedaços de papel valem cinco milhões. Apetece ver para crer.
— Duvida?
— Não.
— Diz isso num tom... olhe, tenha esse prazer: leve o meu tesoureiro ao banco e o verá sair com ordens sobre o Tesouro da mesma importância.
— Não — disse Monte Cristo, dobrando as cinco ordens — Assim não, o caso é deveras curioso e farei eu próprio a experiência. O meu crédito sobre o senhor era de seis milhões; levantei novecentos mil francos, deve-me cinco milhões e cem mil francos. Fico com os seus cinco pedaços de papel, que para considerar válidos me basta estarem assinados por si, e aqui tem um recibo total de seis milhões, que regulariza a nossa conta. Passei-o antecipadamente porque devo confessar-lhe que tenho muita necessidade de dinheiro hoje.
E com uma das mãos Monte Cristo meteu as cinco ordens na algibeira, enquanto com a outra estendia o recibo ao banqueiro. Um raio que tivesse caído aos pés de Danglars não o teria aterrado mais.
— O quê... o quê? — balbuciou — O Sr. Conde leva esse dinheiro? Mas, perdão, perdão, é dinheiro que devo aos Hospícios, um depósito, e prometi pagá-lo esta manhã...
— Bom, isso é diferente — disse Monte Cristo — Não considero obrigatório receber precisamente nestas cinco ordens; pague-me em outros valores. Peguei estes apenas por curiosidade, a fim de poder dizer a todas as pessoas que, sem qualquer aviso, sem me pedir cinco minutos de espera, a Casa Danglars pagara-me cinco milhões em numerário! Seria notável! Mas aqui tem os seus valores: repito-lhe, dê-me outros.
E estendia os cinco documentos a Danglars, que, lívido, estendeu primeiro a mão para os varões do cubículo do cofre, tal como um abutre estende as garras para defender a carne que lhe querem tirar. De súbito reconsiderou, fez um esforço violento e conteve-se. Depois sorriu, suavizaram-se pouco a pouco os traços do rosto transtornado.
— De fato, o seu recibo é de dinheiro — observou.
— Evidentemente, meu Deus! E se o senhor estivesse em Roma, a Casa Thomson & French, perante um recibo meu, não poria mais dificuldade em pagar-lhe do que o senhor mesmo pôs.
— Perdão, Sr. Conde, perdão.
— Posso, portanto guardar este dinheiro?
— Pode — respondeu Danglars, limpando o suor que lhe perlava a raiz dos cabelos — Guarde-o.
Monte Cristo meteu as cinco ordens de pagamento na algibeira com essa intraduzível expressão fisionômica que quer dizer:
“Demônio, veja lá, se se arrependeu, ainda está a tempo!...”
— Não, não — disse Danglars — Decididamente, guarde as minhas assinaturas. Mas, como sabe, ninguém é mais formalista do que um financeiro. Destinava esse dinheiro aos hospícios e julgaria roubá-los se lhes não desse precisamente esse, como se um escudo não valesse outro. Desculpe!
E desatou a rir ruidosamente, mas de nervoso.
— Desculpo e embolso — respondeu graciosamente Monte Cristo.
E guardou as ordens na carteira.
— Mas não há mais uma verba de cem mil francos? — observou Danglars.
— Uma bagatela! — perguntou Monte Cristo — O ágio deve ascender mais ou menos a essa importância. Guarde-a e ficaremos quites.
— Conde, o senhor fala sério? — perguntou Danglars.
— Nunca brinco com os banqueiros — replicou Monte Cristo com uma seriedade que raiava a impertinência.
E encaminhou-se para a porta precisamente no momento em que o criado anunciava:
— O Sr. de Boville, Recebedor-Geral dos Hospícios.
— Demônio, parece que cheguei a tempo de beneficiar das suas assinaturas! — exclamou Monte Cristo — Disputam-lhas.
Danglars empalideceu segunda vez e apressou-se a despedir-se do Conde.
Monte Cristo trocou um cumprimento cerimonioso com o Sr. de Boville, que se encontrava de pé na sala de espera e que, depois dele sair, foi imediatamente introduzido no gabinete do Sr. Danglars. No rosto grave do Conde brilhou um sorriso efêmero perante o aspecto da pasta que o Sr. Recebedor dos Hospícios trazia na mão. Encontrou à porta a sua carruagem e fez-se conduzir imediatamente ao banco.
Entretanto, Danglars dominava o seu nervosismo e vinha ao encontro do Recebedor-Geral. Desnecessário dizer que o sorriso e a cortesia lhe estavam estereotipados nos lábios.
— Bom dia, meu caro credor, pois apostaria que é ao credor que devo esta visita.
— Adivinhou, Sr. Barão — respondeu o Sr. de Boville — Os Hospícios apresentam-lhe na minha pessoa. As viúvas e os órfãos vêm pelas minhas mãos pedir-lhe uma esmola de cinco milhões.
— E ainda dizem que os órfãos são dignos de lástima! — exclamou Danglars, prolongando o gracejo — Pobres crianças!
— Pois aqui estou em seu nome — insistiu o Sr. de Boville — Decerto recebeu a minha carta de ontem?
— Recebi.
— Aqui está o meu recibo.
— Meu caro Sr. de Boville — disse Danglars — As suas viúvas e os seus órfãos terão, se o senhor concordar, a bondade de esperar vinte e quatro horas, pois o Sr. de Monte Cristo, que viu sair daqui... viu-o, não é verdade?
— Vi, e depois?
— Depois... o Sr. de Monte Cristo levou-me os seus cinco milhões!
— Como assim?...
— O Conde tinha um crédito ilimitado sobre mim, crédito aberto pela Casa Thomson & French, de Roma, e veio pedir-me cinco milhões de uma assentada. Dei-lhe uma ordem de pagamento sobre o Banco de França, onde estão depositados os meus fundos, e como o senhor deve compreender, receio que, retirando das mãos do Sr. Governador dez milhões no mesmo dia, isso lhe pareça muito estranho. Em dois dias — acrescentou Danglars, sorrindo — O caso é diferente.
— Homessa! — exclamou o Sr. de Boville no tom da mais completa incredulidade — O senhor entregou cinco milhões a esse cavalheiro que saiu há bocadinho e que ao sair me cumprimentou como se o conhecesse?...
— Talvez ele o conheça sem que o senhor o conheça. O Sr. de Monte Cristo conhece todo mundo.
— Cinco milhões!
— Aqui está o seu recibo. Faça como São Tomé: veja e apalpe.
O Sr. de Boville pegou no papel que Danglars lhe apresentava e leu:

Recebi do Sr. Barão a quantia de cinco milhões e cem mil francos que lhe serão reembolsados quando quiser pela Casa Thomson & French de Roma.
Conde de Monte Cristo.

— É verdade! — exclamou o Recebedor-Geral.
— Conhece a Casa Thomson & French?
— Conheço — respondeu o Sr. de Boville — Fiz uma vez um negócio de duzentos mil francos com ela, mas depois disso nunca mais ouvi falar a seu respeito.
— É uma das melhores casas da Europa — declarou Danglars, atirando negligente para cima da mesa o recibo que acabava de recuperar das mãos do Sr. de Boville.
— E ele tinha assim, sem mais nem menos, um crédito de cinco milhões sobre o senhor? Caramba, deve ser algum nababo, esse Conde de Monte Cristo!
— O que é, não sei; mas tinha três créditos ilimitados: um sobre mim, um sobre Rothschild e um sobre Laffitte. E como vê — acrescentou negligentemente Danglars — Deu-me a preferência, deixando-me cem mil francos para o ágio.
O Sr. de Boville deu todos os indícios da maior admiração.
— Tenho de ir visitá-lo e de obter qualquer legado pio para nós — declarou — Oh, é como se já o tivesse! Só as suas esmolas ascendem a mais de vinte mil francos por mês.
— Excelente! Aliás, lhe citarei o exemplo da Sra. de Morcerf e do filho.
— Que exemplo?
— Doaram toda a sua fortuna aos Hospícios.
— Que fortuna?
— A sua fortuna, a do general de Morcerf; do defunto.
— E a que propósito?
— A propósito de não quererem bens tão miseravelmente adquiridos.
— De que vivem então?
— A mãe retirou-se para a província e o filho alistou-se.
— Ora vejam, que escrúpulos! — exclamou Danglars.
— Mandei registrar ontem a escritura de doação.
— Quanto possuíam?
— Oh, pouca coisa! Entre um milhão e duzentos mil e um milhão e trezentos mil francos. Mas voltemos aos nossos milhões...
— Pois sim — respondeu Danglars com a maior naturalidade deste mundo — Tem, portanto urgência desse dinheiro?
— Claro que tenho; a verificação das nossas caixas é feita amanhã.
— Amanhã? Porque não disse logo isso? Mas é um século, amanhã! A que horas é a verificação?
— Às duas horas.
— Mande buscar o dinheiro ao meio-dia — sugeriu Danglars, com um sorriso.
O Sr. de Boville não dizia sim, nem não; acenava afirmativamente com a cabeça e agitava a pasta.
— Oh, tenho uma idéia! — exclamou Danglars — Faça melhor...
— Que quer que eu faça?
— O recibo do Sr. de Monte Cristo vale dinheiro; apresente-o a Rothschild ou a Laffitte; e o aceitarão imediatamente.
— Apesar de ser reembolsável em Roma?
— Claro. Isso lhe custará apenas um desconto de cinco a seis mil francos.
O recebedor recuou de um salto.
— Oh, assim não! Prefiro esperar para amanhã. O senhor tem cada sugestão!
— Por um momento julguei... desculpe — disse Danglars com a maior impudência — Julguei que tivesse um déficitzinho a cobrir...
— Oh! — exclamou o recebedor.
— Já tem acontecido, e nesse caso faz-se um sacrifício...
— Valha-me Deus, não! — perguntou o Sr. de Boville.
— Então, amanhã, não é verdade, meu caro Recebedor?
— Sim, amanhã. Mas sem falta.
— Ora essa! Está brincando comigo? Mande buscar o dinheiro ao meio-dia e o banco estará prevenido.
— Virei eu próprio.
— Melhor ainda, pois isso me proporcionará o prazer de vê-lo.
Apertaram a mão.
— A propósito — disse o Sr. de Boville — Não vai ao funeral da pobre Mademoiselle de Villefort, que encontrei no bulevar?
— Não — respondeu o banqueiro — Sinto-me ainda um pouco ridículo depois do caso de Benedetto e não quero dar nas vistas.
— Ora, ora, deixe-se disso! Que culpa tem o senhor do que aconteceu?
— Ouça, meu caro Recebedor: quando se tem um nome sem mácula como o meu, se é susceptível.
— Todas as pessoas o lamentam, garanto-lhe, e sobretudo todas as pessoas lamentam a menina sua filha.
— Pobre Eugénie! — exclamou Danglars com um profundo suspiro — Sabe que resolveu professar?
— Não...
— Pois infelizmente é verdade. No dia seguinte ao que aconteceu, decidiu partir com uma religiosa sua amiga. Foi procurar um convento bastante severo na Itália ou na Espanha.
— Oh, isso é terrível!
E o Sr. de Boville retirou-se depois desta exclamação, apresentando ao pai mil cumprimentos de condolências. Mas ainda mal tinha transposto a porta quando Danglars exclamou, com um gesto enérgico que só compreenderão aqueles que viram representar Roberto Macário por Fréderick.
E fechando o recibo de Monte Cristo numa carteirinha, acrescentou:
— Venha ao meio-dia, que ao meio-dia já estarei longe...
Em seguida fechou-se à chave, despejou todas as gavetas do cofre, reuniu uns cinqüenta mil francos em notas, queimou diversos papéis, pôs outros em evidência e escreveu uma carta, que lacrou e endereçou:“À Sra. Baronesa Danglars”.
— Esta noite a colocarei pessoalmente no seu toucador — murmurou.
Depois tirou um passaporte de uma gaveta e disse:
— Bom, ainda é válido por dois meses...



continua...





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Lei de ComimAs pessoas aceitarão sua idéia muito mais facilmente se você disser a elas que quem a criou foi Albert Einstein.
Lei de MurphyO companheirismo é essencial à sobrevivência. Ele dá ao inimigo outra pessoa em quem atirar.

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