— CAPÍTULO VINTE E SEIS —
Visto e Imprevisto
LUNA DISSE VAGAMENTE QUE
NÃO SABIA quando a entrevista de Harry com Rita apareceria no Pasquim, pois seu
pai estava esperando um longo e interessante artigo sobre as recentes aparições
de Bufadores de Chifre Enrugado, e, naturalmente, seria uma história muito
importante, então a entrevista de Harry talvez tivesse de aguardar o próximo
número.
Harry
não achou uma experiência fácil falar sobre a noite em que Voldemort retornara.
Rita extraiu dele cada mínimo detalhe e ele lhe passou tudo que lembrava,
sabendo que era uma grande oportunidade de contar a verdade para o mundo.
Perguntava-se como as pessoas reagiriam. Imaginou que a história confirmaria
para muita gente a visão de que ele era completamente doido, especialmente
porque apareceria ao lado de uma absoluta tolice sobre Bufadores de Chifre
Enrugado. Mas a fuga de Belatriz Lestrange e seus companheiros Comensais da
Morte havia dado a Harry um desejo ardente de fazer alguma coisa, produzisse ou
não resultados...
— Mal
posso esperar para ver o que a Umbridge pensa de você falar publicamente —
comentou Dino, parecendo assombrado no jantar de segunda-feira à noite.
Simas
despejava goela abaixo grandes garfadas de torta de frango com presunto,
sentado do outro lado de Dino, mas Harry sabia que ele estava escutando.
— É o
certo, Harry — disse Neville, sentado defronte. Estava muito pálido, mas
continuou em voz baixa — Deve ter sido... dureza... falar disso... não foi?
— Foi
— balbuciou Harry — Mas as pessoas precisam saber do que Voldemort é capaz,
não?
— Com
certeza — disse Neville concordando com a cabeça — E os Comensais da Morte
também... as pessoas precisam saber...
Neville
deixou a frase no ar e voltou a atenção para sua batata assada. Simas ergueu a
cabeça, mas quando seu olhar encontrou o de Harry ele tornou a baixá-lo
depressa para o prato. Transcorrido algum tempo, Dino, Simas e Neville saíram
para a Sala Comunal, deixando Harry e Hermione à mesa esperando por Rony, que
ainda não viera jantar por causa do treino de quadribol.
Cho
Chang entrou no salão com a amiga Marieta. O estômago de Harry deu uma sacudida
desagradável, mas a garota não olhou para a mesa da Grifinória, e se sentou de
costas para ele.
— Ah,
me esqueci de perguntar — disse Hermione animada, dando uma olhada rápida na
mesa da Corvinal — Que aconteceu no seu encontro com Cho? Por que você voltou
tão cedo?
—
Aah... bom, foi... — começou Harry puxando um prato de doce de ruibarbo para
perto e se servindo mais uma vez — Um completo fiasco, já que você está
perguntando.
E
contou a ela o que acontecera na casa de chá de Madame Puddifoot.
—...
então — concluiu alguns minutos depois, quando o último bocadinho de doce
desapareceu — Ela se levanta de repente, certo, e diz: A gente se vê por aí,
Harry, e sai correndo da loja! — ele descansou a colher e olhou para Hermione —
Quero dizer, por que foi tudo isso? Que é que aconteceu?
Hermione
olhou para a nuca de Cho e suspirou.
— Ah,
Harry — disse tristonha — Bom, sinto muito, mas você não teve muito tato.
— Eu
não tive tato? — exclamou Harry indignado — Em um momento estávamos nos dando
bem, e no momento seguinte ela estava me dizendo que Rogério Davies a convidou
para sair e como costumava ir à droga daquela casa de chá para ficar beijando o
Cedrico: como é que você acha que eu devia reagir?
—
Bom, sabe — disse Hermione com o ar paciente de alguém que explica a uma
criança temperamental que um mais um é igual a dois — Você não devia ter dito a
ela que queria se encontrar comigo no meio do namoro.
—
Mas, mas — tartamudeou Harry —... Você me pediu para encontrá-la ao meio-dia e
até levar Cho junto, como é que eu ia fazer isso sem dizer a ela?
—
Você devia ter dito de maneira diferente — explicou Hermione, ainda com aquele
exasperante ar de paciência — Devia ter dito que era uma chatice, mas que eu
tinha feito você prometer ir ao Três Vassouras, e que você na verdade não
queria ir, que preferia passar o dia inteiro com ela, mas infelizmente achava
que era importante se encontrar comigo e se ela, por favor, por um grande
favor, pudesse ir com você e, assim, quem sabe, daria para você sair mais
depressa. E também teria sido uma boa idéia mencionar que você me acha feia —
acrescentou Hermione refletindo.
— Mas
eu não acho você feia — exclamou Harry confuso.
Hermione
deu uma risada.
—
Harry, você é pior do que o Rony... bom, não, não é não — suspirou, na hora em
que Rony entrava no salão sujo de lama e parecendo mal-humorado — Você
aborreceu a Cho quando disse que ia se encontrar comigo, então ela tentou fazer
ciúmes. Foi uma maneira de tentar descobrir se você gostava dela.
— Era
isso que ela estava fazendo? — admirou-se Harry, enquanto Rony se sentava no
banco defronte, e puxava para perto todos os pratos que conseguiu alcançar —
Bom, não teria sido mais fácil se me perguntasse se eu gostava mais dela ou de
você?
— As
garotas muitas vezes não fazem perguntas desse tipo.
—
Pois deviam! — disse Harry com veemência — Então eu podia ter simplesmente
respondido que gosto mais dela, e ela não precisaria ficar outra vez nervosa
com a morte do Cedrico!
— Eu
não estou dizendo que Cho foi sensata — disse Hermione quando Gina se reuniu a
eles, tão enlameada quanto Rony e igualmente chateada — Estou só tentando
mostrar como ela estava se sentindo naquele momento.
—
Você devia escrever um livro — sugeriu Rony a Hermione enquanto cortava as
batatas em seu prato — Traduzindo as maluquices que as garotas fazem para os
garotos poderem entendê-las.
— É —
apoiou Harry com sinceridade e fervor, olhando para a mesa da Corvinal, onde
Cho se levantara, e, ainda sem olhar para ele, saiu do salão.
Sentindo-se
meio deprimido, voltou-se para Rony e Gina:
—
Então, como foi o treino de quadribol?
— Um
pesadelo — respondeu Rony mal-humorado.
— Ah,
qual é? — disse Hermione, olhando para Gina — Tenho certeza de que não foi
tão...
—
Foi, sim — confirmou Gina — Foi um espanto. Angelina quase se desmanchou em
lágrimas mais para o final.
Rony
e Gina saíram para tomar banho depois do jantar, Harry e Hermione voltaram para
a movimentada Sala Comunal da Grifinória e a montanha habitual de deveres de
casa.
Harry
estava havia meia hora às voltas com uma nova carta estelar para Astronomia
quando Fred e Jorge apareceram.
—
Rony e Gina não estão aqui? — perguntou Fred, correndo os olhos pela sala ao
mesmo tempo que puxava uma cadeira, e quando Harry sacudiu negativamente a
cabeça, falou — Que bom. Estivemos assistindo ao treino deles. Vão ser
massacrados. A equipe ficou um lixo sem a gente.
— Ah,
peraí, Gina não é ruim — disse Jorge querendo ser justo, sentando-se ao lado do
irmão — Aliás, nem sei como conseguiu ser tão boa, já que a gente nunca a
deixou jogar conosco.
— Ela
arrombava o barraco em que vocês guardam vassouras no jardim desde os seis anos
de idade e tirava ora uma vassoura ora outra quando vocês não estavam por perto
— disse Hermione de trás de sua pilha instável de livros de Runas Antigas.
— Ah
— exclamou Jorge levemente impressionado. — Bom: isso explica.
—
Rony já defendeu algum gol? — perguntou Hermione, espiando por cima de
Hieróglifos e Logogramas Mágicos.
—
Bom, ele é capaz de defender quando acha que não tem ninguém observando — disse
Fred olhando para o teto — Então no Sábado só o que a gente precisa fazer é
pedir aos espectadores para virarem as costas e baterem um papo todas as vezes
que a goles for arremessada para o lado dele.
Ele
tornou a se levantar inquieto e foi até a janela espiar os terrenos escuros da
escola.
—
Sabe, o quadribol era quase a única coisa que fazia este lugar valer a pena.
Hermione
lançou-lhe um olhar sério.
—
Seus exames estão chegando.
— Já
lhe disse antes, não estamos preocupados com os N.I.E.M.s — retorquiu Fred — Os
Kits Mata-Aula estão prontos para o lançamento, descobrimos como nos livrar
daqueles furúnculos, basta umas gotas de essência de murtisco para resolver o
problema. Foi Lino quem nos sugeriu.
Jorge
deu um grande bocejo e olhou desconsolado para o céu nublado da noite.
— Nem
sei se quero assistir a esse jogo. Se Zacarias Smith nos derrotar, terei de me
matar.
— Ou,
mais provavelmente, matar ele — disse Fred com firmeza.
—
Esse é o problema do quadribol — disse Hermione distraidamente, mais uma vez
debruçada sobre sua tradução das Runas — Cria essa animosidade e tensão entre
as Casas.
Ela
ergueu a cabeça para procurar o exemplar do Silabário de Spellman e surpreendeu
Fred, Jorge e Harry, os três olhando-a com expressões nos rostos em que se
mesclavam a aversão e a incredulidade.
— E é
mesmo! — exclamou ela com impaciência — É só um jogo ou não é?
—
Hermione — disse Harry, sacudindo a cabeça — Você é boa em sentimentos e outras
coisas, mas simplesmente não entende de quadribol.
—
Talvez não — disse ela ameaçadora, voltando à tradução — Mas pelo menos a minha
felicidade não depende da habilidade de Rony defender gols.
E
embora Harry preferisse ter de se atirar da Torre de Astronomia a admitir isso
para a amiga, depois de assistir ao jogo no Sábado seguinte ele teria dado os
galeões que lhe pedissem para não gostar de quadribol.
A
melhor coisa que se poderia dizer sobre a partida é que foi curta, os
espectadores da Grifinória só precisaram suportar vinte e dois minutos de
agonia. Era difícil dizer o que foi pior: Harry achou o páreo duro entre o
décimo quarto frango de Rony, Sloper acertar a boca de Angelina em vez do
balaço e Kirke gritar e cair para trás, quando Zacarias Smith passou veloz por
ele carregando a goles. O milagre foi que a Grifinória só perdeu por dez
pontos: Gina conseguiu capturar o pomo bem embaixo do nariz do apanhador da
Lufa-Lufa, Summerby, de modo que o placar final foi duzentos e quarenta a duzentos
e trinta.
— Boa
captura — disse Harry a Gina já na Sala Comunal, onde a atmosfera lembrava a de
um enterro particularmente desanimado.
—
Tive sorte — disse encolhendo os ombros — Não era um pomo muito veloz e
Summerby está gripado, espirrou e fechou os olhos exatamente na hora errada. Em
todo o caso, quando você tiver voltado à equipe...
—
Gina, fui proibido de jogar para sempre.
—
Você foi proibido enquanto Umbridge estiver na escola — corrigiu a garota — Faz
diferença. De qualquer maneira, quando você tiver voltado, acho que vou me
candidatar a artilheira. Angelina e Alicia vão sair no ano que vem, e eu
prefiro marcar gols a apanhar o Pomo.
Harry
olhou para Rony, que estava encolhido a um canto, contemplando os próprios
joelhos, uma garrafa de cerveja amanteigada na mão.
—
Angelina continua a não querer que ele se demita — disse Gina, como se lesse os
pensamentos de Harry — Diz que sabe que ele tem jeito para a coisa.
Harry
gostava de Angelina pela fé que demonstrava ter em Rony, mas, ao mesmo tempo,
achava que seria realmente mais caridoso permitir que ele saísse da equipe.
Rony deixara o campo sob outro coro atroador de “Weasley é nosso rei”, cantado
com o maior gosto pelos alunos da Sonserina, Casa que agora era a favorita para
a Copa de Quadribol.
Fred
e Jorge se aproximaram.
— Não
tenho nem coragem de curtir com a cara dele — disse Fred, olhando para o irmão
encolhido — Veja bem... quando ele perdeu o décimo quarto...
E fez
gestos desencontrados como se fosse um cachorrinho nadando.
—...
bom, vou guardar para as festinhas, eh?
Rony
arrastou-se para a cama depois disso. Por respeito aos seus sentimentos, Harry
aguardou um pouco antes de subir para o dormitório, para que o amigo pudesse
fingir que estava dormindo, se quisesse. Dito e feito, quando finalmente entrou
no quarto Rony estava roncando um pouquinho alto demais para ser inteiramente
plausível.
Harry
se deitou pensando no jogo. Fora imensamente frustrante assistir a ele da
lateral do campo. Estava muito impressionado com o desempenho de Gina, mas sabia
que se estivesse jogando teria capturado o pomo antes... tinha havido um
momento em que a bolinha esvoaçara perto do tornozelo de Kirke, se Gina não
tivesse hesitado, poderia ter conquistado a vitória para a Grifinória. Umbridge
assistia sentada alguns níveis abaixo de Harry e Hermione. Uma ou duas vezes
virara-se para espiá-lo, sua boca larga de sapo distendida no que ele imaginara
ser um sorriso de triunfo. Só de lembrar, sentia-se quente de raiva deitado ali
no escuro. Depois de alguns minutos, porém, lembrou-se de que devia esvaziar a
mente de toda emoção antes de dormir, conforme Snape não parava de recomendar
ao fim de cada aula de Oclumência.
Harry
tentou por uns momentos, mas pensar em Snape, depois de se lembrar da Umbridge,
meramente aumentava sua sensação de surdo rancor, e, em vez disso, viu-se
focalizando o quanto detestava os dois. Aos poucos, os roncos de Rony foram se
perdendo na distância e sendo substituídos pelo som de uma respiração lenta e
profunda. Harry levou muito mais tempo para adormecer, sentia o corpo cansado,
mas seu cérebro demorou a se fechar.
Sonhou
que Neville e a Profª. Sprout estavam valsando na Sala Precisa ao som de uma
gaita de foles que a Profª. McGonagall tocava. Ele os observou por uns
momentos, então resolveu ir procurar os outros membros da AD. Mas, quando saiu
da sala deparou, não com a tapeçaria de Barnabás, o Amalucado, mas com um
archote ardendo em seu suporte na parede de pedra. Ele virou a cabeça
lentamente para a esquerda. Lá, na extremidade do corredor sem janelas, havia
uma porta comum preta.
Caminhou
em sua direção com uma crescente excitação. Teve a estranha sensação de que
desta vez ia finalmente ter sorte e descobri o jeito de abri-la... já bem
próximo, viu, com um súbito aumento nessa excitação, que havia uma réstia de
claridade azul para o lado direito... a porta estava entreaberta... ele esticou
a mão para abri-la e...
Rony
soltou um ronco autêntico, forte e rascante, e Harry acordou de repente com a
mão direita estendida à sua frente no escuro, querendo abrir uma porta a
centenas de quilômetros de distância. Ele a deixou cair sentindo ao mesmo tempo
desapontamento e culpa.
Sabia
que não deveria ter visto a porta, mas ao mesmo tempo se sentia tão devorado
pela curiosidade de saber o que havia por trás dela que não pôde deixar de se
sentir aborrecido com Rony... se ele ao menos pudesse ter segurado aquele ronco
por mais um minuto.
Os
dois entraram no Salão Principal para tomar o café da manhã exatamente na hora
em que as corujas chegavam com o correio na Segunda-Feira.
Hermione
não era a única pessoa que esperava ansiosa pelo Profeta Diário: quase todos
ansiavam por ler mais notícias sobre os Comensais da Morte fugitivos, que,
apesar de avistados várias vezes, ainda não tinham sido recapturados. Ela pagou
à coruja o nuque da entrega e desdobrou o jornal depressa enquanto Harry se
servia de suco de laranja, como ele recebera apenas um bilhete o ano inteiro,
teve certeza, quando a primeira coruja pousou com um baque à sua frente, de que
era engano.
—
Quem é que você está procurando? — perguntou ele, puxando languidamente o seu
suco debaixo do bico da ave e se curvando para verificar o nome e o endereço do
destinatário: Harry Potter, Salão Principal, Escola de Hogwarts
Enrugando
a testa, ele fez menção de tirar a carta da coruja, mas, antes que o fizesse,
mais três, quatro, cinco corujas pousaram ao lado da primeira e procuraram uma
posição, pisando na manteiga, derrubando o saleiro, tentando entregar a carta
antes das outras.
— Que
é que está acontecendo? — indagou Rony espantado, quando a mesa da Grifinória
inteira se inclinou para olhar, e outras sete corujas pousaram entre as
primeiras, berrando, piando e batendo as asas.
—
Harry! — disse Hermione sem fôlego, enfiando as mãos naquele ajuntamento de
penas e retirando uma coruja-das-torres que trazia um embrulho comprido e
cilíndrico — Acho que sei o que significa isso: abra este aqui primeiro!
Harry
abriu o embrulho pardo. Dele rolou um exemplar compactamente dobrado da edição
de Março do Pasquim. Ele o desenrolou e viu o próprio rosto sorrindo acanhado
para ele na capa da revista. Enormes letras vermelhas atravessadas na foto
anunciavam:
HARRY POTTER ENFIM REVELA:
A VERDADE SOBRE
AQUELE-QUE-NÃO-DEVE-SER-NOMEADO
E A NOITE EM QUE VIU O SEU RETORNO
—
Parece bom, não? — comentou Luna, que vagara até a mesa da Grifinória e agora
se apertava no banco entre Fred e Rony — Saiu ontem, pedi ao papai para lhe
mandar um exemplar de cortesia. Imagino que tudo isso — ela acenou abarcando as
corujas que se empurravam sobre a mesa diante de Harry — Sejam cartas dos
leitores.
— Foi
o que pensei — disse Hermione ansiosa — Harry você se importa se a gente...?
—
Sirvam-se — respondeu ele, parecendo um pouco confuso.
Rony
e Hermione começaram a abrir os envelopes.
—
Esta é de um cara que acha que você pirou — disse Rony correndo os olhos pela
carta — Ah, bom...
—
Esta mulher aqui recomenda que você experimente uma série de Feitiços de Choque
no St. Mungus — disse Hermione, parecendo desapontada e amassando uma segunda.
— Mas
esta aqui parece ok — disse Harry lentamente, lendo uma longa carta de uma
bruxa em Paisley — Ei, ela diz que acredita em mim!
—
Este aqui está dividido — disse Fred, que se juntara com entusiasmo à tarefa de
abrir as cartas — Diz que você não passa a impressão de ser maluco, mas que ele
realmente não acredita que Você-Sabe-Quem tenha retornado, então, agora não
sabe o que pensar. Caracas, que desperdício de pergaminho.
— Tem
um aqui que você convenceu, Harry! — disse Hermione excitada — Tendo lido a sua
versão da história, sou forçado a concluir que o Profeta Diário tem sido
injusto com você... por menos que eu queira pensar que
Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado retornou, sou forçado a aceitar que você está
falando a verdade... Ah, é maravilhoso!
—
Outra acha que você está só ladrando — disse Rony atirando a carta que amassara
por cima do ombro —... Mas esta outra diz que você a converteu e ela agora acha
que você é um verdadeiro herói: e manda junto uma foto, uau!
— Que
é que está acontecendo aqui? — perguntou uma voz falsamente meiga e infantil.
Harry
ergueu a cabeça com as mãos cheias de envelopes.
A
Profª. Umbridge estava em pé atrás de Fred e Luna, seus olhos de sapo
esbugalhados esquadrinhando a confusão de corujas e cartas em cima da mesa
diante de Harry. As suas costas, ele viu muitos alunos observando-os com
avidez.
— Por
que recebeu todas essas cartas, Sr. Potter? — perguntou ela lentamente.
—
Isso agora é crime? — exclamou Fred em voz alta — Receber cartas?
—
Cuidado, Sr. Weasley, ou será que terei de lhe dar uma detenção? — disse
Umbridge. — Então, Sr. Potter?
Harry
hesitou, mas não via como poderia abafar o que fizera, agora era apenas uma
questão de tempo até um exemplar do Pasquim chegar à atenção de Umbridge.
— As
pessoas estão me escrevendo porque dei uma entrevista. Sobre o que me aconteceu
em Junho passado.
Por
alguma razão ele olhou para a mesa dos professores ao dizer isso. Harry tinha a
estranhíssima impressão de que Dumbledore estivera observando-o um segundo
antes, mas, quando se virou, o diretor parecia absorto em conversa com o Prof.
Flitwick.
— Uma
entrevista? — repetiu Umbridge, sua voz mais fina e aguda que nunca — Como
assim?
— Uma
repórter me fez perguntas e eu respondi — disse Harry — Aqui...
E
atirou à professora o exemplar do Pasquim. Ela o apanhou e arregalou os olhos
para a capa. Seu rosto, cor de massa de pão, ficou malhado de violeta.
—
Quando foi que você fez isso? — perguntou ela, sua voz ligeiramente trêmula.
— No
último fim de semana em Hogsmeade.
Ela o
encarou, incandescente de fúria, a revista tremendo em seus dedos curtos e
grossos.
— Não
haverá mais passeios a Hogsmeade para o senhor, Sr. Potter — sussurrou ela —
Como se atreveu... como pôde... — ela tomou fôlego — Tenho tentado
repetidamente ensinar você a não contar mentiras. A mensagem, pelo visto, ainda
não entrou em sua cabeça. Cinqüenta pontos a menos para a Grifinória e mais uma
semana de detenções.
Ela
se afastou, apertando o exemplar do Pasquim contra o peito, seguida pelos
olhares de muitos alunos.
No
meio da manhã, enormes avisos haviam sido afixados por toda a escola, não
apenas nos quadros das Casas, mas nos corredores e salas de aula também.
POR ORDEM DA
ALTA INQUISIDORA DE HOGWARTS
O estudante
que for encontrado de posse da revista O Pasquim será expulso. A ordem acima
está de acordo com o Decreto Educacional Número Vinte e Sete.
Assinado:
Dolores Joana
Umbridge,
Alta
Inquisidora
Por
alguma razão, toda às vezes que Hermione avistava um desses avisos seu rosto se
iluminava de prazer.
— Com
que é, exatamente, que você está tão satisfeita? — perguntou-lhe Harry.
— Ah,
Harry, você não está vendo? — sussurrou Hermione — Se ela quisesse fazer uma
única coisa para garantir que todo aluno da escola lesse a sua entrevista, era
exatamente proibir sua leitura!
E
parece que Hermione tinha toda a razão. Até o fim do dia, embora Harry não
tivesse visto nem um pedacinho do Pasquim em lugar algum da escola, todos
pareciam estar citando a entrevista uns para os outros.
Harry
os ouviu cochichando nas filas às portas das salas de aulas, discutindo-a no
almoço e no fundo das salas, e Hermione chegou a contar que as meninas que
estavam usando os boxes nos banheiros falavam nisso quando ela passou por lá
antes da aula de Runas Antigas.
—
Então elas me viram, e obviamente sabem que sei, então me bombardearam com
perguntas — contou Hermione a Harry, com os olhos brilhando — E Harry, acho que
elas acreditam em você, realmente, acho que enfim você as convenceu!
Entrementes,
a Profª. Umbridge rondava a escola, parando alunos a esmo e mandando-os mostrar
os livros e os bolsos. Harry sabia que a professora procurava exemplares do
Pasquim, mas os estudantes estavam muito à frente dela. As páginas que
continham a entrevista de Harry tinham sido reformatadas por meio de feitiços
para parecer cópias de livros-texto se mais alguém as lesse, ou apagadas por
magia até que seus donos quisessem tornar a lê-las. Logo pareceu que todo o
mundo na escola vira a entrevista.
Os
professores obviamente tinham sido proibidos de mencionar a entrevista pelo
Decreto Educacional Número Vinte e Seis, mas assim mesmo encontraram maneiras
de expressar suas opiniões.
A
Profª. Sprout concedeu à Grifinória vinte pontos quando Harry lhe passou o
regador de água, um sorridente Prof. Flitwick deu a Harry uma caixa de ratinhos
de açúcar que guinchavam, ao fim da aula de Feitiços, fazendo: “Psiu!”, e se
afastando depressa, e a Profª. Trelawney irrompeu em soluços nervosos durante a
aula de Adivinhação e anunciou à turma surpresa, e a uma Umbridge extremamente
desaprovadora, que Harry não ia morrer cedo, viveria até uma velhice madura,
seria Ministro da Magia e teria doze filhos.
Mas o
que deixou Harry mais feliz foi Cho alcançá-lo quando ia correndo para a aula
de Transfiguração no dia seguinte. Antes que ele entendesse o que estava
acontecendo, suas mãos se uniram e ela sussurrou em seu ouvido: “Lamento muito,
muito mesmo. Aquela entrevista foi tão corajosa... me fez chorar”. Ele ficou
triste ao saber que a entrevista a fizera derramar outras tantas lágrimas, mas
muito alegre por voltarem a se falar, e ainda mais satisfeito quando Cho lhe
deu um beijinho no rosto e se afastou correndo.
E, o
inacreditável, assim que chegou à porta da sala de Transfiguração, aconteceu
outra coisa igualmente boa. Simas saiu da fila para lhe falar.
— Eu
só queria dizer — murmurou, fixando com os olhos aperta dos o joelho esquerdo
de Harry — Que acredito em você. E mandei um exemplar da revista para minha
mãe.
E se
ainda fosse preciso mais alguma coisa para completar sua felicidade, vieram as
reações de Malfoy, Crabbe e Goyle.
Harry
os viu de cabeças juntas na Biblioteca mais para o fim da tarde, estavam em
companhia de um garoto franzino que Hermione murmurou se chamar Teodoro Nott.
Os quatro se viraram para olhar Harry, que procurava nas prateleiras um livro
sobre Sumiço Parcial: Goyle estalou as juntas dos dedos ameaçadoramente e
Malfoy cochichou alguma coisa sem dúvida ruim para Crabbe. Harry sabia muito
bem por que estavam agindo assim: ele citara os pais deles como Comensais da
Morte.
— E o
melhor — sussurrou Hermione alegremente quando saíram da Biblioteca — É que
eles não podem contradizer você, porque não podem admitir que leram o artigo!
E,
para coroar, Luna lhe disse ao jantar que nunca uma tiragem do Pasquim se
esgotara tão rápido.
—
Papai vai fazer uma segunda tiragem! — contou ela a Harry, com os olhos
arregalados de excitação — Ele nem consegue acreditar, diz que as pessoas
parecem ainda mais interessadas na entrevista do que nos Bufadores de Chifre
Enrugado!
Harry
foi herói na Sala Comunal da Grifinória àquela noite.
Atrevidos,
Fred e Jorge tinham lançado um Feitiço Ampliador na capa do Pasquim e a
penduraram na parede, para que a cabeça gigantesca de Harry contemplasse os
colegas do alto e ocasionalmente dissesse frases do tipo: O MINISTÉRIO É
RETARDADO e COMA BOSTA, UMBRIDGE em voz ressonante.
Hermione
não achou isso muito divertido; disse que interferia com sua concentração e
acabou indo se deitar cedo, irritada. Harry teve de admitir que o cartaz perdeu
a graça uma ou duas horas depois, principalmente quando o Feitiço da Fala
começou a se desgastar e se ouviam apenas palavras desconexas como “BOSTA” e
“UMBRIDGE”, a intervalos sempre mais freqüentes, em um tom progressivamente
mais alto. De fato, começou a lhe dar dor de cabeça, e sua cicatriz recomeçou a
formigar incomodamente. Para os gemidos de desapontamento dos muitos colegas
que estavam sentados ao seu redor, lhe pedindo que recontasse a entrevista pela
milésima vez, ele também anunciou que precisava dormir cedo.
O
dormitório estava vazio quando chegou lá. Por um momento ele descansou a testa
no vidro frio da janela ao lado de sua cama, o gesto pareceu aliviar a
queimação na cicatriz. Então ele se despiu e se deitou, desejando que a dor de
cabeça passasse. Sentia-se também um pouco enjoado. Virou-se de lado, fechou os
olhos e adormeceu quase instantaneamente.
Estava
parado em uma sala escura com cortinas, iluminada por um único candelabro. Suas
mãos apertavam o encosto de uma poltrona à frente. Eram mãos de dedos finos e
brancos como se não vissem sol havia anos, e lembravam aranhas grandes e
descoradas contra o veludo escuro da poltrona.
Mais
além, em um círculo de luz projetado no chão pelo candelabro, achava-se
ajoelhado um homem de vestes negras.
— Fui
mal aconselhado, pelo que parece — disse Harry num tom de voz agudo e frio que
vibrava de raiva.
—
Senhor, peço o seu perdão — disse rouco o homem ajoelhado no chão.
A
parte de trás de sua cabeça refulgia à luz das velas. Ele parecia tremer.
— Não
estou culpando você, Rookwood — disse Harry naquela voz fria e cruel.
Largou
então a poltrona e contornou-a, aproximando-se do homem encolhido no chão, e
parou diretamente sobre ele, ainda na sombra, olhando de uma altura muito maior
do que a normal.
—
Você tem certeza de suas informações, Rookwood? — perguntou Harry.
—
Tenho sim, milorde... afinal... afinal eu costumava trabalhar no departamento.
—
Avery me disse que Bode poderia retirá-la.
—
Bode jamais poderia ter feito isso, milorde... Bode sabia que não poderia...
sem dúvida foi essa a razão por que lutou tanto contra a Maldição Imperius
lançada por Malfoy.
—
Levante-se, Rookwood — sussurrou Harry.
O
homem ajoelhado quase tropeçou na pressa de obedecer. Seu rosto era bexiguento,
as marcas se destacavam à luz das velas. Ele continuou um pouco curvado, mesmo
em pé, como em uma meia reverência, e lançava olhares aterrorizados ao rosto de
Harry.
—
Você fez bem em me informar — disse Harry — Muito bem... pelo visto,
desperdicei meses em planos infrutíferos... mas não importa... recomeçaremos a
partir de agora. Você tem a gratidão de Lorde Voldemort, Rookwood...
—
Milorde... sim, milorde... — exclamou Rookwood, sua voz rouca de alívio.
—
Precisarei de sua ajuda. Precisarei de todas as informações que puder me dar.
—
Naturalmente, milorde, naturalmente... o que precisar.
—
Muito bem... pode se retirar. Mande Avery falar comigo.
Rookwood
recuou apressado, de costas, se curvando, e desapareceu pela porta.
Deixado
só no aposento escuro, Harry se virou para a parede. Havia um espelho rachado e
manchado pelo tempo na parede sombreada. Harry encaminhou-se para ele. Sua
imagem se tornou maior e mais clara no escuro... um rosto mais branco do que
uma caveira... os olhos vermelhos com fendas em lugar de pupilas.
—
NÃÃÃÃÃÃÃÃO!
—
Quê! — berrou uma voz próxima.
Harry
se debateu como um louco, se enrolou nas cortinas e caiu da cama. Por alguns
segundos não soube onde estava, convencido de que iria rever o rosto branco e
escaveirado assomando das sombras, então muito perto dele falou a voz de Rony.
—
Quer parar de agir feito um maníaco para eu poder tirar você daqui?
Rony
puxou as cortinas e, à claridade do luar, Harry arregalou os olhos para ele,
deitado de costas, a cicatriz queimando de dor. Pelo jeito, Rony estava se
preparando para deitar, tinha um braço fora do roupão.
—
Alguém foi atacado outra vez? — perguntou, erguendo Harry, com esforço, do
chão. — Foi o papai? Foi aquela cobra?
—
Não... estão todos bem... — ofegou Harry, cuja testa parecia em fogo — Bom...
Avery não está... está enrascado... passou para ele informações erradas...
Voldemort está furioso...
Harry
gemeu e afundou na cama, tremendo, esfregando a cicatriz.
— Mas
Rookwood vai ajudá-lo agora... ele está outra vez no caminho certo...
— Do
que é que você está falando? — perguntou Rony, amedrontado — Você está
dizendo... você acabou de ver Você-Sabe-Quem?
— Eu
era Você-Sabe-Quem — disse Harry, esticando as mãos no escuro e erguendo-as
diante do rosto, para ver se continuavam mortalmente pálidas e com os dedos
longos — Ele estava com Rookwood, um dos fugitivos de Azkaban, lembra? Rookwood
acabou de contar a ele que Bode não poderia ter feito.
—
Feito o quê?
—
Retirado alguma coisa... disse que Bode sabia que não poderia... Bode estava
sob a influência da Maldição Imperius... acho que ele disse que foi o pai de
Malfoy quem a lançou.
—
Bode foi enfeitiçado para retirar alguma coisa? — confirmou Rony — Mas, Harry,
tem de ser...
— A
arma — Harry terminou a frase por ele — Eu sei.
A
porta do dormitório se abriu, Dino e Simas entraram. Harry puxou as pernas para
cima da cama. Não queria dar a impressão de que acabara de acontecer algo
estranho, pois Simas só recentemente parara de achar que ele era pirado.
—
Você disse — murmurou Rony, aproximando a cabeça de Harry a pretexto de
ajudá-lo a se servir da água da jarra sobre a mesa-de-cabeceira — Que era o
Você-Sabe-Quem?
—
Disse — confirmou Harry baixinho.
Rony
tomou um gole de água exagerado e desnecessário, Harry viu a água escorrer do
queixo para o peito do amigo.
—
Harry — disse ele, enquanto Dino e Simas andavam pelo quarto fazendo barulho,
tirando os roupões e conversando — Você tem de contar...
— Não
tenho de contar a ninguém — cortou-o Harry — Não teria visto nada se soubesse
usar a Oclumência. Já devia ter aprendido a fechar minha mente a tudo isso. É o
que eles querem.
Por
eles, Harry se referia a Dumbledore. Tornou a se meter embaixo das cobertas e a
se virar para o lado, dando as costas a Rony, e pouco depois ouviu o colchão do
amigo ranger, quando ele também se deitou. A cicatriz de Harry recomeçou a
queimar, ele mordeu o travesseiro para não fazer barulho. Em algum lugar,
sentia, Avery estava sendo castigado.
Harry
e Rony esperaram até de manhã para contar a Hermione exatamente o que
acontecera, queriam ter absoluta certeza de que ninguém os ouviria. Parados no
canto habitual do pátio frio e ventoso, Harry lhe contou cada detalhe do sonho
de que pôde se lembrar. Quando terminou, ela continuou calada por um momento,
mas fixou com uma intensidade penosa Fred e Jorge, que estavam sem cabeça
vendendo seus chapéus mágicos por baixo das capas, do outro lado do pátio.
—
Então foi por isso que o mataram — concluiu em voz baixa, desviando finalmente
o olhar de Fred e Jorge — Quando Bode tentou roubar a arma, lhe aconteceu
alguma coisa estranha. Acho que deve haver feitiços defensivos na arma, ou em
volta dela, para impedir que as pessoas a peguem. Era por isso que ele estava
no St. Mungus, com o cérebro destrambelhado, sem conseguir falar. Mas lembram
do que a Curandeira nos disse? Bode estava se recuperando. E não podiam
arriscar que ele melhorasse, não é? Quero dizer, o choque do que aconteceu
quando ele tocou naquela arma provavelmente desfez a Maldição Imperius. Quando
recuperasse a voz, ele explicaria o que estivera fazendo, não é? Então saberiam
que ele fora enviado para roubar a arma. Naturalmente, teria sido fácil para
Lúcio Malfoy lançar a maldição sobre Bode. Nunca sai do Ministério, não é?
— E
ele andava por lá no dia da minha audiência — disse Harry — No... calma aí... —
disse lentamente — Estava no corredor do Departamento de Mistérios naquele dia!
Seu pai comentou que ele provavelmente estava querendo bisbilhotar e descobrir
o que tinha acontecido na minha audiência, mas e se...
—
Estúrgio! — exclamou Hermione, estupefata.
—
Como disse? — perguntou Rony, parecendo confuso.
—
Estúrgio Podmore — disse Hermione sem fôlego — Preso por tentar passar por uma
porta! Lúcio Malfoy deve ter pego ele também! Aposto que fez isso no dia em que
você o viu lá, Harry. Estúrgio estava usando a Capa da Invisibilidade de Moody,
certo? Então, e se ele estivesse guardando a porta, invisível, e Malfoy o
ouvisse mexer, ou adivinhasse que tinha alguém ali, ou simplesmente tivesse
lançado a Maldição Imperius contando que houvesse alguém guardando a sala?
Portanto, quando Estúrgio teve oportunidade, quando foi novamente sua vez de
tirar serviço, ele tentou entrar no Departamento de Mistérios para roubar a
arma para Voldemort, Rony, fique quieto, mas foi apanhado e mandado para
Azkaban...
Ela
olhou para Harry.
— E
agora Rookwood disse a Voldemort como conseguir a arma?
— Eu
não ouvi a conversa toda, mas foi o que me pareceu — disse Harry — Rookwood
costumava trabalhar lá... quem sabe Voldemort vai mandar o Rookwood fazer o
serviço?
Hermione
acenou a cabeça, aparentemente com os pensamentos ainda longe. Então, de
repente, falou.
— Mas
você não devia ter visto isso, Harry, de jeito nenhum.
—
Quê? — exclamou ele, surpreso.
—
Você devia estar aprendendo a fechar a mente a esse tipo de coisa — disse
Hermione, com inesperada severidade.
— Sei
que devia — disse Harry — Mas...
—
Bom, acho que você devia tentar esquecer o que viu — falou com firmeza — E de
agora em diante se esforçar mais para aprender sua Oclumência.
A
semana não melhorou com o passar dos dias.
Harry
recebeu outros dois “D” em Poções; e continuou aflito com a perspectiva de
Hagrid ser demitido, e não conseguiu parar de pensar no sonho em que fora
Voldemort, embora não tornasse a mencioná-lo para Rony e Hermione, não queria
receber outro passa fora da amiga. Desejou muito conversar com Sirius, mas isso
estava fora de questão, então tentou afastar o assunto para o fundo da cabeça.
Infelizmente
o fundo de sua cabeça já não era o lugar seguro que fora no passado.
—
Levante-se, Potter.
Umas
duas semanas depois do sonho com Rookwood, Harry se veria, mais uma vez,
ajoelhado no chão da sala de Snape, tentando esvaziar a mente. Acabara de ser
forçado, mais uma vez, a aliviar um fluxo de lembranças infantis que nem sequer
sabia que ainda guardava, a maior parte ligada a humilhações que Duda e sua
turma lhe haviam infligido no ensino fundamental.
— A
última lembrança — disse Snape — Qual foi?
— Não
sei — respondeu Harry, levantando-se cansado. Estava encontrando uma
dificuldade crescente em separar lembranças distintas do fluxo de imagens e
sons que Snape não parava de suscitar — O senhor se refere àquela em que meu
primo tentou me fazer ficar em pé no vaso sanitário?
— Não
— disse Snape suavemente — Me refiro à do homem ajoelhado no meio de um
aposento mal iluminado...
— Não
é... nada.
Os
olhos escuros de Snape perfuraram os de Harry. Lembrando-se do que o professor
dissera sobre a extrema importância do contato visual para a Legilimência,
Harry piscou e desviou os olhos.
—
Como é que aquele homem e aquele aposento foram parar em sua mente, Potter? —
perguntou Snape.
—
Foi... — respondeu Harry, olhando para todo lado menos para Snape — Foi só...
só um sonho que eu tive.
— Um
sonho?
Houve
uma pausa em que Harry se fixou em um enorme sapo morto dentro de um frasco de
líquido roxo.
—
Você sabe para que estamos aqui, não sabe, Potter? — disse o professor em um
tom baixo e perigoso — Você sabe para que estou cedendo as minhas noites e
ocupando-as com essa tarefa monótona?
— Sei
— disse Harry formalmente.
—
Então lembre-me por que estamos aqui, Potter.
— Para
eu aprender Oclumência — disse Harry, agora olhando para uma enguia morta.
—
Correto, Potter. E por mais obtuso que você seja...
Harry
olhou para Snape odiando-o.
—...
Seria de esperar que após dois meses de aulas você tivesse feito algum
progresso. Quantos outros sonhos você teve com o Lorde das Trevas?
—
Somente este — mentiu Harry.
—
Talvez — disse Snape, apertando ligeiramente seus olhos escuros e frios —
Talvez você sinta prazer em ter essas visões e sonhos, Potter. Talvez eles o
façam se sentir especial... importante?
—
Não, não fazem — respondeu Harry de queixo duro e com os dedos apertando o
punho da varinha.
—
Ainda bem, Potter — disse Snape friamente — Porque você não é especial nem
importante, e não cabe a você descobrir o que o Lorde das Trevas está dizendo
aos seus Comensais da Morte.
—
Não... essa é a sua tarefa, não é? — disparou Harry.
Não
tivera intenção de dizer isso, escapara de sua boca com a raiva. Durante muito
tempo os dois se encararam, Harry convencido de que fora longe demais. Mas
surgira uma expressão curiosa, quase satisfeita no rosto de Snape quando ele
respondeu.
— É,
Potter — disse ele com os olhos brilhando — É a minha tarefa. Agora, se estiver
pronto, recomeçaremos.
Ele
ergueu a varinha:
—
Um... dois... três... Legilimens!
Cem
Dementadores precipitavam-se sobre o lago em direção a Harry... ele fez uma
careta de concentração... estavam se aproximando... via os buracos escuros sob
os capuzes... contudo. Via também Snape à sua frente, os olhos fixos em seu
rosto, resmungando... e por alguma razão Snape foi se tornando mais nítido e os
Dementadores mais difusos...
Harry
ergueu a própria varinha.
—
Protego!
Snape
cambaleou, sua varinha voou para longe de Harry, e de repente a mente do garoto
estava apinhada de lembranças que não eram dele: um homem de nariz adunco
gritava com uma mulher encolhida, enquanto um garotinho de cabelos escuros
chorava a um canto... um adolescente de cabelos oleosos estava sentado sozinho
em um quarto escuro apontando a varinha para o teto, abatendo moscas... uma
garota estava rindo das tentativas de um menino magricela que tentava montar
uma vassoura corcoveante...
—
CHEGA!
Harry
teve a sensação de que levara um empurrão no peito, cambaleou vários passos
para trás, bateu em algumas prateleiras que cobriam as paredes de Snape e ouviu
alguma coisa se partir. Snape tremia ligeiramente e tinha o rosto muito pálido.
As
costas das vestes de Harry estavam úmidas. Um dos frascos às suas costas
quebrara na colisão, a coisa viscosa em conserva que havia dentro girava no
restinho da poção derramada.
—
Reparo! — sibilou Snape, e o frasco tornou a se fechar imediatamente — Bom,
Potter... sem dúvida isto foi um progresso...
Um
pouco ofegante, Snape endireitou a Penseira em que ele mais uma vez guardara os
pensamentos antes de começar a aula, quase como se ainda estivesse verificando
se continuavam ali.
— Não
me lembro de ter-lhe dito para usar um Feitiço Escudo... mas sem dúvida foi
eficiente...
Harry
não falou, sentiu que dizer qualquer coisa poderia ser perigoso. Tinha certeza
de que acabara de invadir as lembranças de Snape, que acabara de ver cenas da
infância do professor. Era assustador pensar que o garotinho que chorava ao
assistir a uma briga dos pais agora estava diante dele revelando tanto desprezo
no olhar.
— Vamos
tentar outra vez? — disse Snape.
Harry
sentiu uma excitação de temor: estava prestes a pagar pelo que acabara de
acontecer, com certeza. Eles voltaram à posição em que a mesa se interpunha aos
dois, Harry achando que desta vez ia ter muito mais dificuldade para esvaziar a
mente.
—
Quando eu contar três, então — disse Snape erguendo a varinha — Um... dois...
Harry
não tinha tido tempo de se dominar e tentar esvaziar a mente e Snape já
gritava: “Legilimens!”. Ele estava correndo pelo corredor do Departamento
de Mistérios, deixando para trás as paredes vazias, os archotes, a porta preta
e simples ia crescendo, estava correndo tão depressa que ia colidir com a
porta, estava a um metro dela e mais uma vez via a réstia de luz azulada...
A
porta se abrira!
Ele a
atravessou finalmente, e entrou em uma sala circular de piso e paredes pretas,
iluminada por velas de chamas azuis, e havia outras portas a toda volta, ele
precisava prosseguir, mas que porta deveria escolher...?
—
POTTER!
Harry
abriu os olhos. Estava caído de costas outra vez, sem lembrança de ter chegado
à sala, ofegava como se tivesse corrido toda a extensão do corredor do
Departamento de Mistérios, realmente varado a porta preta e encontrado a sala
circular.
—
Explique-se! — disse Snape, que estava em pé ao lado dele, parecendo furioso.
— Não
sei o que aconteceu — disse Harry com sinceridade, levantando-se.
Havia
um galo na parte de trás de sua cabeça no ponto em que batera no chão e ele se
sentia febril.
—
Nunca vi isso antes, quero dizer, eu lhe disse, sonhei com a porta... mas nunca
esteve aberta antes...
—
Você não está se esforçando bastante!
Por
alguma razão, Snape estava ainda mais furioso do que há dois minutos, quando
Harry vira suas lembranças.
—
Você é preguiçoso e desleixado, Potter, é de admirar que o Lorde das Trevas...
—
Será que o senhor pode me dizer uma coisa? — disse, disparando mais uma vez —
Por que chama Voldemort de Lorde das Trevas? Até hoje só ouvi Comensais da
Morte o chamarem assim.
Snape
abriu a boca em um esgar...
Uma
mulher gritou em algum lugar fora da sala.
O
professor virou a cabeça abruptamente para o alto e ficou observando o teto.
— Que
d...? — resmungou.
Harry
ouviu uma agitação abafada no Saguão de Entrada.
Snape
olhou para os lados, franzindo a testa.
—
Você viu alguma coisa anormal quando veio, Potter?
Harry
sacudiu a cabeça negativamente.
Em
algum lugar acima a mulher tornou a gritar. Snape se dirigiu a passos largos
para a porta, a varinha em riste, e desapareceu de vista. Harry hesitou um
momento, então seguiu-o. Os gritos vinham de fato do Saguão de Entrada,
tornaram-se mais fortes à medida que Harry corria em direção aos degraus de
pedra das masmorras.
Quando
chegou ao alto, encontrou o saguão cheio, os alunos tinham acorrido em massa do
Salão Principal, onde o jantar ainda estava sendo servido, para ver o que
estava acontecendo, outros lotavam a escadaria de mármore. Harry abriu caminho
por um grupo compacto de alunos altos da Sonserina, e viu que os espectadores
haviam formado um grande círculo, uns pareciam chocados, outros até temerosos.
A
Profª. McGonagall estava defronte a Harry do outro lado do saguão, dava a
impressão de estar se sentindo ligeiramente nauseada com o que via.
A
Profª. Trelawney encontrava-se no meio do Saguão de Entrada com a varinha em uma
das mãos e uma garrafa vazia de xerez na outra, parecendo completamente
tresloucada. Seus cabelos estavam em pé, os óculos de tal maneira tortos que um
olho estava mais aumentado do que o outro, seus inúmeros xales e cachecóis
caíam desalinhados dos ombros, dando a impressão de que ela própria estava se
rompendo.
Havia
dois malões no chão aos seus pés, um deles de tampa para baixo: dava a
impressão de que fora atirado atrás dela. A Profª. Trelawney olhava fixamente,
cheia de terror, para alguma coisa que Harry não podia ver, mas que parecia
estar parada ao pé da escadaria.
—
Não! — gritava ela — NÃO! Isto não pode estar acontecendo... não posso... me
recuso a aceitar!
—
Você não viu que isso ia acontecer? — perguntou uma voz infantil e aguda,
parecendo insensivelmente risonha, e Harry deslocando-se ligeiramente para a
direita, constatou que a visão aterrorizante de Trelawney era nada mais que a
Profª. Umbridge — Incapaz como você é de prever até o tempo que vai fazer
amanhã, certamente deve ter percebido que o seu lamentável desempenho durante
as minhas inspeções, e a ausência de melhoria, tornaria inevitável a sua
demissão?
—
Você não p-pode! — berrou a Profª. Trelawney, as lágrimas escorrendo pelo rosto
por baixo das lentes enormes. — Você não pode me demitir! Est-tou aqui há
dezesseis anos! H-Hogwarts é a minha c...c-casa!
— Era
sua casa... — disse a Profª. Umbridge, e Harry sentiu revolta de ver o prazer
que distendia a cara de sapo da Umbridge enquanto apreciava a Trelawney
afundar, soluçando descontrolada, sobre um dos malões —... Até uma hora atrás,
quando o Ministro da Magia contra-assinou a ordem para sua demissão. Agora,
tenha a bondade de se retirar do saguão. Você está nos constrangendo.
Mas
ela continuou contemplando, com uma expressão de prazer triunfante, a Profª.
Trelawney tremer e gemer, balançando-se para a frente e para trás em seu malão,
tomada de paroxismos de pesar. Harry ouviu um soluço abafado à sua esquerda e
se virou. Lilá e Parvati choravam baixinho, abraçadas.
Ouviu
então passos. A Profª. McGonagall se destacava dos espectadores, marchara
direto para Trelawney e estava lhe dando palmadinhas firmes nas costas, ao
mesmo tempo que puxava um enorme lenço de dentro das vestes.
—
Pronto, pronto, Sibila... se acalme... assoe o nariz no lenço... não é tão ruim
quanto você está pensando, agora... você não vai precisar sair de Hogwarts...
— Ah,
sério, Profª. McGonagall? — exclamou Umbridge em tom letal, dando alguns passos
à frente — E a sua autoridade para afirmar isso é...?
— A
minha — disse uma voz grave.
As
portas de carvalho da entrada tinham se aberto. Os estudantes de ambos os lados
se afastaram depressa, e Dumbledore apareceu na entrada. O que ele andara
fazendo lá fora Harry nem podia imaginar, mas havia algo impressionante naquela
visão recortada contra a noite estranhamente brumosa. Deixando as portas
escancaradas, ele atravessou o círculo de espectadores em direção à trêmula
Profª. Trelawney, sentada no malão com o rosto manchado de lágrimas, e à Profª.
McGonagall ao seu lado.
—
Sua, Prof. Dumbledore? — disse Umbridge com uma risadinha particularmente
desagradável — Receio que o senhor não esteja entendendo a situação. Tenho
aqui... — ela puxou um pergaminho de dentro das vestes — Uma ordem de demissão
assinada por mim e pelo Ministro da Magia. De acordo com o Decreto Educacional
Número Vinte e Três, a Alta Inquisidora de Hogwarts tem o poder de inspecionar,
colocar sob observação e demitir qualquer professor que ela, isto é, eu, ache
que não está desempenhando suas funções conforme exige o Ministério da Magia.
Eu decidi que a Profª. Trelawney está abaixo do padrão esperado. Eu a demiti.
Para
grande surpresa de Harry, Dumbledore continuou a sorrir. Ele baixou os olhos
para a Profª. Trelawney, que continuava a soluçar e a engasgar em cima do
malão, e disse:
— A
senhora está certa, é claro, Profª. Umbridge. Como Alta Inquisidora, a senhora
tem todo o direito de despedir meus professores. No entanto, não tem autoridade
para expulsá-los do castelo. Receio — continuou ele com uma leve reverência —
Que o poder de fazer isto ainda pertença ao diretor, e é meu desejo que a
Profª. Trelawney continue a residir em Hogwarts.
Ao
ouvir isso, Trelawney deu uma risadinha tresloucada que mal escondia um soluço.
—
Não... não, eu v-vou, Dumbledore! V-vou embora de Hogwarts p-procurar minha
fortuna algures...
— Não
— afirmou Dumbledore com severidade — É meu desejo que você permaneça, Sibila.
Ele
se virou então para a Profª. McGonagall.
—
Será que posso lhe pedir para acompanhar Sibila de volta aposentos aos dela?
— É
claro — disse McGonagall — Vamos, levante-se, Sibila...
A
Profª. Sprout saiu correndo da aglomeração e segurou o outro braço de
Trelawney. Juntas, elas passaram por Umbridge e subir escadaria de mármore. O
Prof. Flitwick se apressou em segui-las, empunhando a varinha à frente, disse
com a vozinha esganiçada “Locomotor malas!”, e a bagagem da Profª. Trelawney se
ergueu no ar subiu as escadas atrás dela, o Prof. Flitwick fechou o cortejo.
A
Profª. Umbridge estava paralisada, encarando Dumbledore, que continuava a
sorrir bondosamente.
— E o
que — perguntou ela com um sussurro que ecoou pelo saguão — Você vai fazer com
Sibila quando eu nomear uma nova professora de Adivinhação e precisar dos
aposentos dela?
— Ah,
isso não será problema — disse Dumbledore em tom agradável — Sabe, já encontrei
um novo professor de Adivinhação, e prefere ficar no andar térreo.
—
Você encontrou...? — exclamou Umbridge estridentemente — Você encontrou?
Permita-me lembrar-lhe, Dumbledore, que, de com o Decreto Educacional Número
Vinte e Dois...
— O
Ministro tem o direito de indicar um candidato adequado se, e apenas se, o
diretor não puder encontrar um — citou Dumbledore — Tenho o prazer de lhe
informar que desta vez o encontrei. Posso apresentá-lo a você?
E se
virou para as portas abertas, pelas quais agora entrava a névoa noturna. Harry
ouviu o ruído de cascos. Correu um murmúrio de espanto pelo saguão e os que
estavam mais próximos das portas rapidamente recuaram mais, alguns tropeçando
na pressa de abrir caminho para o recém-chegado.
Em
meio à névoa surgiu um rosto que Harry já vira em uma noite escura e
tempestuosa na Floresta Proibida: cabelos louro-prateados e surpreendentes
olhos azuis, a cabeça e o tronco de um homem se completavam com o corpo de um
cavalo baio.
—
Este é Firenze — disse Dumbledore feliz a uma assombrada Umbridge — Creio que
você o aprovará.
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