— CAPÍTULO VINTE E CINCO —
O Besouro Acossado
A PERGUNTA DE HARRY FOI
RESPONDIDA logo na manhã seguinte. Quando chegou o Profeta Diário de Hermione,
ela o abriu, deu uma espiada na primeira página e soltou um gritinho que fez
com que todos ao seu redor a olhassem.
—
Quê? — perguntaram Harry e Rony juntos.
Em
resposta, ela abriu o jornal na mesa diante dos garotos e apontou para dez
fotografias em preto e branco que ocupavam toda a primeira página, nove caras
de bruxos e, a décima, de uma bruxa. Alguns deles zombavam em silêncio, outros
tamborilavam os dedos nas molduras dos retratos, com insolência. Cada foto
trazia uma legenda com um nome e o crime pelo qual a pessoa fora mandada para
Azkaban.
Antônio
Dolohov, informava a legenda sob o bruxo com o rosto pálido e torto que sorria
troçando para Harry, Condenado pelo brutal homicídio de Gideão e Fábio Prewett.
Augusto
Rookwood, lia-se sob a foto do homem com o rosto marcado por bexigas e os
cabelos oleosos, que se apoiava na borda da foto com ar de tédio, Condenado por
passar Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado segredos do Ministério da Magia.
Mas o
olhar de Harry foi atraído para a foto da bruxa. Seu rosto se destacara no
momento em que ele vira a página. Tinha longos cabelos escuros que pareciam
malcuidados e desgrenhados, embora ele os tivesse visto sedosos, espessos e
brilhantes. Ela o encarou sob as pesadas pálpebras, um sorriso arrogante e
desdenhoso brincando em seus lábios.
Como
Sirius, ela conservava feições atraentes, mas alguma coisa, talvez Azkaban, levara
a maior parte da sua beleza.
Belatriz
Lestrange, condenada pela tortura e incapacitação permanente de Franco e Alice
Longbottom.
Hermione
cutucou Harry e apontou para a manchete no alto das fotos, que ele, concentrado
em Belatriz, ainda não lera.
FUGA EM MASSA DE AZKABAN
MINISTÉRIO TEME QUE BLACK SEJA O “PONTO DE
REUNIÃO”
PARA ANTIGOS COMENSAIS DA MORTE
—
Black? — exclamou Harry em voz alta — Não...?
—
Psiu! — sussurrou Hermione desesperada — Não fale tão alto... só leia!
O Ministério da Magia anunciou à
noite passada que houve uma fuga em massa em Azkaban. Em entrevista aos
repórteres em seu gabinete, Cornélio Fudge, Ministro da Magia, confirmou que
dez prisioneiros de segurança máxima escaparam no início da noite de ontem, e
que ele já informou ao Primeiro-Ministro dos trouxas a natureza perigosa dos
fugitivos.
— Nós nos encontramos, infelizmente,
na mesma posição de dois anos e meio atrás quando o assassino Sirius Black
fugiu — comentou Fudge — E achamos que as duas fugas estão relacionadas. Uma fuga
nessa escala aponta para ajuda externa, e devemos nos lembrar que Black, a
primeira pessoa a escapar de Azkaban, estaria em posição ideal para ajudar
outros a seguirem seus passos. Cremos que muito provavelmente esses indivíduos,
entre os quais se inclui a prima de Black, Belatriz Lestrange, se agruparam em
torno de Black como seu líder. Estamos, no entanto, envidando todos os esforços
para capturar os criminosos, e pedimos à comunidade bruxa que se mantenha
alerta e cautelosa. Em nenhuma circunstância devem se aproximar desses
indivíduos.
—
Está tudo aí, Harry — disse Rony, assombrado — É por isso que ele estava tão
feliz ontem à noite.
— Não
acredito — vociferou Harry — Fudge está culpando Sirius pela fuga?
— Que
outra opção ele tem? — disse Hermione amargurada — Não vai poder dizer:
“Desculpe, pessoal, Dumbledore me avisou que isto poderia acontecer, os guardas
de Azkaban se uniram a Voldemort”, pare de choramingar, Rony, “E agora seus
piores seguidores também fugiram”. Quero dizer, ele passou uns seis meses
anunciando para todo o mundo que você e Dumbledore eram mentirosos, não?
Hermione
abriu com violência o jornal e começou a ler a notícia nas páginas internas
enquanto Harry corria os olhos pelo Salão Principal.
Não
conseguia entender por que seus colegas não estavam apavorados nem sequer
discutiam a terrível notícia na primeira página, mas poucos tinham assinatura
diária do jornal como Hermione. Estavam todos conversando sobre os deveres e o
quadribol, e quem sabe, que outras tolices, quando fora dos muros da escola
mais dez Comensais da Morte haviam engrossado as fileiras de Voldemort.
Ele
ergueu os olhos para a mesa dos professores. Ali, a situação era diferente:
Dumbledore e a Profª. McGonagall conversavam absortos, ambos parecendo
extremamente sérios. A Profª. Sprout apoiara o Profeta Diário em um vidro de
ketchup e lia a primeira página com tal concentração que nem reparava nos
pingos de gema de ovo que caíam em seu colo da colher que segurava no ar.
Entrementes,
na extremidade da mesa, a Profª. Umbridge comia com entusiasmo sua tigela de
mingau de aveia. Uma vez na vida seus empapuçados olhos de sapo não estavam
varrendo o Salão Principal à procura de alunos malcomportados. Engolia o mingau
com ar aborrecido, e de vez em quando lançava um olhar malévolo para o lado da
mesa em que Dumbledore e McGonagall conversavam tão concentrados.
—
Nossa! — exclamou Hermione com ar de dúvida, continuando a ler o jornal.
— Que
foi agora? — perguntou Harry depressa; estava assustado...
—
É... horrível — disse, abalada.
Ela
dobrou a página dez do jornal e passou-o a Harry e Rony.
MORTE TRÁGICA DE FUNCIONÁRIO
DO MINISTÉRIO DA MAGIA
O Hospital St. Mungus prometeu um
inquérito rigoroso sobre a morte do funcionário do Ministério da Magia,
Broderico Bode, 49 anos, encontrado em sua cama, estrangulado por uma planta
envasada. Os Curandeiros chamados não conseguiram reanimar o Sr. Bode, que fora
ferido em um acidente de trabalho algumas semanas antes.
A Curandeira Miriam Strout, que se
encontrava de serviço na enfermaria do Sr. Bode na hora do incidente, foi
suspensa de suas funções, sem perda de remuneração, e não foi encontrada ontem
para comentar a notícia, mas um porta-voz do hospital declarou:
— O Hospital St. Mungus lamenta
profundamente a morte do Sr. Bode, que estava em plena recuperação antes deste
trágico acidente. Temos diretrizes rigorosas para as decorações permitidas em
nossas enfermarias, mas, aparentemente, a Curandeira Strout, muito atarefada
durante o período natalino, não percebeu o perigo da planta à cabeceira do Sr.
Bode. A medida que sua fala e mobilidade melhoravam, a Curandeira Strout
encorajou o Sr. Bode a cuidar sozinho da planta, sem saber que não era uma
inocente diafanina, mas uma muda de visgo do diabo que, ao ser tocada pelo
convalescente Sr. Bode, estrangulou-o instantaneamente.
O St. Mungus ainda não soube explicar
a presença da planta, e pede a quem tiver alguma informação para se apresentar.
—
Bode — repetiu Rony. — Bode. Me lembra alguma coisa...
— Nós
o vimos — cochichou Hermione — No St. Mungus, lembra? Estava na cama defronte a
Lockhart, deitado, olhando para o teto. E vimos o visgo do diabo chegar. Ela, a
Curandeira, disse que era presente de Natal!
Harry
foi se lembrando da história. Uma sensação de horror começou a subir como bile à
sua boca.
—
Como foi que não reconhecemos o visgo? Nós já o vimos antes... poderíamos ter
impedido isso de acontecer.
—
Quem espera que um visgo do diabo apareça em um hospital disfarçado de
plantinha ornamental? — perguntou Rony asperamente — Não é nossa culpa, quem a
mandou para o cara é que é culpado! Deve ter sido uma perfeita anta, por que
não verificou o que estava comprando?
— Ah,
Rony, nem vem! — disse Hermione trêmula — Não acho que alguém envasasse o visgo
sem saber que tentaria matar quem o tocasse! Isso foi homicídio... e um
homicídio engenhoso... se a planta foi enviada anonimamente, como é que alguém
vai descobrir quem a mandou?
Harry
não estava pensando no visgo do diabo. Estava se lembrando de um homem de rosto
macilento que entrara no nível do Átrio, quando tomaram o elevador para o nível
nove do Ministério no dia de sua audiência.
— Eu
conheci Bode — disse lentamente — Eu o vi no Ministério quando fui com o seu
pai.
O
queixo de Rony caiu.
— Eu
ouvi papai falar dele em casa! Era um Inominável: trabalhava no Departamento de
Mistérios!
Os
garotos se entreolharam por um momento, então Hermione tornou a puxar o jornal
para ela, estudou por um momento as fotos dos dez Comensais da Morte fugitivos
na primeira página e então ficou em pé de repente.
—
Aonde é que você vai? — perguntou Rony surpreso.
—
Enviar uma carta — disse Hermione, atirando a mochila por cima do ombro — Bom,
não sei se... mas vale a pena tentar... eu sou a única que pode.
—
Detesto quando ela faz isso — resmungou Rony ao se levantar com Harry para
saírem sem pressa do Salão Principal — Será que ia morrer se nos dissesse o que
pretende fazer ao menos uma vez? Só levaria mais dez segundos... eh, Hagrid!
Hagrid
estava parado à porta do Salão Principal, esperando uma turma de alunos da
Corvinal passar. Continuava tão machucado quanto no dia em que voltara de sua
missão aos gigantes, e havia um novo corte na ponta do seu nariz.
—
Tudo bem, vocês dois? — disse, fazendo um esforço para sorrir, mas só
conseguindo produzir uma careta de dor.
—
Você está ok, Hagrid? — perguntou Harry, acompanhando-o nas esteiras dos alunos
da Corvinal.
—
Ótimo, ótimo — respondeu Hagrid, assumindo sem sucesso um tom displicente,
acenou e por pouco não bateu na assustada Profª. Vector que ia passando —
Ocupado, você sabe, o de sempre, aulas para preparar, umas salamandras tiveram
podridão nas escamas, e estou em observação... — murmurou.
—
Está em observação? — repetiu Rony em voz alta, de modo que vários alunos
próximos olharam curiosos — Desculpe... quero dizer... você está em observação?
— sussurrou.
— Eu
não esperava outra coisa, para falar a verdade. Vocês talvez não tenham
percebido, mas a inspeção não correu muito bem, entendem... em todo o caso —
ele deu um profundo suspiro — Melhor eu ir esfregar mais um pouco de pimenta
nas salamandras ou os rabos delas vão cair. Até mais, Harry... Rony...
Ele
saiu pesadamente pela porta da frente e desceu a escada em direção aos terrenos
molhados. Harry ficou observando-o se afastar, imaginando quantas más notícias
ele poderia suportar.
O
fato de Hagrid estar em observação tornou-se conhecido em toda a escola nos
dias seguintes, mas, para indignação de Harry, quase ninguém pareceu se
incomodar, na verdade, algumas pessoas, entre as quais se destacava Draco
Malfoy, pareciam decididamente felizes.
Quanto
à morte estranha de um obscuro funcionário do Ministério da Magia no St.
Mungus, Harry, Rony e Hermione pareciam ser as únicas pessoas que sabiam ou se
importavam.
Havia
apenas um tópico de conversa nos corredores agora: os dez Comensais da Morte
fugitivos, cuja história finalmente se filtrara pela escola através dos poucos
que liam jornais. Voavam boatos de que alguns dos condenados tinham sido vistos
em Hogsmeade, que deviam estar escondidos na Casa dos Gritos e que iam invadir
Hogwarts, tal como haviam dito sobre Sirius um dia. Os que pertenciam a
famílias bruxas tinham sido criados ouvindo os nomes dos Comensais da Morte com
quase tanto medo quanto o de Voldemort, os crimes que haviam cometido durante o
reinado de terror do Lorde das Trevas eram lendários.
Havia
parentes das vítimas entre os alunos de Hogwarts, que agora se viam
transformados em involuntários objetos de uma fama indireta e sinistra quando
passavam pelos corredores: Susana Bonés, cujos tio, tia e primos tinham morrido
pela mão de um dos dez, comentou, infeliz, durante uma aula de Herbologia que
agora tinha uma boa idéia de como Harry se sentia.
— E
não sei como você suporta: é horrível — disse ela sem rodeios, despejando
estrume demais em sua bandeja de mudinhas de bocas-de-guincho, fazendo-as se
torcerem e estrilar incomodadas.
É
verdade que Harry ultimamente voltara a ser comentado aos sussurros e apontado
nos corredores, contudo achava ter percebido uma ligeira diferença no tom dos
colegas. Agora pareciam curiosos em vez de hostis, e uma ou duas vezes teve
certeza de ouvir fragmentos de conversas que sugeriam que as pessoas não
estavam satisfeitas com a versão do Profeta de como e por que dez Comensais da
Morte tinham conseguido escapar da fortaleza de Azkaban. Em sua confusão e
medo, os que duvidavam estavam se voltando para a única explicação que
conheciam: a que Harry e Dumbledore vinham apresentando desde o ano anterior.
Não
era apenas a atitude dos estudantes que havia mudado. Agora era bem comum deparar
com dois ou três professores conversando em sussurros urgentes nos corredores,
interrompendo a conversa no momento em que viam alunos se aproximarem.
—
Obviamente eles não podem mais conversar na sala de professores — comentou
Hermione em voz baixa, quando ela, Harry e Rony passaram um dia por McGonagall,
Flitwick e Sprout agrupados à porta da sala de Feitiços — Não com a Umbridge
por lá.
—
Você acha que eles sabem de alguma novidade? — perguntou Rony, espiando por
cima do ombro para os três professores.
— Se
souberem, não vamos saber, não é? — falou Harry irritado — Não depois do
decreto... em que número estamos agora?
Pois
havia aparecido um novo aviso nos quadros das Casas na manhã seguinte à fuga de
Azkaban:
POR ORDEM DA ALTA INQUISIDORA DE HOGWARTS
Doravante, os professores estão
proibidos de passar informações aos estudantes que não estejam estritamente
relacionadas com as disciplinas que são pagos para ensinar. A ordem acima está
de acordo com o Decreto Educacional Número Vinte e Seis
Assinado:
Dolores Joana Umbridge,
Alta Inquisidora
Este
último decreto fora tema de um grande número de piadas entre os alunos. Lino
Jordan havia lembrado a Umbridge que, pelos termos da nova lei, ela não podia
ralhar com Fred e Jorge por brincarem com Snap Explosivo no fundo da sala.
—
Snap Explosivo não tem relação alguma com Defesa Contra as Artes das Trevas,
professora! Não é uma informação pertinente à sua disciplina!
Da
próxima vez que Harry encontrou Lino, as costas de uma das mãos do amigo
sangravam muito. Recomendou-lhe essência de murtisco.
Harry
achara que a fuga de Azkaban pudesse deixar Umbridge mais humilde, que ela
fosse se envergonhar do desastre que ocorrera bem debaixo do nariz do seu
querido Fudge. Parecia, porém, que a fuga apenas intensificara o seu desejo
furioso de submeter cada aspecto da vida de Hogwarts ao seu controle pessoal.
Parecia decidida a obter pelo menos uma demissão sem muita demora, a única
dúvida era quem iria primeiro, se a Profª. Trelawney ou Hagrid.
Cada
aula de Adivinhação e Trato das Criaturas Mágicas era dada em presença de
Umbridge e sua prancheta. Ela rondava a lareira na sala da torre intensamente
perfumada, interrompendo as aulas cada vez mais histéricas da Profª. Trelawney
com perguntas difíceis sobre ornitomancia e heptomologia, insistindo que ela
previsse as respostas dos alunos antes de recebê-las e exigindo que ela
demonstrasse sua perícia com a bola de cristal, as folhas de chá e as runas,
uma a uma. Harry achou que em breve Trelawney sucumbiria sob tanta pressão. Várias
vezes ele passou pela professora nos corredores, o que era em si uma ocorrência
incomum, pois em geral ela permanecia na sala da torre, murmurando tresloucada,
torcendo as mãos e lançando olhares aterrorizados por cima do ombro, exalando o
tempo todo um forte cheiro de xerez ordinário. Se não estivesse tão preocupado
com Hagrid, teria sentido pena dela, mas se alguém ia perder o emprego, só
poderia haver uma opção para Harry quanto a quem devia continuar.
Infelizmente,
Harry não conseguia imaginar Hagrid dando um espetáculo melhor do que
Trelawney. E embora ele parecesse estar seguindo o conselho de Hermione e não
tivesse mostrado aos alunos mais nada assustador do que um Crupe (um bicho que
pouco diferia de um cão terrier exceto pela cauda bifurcada), desde antes do
Natal, Hagrid também parecia ter se acovardado. Estava curiosamente distraído e
nervoso durante as aulas, perdia o fio do que estava ensinando à turma,
respondia errado às perguntas, e todo o tempo olhava ansioso para Umbridge.
Estava também mais distante de Harry, Rony e Hermione do que jamais estivera, e
os proibira expressamente de visitá-lo depois do escurecer.
— Se
ela pegar vocês, os nossos pescoços serão cortados — disse sem rodeios.
E
como os garotos não quisessem fazer nada que pudesse pôr em risco o emprego do
amigo, os três se abstiveram de ir até sua cabana à noite.
Parecia
a Harry que Umbridge estava constantemente privando-o de tudo que fazia sua
vida em Hogwarts valer a pena: as visitas à casa de Hagrid, as cartas de
Sirius, sua Firebolt e o quadribol. Ele se vingou da única maneira que sabia,
redobrando seus esforços na AD.
Harry
ficou satisfeito de constatar que todos, até mesmo Zacarias, tinham se sentido
incentivados a trabalhar com mais vigor que nunca ao saberem que mais dez
Comensais da Morte estavam agora soltos. Mas em ninguém essa melhoria foi mais
pronunciada do que em Neville.
A
notícia da fuga dos atacantes dos seus pais produzira nele uma alteração
estranha e até ligeiramente assustadora. Nunca mencionara o seu encontro com
Harry, Rony e Hermione na enfermaria fechada do St. Mungus e, seguindo sua
deixa, os garotos tinham se calado também. Tampouco comentara a fuga de
Belatriz e dos colegas torturadores. De fato, Neville quase não falava mais
durante as reuniões da AD, trabalhava sem descanso em cada nova azaração e
contra-azaração que Harry ensinava, seu rosto gorducho contorcido de
concentração, aparentemente insensível aos ferimentos ou acidentes, se
esforçando mais do que qualquer outro na sala. Estava melhorando tão depressa
que chegava a assustar, e quando Harry lhes ensinou o Feitiço Escudo (um meio
de desviar pequenos feitiços e fazê-los ricochetear contra o atacante) somente
Hermione dominou o feitiço mais depressa do que Neville.
Harry
teria dado o céu para fazer tanto progresso em Oclumência quanto Neville nas
reuniões da AD. As sessões de Harry com Snape, que tinham começado bastante
mal, não melhoraram. Pelo contrário, Harry sentia que estava piorando a cada
aula.
Antes
de começar a estudar Oclumência, sua cicatriz formigava ocasionalmente durante
a noite, ou então em seguida a um dos estranhos vislumbres dos pensamentos ou
emoções de Voldemort que captava de vez em quando. Agora, no entanto, sua
cicatriz quase nunca parava de formigar, e muitas vezes ele sentia súbitos
assomos de irritação ou alegria, alheios ao que estava lhe acontecendo no
momento, que eram sempre acompanhados por uma ferroada particularmente dolorosa
na cicatriz. Ele tinha a terrível impressão de que estava se transformando aos
poucos em uma espécie de antena alinhada com as mínimas flutuações do humor de
Voldemort, e tinha certeza de poder remontar esse aumento de sensibilidade à
primeira aula com Snape.
Além
do mais, agora estava sonhando quase toda a noite que caminhava pelo corredor
em direção à entrada do Departamento de Mistérios, sonhos esses que sempre
culminavam com ele parado cobiçoso diante da porta preta sem enfeites.
—
Talvez seja como uma doença — disse Hermione, parecendo preocupada, quando ele
confidenciou seus pensamentos aos dois amigos — Uma febre ou coisa assim. Tem
de piorar antes de melhorar.
— As
aulas com Snape estão fazendo piorar — afirmou Harry — Estou cansado de sentir
minha cicatriz doer e farto de andar pelo mesmo corredor toda noite — ele
esfregou a testa com raiva — Gostaria que a porta se abrisse, estou cheio de
ficar parado olhando para ela...
—
Isso não tem graça — disse Hermione com aspereza — Dumbledore não quer que você
tenha sonhos com aquele corredor, ou não teria pedido ao Snape que lhe
ensinasse Oclumência. Você vai ter é que se esforçar mais nas suas aulas.
—
Estou trabalhando! — respondeu Harry exasperado — Experimente você uma vez...
Snape tentando entrar na sua cabeça... não dá para gargalhar, sabe!
—
Talvez... — começou Rony lentamente.
—
Talvez o quê? — perguntou Hermione cortando-o.
—
Talvez não seja culpa de Harry que ele não consiga fechar a mente — arriscou
Rony sombriamente.
— Que
é que você está querendo dizer? — perguntou Hermione.
—
Bom, talvez Snape não esteja realmente querendo ajudar Harry...
Harry
e Hermione o encararam.
Rony
olhou um e outro com uma expressão misteriosa e assustadora.
—
Talvez — repetiu baixando mais a voz — Ele esteja, na verdade, tentando abrir
mais a mente de Harry... facilitar a entrada de Você-Sabe...
—
Cala a boca, Rony — disse Hermione zangada — Quantas vezes você suspeitou de
Snape, e quando foi que teve razão? Dumbledore confia nele, ele trabalha para a
Ordem, isso deveria ser suficiente.
— Ele
costumava ser um Comensal da Morte — teimou Rony — E nunca vimos prova de que
tenha realmente trocado de lado.
—
Dumbledore confia nele — repetiu Hermione — E se não pudermos confiar em
Dumbledore, então não poderemos confiar em mais ninguém.
Com
tanto com que se preocupar e tanto para fazer, uma assustadora quantidade de deveres
que freqüentemente mantinham os quintanistas trabalhando até depois da
meia-noite, as reuniões secretas da AD e as aulas regulares de Snape, o mês de
Janeiro parecia estar passando com alarmante rapidez.
Antes
que Harry desse por isso, Fevereiro chegara, trazendo um tempo mais úmido e
mais quente e a perspectiva da segunda visita do ano a Hogsmeade. Harry tivera
muito pouco tempo para gastar em conversas com Cho desde que haviam concordado
em visitar a vila juntos, mas de repente viu-se diante da perspectiva de passar
o Dia dos Namorados todo em sua companhia.
* * *
Na manhã do dia 14 de
fevereiro vestiu-se com especial cuidado. Ele e Rony chegaram ao salão para
tomar café na hora em que pousavam as corujas trazendo o correio. Edwiges não
apareceu, não que Harry a esperasse, mas Hermione ia puxando uma carta do bico
de uma coruja castanha desconhecida, quando eles se sentaram.
— E
já não era sem tempo! Se não tivesse vindo hoje... — comentou ela ansiosa,
abrindo o envelope de onde tirou um pequeno pergaminho.
Seus
olhos correram da esquerda para a direita quando leu a mensagem, e uma
expressão de sinistra satisfação se espalhou pelo seu rosto.
—
Escute, Harry — disse ela erguendo os olhos — Isto é realmente importante. Você
acha que pode se encontrar comigo no Três Vassouras por volta do meio-dia?
—
Bom... não sei — disse Harry em dúvida — Cho talvez esteja esperando que eu
passe o dia com ela. Não combinamos o que íamos fazer.
—
Bom, se precisar leve ela junto — disse Hermione com urgência — Mas você vai?
—
Bom... tudo bem, mas por quê?
—
Agora não tenho tempo de lhe contar, tenho de responder logo essa mensagem.
E
saiu correndo do Salão Principal, a carta apertada em uma das mãos e um pedaço
de torrada na outra.
—
Você vai? — Harry perguntou a Rony, que sacudiu a cabeça, com um ar deprimido.
— Nem
posso ir a Hogsmeade, Angelina quer que a gente treine o dia todo. Como se isso
fosse ajudar, somos o pior time que já vi. Você devia ver o Sloper e o Kirke,
são patéticos, piores que eu — ele deu um profundo suspiro — Não sei por que a
Angelina não me deixa pedir demissão de uma vez.
—
Porque você é bom quando está em forma, só por isso — retrucou Harry irritado.
Tinha
muita dificuldade em manifestar simpatia pela situação de Rony, quando ele
próprio teria dado quase tudo para participar do próximo jogo contra a
Lufa-Lufa. Rony pareceu perceber o tom do amigo, porque não tornou a mencionar
a partida durante o café, e houve uma certa frieza na maneira como se
despediram pouco depois. Rony saiu para o campo de quadribol e Harry, depois de
tentar assentar os cabelos, mirando-se no côncavo da colher, rumou sozinho para
o Saguão de Entrada para se encontrar com Cho, sentindo-se muito apreensivo e
se perguntando sobre o que iriam conversar.
Ela o
aguardava ao lado da porta de carvalho, muito bonita com os cabelos presos
atrás em um bonito rabo-de-cavalo.
Os
pés de Harry lhe pareceram grandes demais para o seu corpo enquanto caminhava
ao encontro dela, e de repente tomou consciência dos seus braços e como deviam
parecer idiotas balançando dos lados.
— Oi
— disse Cho ligeiramente sem ar.
— Oi
— disse Harry.
Eles
se olharam por um momento e Harry então falou:
—
Bom... ah... então vamos?
—
Ah... claro...
Os
dois entraram na fila de alunos a serem liberados por Filch, seus olhos se
encontrando ocasionalmente, dando sorrisos esquivos, mas não conversaram. Harry
sentiu alívio quando chegaram lá fora, achando mais fácil caminharem em
silêncio do que ficar parados constrangidos.
Era
um dia fresco, do tipo em que sopra uma brisa, e, ao passarem pelo estádio de
quadribol, Harry viu de relance Rony e Gina sobrevoando as arquibancadas e
sentiu uma terrível angústia por não estar lá no alto com eles.
—
Você realmente sente falta, não é? — perguntou Cho.
Harry
virou-se e notou que ela o observava.
—
Sinto — suspirou Harry — Sinto mesmo.
—
Lembra da primeira vez que jogamos como adversários no terceiro ano?
—
Lembro — disse Harry sorrindo — Você me bloqueou o tempo todo.
— E
Olívio disse para você parar de bancar o cavalheiro e me derrubar da vassoura
se precisasse — disse Cho, sorrindo com a lembrança — Ouvi dizer que ele foi
contratado pelo Orgulho de Portree, é verdade?
—
Nam, foi pelo Puddlemere United, eu o vi na final da Copa do Mundial no ano
passado.
— Ah,
também vi você lá, lembra? Estávamos no mesmo acampamento. Foi realmente bom,
não achou?
O
assunto Copa Mundial de Quadribol levou-os pela estrada da escola e além das
grades. Harry mal conseguia acreditar como era fácil conversar com ela, de
fato, não era mais difícil do que conversar com Rony e Hermione, e estava
começando a se sentir confiante e feliz quando uma enorme turma de garotas da
Sonserina passou por eles, inclusive Pansy Parkinson.
—
Potter e Chang! — guinchou Pansy, que puxou um coro de risinhos de deboche —
Eca, Chang, que mau gosto... pelo menos o Diggory era bonito!
As
garotas aceleraram o passo, falando e dando gritinhos críticos, lançando
olhares exagerados para Harry e Cho atrás, e deixando ao passar um silêncio
constrangido.
Harry
não conseguia pensar em mais nada para dizer sobre quadribol, e Cho, levemente
corada, olhava para os pés.
—
Então... aonde é que você quer ir? — perguntou Harry quando entraram em
Hogsmeade.
A Rua
Principal estava cheia de estudantes que caminhavam olhando vitrines e
tumultuando as calçadas.
—
Ah... não faz diferença — disse Cho encolhendo os ombros — Hum... vamos dar uma
olhada nas vitrines ou outra coisa qualquer?
Eles
foram andando em direção à Dervixes & Bangues. Um grande cartaz fora
afixado à vitrine, e alguns moradores de Hogsmeade o liam. Eles se afastaram
para um lado quando Harry e Cho se aproximaram, e o garoto se viu, mais uma
vez, diante das fotos dos dez Comensais da Morte fugitivos. O cartaz, “POR
ORDEM DO MINISTÉRIO DA MAGIA”, oferecia uma recompensa de mil galeões a qualquer
bruxo ou bruxa com informações que possibilitassem a recaptura dos condenados
retratados.
— É
engraçado, não é — comentou Cho em voz baixa, olhando as fotos dos Comensais da
Morte — Lembra quando Sirius Black fugiu e havia Dementadores por toda Hogsmeade
à procura dele? E agora dez Comensais da Morte estão soltos e não há
Dementadores em lugar nenhum...
— É —
concordou Harry, desviando os olhos do rosto de Belatriz Lestrange para os dois
lados da Rua Principal — É, é bem esquisito.
Ele
não lamentava que não houvesse Dementadores por ali, mas agora, pensando bem, a
ausência deles era extremamente significativa. Não somente haviam deixado os
Comensais da Morte escapar, como nem estavam se dando o trabalho de
procurá-los... parecia que agora haviam realmente escapado ao controle do
Ministério.
Os
dez fugitivos estavam em todas as vitrines pelas quais eles passaram. Na altura
da Loja de Penas Escriba, começou a chover, pingos grossos e frios batiam no
rosto e na nuca de Harry.
—
Ah... quer tomar um café? — perguntou Cho hesitante, quando a chuva começou a
cair com mais intensidade.
— Ah,
vamos — disse Harry olhando ao redor — Aonde?
— Ah,
tem um lugar realmente gostoso ali adiante, você nunca esteve no Madame
Puddifoot? — perguntou ela, animada, conduzindo-o, por uma rua lateral, a uma
pequena casa de chá em que Harry nunca reparara antes.
Era
um lugarzinho apertado e cheio de vapor, onde tudo parecia ter sido decorado
com laços e babadinhos. Lembrou a Harry desagradavelmente a sala da Umbridge.
—
Bonitinho, não é? — perguntou Cho alegre.
—
Ah... é — respondeu Harry sem sinceridade.
—
Olhe, ela preparou uma decoração para o Dia dos Namorados! — disse Cho,
apontando para os querubins dourados que pairavam sobre as mesinhas circulares,
e que a intervalos deixavam cair confetes sobre os fregueses.
—
Aaah...
Os
dois se sentaram à última mesa que restava, ao lado da janela embaçada. Rogério
Davies, capitão do time da Corvinal, estava sentado a menos de meio metro com
uma lourinha bonita. De mãos dadas. A cena fez Harry se sentir pouco à vontade,
particularmente quando, ao correr os olhos pela loja, viu que só havia casais,
todos de mãos dadas. Talvez Cho esperasse que ele segurasse a mão dela.
— Que
posso servir a vocês, queridos? — perguntou Madame Puddifoot, uma mulher muito
corpulenta com um coque negro e brilhante, espremendo-se entre a mesa deles e a
de Rogério com grande dificuldade.
—
Dois cafés, por favor — pediu Cho.
No
intervalo que levou para os cafés chegarem, Rogério Davies e a namorada
começaram a se beijar por cima do açucareiro. Harry gostaria que não o tivessem
feito, sentia que Davies estava estabelecendo um padrão com o qual Cho logo
iria querer que ele competisse. Sentiu seu rosto começar a esquentar e tentou
olhar pela janela, mas estava tão embaçada que não dava para ver a rua lá fora.
Para adiar o momento em que teria de olhar para Cho, Harry ergueu os olhos como
se estivesse examinando a pintura e recebeu um punhado de confete no rosto,
lançado pelos querubins.
Passados
mais alguns minutos penosos, Cho mencionou Umbridge. Harry aproveitou a
oportunidade com alívio, e passaram alguns momentos divertidos xingando-a, mas,
como o assunto já fora examinado tão plenamente durante as reuniões da AD, não
durou muito tempo.
O
silêncio tornou a cair.
Harry
estava muito consciente dos barulhos de mastigar e engolir da mesa ao lado, e
procurou desesperadamente mais alguma coisa para falar.
—
Ah... escute aqui, você quer ir comigo ao Três Vassouras na hora do almoço?
Preciso me encontrar com Hermione Granger lá.
Cho
ergueu as sobrancelhas.
—
Você precisa se encontrar com Hermione Granger? Hoje?
— É.
Bom, ela me pediu, então achei que tudo bem. Você quer ir comigo? Ela disse que
tudo bem se você fosse.
—
Ah... bom... que simpática!
Mas
Cho não parecia ter achado nada simpático. Pelo contrário, seu tom foi frio e,
de repente, ela assumiu um ar hostil.
Mais
alguns minutos se passaram em total silêncio, Harry tomando seu café tão
depressa que logo precisaria de outro. Ao lado, Rogério e a namorada pareciam
estar colados pelos lábios.
A mão
de Cho estava em cima da mesa, ao lado do seu café, e Harry começou a sentir um
impulso crescente de segurá-la.
Então
segure-a, disse a si mesmo, enquanto uma fonte de pânico e excitação jorrava em
seu peito, estique a mão e segure-a. Surpreendente, como era muito mais difícil
esticar o braço trinta centímetros e tocar a mão dela do que capturar um pomo
passando veloz no ar...
Mas,
na hora em que estendeu a mão, Cho retirou a dela da mesa. Estava agora
observando Rogério beijar a namorada com uma expressão levemente interessada.
— Ele
me convidou para sair, sabe — disse em voz baixa — Há umas duas semanas, o
Rogério. Mas eu não aceitei.
Harry,
que agarrara o açucareiro para justificar o seu gesto repentino, não conseguiu
entender por que Cho estava lhe dizendo aquilo. Se queria estar sentada na mesa
ao lado, sendo calorosamente beijada por Rogério Davies, então por que
concordara em vir com ele?
Continuou
calado. O querubim sobre a mesa atirou mais um punhado de confetes neles, alguns
caíram no restinho frio de café na xícara que Harry ia beber.
— Vim
aqui com Cedrico no ano passado — disse Cho.
No
segundo, ou pouco mais, que Harry levou para entender o que Cho dissera, suas
entranhas congelaram. Não conseguia acreditar que quisesse falar de Cedrico
neste momento, com casais se beijando ao seu redor e querubins sobrevoando suas
cabeças.
A voz
de Cho estava bem mais alta quando tornou a falar.
— Há
um tempão que estou querendo perguntar a você... o Cedrico... ele f-ffalou em
mim antes de morrer?
Este
era o último assunto no mundo que Harry queria discutir, e menos ainda com Cho.
—
Bom... não... — disse calmamente — Não... não houve tempo para ele dizer nada.
Hum... então... você... assiste a muitas partidas de quadribol durante as
férias? Você torce pelos Tornados, certo?
Sua
voz parecia falsamente animada e feliz. Para seu horror, os olhos dela estavam
mais uma vez marejados de lágrimas, como depois da última reunião da AD antes
do Natal.
—
Olhe — disse ele desesperado, curvando-se para ninguém mais ouvir — Não vamos
falar de Cedrico agora... vamos falar de outra coisa...
Mas,
aparentemente, dissera a coisa errada.
—
Pensei — disse Cho com as lágrimas salpicando a mesa — Pensei que você
en-en-entenderia! Preciso falar nisso! Com certeza você também p-precisa falar!
Quero dizer, você viu acontecer, não v-viu?
Tudo
estava saindo errado como em um pesadelo, a namorada de Rogério até descolara
dele para apreciar.
—
Bom... eu falei nisso — disse Harry num sussurro — Com Rony e Hermione, mas...
— Ah,
você fala com Hermione Granger! — disse Cho com voz aguda, o rosto agora
brilhante de lágrimas. Outros tantos casais que se beijavam pararam para olhar
— Mas não quer falar comigo! T-talvez fosse melhor se a gente simplesmente
p-pagasse a conta e você fosse se encontrar com Hermione GGranger, como é óbvio
que quer fazer!
Harry
encarou-a, absolutamente perplexo, enquanto ela apanhava o guardanapo de
babadinhos e secava o rosto.
—
Cho! — disse ele com a voz fraquinha, desejando que Rogério agarrasse a namorada
e recomeçasse a beijá-la para impedi-la de ficar encarando os dois.
— Vá
embora, então! — disse ela, agora chorando no guardanapo — Não sei por que você
me convidou para sair, para começar, se combinou se encontrar com outras
garotas depois de mim... quantas mais você vai encontrar depois da Hermione?
— Não
é nada disso! — disse Harry, e estava tão aliviado de finalmente compreender o
motivo do aborrecimento de Cho que riu, o que percebeu, uma fração de segundo
depois, tarde demais, que também fora um erro.
Cho
se levantou.
A
sala estava silenciosa e todos os observavam.
— A
gente se vê por aí, Harry — disse ela teatralmente, e, soluçando um pouco,
precipitou-se para a porta, abriu-a com violência e saiu para a chuva intensa.
—
Cho! — Harry chamou, mas a porta já se fechara com um tilintar musical.
Fez-se
absoluto silêncio na casa de chá. Todos os olhares convergiram para Harry. Ele
atirou um galeão na mesa, sacudiu o confete dos cabelos e saiu atrás de Cho.
Chovia
pesado e ela não estava à vista. Harry simplesmente não entendia o que
acontecera, há meia hora eles estavam se entendendo bem.
—
Mulheres! — resmungou com raiva, chapinhando pela rua lavada de chuva com as
mãos nos bolsos — Afinal, para que é que ela queria falar do Cedrico? Por que
está sempre querendo puxar um assunto que a faz agir como se fosse uma
mangueira humana?
Ele
virou à direita e saiu correndo, espadanando água, e alguns minutos depois
chegava à porta do Três Vassouras. Sabia que era cedo demais para se encontrar
com Hermione, mas achou que provavelmente haveria alguém lá com quem ele
pudesse passar o tempo. Sacudiu os cabelos molhados para afastá-los e relanceou
o olhar pela sala.
Hagrid
estava sentado sozinho em um canto, parecendo infeliz.
— Oi,
Hagrid! — chamou Harry, espremendo-se entre as mesas cheias e puxando uma
cadeira para sentar ao lado do amigo.
Hagrid
deu um pulo e olhou para baixo como se mal o reconhecesse. O garoto notou que
havia dois novos cortes e vários hematomas em seu rosto.
— Ah,
é você, Harry. Você está bom?
—
Estou ótimo — mentiu Harry, mas ao lado do maltratado e tristonho Hagrid sentiu
que não tinha muito do que se queixar.
—
Ah... você está ok?
— Eu?
Ah, estou ótimo, Harry, ótimo.
Ele
olhou para o fundo do caneco de estanho, do tamanho de um balde, e suspirou.
Harry não sabia o que dizer. Ficaram lado a lado em silêncio por um momento.
Então Hagrid disse abruptamente.
— No
mesmo barco, você e eu, não estamos, Harry?
—
Ah...
—
É... já disse isso antes... os dois forasteiros, por assim dizer — comentou Hagrid
acenando a cabeça sensatamente — E os dois órfãos. É... os dois órfãos.
Ele
tomou um longo gole.
— Faz
diferença ter uma família decente. Meu pai era decente. O seu pai e sua mãe
eram decentes. Se tivessem vivido, a vida teria sido diferente, hein?
— É...
suponho que sim — concordou Harry com cautela.
Hagrid
parecia estar num estado de ânimo muito estranho.
—
Família — disse sombriamente — Podem dizer o que quiserem, o sangue é
importante...
E
enxugou um fio de lágrima que escorria do olho.
—
Hagrid — perguntou Harry, incapaz de se conter — Onde é que você está
arranjando todos esses ferimentos?
— Eh?
— exclamou Hagrid parecendo assustado — Que ferimentos?
—
Todos esses aí! — disse Harry apontando para o seu rosto.
—
Ah... são só pancadas e arranhões normais — disse ele desencorajando perguntas
— É um trabalho espinhoso.
Ele
esvaziou o caneco, descansou-o na mesa e se levantou.
— A
gente se vê, Harry... cuide-se bem.
Ele
saiu pesadamente do bar com um ar deprimido, e desapareceu na chuva torrencial.
Harry acompanhou-o com o olhar, sentindo-se no fundo do poço. Hagrid estava
infeliz e escondia alguma coisa, mas parecia decidido a não aceitar ajuda. Que
estaria acontecendo? Antes que Harry pudesse continuar a refletir, ouviu alguém
chamando-o.
—
Harry! Harry, aqui!
Hermione
acenava para ele do outro lado da sala. Ele se levantou e atravessou o pub
cheio. Ainda estava a algumas mesas de distância quando percebeu que a amiga
não estava sozinha. Estava sentada à mesa com os companheiros de copos mais
improváveis que ele poderia imaginar: Luna Lovegood e ninguém menos que Rita
Skeeter, ex-jornalista do Profeta Diário e uma das pessoas de quem Hermione
menos gostava no mundo.
—
Você chegou cedo! — disse Hermione puxando a cadeira para abrir espaço para ele
sentar — Pensei que estivesse com a Cho, só esperava você daqui a uma hora!
—
Cho? — exclamou Rita na mesma hora, se virando na cadeira para encarar Harry
com avidez — Uma garota?
Ela
agarrou a bolsa de couro de crocodilo e procurou alguma coisa dentro.
— Não
é da sua conta se Harry estava com cem garotas — disse Hermione a Rita
calmamente — Então pode guardar isso agora mesmo.
Rita
já ia tirando uma pena verde ácido da bolsa. Fazendo cara de quem fora obrigada
a engolir palha-fede, ela tornou a fechar a bolsa com um estalo.
— Que
é que vocês estão tramando? — perguntou Harry, sentando-se e olhando de Rita
para Luna e desta para Hermione.
— A
Srta. Perfeição ia me dizer quando você chegou — disse Rita tomando um grande
gole de sua bebida — Imagino que eu tenha permissão de falar com ele, não? —
disparou contra Hermione.
—
Imagino que sim — respondeu a outra com frieza.
O
desemprego não fazia bem a Rita. Seus cabelos, que antigamente eram penteados
com cachos caprichosos, agora caíam lisos e malcuidados em torno do rosto. A
tinta escarlate nas garras de cinco centímetros estava lascada e faltavam umas
pedrinhas nos seus óculos de asas. Ela tomou outro grande gole e perguntou a
Harry pelo canto da boca:
— É
uma garota bonita, Harry?
—
Mais uma palavra sobre a vida amorosa de Harry e o trato está desfeito, eu juro
— disse Hermione irritada.
— Que
trato? — perguntou Rita, enxugando a boca com as costas da mão — Você ainda não
tinha falado em trato, Srta. Certinha, só me disse para aparecer. Ah, um dia
desses... — ela inspirou profundamente estremecendo.
—
Sei, sei, um dia desses você vai escrever mais histórias horrorosas sobre Harry
e mim — retorquiu Hermione com indiferença — Procure alguém que se interesse,
por que não faz isso?
—
Publicaram muitas histórias horrorosas sobre Harry este ano sem a minha ajuda —
retrucou Rita, olhando-o enviesado por cima dos óculos e acrescentando num
sussurro rouco — Como foi que você se sentiu, Harry? Traído? Incompreendido?
—
Harry sente raiva, é claro — respondeu Hermione com a voz dura e clara — Porque
ele disse a verdade ao Ministro da Magia e o Ministro é idiota demais para
acreditar.
—
Então você na realidade continua a afirmar que Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado
retornou? — perguntou Rita, baixando o copo e submetendo Harry a um olhar
penetrante, enquanto seu dedo procurava ansiosamente o fecho da bolsa de
crocodilo — Você sustenta todas as bobagens que Dumbledore tem dito sobre
Você-Sabe-Quem ter retornado e você ser a única testemunha?
— Eu
não fui a única testemunha — vociferou Harry — Havia mais de uma dúzia de
Comensais da Morte presentes. Quer saber o nome deles?
—
Adoraria saber — sussurrou Rita, agora tornando a mexer na bolsa, sem tirar os
olhos de Harry como se o garoto fosse a coisa mais bonita que ela já vira — Uma
enorme manchete: “Potter acusa..!” um subtítulo “Harry Potter cita os nomes dos
Comensais da Morte entre nós”. E embaixo uma bela fotografia “Adolescente
perturbado que sobreviveu a um ataque de Você-Sabe-Quem, Harry Potter, 15 anos,
provocou indignação ontem ao acusar membros respeitáveis e destacados da
comunidade bruxa de serem Comensais da Morte..!”.
A
Pena de Repetição Rápida já estava na mão da repórter e a meio caminho da boca,
quando a expressão arrebatada em seu rosto se desfez.
—
Mas, naturalmente — disse baixando a pena e fuzilando Hermione com o olhar — A
Srta. Perfeição não iria querer ver essa história divulgada, não?
— Na
verdade — disse Hermione com meiguice — É exatamente o que a Srta. Perfeição
deseja.
Rita
arregalou os olhos para Hermione. E Harry também. Luna, por outro lado,
cantarolou baixinho como se sonhasse “Weasley é nosso rei”, e mexeu sua bebida
com uma cebola de coquetel na ponta de um palito.
—
Você quer que eu noticie o que ele diz a respeito de
Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado? — perguntou Rita a Hermione em tom abafado.
—
Quero. A história verdadeira. Todos os fatos. Exatamente como Harry os conta.
Ele lhe dará todos os detalhes, lhe dirá os nomes dos Comensais da Morte não
conhecidos do público que ele viu lá, iludirá que aparência tem Voldemort
agora, ah, controle-se — acrescentou com desdém, atirando o guardanapo sobre a
mesa, pois, ao som do nome de Voldemort, Rita se assustara tanto que derramara
metade do copo de uísque de fogo na roupa.
Rita
enxugou a frente da capa de chuva encardida, ainda encarando Hermione.
Então
disse capengamente:
— O
Profeta não publicaria isso. Caso você não tenha notado, ninguém acredita nessa
conversa fiada. Todos acham que ele é delirante. Agora, se você me deixar
escrever a notícia daquele ângulo...
— Não
precisamos de outra notícia contando como foi que Harry ficou biruta! —
exclamou Hermione zangada — Já lemos muitas dessas, muito obrigada! Quero que
ele tenha a oportunidade de contar a verdade!
— Não
há mercado para uma notícia dessas — respondeu Rita com frieza.
—
Você quer dizer que o Profeta não publicará porque Fudge não vai deixar — disse
Hermione irritada.
Rita
lançou a Hermione um olhar longo e duro. Então, curvando-se sobre a mesa se
dirigiu à garota em tom objetivo.
—
Muito bem, Fudge está ameaçando o Profeta, o que dá no mesmo. O jornal não vai
publicar uma reportagem favorável a Harry. Ninguém quer lê-la. É contra o
sentimento público. Essa última fuga de Azkaban já deixou as pessoas bem
preocupadas. Ninguém quer acreditar que Você-Sabe-Quem retornou.
—
Então o Profeta Diário existe para dizer às pessoas o que elas querem ouvir, é
isso? — perguntou Hermione criticamente.
Rita
tornou a se endireitar, as sobrancelhas erguidas, e virou seu copo de Uísque de
Fogo.
— O
Profeta existe para vender exemplares, sua tolinha — disse com frieza.
— Meu
pai acha que é um péssimo jornal — comentou Luna, entrando inesperadamente na
conversa. Chupando a cebolinha do seu coquetel, ela fixou em Rita seus olhos
enormes, protuberantes, ligeiramente alucinados — Meu pai divulga notícias
importantes que acha que o público quer ler. Não está interessado em ganhar
dinheiro.
Rita
olhou depreciativamente para Luna.
— Dá
para adivinhar que seu pai publica um jornaleco idiota de interior, não é?
Provavelmente Vinte e Cinco Maneiras de se Misturar com os Trouxas e as datas
dos próximos bazares.
— Não
— respondeu Luna, tornando a mergulhar a cebolinha na água de gilly — Ele é o
editor do Pasquim.
Rita
soltou um bufo tão alto que as pessoas nas mesas próximas olharam assustadas.
—
Notícias importantes que ele acha que o público deve saber, hein? — fulminou —
Eu poderia estrumar o meu jardim com o conteúdo daquele trapo.
—
Bom, então esta é a sua chance de melhorar o conteúdo da revista, não? —
sugeriu Hermione com gentileza — Luna diz que o pai dela ficaria muito contente
em fazer uma entrevista com Harry. Ele é quem irá publicá-la.
Rita
encarou as garotas por um momento, então soltou gargalhadas.
— O
Pasquim! — exclamou com um cacarejo — Vocês acham que as pessoas vão levar Harry
a sério se ele aparecer no Pasquim!
—
Algumas pessoas não — disse Hermione com a voz controlada — Mas a versão que o
Profeta publicou da fuga de Azkaban tinha furos enormes. Acho que muita gente
deverá estar se perguntando se não há uma explicação melhor para o que
aconteceu, e se há uma história alternativa, mesmo que seja publicada por um...
— olhou para Luna de esguelha — Em um... bom, uma revista incomum... acho que
essa gente poderia gostar de lê-la.
Rita
ficou em silêncio por algum tempo, mas mirou Hermione astutamente, a cabeça um
pouco inclinada para um lado.
—
Tudo bem, vamos dizer por um momento que eu aceite — disse subitamente — Que
tipo de remuneração vou receber?
—
Acho que papai não chega exatamente a pagar as pessoas para escreverem para a
revista — disse Luna sonhadora — Escrevem porque é uma honra e, naturalmente,
para ver o nome delas em letra de imprensa.
A
cara de Rita Skeeter ao se virar para Hermione era de quem achou outra vez
forte o gosto do Palha-fede na boca.
— E
para eu fazer isso de graça'?
—
Bom, é — disse Hermione calmamente, tomando um golinho da bebida — Do
contrário, como você já sabe, informarei às autoridades que você nunca se
registrou como animago. Naturalmente, o Profeta Diário talvez lhe pague um bom
cachê por uma reportagem em primeira mão da vida em Azkaban.
Pela
reação pareceu que nada daria mais prazer a Rita do que agarrar a sombrinha de
papel que saía da bebida de Hermione e enfiá-la pelo nariz da garota adentro.
—
Suponho que não tenha outra opção, não é? — disse com a voz ligeiramente
trêmula.
Abriu,
então, a bolsa de crocodilo mais uma vez, apanhou um pergaminho e ergueu a Pena
de Repetição Rápida.
—
Papai vai ficar satisfeito — disse Luna animada.
Um
músculo tremeu no queixo de Rita.
— Ok,
Harry? — perguntou Hermione, virando-se para o garoto — Pronto para contar a
verdade ao público?
—
Suponho que sim — disse Harry observando Rita pôr em posição a Pena de
Repetição Rápida sobre o pergaminho que os separava.
—
Então, pode começar, Rita — disse Hermione serenamente, pescando uma cereja do
fundo do copo.
________________________
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe seu comentário para elogiar ou criticar o T.World. Somente com seu apoio e ajuda, o T.World pode se tornar ainda melhor.