— CAPÍTULO QUINZE —
A Alta Inquisidora de Hogwarts
OS GAROTOS PENSARAM QUE
na manhã seguinte teriam de esquadrinhar meticulosamente o Profeta Diário da
Hermione para encontrar o artigo que Percy mencionara em sua carta.
No
entanto, a coruja-entregadora mal levantara vôo da jarra de leite em que pousara
quando Hermione já deixava escapar uma enorme exclamação e abria o jornal todo
para mostrar uma grande foto de Dolores Umbridge com um enorme sorriso,
piscando lentamente para eles sob a manchete.
MINISTÉRIO QUER REFORMA NA EDUCAÇÃO
DOLORES UMBRIDGE NOMEADA PRIMEIRA
ALTA INQUISIDORA DA HISTÓRIA
—
Umbridge... Alta Inquisidora? — foi a exclamação sombria de Harry, deixando
escorregar da ponta dos dedos a torrada meio comida — Que é que eles querem
dizer com isso?
Hermione
leu em voz alta:
Ontem à noite, o Ministério da Magia
surpreendeu a todos aprovando uma lei que concede ao próprio órgão um nível de
controle sem precedentes sobre a Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts.
— Já há algum tempo, o Ministro tem
se mostrado apreensivo com o que acontece em Hogwarts — comentou seu
assistente-júnior, Percy Weasley — O decreto é uma resposta às preocupações
expressadas por pais ansiosos que sentem que a escola está trilhando um caminho
que desaprovam.
Não é a primeira vez nas últimas
semanas que o Ministro Cornélio Fudge tem usado novas leis para realizar
aperfeiçoamentos na escola de magia. Em 30 de Agosto recente, foi aprovado o
Decreto de Educação n.º 22, para assegurar que, na eventualidade do atual
diretor não conseguir apresentar um candidato a uma vaga de professor, o
Ministério selecione uma pessoa habilitada.
— Foi assim que Dolores Umbridge
acabou sendo indicada para o corpo docente de Hogwarts — disse Weasley ontem à
noite — Dumbledore não conseguiu encontrar ninguém, então o Ministério nomeou
Umbridge e, naturalmente, ela alcançou imediato sucesso...
— Ela
o QUE? — exclamou Harry em voz alta.
—
Espere, ainda tem mais — disse Hermione séria:
—... imediato sucesso, revolucionando
inteiramente o ensino da Defesa Contra as Artes das Trevas e informando em
primeira mão ao Ministro o que está realmente ocorrendo em Hogwarts.
É esta função que o Ministério está
formalizando agora ao aprovar o Decreto de Educação n° 23, que cria o cargo de
Alta Inquisidora de Hogwarts.
— Inicia-se assim uma nova fase no
plano ministerial para enfrentar o que alguns têm chamado de queda nos padrões
de Hogwarts — diz Weasley — A Inquisidora terá poderes para inspecionar seus
colegas educadores e se assegurar de que estejam satisfazendo os padrões
desejados. O cargo foi oferecido à Profª. Umbridge, que aceitou a nova
incumbência e a irá acumular com o cargo docente que ora exerce.
As novas medidas do Ministério
receberam o apoio entusiástico dos pais dos alunos de Hogwarts.
— Eu me sinto muito mais tranqüilo
agora que sei que Dumbledore está sujeito a avaliações justas e objetivas —
declarou o Sr. Lúcio Malfoy, 41, à noite passada de sua mansão de Wiltshire —
Muitos de nós, que no fundo queremos que nossos filhos sejam felizes e
bem-sucedidos, estávamos preocupados com algumas decisões excêntricas que
Dumbledore andou tomando nos últimos anos, e ficamos contentes de saber que o
Ministério está atento a situação.
Sem dúvida, entre as decisões
excêntricas mencionadas encontram-se as nomeações controversas apontadas pelo
nosso jornal, entre as quais se incluem a contratação do lobisomem Remo Lupin,
do meio-gigante Rúbeo Hagrid e do ex-auror delirante Olho-Tonto Moody.
Naturalmente, correm muitos boatos de
que Alvo Dumbledore, que no passado foi o Chefe Supremo da Confederação Internacional
de Bruxos e Bruxo-Presidente da Suprema Corte, não está mais à altura de
administrar a prestigiosa Escola de Hogwarts.
— Acho que a nomeação da Inquisidora
é o primeiro passo para assegurar que Hogwarts tenha um diretor em quem
possamos depositar nossa confiança — declarou uma fonte do Ministério à noite
passada.
Os juízes da Suprema Corte, Griselda
Marchbanks e Tibério Ogden, renunciaram aos seus mandatos, em protesto à
criação do cargo de Inquisidora de Hogwarts.
— Hogwarts é uma escola e não um
posto avançado do gabinete de Cornélio Fudge — declarou Madame Marchbanks —
Trata-se de mais uma tentativa repugnante de desacreditar Alvo Dumbledore.
(Leiam a história completa das
supostas ligações de Madame Marchbanks com grupos de duendes subversivos na p.
17)
Hermione
terminou de ler e olhou para os dois garotos sentados à sua frente.
—
Então agora sabemos como foi que acabamos alunos da Umbridge! Fudge aprovou o “Decreto de Educação” e forçou a sua
contratação! Agora lhe concedeu o poder de inspecionar os outros professores! —
Hermione ofegava e tinha os olhos muito brilhantes — Não consigo acreditar. É
um absurdo!
— Sei
que é — disse Harry.
E
olhou para sua mão direita, agarrada ao tampo da mesa, e viu o leve contorno
branco das palavras que Umbridge o forçara a gravar na pele.
Mas
no rosto de Rony começou a se abrir um sorriso.
— Que
foi? — perguntaram Harry e Hermione juntos, olhando para ele.
— Ah,
mal posso esperar para ver a McGonagall ser inspecionada — disse feliz — A
Umbridge não vai saber nem o que foi que a acertou.
— Ah,
vamos — disse Hermione, levantando-se de um salto — É melhor irmos andando, se
ela estiver inspecionando a classe de Binns não vamos querer chegar
atrasados...
Mas a
Profª. Umbridge não estava inspecionando a aula de História da Magia, que foi
tão desinteressante quanto a da Segunda-Feira anterior, tampouco estava na
masmorra de Snape, quando eles chegaram para os dois tempos de Poções, em que o
trabalho de Harry sobre a pedra da lua foi-lhe devolvido com um enorme e garranchoso
“D” no canto superior.
— Dei
a vocês as notas que teriam recebido se tivessem apresentado esses trabalhos no
seu N.O.M. — disse Snape com um sorriso afetado, ao passar pelos alunos
devolvendo os deveres — Isto deverá lhes dar uma idéia realista do que esperar
no exame.
Snape
foi até a frente da classe e se voltou para a turma.
— O
nível geral dos deveres foi abissal. A maioria de vocês não teria passado se
fosse um exame real. Espero observar um esforço bem maior no trabalho desta
semana sobre as variedades de antídotos para venenos ou terei de começar a
distribuir detenções para os tapados que receberem “D”.
O
professor riu com afetação quando Malfoy deu uma risadinha e disse num sussurro
ressonante:
—
Teve gente que recebeu um “D”? Ha!
Harry
percebeu que Hermione estava olhando de esguelha para ver que nota o garoto
recebera, mas Malfoy escorregou o trabalho para dentro da mochila o mais
depressa que pôde, sentindo que preferia guardar essa informação só para ele.
Decidido
a não dar a Snape um pretexto para anular seu exercício, Harry leu e releu cada
linha de instrução no quadro-negro pelo menos três vezes antes de segui-la.
Sua
Solução para Fortalecer não ficou exatamente um turquesa-claro como a da
Hermione, mas, pelo menos, ficou azul e não rosa, como a de Neville, e ele
depositou o seu frasco na mesa de Snape ao final da aula, com uma sensação em
que se mesclaram o desafio e o alívio.
—
Bom, não foi tão ruim quanto na semana passada, não é? — comentou Hermione
quando subiam as escadas das masmorras para atravessar o Saguão de Entrada e ir
almoçar — E o dever de casa também não foi nada mau, não é?
Ao
ver que nem Rony nem Harry respondiam, ela insistiu:
—
Quero dizer, tudo bem, eu não esperava a nota máxima, não se Snape estiver
corrigindo pelos padrões do N.O.M., mas um “ótimo” é bastante animador nesse
estágio, não acham?
Harry
produziu um som indistinto com a garganta.
—
Claro, muita coisa pode acontecer entre agora e o exame, temos bastante tempo
para melhorar, mas as notas que estamos recebendo são uma espécie de base, não
acham? A partir delas podemos ir construindo...
Os
três se sentaram à mesa da Grifinória.
— E
óbvio que eu teria vibrado se tivesse recebido a nota máxima...
—
Hermione — disse Rony com rispidez — Se você quiser saber que notas nós tiramos
é só perguntar.
— Eu
não... eu não tive intenção... bom, se vocês quiserem me dizer...
—
Tirei um “P” — disse Rony, servindo uma concha de sopa em seu prato — Contente?
—
Ora, não tem do que se envergonhar — disse Fred, que acabara de chegar à mesa
com Jorge e Lino Jordan, e estava se sentando à direita de Harry — Não há nada
de errado com um saudável “P”.
— Mas
— perguntou Hermione — “P” não significa...
—
“Péssimo”, isso mesmo — disse Lino — Mas ainda é melhor do que um “D”, não é?
“Deplorável”?
Harry
sentiu o rosto esquentar, e fingiu um pequeno acesso de tosse provocado pelo
pão. Quando se recuperou do acesso, lamentou ver que Hermione continuava
falando sobre as notas do N.O.M.
—
Então a melhor nota é “O” de “Ótimo” — ia dizendo — Depois tem o “A”.
—
Não, o “E” — Jorge a corrigiu — “E” de “Excede Expectativas”. Sempre achei que
Fred e eu devíamos ter recebido “E” em tudo, porque excedemos as expectativas
só de comparecer para prestar os exames.
Todos
riram, exceto Hermione, que insistiu.
— Então,
depois do “E" tem o “A”, de “Aceitável”, e esta é a última nota para
aprovação, não é?
— É —
respondeu Fred, enfiando um pãozinho inteiro na sopa, transferindo-o para a
boca e o engolindo de uma só vez.
— Aí
vem o “P” de “Péssimo” — Rony ergueu os dois braços fingindo comemorar — E “D”
de “Deplorável”.
— E
por fim o “T” —Jorge lembrou ao irmão.
—
“T”? — perguntou Hermione, parecendo admirada — Ainda abaixo de “D”? Que é que
significa “T”?
—
“Trasgo” — disse Jorge imediatamente.
Harry tornou a rir, embora não tivesse muita certeza se Jorge estaria ou não brincando. Ele imaginou tentar esconder de Hermione que recebera “T” em todos os seus N.O.M.s, e decidiu imediatamente se esforçar mais dali em diante.
Harry tornou a rir, embora não tivesse muita certeza se Jorge estaria ou não brincando. Ele imaginou tentar esconder de Hermione que recebera “T” em todos os seus N.O.M.s, e decidiu imediatamente se esforçar mais dali em diante.
Notas de Aprovação
|
Notas de Reprovação
|
||
O
|
Ótimo
|
P
|
Péssimo
|
E
|
Excede Expectativas
|
D
|
Deplorável
|
A
|
Aceitável
|
T
|
Trasgo
|
—
Vocês já tiveram uma aula inspecionada? — perguntou Fred.
— Não
— respondeu Hermione na hora — Vocês já?
—
Acabamos de ter uma, antes do almoço — disse Jorge — Feitiços.
— E
como foi? — perguntaram Harry e Hermione juntos.
Fred
sacudiu os ombros.
—
Nada mau. Umbridge só ficou escondida em um canto, tomando notas em uma
prancheta. Vocês conhecem o Flitwick, ele a tratou como convidada, e não
pareceu se incomodar. Ela não disse muita coisa. Fez umas perguntas a Alicia,
para saber como são normalmente as aulas, Alicia respondeu que eram realmente
boas, e foi só.
— Não
consigo ver o velho Flitwick recebendo nota baixa — comentou Jorge — Ele
normalmente consegue fazer todo o mundo passar bem nos exames.
— Com
quem vocês têm aula hoje à tarde? — perguntou Fred a Harry.
—
Trelawney...
— Um
“T” se é que já vi algum.
—...
e a própria Umbridge.
—
Vai, seja bonzinho e fica calmo com a Umbridge hoje — disse Jorge — Angelina
vai enlouquecer a mulher se você perder mais um treino de quadribol.
Mas
Harry não precisou esperar até a Defesa Contra as Artes das Trevas para
encontrar a Profª. Umbridge.
Estava
sentado em uma cadeira no fundo da sombria sala de Adivinhação, tirando da
mochila o seu diário de sonhos, quando Rony lhe deu uma cotovelada nas costelas
e, ao olhar para o lado, ele viu a Profª. Umbridge surgir pelo alçapão no piso.
A turma, que estivera conversando alegre, calou-se imediatamente. A queda
abrupta no nível do barulho fez a Profª. Trelawney, que vagava pela sala
distribuindo exemplares do Oráculo dos Sonhos, virar-se para olhar.
— Boa
tarde, professora — disse a Profª. Umbridge com seu largo sorriso — Você
recebeu o meu bilhete, espero? Informando a hora e a data da sua inspeção?
A
Profª. Trelawney fez um breve aceno com a cabeça e, parecendo muito
descontente, deu as costas à recém-chegada, e continuou a distribuir os livros.
Ainda
sorridente, a Profª. Umbridge agarrou o espaldar da poltrona mais próxima e
puxou-a até a frente da classe, de modo a colocá-la alguns centímetros atrás da
cadeira da Profª. Trelawney. Sentou-se, então, apanhou a prancheta na bolsa
florida e ergueu a cabeça em atitude de expectativa, aguardando o início da
aula.
A
Profª. Trelawney apertou os xales em volta do corpo, com as mãos ligeiramente
trêmulas, e inspecionou a turma através das enormes lentes de aumento dos seus
óculos.
— Hoje
continuaremos o nosso estudo dos sonhos proféticos — disse, numa corajosa
tentativa de reproduzir o seu tom místico habitual, embora sua voz tremesse um
pouco — Dividam-se em pares, por favor, e interpretem as últimas visões
noturnas do colega com a ajuda do Oráculo.
Ela
fez um movimento largo para retomar o seu lugar, viu a Profª. Umbridge sentada
bem ao lado, e imediatamente se desviou para a esquerda, em direção a Parvati e
Lilá, que já discutiam absortas o sonho mais recente de Parvati.
Harry
abriu o seu exemplar do Oráculo dos Sonhos, observando Umbridge veladamente.
Ela já estava tomando notas na prancheta. Decorridos alguns minutos,
levantou-se e começou a andar pela sala, acompanhando Trelawney, escutando suas
conversas com os alunos e fazendo perguntas aqui e ali. Harry baixou, ligeiro,
a cabeça para o seu livro.
—
Pense num sonho depressa — pediu a Rony — Caso a sapa velha venha para o nosso
lado.
— Já
fiz isso da última vez — protestou Rony — Agora é a sua vez, você me conta um.
— Ah,
não sei... — disse Harry desesperado, que não conseguia se lembrar de ter
sonhado coisa alguma nos últimos dias — Vamos dizer que eu tenha sonhado que
estava... afogando Snape no meu caldeirão. É, esse deve servir...
Rindo,
Rony abriu o seu Oráculo dos Sonhos.
— Ok,
temos de somar a sua idade à data em que você teve o sonho, o número de letras
que tem o tema do sonho... seria “afogar”, “caldeirão” ou “Snape”?
— Não
importa, escolha qualquer um — disse Harry, arriscando um olhar para trás.
Umbridge
estava agora colada ao ombro de Trelawney, tomando notas enquanto a professora
de Adivinhação interrogava Neville sobre o seu diário de sonhos.
— Em
que noite você tornou a sonhar com isso? — perguntou Rony imerso em cálculos.
— Não
sei, à noite passada, quando você quiser — respondeu Harry, tentando escutar o
que Umbridge dizia à Profª. Trelawney.
Agora
as duas estavam apenas a uma mesa de distância. A Profª. Umbridge anotava mais
alguma coisa na prancheta e a Profª. Trelawney parecia extremamente aborrecida.
—
Agora — perguntou Umbridge, erguendo os olhos para Trelawney — Exatamente há
quanto tempo você vem ocupando este cargo?
A
Profª. Trelawney encarou a outra zangada, os braços cruzados e os ombros
curvados para a frente, como se quisesse se proteger ao máximo da possível
indignidade da inspeção. Após uma breve pausa em que parecia decidir se a
pergunta não era ofensiva, se era razoável deixá-la passar, respondeu em um tom
profundamente ofendido:
—
Quase dezesseis anos.
— Um
bom tempo — comentou a Profª. Umbridge, fazendo outra anotação na prancheta —
Então foi o Prof. Dumbledore que a nomeou?
—
Correto — respondeu secamente.
Umbridge
fez mais uma anotação.
— E
você é tetraneta da famosa vidente Cassandra Trelawney?
— Sou
— confirmou ela erguendo um pouco mais a cabeça.
Mais
um registro na prancheta.
— Mas
acho... corrija-me se eu estiver enganada... que você é a primeira em sua
família desde Cassandra Trelawney a ser dotada de Segunda Visão?
—
Esses dons muitas vezes saltam... hum... três gerações — disse a Profª. Trelawney.
O
sorriso bufonídeo da Profª. Umbridge se ampliou.
—
Naturalmente — disse com meiguice, fazendo mais um registro — Bem, então será
que poderia profetizar alguma coisa para mim?
E
ergueu os olhos com ar indagador, ainda sorridente.
A
Profª. Trelawney ficou tensa, como se não conseguisse acreditar no que ouvia.
— Não
estou entendendo — disse agarrando convulsivamente o xale em torno do pescoço
muito magro.
—
Gostaria que você fizesse uma profecia para mim — disse a Profª. Umbridge muito
claramente.
Harry
e Rony agora não eram as únicas pessoas que observavam e escutavam furtivamente
por trás dos livros. A maioria da turma observava paralisada a Profª. Trelawney
quando ela se empertigou toda, os colares e as pulseiras tilintando.
— O
Olho Interior não vê quando recebe ordem! — disse em tom escandalizado.
—
Entendo — respondeu a outra brandamente fazendo mais uma anotação.
—
Eu... mas... mas... espere! — disse a Profª. Trelawney de repente, tentando
falar no seu tom habitualmente etéreo, embora o efeito místico ficasse um tanto
arruinado pelo modo com que tremia de raiva — Eu... eu acho que estou vendo
alguma coisa... alguma coisa que diz respeito a você... uma coisa escura... um
grave perigo...
A
Profª. Trelawney apontou um dedo trêmulo para Umbridge que continuou a sorrir
brandamente para ela, de sobrancelhas erguidas.
—
Receio... receio que você esteja correndo um grave perigo! — terminou Trelawney
dramaticamente.
Houve
uma pausa.
As
sobrancelhas de Umbridge continuaram erguidas.
—
Certo — disse com suavidade, anotando mais uma vez alguma coisa — Bom, se isto
é realmente o melhor que consegue fazer...
E
virou as costas, deixando a Profª. Trelawney pregada no chão, com o peito
arfante.
Harry
olhou para Rony e percebeu que o amigo estava pensando exatamente o mesmo que
ele: os dois sabiam que a Profª. Trelawney era uma velha charlatona, mas, por
outro lado, tinham tal aversão a Umbridge, que se viram tomando o partido de
Trelawney, isto é, até ela cair em cima deles alguns segundos depois.
—
Muito bem? — disse, estalando os longos dedos embaixo do nariz de Harry, de
forma estranhamente enérgica — Deixe-me ver o progresso que vocês fizeram no
diário de sonhos, por favor.
E
quando terminou de interpretar os sonhos de Harry em alto e bom som (os quais,
até mesmo os que envolviam comer mingau de aveia, pelo visto profetizavam para
ele uma morte precoce e horripilante), o garoto estava se sentindo muito menos
solidário com Trelawney.
Durante
todo o tempo, a Profª. Umbridge se manteve afastada alguns passos, tomando notas
na prancheta e, quando a sineta tocou, foi a primeira a descer pela corda
prateada, e já os aguardava quando eles chegaram à classe de Defesa Contra as
Artes das Trevas, dez minutos depois. Ela sorria e cantarolava baixinho quando
os alunos entraram.
Harry
e Rony contaram a Hermione, que estivera na aula de Aritmancia, exatamente o
que acontecera em Adivinhação, enquanto apanhavam os seus exemplares de Teoria
da Defesa em Magia, mas, antes que Hermione pudesse fazer alguma pergunta, a
Profª. Umbridge chamara a atenção dos alunos e todos se calaram.
—
Guardem as varinhas — mandou ela com um sorriso, e aqueles que esperançosamente
haviam apanhado as varinhas, com tristeza as repuseram nas mochilas — Como
terminamos o capítulo um na aula passada, hoje eu gostaria que abrissem na
página dezenove e começassem a ler o capítulo dois “Teorias de defesa comuns e
suas derivações”. Não haverá necessidade de conversar.
Ainda
sorrindo, aquele sorriso amplo e presunçoso, ela se sentou à escrivaninha.
A
turma deu um suspiro audível quando abriu, como se fossem um só aluno, a página
dezenove. Harry ficou imaginando, entediado, se haveria no livro capítulos
suficientes para mantê-los lendo durante todas as aulas do ano, e ia verificar
o índice quando reparou que Hermione erguera novamente a mão no ar.
A
professora também reparou e, além disso, parecia ter preparado uma estratégia
para essa eventualidade. Em lugar de tentar fingir que não reparara em
Hermione, ela se levantou e deu a volta na primeira fila de carteiras até ficar
cara a cara com a garota, então se inclinou e murmurou, de modo que o restante
da classe não pudesse ouvi-la:
— O
que é agora, Srta. Granger?
— Já
li o capítulo dois.
—
Então passe para o capítulo três.
— Já
li também. Já li o livro todo.
A
Profª. Umbridge piscou os olhos, mas recuperou sua pose quase instantaneamente.
—
Bem, então, você deverá poder me dizer o que Slinkhard escreveu sobre as
contra-azarações no capítulo quinze.
— Ele
escreveu que a denominação contra-azarações é imprópria — respondeu Hermione
imediatamente — E que contra-azaração é apenas o nome que as pessoas dão às
suas azarações quando querem fazê-las parecer mais aceitáveis.
A
Profª. Umbridge, ergueu as sobrancelhas, e Harry percebeu que estava
impressionada, ainda que a contragosto.
— Mas
eu discordo — continuou Hermione.
As
sobrancelhas da professora subiram um pouco mais, e seu olhar se tornou
visivelmente frio.
— A
senhorita discorda?
— É,
discordo — confirmou Hermione, que, ao contrário de Umbridge, não murmurava,
falava em uma voz alta e clara, que a essa altura já atraíra a atenção do resto
da turma — O Sr. Slinkhard não gosta de azarações, não é? Mas acho que podem
ser muito úteis quando são usadas defensivamente.
— Ah,
então essa é a sua opinião? — disse a professora, se esquecendo de murmurar e
endireitando o corpo — Bom, receio que seja a opinião do Sr. Slinkhard que
conte nesta sala de aula, e não a sua, Srta. Granger.
—
Mas... — recomeçou Hermione.
—
Agora basta — disse a professora. Voltou, então, para a frente da sala e se
postou ali, mas toda a segurança que exibira no início da aula se perdera —
Srta. Granger, vou tirar cinco pontos da Grifinória.
Houve
uma eclosão de murmúrios.
— Por
quê? — perguntou Harry indignado.
— Não
se meta! — cochichou Hermione para ele, ansiosa.
— Por
perturbar minha aula com interrupções sem sentido — disse a Profª. Umbridge
suavemente — Estou aqui para lhes ensinar, usando um método aprovado pelo
Ministério que não inclui convidar alunos a darem suas opiniões sobre assuntos
de que pouco entendem. Os professores anteriores desta disciplina podem ter
permitido aos senhores maior liberdade, mas como nenhum deles... com a possível
exceção do Prof. Quirrell, que pelo menos parece ter se restringido a assuntos
apropriados para sua idade... teria passado em uma inspeção do Ministério...
— É,
Quirrell foi um grande professor — disse Harry em voz alta — Exceto pelo
pequeno problema de ter Lorde Voldemort saindo pela nuca.
Este
pronunciamento foi seguido de um dos mais retumbantes silêncios que Harry já
ouvira. Então...
—
Acho que mais uma semana de detenção lhe faria bem, Sr. Potter — disse Umbridge
com voz sedosa.
* * *
O corte nas costas da mão
de Harry mal sarara e, na manhã seguinte, já voltava a sangrar. Ele não se
queixou durante a detenção da noite; estava decidido a não dar a Umbridge essa
satisfação. Repetidamente ele escreveu Não devo contar mentiras, e nenhum som
escapou de seus lábios, embora o corte se aprofundasse a cada letra.
A
pior parte desta segunda semana de detenções foi, exatamente como Jorge
predisse, a reação de Angelina. Ela encostou-o contra a parede na hora em que
ele chegou à mesa da Grifinória para o café da manhã de Terça-Feira, e gritava
tão alto que a Profª. McGonagall se levantou da mesa dos professores e correu
para os dois.
—
Srta. Johnson, como se atreve a fazer um estardalhaço desses no Salão
Principal? Cinco pontos a menos para Grifinória!
—
Mas, professora, ele arranjou outra detenção...
— Que
história é essa, Potter? — perguntou a professora rispidamente, virando-se para
Harry — Detenção? De quem?
— Da
Profª. Umbridge — murmurou Harry, sem encarar os olhos penetrantes por trás dos
óculos de aros quadrados.
—
Você está me dizendo — perguntou ela, baixando a voz para que o grupo de alunos
curiosos da Corvinal atrás deles não pudesse ouvir — Que depois do aviso que
lhe dei na Segunda-Feira passada você se descontrolou outra vez na aula da
Profª. Umbridge?
—
Sim, senhora — murmurou Harry, olhando para o chão.
—
Potter, você precisa se controlar! Você está caminhando para uma séria
encrenca! Menos cinco pontos para Grifinória outra vez!
—
Mas... quê... professora, não! — exclamou Harry, indignado com a injustiça — Já
estou sendo castigado por ela, por que a senhora precisa nos tirar pontos
também?
—
Porque as detenções parecem não produzir o menor efeito em você! — respondeu a
professora, azeda — Não, nem mais uma palavra de reclamação, Potter! E quanto à
Srta. Johnson, no futuro restrinja os seus gritos ao campo de quadribol ou se
arriscará a perder a função de capitã do time!
A
Profª. McGonagall voltou à mesa dos professores.
Angelina
lançou a Harry um olhar de profundo descontentamento e foi embora, ao que Harry
se atirou no banco ao lado de Rony, espumando.
— Ela
tirou cinco pontos da Grifinória porque minha mão está sendo fatiada todas as
noites! Como é que isso pode ser justo, como?
— Eu
sei, cara — disse Rony solidário, servindo bacon no prato do amigo — Ela está
completamente baralhada.
Hermione,
porém, meramente folheou as páginas do Profeta Diário e não fez nenhum comentário.
—
Você acha que McGonagall estava com a razão, não é? — perguntou Harry, zangado,
à foto de Cornélio Fudge que tampava o rosto de Hermione.
— Eu
gostaria que ela não tivesse descontado pontos de você, mas acho que tem razão
quando o avisa para não perder a cabeça com a Umbridge — disse a voz de
Hermione, enquanto Fudge gesticulava com energia, na primeira página,
obviamente fazendo um discurso.
Harry
não falou com Hermione durante toda a aula de Feitiços, mas, quando entraram em
Transfiguração, ele esqueceu que estava zangado com a amiga.
A
Profª. Umbridge achava-se sentada a um canto, com sua prancheta, e essa visão
apagou a cena do café da manhã de sua lembrança.
—
Excelente — sussurrou Rony, quando se sentaram nos lugares de sempre — Vamos
ver se a Umbridge recebe o que merece.
A
Profª. McGonagall entrou decidida na sala, sem dar a menor indicação de que
sabia que a Profª. Umbridge se achava presente.
—
Agora chega — disse ela, e os alunos fizeram imediato silêncio — Sr. Finnigan,
tenha a bondade de vir até aqui e entregar esses deveres aos seus colegas...
Srta. Brown, por favor, apanhe esta caixa de ratinhos... não seja tola, menina,
eles não vão lhe fazer mal... e dê um a cada aluno...
—
Hem, hem — fez a Profª. Umbridge, usando a mesma tossezinha boba que usara para
interromper Dumbledore na primeira noite do ano letivo.
A
Profª. McGonagall fingiu não ouvir.
Simas
devolveu a Harry o trabalho dele, que o apanhou sem olhar para o colega e viu,
para seu alívio, que conseguira um “A”.
—
Muito bem, ouçam todos com atenção... Dino Thomas, se fizer isto outra vez com
o ratinho lhe darei uma detenção... a maioria da turma conseguiu fazer
desaparecer as lesmas, e mesmo aqueles que as deixaram com vestígios do caracol
entenderam o objetivo do feitiço. Hoje, vamos...
—
Hem, hem — fez a Profª. Umbridge.
—
Sim? — disse a Profª. McGonagall se virando, as sobrancelhas tão juntas que
pareciam formar uma linha única e severa.
— Eu
estava me perguntando, professora, se a senhora teria recebido o meu bilhete
avisando a data e a hora da sua insp...
—
Obviamente que a recebi, ou teria lhe perguntado o que está fazendo na minha
sala de aula — disse ela, dando as costas com firmeza à Profª. Umbridge.
Muitos
estudantes trocaram olhares de alegria.
—
Como eu ia dizendo: hoje, vamos praticar o Feitiço da Desaparição em ratinhos,
que é bem mais difícil. Bem, o Feitiço da Desaparição...
—
Hem, hem.
— Eu
me pergunto — disse a Profª. McGonagall numa fúria gélida, virando-se para a
outra — Como é que você espera avaliar os meus métodos de ensino habituais se
continua a me interromper? Em geral, eu não permito que as pessoas falem quando
eu estou falando, entende?
A
Profª. Umbridge pareceu que tinha levado uma bofetada no rosto. Não falou, mas
endireitou o pergaminho em sua prancheta e começou a escrever furiosamente.
Parecendo supremamente indiferente, a Profª. McGonagall se dirigiu mais uma vez
à turma.
—
Como eu ia dizendo: o Feitiço da Desaparição se torna mais difícil quanto maior
a complexidade do animal a se fazer desaparecer. A lesma, como invertebrado,
não apresenta grande desafio, o ratinho, como mamífero, oferece um desafio
muito maior. Não é, portanto, um feitiço que se possa realizar com a cabeça no
jantar. Vocês já conhecem a fórmula cabalística, então vejamos o que são
capazes de fazer...
—
Como é que ela pode me fazer preleção de que não devo me descontrolar com a
Umbridge! — resmungou Harry para Rony, baixinho, mas estava sorrindo; sua raiva
da Profª. McGonagall tinha praticamente evaporado.
A
Profª. Umbridge não acompanhou McGonagall pela sala como fizera com a
Trelawney, talvez tenha percebido que a colega não permitiria. Fez, no entanto,
um número muito maior de anotações, sentada em seu canto, e quando McGonagall
finalmente disse aos alunos para guardarem o material e sair, ela se levantou
com uma expressão muito séria no rosto.
—
Bom, é um começo — disse Rony, erguendo um rabo de rato comprido e retorcido e
largando-o de volta na caixa que Lilá estava passando pela classe.
Quando
os alunos saíram enfileirados da sala, Harry viu a Profª. Umbridge se aproximar
da escrivaninha da McGonagall, ele cutucou Rony, que, por sua vez cutucou
Hermione, e os três intencionalmente ficaram para trás para escutar.
— Há
quanto tempo você está ensinando em Hogwarts? — perguntou a Profª. Umbridge.
—
Trinta e nove anos, agora em Dezembro — respondeu McGonagall bruscamente,
fechando sua bolsa com um estalo.
Umbridge
fez uma anotação.
—
Muito bem, você receberá o resultado da inspeção dentro de dez dias.
— Mal
posso esperar — respondeu McGonagall, com uma voz fria e indiferente, e se
encaminhou para a porta — Andem depressa vocês três — acrescentou, empurrando
Harry, Rony e Hermione à sua frente.
Harry
não pôde deixar de lhe dar um leve sorriso, e seria capaz de jurar que recebeu
outro em resposta.
Ele
pensou que só tornaria a ver Umbridge à noite, na detenção, mas estava muito
enganado. Quando iam descendo os gramados em direção à Floresta, para assistir
à aula de Trato das Criaturas Mágicas, encontraram-na, com a prancheta, ao lado
da Profª. Grubbly-Plank.
—
Normalmente não é você que ensina esta disciplina, correto? — Harry a ouviu
perguntar quando se aproximaram da mesa de cavalete, onde o grupo de
tronquilhos capturados se atropelava para apanhar bichos-de-conta como se
fossem gravetos vivos.
—
Correto — respondeu a Profª. Grubbly-Plank, com as mãos nas costas e o corpo
balançando sobre a planta dos pés — Sou uma professora substituta, ocupando o
lugar do Prof. Hagrid.
Harry
trocou olhares apreensivos com Rony e Hermione.
Malfoy
estava cochichando com Crabbe e Goyle, ele certamente adoraria essa
oportunidade para contar histórias sobre Hagrid a uma funcionária do
Ministério.
—
Humm — fez a Profª. Umbridge, baixando a voz, embora Harry ainda pudesse
ouvi-la muito claramente — Eu estive pensando... o diretor me parece
estranhamente relutante em fornecer informações: você poderia me dizer o que
está causando a prolongada licença de afastamento do Prof. Hagrid?
Harry
viu Malfoy erguer a cabeça.
—
Creio que não — disse a professora em tom despreocupado — Sei tanto quanto
você. Recebi uma coruja do Dumbledore, gostaria que eu desse aulas durante umas
duas semanas. Aceitei. É tudo que sei. Bom... posso começar, então?
—
Claro, por favor — disse a Profª. Umbridge, escrevendo em sua prancheta.
Umbridge
adotou uma abordagem diferente nesta aula e caminhou entre os alunos, fazendo
perguntas sobre criaturas mágicas. A maioria soube responder bem, e Harry se
animou um pouco, pelo menos a turma não estava deixando Hagrid mal.
— De
um modo geral — perguntou a Profª. Umbridge, voltando para perto da Profª.
Grubbly-Plank depois de interrogar Dino Thomas longamente — O que é que você,
como membro temporário do quadro docente, uma observadora externa, suponho que
poderíamos dizer, que é que você acha de Hogwarts? Você acha que recebe apoio
suficiente da diretoria da escola?
— Ah,
sim, Dumbledore é excelente — disse a Profª. Grubbly-Plank com entusiasmo —
Estou muito feliz com o modo com que a escola é administrada, realmente muito
feliz.
Com
um ar de educada incredulidade, Umbridge fez uma minúscula anotação na
prancheta e continuou:
— E o
que é que você está planejando cobrir em suas aulas durante o ano, presumindo é
claro, que o Prof. Hagrid não volte?
— Ah,
repassarei com os alunos as criaturas que são pedidas com maior freqüência no
N.O.M. Não há muito mais a fazer: eles já estudaram os unicórnios e os
pelúcios. Pensei em abordar os pocotós e os amassos, me certificar de que são
capazes de reconhecer os crupes e os ouriços, entende...
—
Bem, em todo o caso você parece saber o que está fazendo — concluiu a Profª.
Umbridge, ticando muito enfaticamente o pergaminho na prancheta.
Harry
não gostou da ênfase que ela deu ao “você”, e gostou menos ainda quando a
professora fez a pergunta seguinte a Goyle.
—
Agora, ouvi dizer que tem havido alunos feridos nesta classe.
Goyle
deu um sorriso idiota.
Malfoy
se apressou a responder.
— Foi
comigo. Levei uma lambada de um hipogrifo.
—
Hipogrifo? — repetiu a Profª. Umbridge, agora escrevendo freneticamente.
— Só
porque ele foi burro demais e não deu ouvidos às instruções de Hagrid —
comentou Harry, zangado.
Rony
e Hermione gemeram.
A
Profª. Umbridge virou a cabeça lentamente na direção de Harry.
—
Mais uma noite de detenção, creio eu — disse brandamente — Bem, muito obrigada,
Grubbly-Plank, acho que é tudo que preciso saber. Você receberá o resultado de
sua inspeção dentro de dez dias.
— Que
bom! — disse a Profª. Grubbly-Plank, e a Profª. Umbridge começou a subir o
gramado para voltar ao castelo.
* * *
Era quase meia-noite quando
Harry deixou a sala de Umbridge aquela noite, sua mão agora sangrava tanto que
manchava o lenço em que ele a enfaixara. Esperava que a Sala Comunal estivesse
vazia quando voltasse, mas Rony e Hermione estavam acordados à sua espera.
Ficou feliz em vê-los, principalmente porque Hermione estava disposta a se
solidarizar com ele ao invés de criticá-lo.
—
Tome — disse, ansiosa, estendendo uma tigelinha com um líquido amarelo —
Encharque a mão nisso, é uma solução de tentáculos de murtisco em salmoura e
depois peneirados, deve ajudar.
Harry
colocou a mão, que sangrava e doía, na tigela e experimentou uma maravilhosa
sensação de alívio. Bichento se enrolou em suas pernas, ronronando alto, depois
saltou para o seu colo e se acomodou.
—
Obrigado — disse, agradecido, coçando atrás das orelhas do gato com a mão
esquerda.
— Eu
ainda acho que você devia reclamar — disse Rony em voz baixa.
— Não
— disse Harry categoricamente.
—
McGonagall ia endoidar se soubesse...
—
Provavelmente ia. E quanto tempo você acha que levaria para Umbridge aprovar
outro decreto dizendo que quem reclamar da Alta Inquisidora será imediatamente
despedido?
Rony
abriu a boca para retorquir, mas não emitiu som algum e, passado um instante,
tornou a fechar a boca, derrotado.
— Ela
é uma mulher horrível — disse Hermione baixinho — Horrível. Sabe, eu estava
dizendo ao Rony quando você entrou... temos de fazer alguma coisa a respeito
dela.
— Eu
sugiro veneno — disse Rony com ferocidade.
—
Não... quero dizer, alguma coisa para divulgar que é uma péssima professora, e
que não vamos aprender Defesa alguma com ela — explicou Hermione.
—
Bom, e o que é que podemos fazer? — perguntou Rony bocejando — Já é tarde à
beça, não é não? Ela foi nomeada e veio para ficar, Fudge vai garantir isso.
— Bom
— disse Hermione hesitante — Sabe, estive pensando hoje...
Lançou
um olhar nervoso a Harry, e então prosseguiu:
—
Estive pensando... talvez tenha chegado a hora de simplesmente... simplesmente
nos virarmos sozinhos.
— Nos
virarmos sozinhos fazendo o quê? — perguntou Harry, desconfiado, mantendo a mão
flutuando na essência de murtisco.
—
Bom... aprendendo Defesa Contra as Artes das Trevas sozinhos — concluiu
Hermione.
— Ah,
corta essa — gemeu Rony — Você quer que a gente faça trabalho extra? Você tem
idéia do quanto Harry e eu estamos outra vez atrasados com os nossos deveres e
só estamos na segunda semana de aulas?
— Mas
isto é muito mais importante do que os deveres de casa.
Harry
e Rony arregalaram os olhos para ela.
—
Pensei que não houvesse nada mais importante no universo do que os deveres de
casa! — caçoou Rony.
— Não
seja bobo, claro que há — rebateu Hermione, e Harry notou, com um mau
presságio, que o rosto da amiga se tornara inesperadamente radioso, com aquele
tipo de fervor que o F.A.L.E. normalmente lhe inspirava — Trata-se de nos
prepararmos, como disse o Harry na primeira aula da Umbridge, para o que nos
aguarda lá fora. Trata-se de garantir que realmente possamos nos defender. Se
não aprendermos nada o ano inteiro...
— Não
podemos fazer muita coisa sozinhos — disse Rony com um quê de derrota na voz —
Quero dizer, tudo bem, podemos ir procurar azarações na Biblioteca e tentar
praticá-las, suponho...
—
Não, concordo, já passamos da fase em que podemos aprender apenas com livros —
disse Hermione — Precisamos de um professor, de verdade, que possa nos mostrar
como usar os feitiços e nos corrigir quando errarmos.
— Se
você está falando do Lupin... — começou Harry.
—
Não, não, não estou falando de Lupin. Ele está ocupado demais com a Ordem e, de
qualquer jeito, o máximo que poderíamos vê-lo seria nos fins de semana em
Hogsmeade, e eles não acontecem com tanta frequência assim.
—
Quem, então? — perguntou Harry, franzindo a testa para a amiga.
Hermione
deu um suspiro muito profundo.
—
Será que não está óbvio? Estou falando de você, Harry.
Houve
um momento de silêncio. Uma leve brisa noturna sacudiu as vidraças atrás de
Rony, e o fogo oscilou.
—
Falando de mim, o quê? — perguntou Harry.
—
Estou falando de você nos ensinar Defesa Contra as Artes das Trevas.
Harry
encarou Hermione. Depois se virou para Rony, pronto para trocar os olhares
exasperados que às vezes trocavam quando Hermione detalhava esquemas fora da
realidade como o F.A.L.E., mas, para seu desânimo, Rony não parecia exasperado.
Estava com a testa ligeiramente enrugada, em aparente reflexão. Então disse:
— É
uma ideia.
— O
que é uma ideia? — perguntou Harry.
—
Você. Nos ensinar.
—
Mas...
Harry
estava sorrindo agora, certo de que os dois estavam gozando com a cara dele.
— Mas
eu não sou professor, não sei...
— Harry,
você foi o melhor do ano em Defesa Contra as Artes das Trevas — disse Hermione.
— Eu?
— Harry agora estava com um sorriso maior que nunca — Não, não fui, você me
bateu em todos os testes...
— Não
é verdade — respondeu Hermione calmamente — Você me bateu no terceiro ano: o
único ano em que nós dois prestamos exames e tivemos um professor que realmente
conhecia o assunto. E não estou falando de notas, Harry. Pense no que você já
fez!
—
Como assim?
—
Sabe de uma coisa, não tenho certeza se quero alguém burro assim como professor
— disse Rony a Hermione, com um sorriso afetado.
Em
seguida virou-se para Harry.
—
Vamos raciocinar — disse, fazendo uma cara igual à de Goyle quando se
concentrava — Uh... Primeiro Ano: você salvou a Pedra Filosofal de Você-Sabe-Quem.
— Mas
aquilo foi sorte — retrucou Harry — Não foi habilidade...
—
Segundo Ano — interrompeu-o Rony — Você matou o basilisco e destruiu Riddle.
— É,
mas se Fawkes não tivesse aparecido, eu...
—
Terceiro Ano — disse Rony, ainda mais alto — Você enfrentou e pôs para correr
uns cem Dementadores de uma vez só...
—
Você sabe que aquilo foi por acaso, se o Vira-Tempo não tivesse...
— No
ano passado — continuou Rony, agora quase aos gritos — Você tomou a enfrentar
Você-Sabe-Quem...
—
Escutem aqui! — disse Harry, quase com raiva, porque agora os dois, Rony e
Hermione, estavam rindo tolamente — Querem me escutar um instante? Parece muito
legal quando vocês falam, mas foi tudo sorte: metade do tempo eu nem sabia o
que estava fazendo, não planejei nada, fiz apenas o que me ocorreu na hora, e
quase sempre tive ajuda...
Rony
e Hermione continuavam a rir tolamente, e a irritação de Harry começou a
crescer, nem ele sabia por que estava ficando tão zangado.
— Não
fiquem aí sentados com esse sorriso bobo como se soubessem mais do que eu, era
eu quem estava lá, ou não? — perguntou, indignado — Eu sei o que aconteceu,
está bem? E não me safei de nada porque era genial em Defesa Contra as Artes
das Trevas, me safei porque... porque recebi ajuda na hora certa ou porque tive
um palpite certo... mas fiz tudo às cegas, não tinha a menor ideia do que
estava fazendo... E PAREM DE RIR!
A
tigela de essência de murtisco caiu no chão e se partiu.
Harry
percebeu que estava em pé, embora não conseguisse se lembrar de ter se
levantado. Bichento disparou para baixo de um sofá.
Os
sorrisos de Rony e Hermione tinham sumido.
—
Vocês não sabem como é! Vocês, nenhum dos dois, vocês nunca tiveram de encarar
Voldemort, não é? Vocês pensam que é só decorar uma pá de feitiços e lançar
contra ele, como se estivessem na sala de aula ou coisa parecida? O tempo todo
você sabe que não tem nada entre você e a morte a não ser o seu... o seu
cérebro ou sua garra ou o que seja... como se alguém pudesse pensar direito
quando sabe que está a um nanossegundo de ser morto ou torturado, ou está vendo
seus amigos morrerem... nunca nos ensinaram isso nas aulas, como é que se lida
com essas coisas... e vocês dois ficam aí sentados, achando que sou um
garotinho sabido por estar em pé aqui, vivo, como se Diggory fosse burro, como
se tivesse feito besteira, vocês não entendem, podia muito bem ter sido eu, e
teria sido se Voldemort não precisasse de mim...
— Não
estávamos falando nada disso, cara — disse Rony, estupefato — Não estávamos
falando mal do Diggory, não... você entendeu tudo ao contrário...
Ele
olhou desamparado para Hermione, cujo rosto exibia uma expressão de choque.
—
Harry — disse ela timidamente — Você não está vendo? É por isso... por isso
mesmo que precisamos de você... precisamos saber como é realmente... enfrentar
ele... enfrentar o V-Voldemort.
Era a
primeira vez que ela dizia o nome de Voldemort e isso, mais do que qualquer
outro argumento, foi o que acalmou Harry.
Ainda
ofegante, ele tornou a se sentar na poltrona, percebendo, ao fazê-lo, que sua
mão voltara a latejar barbaramente. Desejou não ter quebrado a tigela com a
essência de murtisco.
—
Bom... pense no assunto — disse Hermione baixinho — Por favor?
Harry
não conseguiu pensar em nada para responder. Já estava se sentindo envergonhado
por ter explodido.
Concordou
com a cabeça, sem ter perfeita noção com o que estava concordando.
Hermione
se levantou.
—
Bom, vou me deitar — disse, no tom mais natural que pôde — Hum... noite.
Rony
se levantou também.
—
Você vem? — perguntou, sem jeito, ao amigo.
— Vou.
Num... num minuto. Vou limpar essa sujeira.
Ele
indicou a tigela partida no chão. Rony assentiu com a cabeça e foi embora.
—
Reparo! — murmurou Harry, apontando a varinha para os cacos de porcelana. Eles
se juntaram, a tigela ficou como nova, mas não havia como fazer a essência de
murtisco voltar à tigela.
De
repente, sentia-se tão cansado que ficou tentado a se largar na poltrona e
dormir ali, mas, em vez disso, fez um esforço para se levantar e seguiu o
exemplo de Rony. Sua noite inquieta foi mais uma vez pontuada por sonhos de
longos corredores e portas fechadas, e ele acordou no dia seguinte com a
cicatriz formigando outra vez.
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